Daniel saiu do banho e olhou com displicência para a tela do celular, onde pipocavam mensagens. Foda-se, vão ficar todos no vácuo hoje, pensou divertido, enquanto escolhia a roupa pra sair. A galeria de fotos faria inveja a qualquer booker de agencia internacional, mas isso não o entusiasmava em nada. Há muitos anos tinha se acostumado com os bonitões. Para ele, não passava de rotina.
Diante de poucas opções no guarda roupas improvisado com pregos na parede onde se penduravam cabides, acabou optando por uma bermuda, meio surrada, e uma regata, que não ficava nada a dever na aparência desgastada. As pernas finas, com joelhos grandes, e os longos braços magros pouco ajudaram no visual. Diante do espelho de moldura alaranjada, também fixado com pregos, penteando pra trás os longos cabelos ainda molhados, Daniel sabia bem o que via, mas isso em nada afetava a sua autoestima. Em caso de dúvida, bastava tornar a olhar para o seu celular e ler algumas daquelas mensagens suplicantes, homens lindos implorando um pouco da sua atenção.
Novos encontros sempre o excitavam. Dessa vez estava até um pouco mais nervoso que o usual. Alguma coisa naquele moreno chamara a sua atenção de maneira especial. Talvez a contradição de uma imagem tão máscula em uma energia exageradamente passiva e subserviente. Porra, o cara chegou a dar o endereço de casa, pra um estranho que nem foto apresentou. Tudo bem, podia ser um grande mentiroso, com foto fake e perfil fake, a fim de zoar na madrugada. Ou quem sabe um velhote enrustido, batendo punheta de cueca frouxa enquanto escrevia meras fantasias. Diante dessas dúvidas, foi fácil tomar a decisão de intimar um encontro logo para o dia seguinte. Assim tirava a prova e não ficava cozinhando o maluco até que ele sumisse da mesma forma abrupta que apareceu.
Assim que virou a esquina, Marcelo avistou o tipo. Não tinha como duvidar, diante dele estava uma caricatura viva. O nariz enorme se destacava no rosto fino, ainda mais com os estranhos cabelos esticados pra trás. Putz, será que aquele era mesmo o cara que o tinha deixado louco a ponto de fornecer informações tão intimas? Visto assim, de perto, parecia impossível identificar o sedutor da madrugada. Daniel tinha toda razão na conversa noturna. A sua vontade foi mesmo de dar meia volta.
Ainda absorto em seus devaneios, o galã percebeu que o outro o tinha identificado. O olhar firme em sua direção confirmava a impressão. Engraçado como aquele olhar meio duro começou a mudar a imagem inicial. O sujeito caricato, magrelo em roupas ridículas, tinha carisma. Seus olhos atraíam feito uma serpente, e Marcelo se viu paralisado, enquanto Daniel começou a caminhar, encurtando cada vez mais a distancia entre os dois. O feioso sabia que tinha de agir com a precisão de um relógio suíço. Um segundo de hesitação daria tempo ao moreno de dar a tal da meia volta. Não podia deixar isso acontecer, porque sabia que, assim que colocasse a mão nele, estaria com total domínio da situação.
O cumprimento parecia que ia ser formal. O sorriso magnético nos lábios finos da caricatura relaxaram o bonitão, que sorriu de volta. Sorriu até saltar espantado, com a mão firme que segurou a sua bunda, com um leve aperto.
- Rabão heim mano.
A expressão, acompanhada de um sorriso cafajeste deixou Marcelo perplexo. Quis retrucar, ou até pular fora, mas a segurança do homem sorrindo diante dele deixou-o sem ação. Sem perder tempo, Daniel passou a mão pela barba rala no queixo quadrado e puxou o atônito parceiro para um beijo. A rua semi deserta proporcionou o mínimo de privacidade para o casal e Marcelo se viu amolecer nos braços magros que o amparavam, sentindo a boca que o beijava sorrir, enquanto lhe enfiava a língua bem fundo.
A tradução do sorriso? “Esse já tá no papo”.
Continua...?
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