Abelhinha, me dá o teu mel?

Um conto erótico de Dödòi
Categoria: Heterossexual
Contém 841 palavras
Data: 17/01/2008 08:17:03
Assuntos: Heterossexual

- Essa abelhinha vai dar muito mel...

- Que abelhinha?

- Você.

- Não sou abelhinha, viu? Sou gente, tá? Não gosto que me chame de abelhinha, viu?

Abelha era bicho feio, que mordia a gente.

Depois que vi que abelhinhas eram bichinhos bonitinhos, que davam mel, fiquei até vaidosa. Brincadeira gostosa, carinhosa, e rimada que é uma beleza. Quase inocente. Nada indecente, porque indecência ainda não cabia na alma de uma abelhinha que estava longe de dar mel.

Ninguém me chamava de abelhinha. Só ele. Por que nunca contei pra ninguém? Não sei. Deixo na conta dos insondáveis mistérios femininos, que nascem com a gente.

Depois, passei a responder: Dou mel, não, seu bobo... Vai dar, vai dar, bobinha...Não vou voar, não, seu bobo. Vai sim, minha abelhinha.

De depois em depois...

Oi, minha abelhinha, cada vez mais linda, quase voando, quase dando mel. Bobo! Vou pegar teu mel todinho pra mim. Não sei que mel, seu bobo!

Nós mentais, a serem desatados. Mistérios quase misteriosos. Curiosidades sobre fundos de verdade, sobre coisas sentidas mas não refletidas. Que mel? Que mel? Que mel é esse? Outro nó: o “minha” abelhinha já causando as delícias do pertencimento.

Abelhinha, sim. Só dele.

No desate desses nós e tantos outros, as descobertas. O incômodo gostoso, espelhado em sinais de perigos já não tão desconhecidos e dos inevitáveis e perturbadores alertas espraiando-se pelo corpo. E na alma.

Movimento autofágico: a abelhinha foi engolindo a bobinha. Tinha que engolir. É da vida.

E ficou.

E voou, em pensamentos, inaugurando sua fábrica de mel. Gotinhas apenas, caldinho discreto, no lento desate dos nós. Movida a pensamentos. Quanto mais pensava, mais mel produzia. Muito mel. Bom de expelir, bom de sentir brotar, de fazer brotar. Meu mel, esse o meu mel. O mel dele, só dele.

Não sei como nasci tão sonsa.

Oi, abelhinha, cada vez mais linda e gostosa. Cadê o mel? Quero colher. Deixa de ser nojento, indecente. Aqui tu não encosta nem o dedo, bobão. E, sem pressa, escondia meus biquinhos, estufados, com o fichário. Ofendida? Ficava nada. Dava um risinho por dentro e seguia, cheia de graça, toda orgulhosa, com minha fábrica de mel a todo vapor.

Indecente? Mais ou menos. Exibida? Muito. Tá na alma. E quem não gosta? Me agarrar, não ia mesmo. Me forçar, também não. O bom era o jogo. Perigoso, eu sei. Mas quem não namora o perigo?

Meu mel, abelhinha, quero esse mel gostoso, me dá logo, abelhinha. Nunquinha, bobo. Só um pouquinho, minha abelhinha. Nã-na-ni-na-não, bobo. Não queria dizer “bobo”, queria dizer o nome dele. Intimidade demais, confiança demais. Continha-me. Mas fazia pior: vez em quando, “esquecia” de tapar os bicos estufados e latejantes com o fichário. Ele ficava doidinho. E eu latejava mais. Coisa de abelhinha querendo voar. E meu mel brotava. E como brotava. De escorrer gostoso.

Pensar nele colhendo o meu mel, eu pensava. Acho que o tempo todo. Apenas como fantasia. Limites de menina-moça. Nada como sugeriam os rapazes quando falavam coisas nojentas. Meu pensar rejeitava o “foder”, dar, ser comida, fodida ou qualquer dessas variáveis imundas. Era só a colheita do meu mel. O como? Recusava-me a pensar. Saber eu sabia, claro, das imundícies, como eram. Mas ainda não ousava ir além desse limite. Instinto de preservação, romantismo adolescente.

Um tanto apimentadinho, é verdade.

Mas o imundo é camaleão traiçoeiro. Ora um breu horroroso; ora um colorido irresistível. E os limites do pensar são quimeras. Frágeis. Não dá para ser Alice a vida inteira, nem que se queira. O consumo do tempo é trágico. Dramático. O prazer é dramático. O desejo é dramático. Não é uma escolha. É um permanente quero-não-quero, um gosto-não-gosto, um posso-não-posso, senhorio e domínio de vontades-tormentos. Terreno minado da libido, a martirizar o corpo, os nervos, a alma. Cada passo, uma explosão. De dentro pra fora.

Que é perverso, é.

Tão perverso quanto o desaparecimento dele. Vendeu a loja. Sumiu. Meses de tristeza, milhões de abelhinhas delicadamente desenhadas nos meus cadernos. Saudades e vontades ampliadas, transformadas em possibilidades reais.

Quando a metáfora diluiu-se nos escaninhos das minhas melhores saudades, o sentido do imundo subverteu-se, deixando de ser imundo. Aí veio a culpa, um arrependimento ao contrário: não ter deixado ele colher o meu mel. O quanto quisesse.

Era tarde.

Empurrada pelo tempo e pela inexorável realidade do prazer real, a abelhinha ficou no passado. Mistura de doce lembrança e amarga decepção. Agridoce.

Sublimei.

Deixou uma tatuagem, indelével: atração por homens mais velhos. O primeiro, porém, tinha a minha idade, dezesseis. Uma eloqüente amostra-grátis do que poderia ser muito melhor. A fila andou, como dizem agora. Sempre na direção da experiência.

Parou num professor.

Vivido, libido calejada, cerebral, voraz. Um fauno. Fez-me caminhar pelos recantos mais obscuros da alma, sob as penumbras da razão, numa busca prometéica dos êxtases mais delirantes e gozos mais brutais.

Mas nunca colheu o meu mel. Meu mel, jamais.

O que sempre ofereci, a ele e aos outros, foi a minha calda. Muita. Redundantemente caudalosa, inesgotável. Honesta.

Meu mel tem dono.

A abelhinha espera, quase sublimada.

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Comentários

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Ter dado um 7 pra você foi injustiça. Naquele tempo, não tinha noção das notas; estava apenas começando a conhecer o site. Vou reparar meu erro e dar 10. É merecido. Gosto demais dos seus contos! Beijos arrependidos!

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Já disse uma vez e repito... Depois de ler os textos da Dödòi a gente chega a ficar com vergonha de escrever, mesmo pra gente que é homem, não há como não se senzibilizar com tanta beleza do ponto de vista feminino que ela impôe. 10... De novo!

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