Cap.5
NARRADO POR ENZO
Agora, com 24 anos, eu tinha plena noção de tudo o que tinha feito. Mais maduro, mais experiente, mais responsável, eu tinha noção de que muitas pessoas me odiavam. De que havia feito mal para muita gente. De que havia sido um idiota com muitas pessoas, e de que estava sendo castigado por isso. Além de nunca ter conseguido o perdão de nenhuma delas, me via agora no fundo do poço da minha vida. Me chamo Enzo, como já devem saber. Também creio que já devem imaginar como sou fisicamente, e também moralmente. Sou filho de um dos homens que mais ricos já foram neste país. Meus pais, proprietários de uma mina de ouro dependente de petróleo, sempre me criaram com todo o conforto. E principalmente, com toda a ostentação possível. Creio que eles me fizeram cometer tantas idiotices. Sempre me mimando, nunca impondo limites. Com suas personalidades fúteis, consumistas e cheias de rancores, me fizeram um garoto sem limites, badboy, esbanjador de dinheiro e principalmente, sem amor no coração. E durante muito tempo assim eu fui, um completo traste. É assim que eu me denomino atualmente. Uma completo traste. Durante a minha adolescência, nunca liguei para estudos, afinal tinha o meu pai e sabia que ele sempre me sustentaria. Adorava esbanjar o dinheiro, esfrega-lo na cara das pessoas e usar o poder que ele tem sobre elas. Me sentia a pessoa mais importante do mundo desta forma. Nunca ninguém havia ousado me enfrentar. Até eu conhecer aquele garoto.
"- Aí, desculpa, eu não vi - conversava com algumas pessoas, quando de repente senti um forte empurrão e ouvi essas palavras.
- Como assim ? Desculpa ? Você acha que é só quase me derrubar e fica assim ? Quem é você para esbarrar em mim ?! E aí ? Não Vai falar nada ?
- Quem você pensa que é para falar assim comigo ? "
Eu não sei direito porque agia dessa forma. Achava meio que divertido ver as pessoas submissas a mim, era legal saber que você tem um poder sobre todas elas. Quanta imaturidade. Porém tudo aquilo foi por água abaixo quando esse garoto apareceu. Ele não era mais rico que eu. Porém, não baixava a cabeça para mim. Isso me irritava. Me tirava do Sério. Me fazia explodir. E isso perdurou por um bom tempo. Mesmo depois de eu tentar fazê-lo ser como os outros, ele nunca aceitava. Sempre revidava os meus ataques, e criava saias justas que eu nunca costumei ter. Ele ficou marcado dentro de mim. E eu não entendia o porquê. Nunca entendi. O tempo passou, ele se foi, eu reprovei e acabei tendo que repetir o último ano. Depois que aquilo aconteceu, eu fiquei me perguntando o porquê... O porquê de ter passado um ano perseguindo um garoto que em nada interferia na minha vida. A resposta, de dentro de mim e para a minha surpresa, é que ele me impressionava e me deixava com inveja. Era tão bonito quanto eu, tão culto quanto eu, mais inteligente que eu, mais carismático que eu. Tinha muita inveja desse garoto chamado Marcos, e por isso tentei tanto atingi-lo. E só depois que tudo acabou, foi que eu percebi que não valeu a pena. Que perdi o meu tempo, e o meu ano.
TEMPOS DEPOIS
Os anos passaram, eu consegui me formar, mesmo arrasado, e como era esperado, não precisei continuar estudando. Agora morava no Rio de Janeiro. Meu pai continuava a me dar tudo o que eu queria. Durante alguns anos, eu mantive a personalidade consumista. Viajava para vários países do mundo, esbanjava dinheiro, me comportava como um idiota. Até que, a oito meses atrás, a bomba explodiu. Tinha acabado de voltar da Grécia, aonde havia ido comemorar o meu aniversário de 24 anos. Dormia profundamente, quando de repente fui acordado aos gritos pela minha mãe.
- Acorda Enzo, acorda agora !
- O que foi... O que houve mãe ?
- Seu pai, meu filho...
- O que houve com ele mamãe ?
- Ele está envolvido num escândalo de corrupção. Tomaram tudo... A empresa está falida. Não temos mais dinheiro para nada, estamos completamente pobres Enzo.
- O Que ?..
É... A vida havia me dado uma rasteira... E tomado de mim aquilo que eu mais me orgulhava, que mais me fazia ter prazer, o dinheiro. Para mim, até ali, era tudo de bom ser rico. Porém, de repente, tudo de mim foi tomado. Funcionários, carros, jatinhos e até amigos. Eu fiquei sozinho. De início não entendi, o porquê de tamanho castigo. Porém, parando para pensar, eu fui percebendo o tamanho do mal que havia feito para as pessoas. Quantas pessoas eu já não havia magoado, feito chorar, agredido ? Quantos jovens já não ficaram traumatizados por minha causa ? Aos poucos eu passei a perceber que aquilo que eu achava divertido não era tão divertido assim. Na verdade, era uma idiotice. Uma besteira sem tamanho, e que agora, estando pobre, com certeza eu não gostaria que fizessem comigo. E tudo isso, tinha um só culpado, o dinheiro. Logo as contas começaram a chegar, e o dinheiro havia acabado. A minha fortaleza, meu pai, havia desmoronado. Preso, sem poder me ajudar, estava sem saída. A minha única alternativa passou a ser a do trabalho. Mesmo nunca tendo feito nada na vida, eu tinha que trabalhar. Sai entregando currículos, procurando empregos. Porém, sem nenhuma experiência, nenhum curso, apenas com o idioma diferenciado para me vangloriar, era difícil alguma empresa me aceitar. Ainda mais tendo um membro da família envolvido num escândalo. Eu me via sem saída. Com fome, com contas para pagar, sem dinheiro, sem nada. Eu estava provando o castigo que havia de ser recebido por eu ter dito tantas besteiras para as pessoas, ter feito tantas besteiras... A umas duas semanas, uma notificação chegou. Avisou que o apartamento havia sido confiscado. Agora eu também era um sem teto. Agora a pouco, o apartamento foi definitivamente tomado pelo governo. Eu não tinha mais o que fazer. Não tinha a quem recorrer, para onde fugir. Agora nem mais aonde morar. Em tão pouco tempo, tudo havia mudado. O castigo chegou, e foi avassalador.
TEMPO DEPOIS
Ainda naquela noite, eu pensei, e vi que a única forma de eu conseguir o meu sustento seria me prostituindo. Eu era bonito, tinha noção disso. Teria clientes facilmente. Não tinha outro jeito, ou eu me prostituía, ou morria de fome. Vagando pelas ruas do Rio, numa noite, de repente sinto gotas caírem sobre minha cabeça. Sem teto, sem dinheiro e agora molhado. As únicas coisas que me restaram foram as roupas de marca, que ainda podia ostentar. Vendo a situação que havia caído, e principalmente, tendo consciência de que era merecedor dela, comecei a chorar. Era a única coisa que eu podia fazer, chorar. E me perguntar se era necessário um castigo tão pesado. Que envolvesse não só a mim, mas a minha mãe também. Vagava pelas ruas do Rio, sem rumo. Sem saber para onde iria. Deixava ela me levar, enquanto queria morrer, para não ter que enfrentar situação ruim, que eu não desejaria nem para os meus inimigos. Quando eu achava que as coisas não podiam ficar pior, escuto aquela frase que ninguém quer ouvir.
- É um assalto, passa tudo que tem !
Continua
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