O Sibilino I

Um conto erótico de Irish
Categoria: Homossexual
Contém 833 palavras
Data: 06/04/2015 16:48:05

1902

Na epoca em que Luiz Alfredo Fleury acabara de regressar de Paris, eu estava noivo de Georgiana havia quase dois meses. Para mim, foi como a surpresa de um mundo novo, vibrante e enlouquecedor a chegada daquele jovem louro e exuberante que, de braços dados escandalosamente com seu amante Emanuel, exibia para quem quisesse ver a sua conduta sexual que chocava a todos.

Ele era o filho unico de um casal descendente da aristocracia carioca, dois primos que se casaram para deixar a fortuna entre a familia. Quando Luiz Alfredo tinha doze anos, seus pais faleceram num acidente estupido com uma balsa que acabou virando na baia da Guanabara durante um passeio. Ele, entao, foi mandado à Paris para estudar e viver com uns parentes distantes, e agora, dez anos depois, retornava com seu curso de Direito incompleto, o amante à tiracolo, e muita soberba.

Eu contava entao vinte e tres anos. Um advogado recem-formado, entre tantos, com clientela razoavel, noivo sem paixao nenhuma de uma moça nervosa, ciumenta e esquisita. Eu mesmo nao sabia o que de fato me prendia à ela. Talvez uma divida de gratidao com seu pai, que me abrira as portas de seu escritorio assim que me formei, possibilitando que lá eu trabalhasse. Entrando para aquela familia, eu esperava um progresso rapido e facil, e apenas isso, talvez, me fazia aturar minha noiva.

Assim que o jovem Fleury chegou ao Rio de Janeiro, se estabelecendo no palacete que pertencera aos pais, na Gavea, foi dada uma festa suntuosa da qual nao participei, mas que ouvi muito falar por varios dias. O escandalo que era a relaçao daquele bacante com o outro, Emanuel, deixou os cariocas perplexos. Deram- lhe apelidos grosseiros: "meretriz", "hermafrodita", "Madame Lu", descrevendo sua festa como o inferno na Terra, um bacanal, Sodoma revisitada num recanto pacato e luxuoso da Gavea.

Mas eu apenas tive a honra de ve -lo na ocasiao da apresentaçao de La Traviata, cerca de quinze dias depois. O teatro lotado, à espera da opera que viera de Roma para uma temporada de apresentaçoes, fervilhava de elegancia. Reservei com antecedencia o camarote para Georgiana, meus sogros e eu, e em meio à sobriedade dos fraques, das cartolas, dos vestidos espartilhados, e à sombra opulenta dos camarotes, pude entao divisar o magnifico rosto do jovem pederasta que chocava nossa sociedade.

Disfarçadamente, assim que começou o espetaculo, meu binoculo seguiu Fleury, estando eu previamente informado de suas caracteristicas. Estavam ele e o sujeito que julguei ser Emanuel num camarote à minha esquerda, observando com o binoculo as pessoas e rindo entre si. Fleury era maravilhoso, louro, de traços delicados, alto, um porte de nadador; Emanuel era moreno, um ar debochado, imberbe, e tambem muito bem apessoado.

- Vejam! Aquele sodomita... _ disse Georgiana com desprezo, abanando -se com o leque de renda perolada; me fitou com superioridade _ E esta olhando para voce, Julio! Que devasso esse rapaz! Jà o detesto sem conhece-lo.

De fato, Luiz Alfredo nos observava com curiosidade, alheio ao espetaculo. Sua mao na luva branca tamborilava levemente o parapeito de carvalho do camarote, enquanto a outra segurava o binoculo. Tirou-o, de repente, e me olhando diretamente no rosto, esboçou um sorriso vago e estranho, especie de ironia desenhada em seus labios bonitos. Meu rosto esquentou de rubor, e debaixo da cartola minha testa cobriu-se de leve suor frio que nao pude compreender.

Terminado o espetaculo, esforcei-me para chegar perto dele. Queria ve-lo melhor, dominado por uma certa curiosidade compulsiva. Nao foi dificil acha-los, pois todos os evitavam, como se ambos fossem cachorros sarnentos. Entretanto eles là estavam, de braços dados, altivos, com uma expressao de constante cinismo e desafio. De subito, no meio do corredor esfumaçado que levava à saida do teatro, a voz alta e impertinente de Fleury se fez ouvir.

- Um minuto, senhores! _ disse ele, olhando todo aquele povo rico e vulgar que os fitava com espanto, asco e raiva _ Apesar de saber que, infelizmente, muitos aqui tiveram pessima impressao em minha festa de recepçao, dias atras, quero convida-los para uma ceia logo mais, em minha casa. Algo bem "comportado", que espero nao os desagradar.

- Voce ainda esta ai! _ disse Georgiana, vindo atras de mim e me pegando pelo braço _ Venha. O coche esta esperando e papai esta com sono.

Enquanto ela tentava me arrastar consigo, ainda pude encarar Fleury por mais um segundo, sua figura alta, de fraque preto e cartola, a bengala de cabo de prata tocando o chao, seu olhar de um azul translucido carregado de ironia e desprezo observando toda aquela gente que o odiava, e Emanuel ao lado. Ele me olhou uma ultima vez e pareceu sorrir levemente, numa mistura rapida de zombaria e curiosidade, enquanto eu era puxado para fora do teatro como um menino desobediente.

*

*

*

De volta, e voltando no tempo ainda mais, na chamada belle epoque, onde a superficialidade de uma elite que idolatrava a França era evidente (e ridicula, convenhamos).

Espero que curtam, amigos!

Abraços!

Siga a Casa dos Contos no Instagram!

Este conto recebeu 0 estrelas.
Incentive Irish a escrever mais dando estrelas.
Cadastre-se gratuitamente ou faça login para prestigiar e incentivar o autor dando estrelas.

Comentários

Foto de perfil genérica

Ain... Como tu consegues prender o leitor hein? Nossa, que espetáculo, de fato eu estou amando já.kkkk confio em ti... Vamos que vamos.. Rs

0 0
Foto de perfil genérica

Jesus! Maria e José! Continue o mais rápido que puder! Pelo amor de Deus. Perfeita a historia, a escrita, a ambientação, a autora, enfim, tudo!

0 0
Foto de perfil genérica

Eu já ia reclamar que vc naum tinha avisado, mas vi o seu pedido de desculpas adiantado rsrsrs Amo a maneira pela qual você escreve. O gaydar do Fleury está super ligado. Georgianna chata aff rsrs O boy narrador é o típico novo gay enrustido, gostei dele.

0 0
Foto de perfil genérica

JesusMariaeJosé! Continue o mais rápido que puder! Pelo amor do 100or. Perfeita a historia, a escrita, a ambientação, a autora, enfim, tudo!

0 0
Foto de perfil genérica

Gente, quem me acompanha sabe que posto todo dia,,mas nao posso prometer isso agora. Minha net esta falhando ha dias, portanto... Quem tiver preguiça de pesquisar,,sibilino quer dizer o mesmo que enigmatico, misterioso. Quin, caso leia,,desculpe nao avisa -lo da postagem. Resolvi de ultima hora, impulsividade geminiana :)

0 0

Listas em que este conto está presente

Especiais
Textos especiais.