Eram umas 2 e 40 da madrugada de terça-feira e passei a mão no rosto anaçado por ter dormido com o rosto encima do livro, meu celular ainda tocava uma música mó deprê, que estava agora, no chão. O peguei, tinha 4 mensagens de Filipi, meu namorado. Desliguei a bateria sem ler e soltei um suspiro, poderia ter sido 3 dele e uma dela, pelo menos, desejando boa noite.
Tinha sido aniversário dela há 9 dias, 17 anos, e eu não tive sequer coragem de mandar um seco “parabéns”, mas o pensamento de uma possível resposta dela com um “quem é?” subitamente me fez desistir. Respirei fundo, prometi que não iria mais pensar nela.
No dia seguinte, pela manhã, fui pro curso sem animação nenhuma pra nada, parecia que tinha dormido por cima do coração e não do braço que doía um pouco. No intervalo, sai pra tomar café e liguei meu celular, nada. Nada. Nada. Nada.
E mais uma vez fui pra escola, e a presença dela é meu castigo. Ela, Camila, ou Mila, como todos os amigos dela chamam, ao lado da minha sala do segundo ano. Cheguei atrasada ao lado de Higor, que tagarelava sobre o que não faço ideia, ela estava sentada em um batente enfrente a sua sala, lendo um livro de bolso, parecia tão concentrada. Mesmo naquela farda escolar, ela era a garota mais linda ali ou em qualquer outro lugar. O cabelo liso e longo jogado de qualquer jeito pro lado, em um tom de castanho-claro, rosto sem maquiagem, cílios longamente perfeitos e lábios finos. Um pircing brilhoso no nariz chamava tanta atenção que era impossível não encarar. A calça puxada até os joelhos mostravam os tênis de cano médio e uma cicatriz pra não colocar defeito. Fechei meus olhos e suspirei, minha sala era depois da dela, tinha que passar por lá. Caminhei, em passos lentos como se dando tempo pra ela resolver entrar na sala dela e me deixar passar em paz, mas ela lia como se estivesse sozinha no Texas, os olhos dela não iam além de menos de um palmo de tamanho. E não, ela não virou quando passei.
Os três primeiros horários foram um pesadelo. No intervalo fui atrás de Laís, do terceiro ano. Ficamos conversando mas da onde eu estava dava de ver o local inteiro onde o pessoal ficava quando estava no intervalo (além da sala de aula), e ela estava lá, em pé com os mesmos amigos. Eles riam e ela abraçada com o que eu acho ser o melhor amigo dela, Isaac, me fazia ter vontade de estar lá no lugar dele, rindo do que quer que fosse….
* * *
Nós quase tivemos um começo de estória, era final do ano passado e eu a conheci através de Amanda, uma amiga minha que estudava na mesma sala que ela. Eu já namorava o André mas a conexão foi inevitável, não que tivéssemos alguma coisa em comum. Nada a ver, a gente não tem nada a ver. Ela é um furacão em pessoa. Bebe, fuma, não liga pra nada, quebra corações e gosta de química, sai com os amigos todos os dias, briga com os pais e não se importa. Nunca se importa. Amanda salvou o número dela no meu celular (caso ela não me atendesse, pra eu ligar pra Mila que, com certeza, estariam juntas), e um dia qualquer mandei um sms pra ela e ficamos conversando. Ela perguntou se eu tinha namorado, falei que sim. Perguntei se ela tinha, disse que não. Perguntei se estava interessada em alguém, ela falou que sim. E continuamos falando disso….
Mila “é uma pessoa muito especial, acho que me apaixonei”
Ana “mas eu conheço? É algum de nossos amigos?”
Mila “conhece sim”
Ana “é lá da escola?”
Mila “se eu te contar, promete não dizer pra ninguém?”
Ana “claro, segredo secreto”
Mila “uma tal de Ana Paula, amiga de Amanda, sabe, Amanda?”
Paralizei. Ana Paula amiga de Amanda era eu desde o dia que eu nasci. Amanda era filha da melhor amiga da minha mãe e consequentemente, minha melhor amiga.
Ana “fala sério?”
Mila “muito sério, mas eu não estou dando encima de você”
Ana “eu sei que não”
Tracamos mais umas 3 mensagens e nos despedimos, olhei as horas, eram 3 hrs da manhã.
Uau, pensei, então ela tinha sentido a conecção também.
Fui dormir sorrindo pro nada. No outro dia, na escola, ela agiu naturalmente. Não que eu esperasse outra atitude. O dia se passou longamente arrastado. Queria tanto contar pra Amanda a novidade, mas ela não tinha ido. Quando saí queria vê-la na porta da escola, Camila, mas ela não estava. Filipi me esperava com o telefone na orelha, e tão na cara quanto seus olhos escuros, estava ligando pra mim. Meu celular estava desligado. Falei com ele, ficamos um pouco lá e viemos juntos pra casa. Desde o dia que Amanda tinha me apresentado Mila eu, involuntariamente fiquei indiferente com Filipi. Não que ele merecesse, era um ótimo namorado. Mas meu coração se apaixonou por um desastre.
2 Dias depois, fomos liberados mais cedo, todo o primeiro ano, então decidimos ir pra uma praça que tinha um pouco perto de lá. Eu já sabia o jeito de Camila, todos ali conheciam ela. Eles bebiam e ela estava fumando. Sentei em um dos bancos e abri o livro que eu estava lendo. Não demorou muito pra ela sentar ao meu lado, com um cigarro na mão, outro com toda certeza.
Mila “ se importa?” eu me importava muito, não gostava nem um pouco do cheiro.
Ana “ não”
Mila “o que você está lendo?”
Ana “romance, acho que não faz muito seu tipo”
Ela sorriu.
Mila “tenta” ela me encarou até eu desviar os olhos pras páginas “lê um pouco pra mim”
Li em voz alta da parte que eu tinha parado, eu mesma não estava entendendo nada, eu lia e olhava pra ela, que encarava o cigarro e a fumaça. Assim que ela apagou o cigarro pensei que aquele era o momento perfeito, mesmo com o gosto ruim eu não me importaria. Foi então que um dos amigos dela a chamou. Ela levantou e eu tentei pegar na mão dela pra impedir, mas consegui pegar apenas um chaveiro de violão da bolsa de lado dela. Ela virou, e sorriu vendo o violão de madeira pequena na minha mão.
Mila “quero de volta” e saiu.
Uns 20 minutos depois começou um sereno, que virou chuva forte num piscar de olhos. Corri pra me abrigar num bar bem próximo, estava fazendo mó frio e eu tremia, já tinha escurecido. Assim que parou, imediatamente desci as escadas pra chamar Amanda pra irmos pra casa, iria, mesmo não aguentando mais, deixar o negócio com Camila pro um outro dia... Mas assim que desco os 6 primeiros degraus da escadaria dou de cara com Amanda e Camila se beijando. Elas estavam molhadas e o resto do pessoal também. Mas eles bebiam e fumavam e riam de não me importava o quê. Engoli uma coisa estralha que ameaçava sair rasgando dentro de mim. Ciúmes. É, acho que era isso. Fiquei olhando, ninguém parecia perceber, elas pararam o beijo aos risos em selinhos, Amanda tirou um bombom da bolsa e colocou na boca de Mila e a beijou de novo. Peguei pelo braço de Amanda e falei que precisávamos ir urgente, ela falou que o irmão de Mila ia buscar o pessoal e deixar em casa. Agradeci mas dispensei, arrastei ela.
É, não consegui dormir nessa noite.