Ação e Reação - Laços de Sangue - parte 2 - 2° Temporada

Um conto erótico de William26
Categoria: Homossexual
Contém 6001 palavras
Data: 01/03/2017 22:01:29

Boa noite leitores, como vocês estão? Sei que é de praxe eu me desculpar pelos atrasos dos capítulos, mas sabe como é, início de semestre na faculdade, fim de obra, tudo vira um caos e ainda pra piorar teve o carnaval. Hoje vou soltar dois capítulos de uma vez, na verdade como o capítulo fico enorme (mais de 15000 palavras) decidi dividi-lo em dois para não tornar a leitura cansativa e chata. Não vou dar muito assunto aqui nesse capítulo, espero que tenham uma boa leitura.

a todos que votam, comentam e leem na surdina obrigado.

Ação e Reação – Laços de Sangue – Parte 2 – 2° Temporada

Tio Geovane estava sério, enquanto dirigia suas mãos seguravam firme o volante fazendo as pontas dos seus dedos ficarem brancos, parecia que a qualquer momento o volante seria arrancado do eixo de direção do veículo. Fazia anos que eu não via ele calado e sério desse jeito, nem quando tinha algum caso difícil no trabalho ele ficava assim. A última vez foi quando aconteceu o que aconteceu comigo. Seu semblante carregado e cansado não lembrava nenhum pouco do Geovane que éramos acostumados a ver, o dia não tinha sido nada fácil, era como se tivessem apagado o sorriso de seu rosto, não foi fácil para nenhum de nós 3.

Marcos com um semblante caído apenas olhava para frente calado e pensativo, de vez em quando ele estralava os dedos, olhava pelo retrovisor procurando ver se eu ainda estava sentado no banco de trás, se eu não tinha saltado do carro em movimento tentando fugir. Alguma coisa mudou entre nós, era visível eu já não me incomodava mais com sua presença. Estávamos indo jantar na churrascaria que meu tio gostava já que o dia especial acabou sendo na delegacia mesmo, o jeito era tentar esquece-lo, coisa que não seria nada fácil.

- Se eu soubesse que iria ser interrompido por aquele maldito do Geovane eu teria atirado logo... – mais uma vez lembrei de Claudio gritando para mim assim que nos viu na recepção enquanto um policial levava ele para a cela provisória. Seu advogado olhou para ele em reprovação.

Relembrei dos fatos ocorridos a tarde. Resumidamente falando Claudio acabou sendo preso em flagrante, com a ajuda das câmeras instaladas no andar que pegaram bem no rosto dele. Em menos de 40 minutos um advogado do escritório concorrente estava lá para defende-lo, fato que me fez desconfiar se Claudio não tinha ligações com esse escritório. Meu tio acabou sendo acusado por agressão já que o ato de coragem dele não foi visto como legítima defesa sendo que seu Antônio acabou assumiu o caso imediatamente após a notícia, já que ele estava acompanhando nós três. Após várias horas de depoimentos e B.O acabamos sendo liberados um pouco depois da 18:00 e na recepção, Felipe, Marluce, Maria, Luiz, Giovanna, Carlos e dona Letícia esperavam a gente ansiosos e preocupados. Foi ali mesmo na recepção que Felipe me pegou de jeito pela cintura e me beijou deixando muita gente ao redor com olhar de espanto e repulsa e dos nosso amigos e familiares de surpresa e no caso dos pais do Felipe de apoio. Após trocar a camisa que Marluce me trouxe e bater um papo rápido com o pessoal meu tio pediu desculpas, mas queria se retirar para ir jantar com os dois “meninos dele”. Nos despedimos e saímos.

No banco de trás da caminhonete eu revezava entre olhar a paisagem lá fora e responder as mensagens que chegavam da Cibele, Felipe e dos colegas de faculdade que perguntavam se estava tudo bem, se havia me machucado, o que tinha acontecido realmente já que Felipe e até uma equipe de TV que cobriu a notícia da tentativa de homicídio expondo nossos nomes na mídia fizeram questão de espalhar pela região inteira.

Por mais que Felipe errou, eu não podia brigar com ele quanto a isso, pois ele perdeu um compromisso com um fornecedor muito importante que veio de São Paulo para ficar comigo a tarde toda me acompanhando, me acalmando e me dando força já que eu quase tomei um tiro e ainda por cima passei por uma humilhação de um cara que até ontem era de confiança do meu tio e do seu Antônio e que se dizia amigo de Marcos e Luiz. Que amigo hein...

- Está tudo bem Fernando? – Perguntou Marcos quebrando o silêncio.

- Está – respondi sem encara-lo, eu estava envergonhado e confuso, tudo o que ouvi dele hoje me fez ter uma nova perspectiva de Marcos, de repente a visão do lado de fora do carro ficou muito interessante.

- Tudo bem – ele notou meu constrangimento, pelo reflexo do vidro vi ele entristecer, posso estar ficando louco, mas me senti mal por isso, por não ter dado atenção a ele, já que após a nossa discussão hoje de manhã era a primeira vez que nos falávamos.

Meu tio observava a cena toda pelo retrovisor, ele permaneceu em silêncio, seu olhar para mim era de entendimento, pela primeira vez meu tio não estava me forçando a fazer as pazes com Marcos ou me deixando em uma situação desconfortável. Depois disso seguimos até a churrascaria em silêncio, antes de sair do carro eles trocaram de camisa, Maria tinha passado na casa do tio e pegado para eles.

Preferimos comer algo mais rápido, pois churrasco a noite é meio pesado e já não tínhamos mais aquele clima de comemoração, o que comemorar. Nem todo mundo que é do sul do brasil como é o nosso caso, come churrasco a noite ou quando costuma sair. Eu bebia um chá gelado de pêssego, depois do que passei não iria beber nada com álcool, meu tio estava tomando whisky e meu primo água com gás e limão. Enquanto esperávamos a nossa chuleta e a polenta frita ficarem prontos, petisco esse que meu tio amava, iniciamos uma conversa na mesa.

- Eu quero falar algo para vocês... – meu tio que até então estava calado chamou nossa atenção.

- Pode falar... – respondemos eu e Marcos em uníssono.

- Eu não me envergonho do que fiz hoje, muito menos me arrependo – ele nos olhou com uma expressão séria, seu semblante fechado nos mostrava um outro Geovane – sei que o que fiz pode ter sido irresponsável e até perigoso, mas ninguém, eu digo, ninguém mexe com vocês, não com os meus meninos – meu tio apertou a minha mão e a da Marcos, eu assenti – sou capaz de tudo pra proteger vocês, até matar se for preciso – olhei em repreensão a ele, mas sua feição continuou a mesma – não me olhem assim, família é família e com a nossa ninguém mexe, posso ser o Geovane bonzinho, carinhoso, mas quando for preciso mostrarei o meu pior lado – juro que se não conhecesse tão bem meu tio eu ficaria com medo.

- Mas você correu perigo tio – argumentei com ele que me olhou e passou a mão no meu rosto.

- E correria de novo só para defende-los – ele sorriu me deixando sem graça – você e o Marcos são o que eu tenho de mais importante – ele olhou para o meu primo que sorria fraco, um sorriso sincero e envergonhado – não me importo em ser preso, ou tomar um tiro por vocês, por tanto que vocês estejam bem, eu ficarei feliz – ele sorriu, foi inevitável não abraçar meu tio.

- Ok pai, mas já deu, não é? - Marcos então tratou de mudar o sentido da conversa tendo meu total apoio.

Era estranho, pois eu e Marcos até então estávamos nos tratando de maneira cordial, essa era a primeira vez que nos tratávamos assim após sua volta, meu tio agora sorria contando sobre a sua festa no outro dia, sim, teria a festa, ele não quis cancelar pois segundo ele tínhamos que celebrar a vida, mesmo que a vida celebrada fosse a dele. Concordei, a festa seria uma boa maneira de esquecer. Marcos me olhava e sorria e como resposta eu sorria também, eu sei, era estranho, teve uma hora que ele fez menção de pegar na minha mão, mas eu não deixei, fazendo ele ficar um pouco chateado. O clima na mesa pesou, meu tio sorriu para mim assentindo que estava tudo bem. Tive uma segurança tão grande, aliás, passei a ver meu tio com outros olhos, confesso que passei a admira-lo mais, diria até mais que meu pai.

- Tio, o Mario já chegou não chegou? – Perguntei a ele tentando mudar o rumo da conversa. Meu tio percebeu e concordou.

- Sim Fernando, ele me ligou dizendo que já está instalado no hotel, mas dada a situação pedi para ele ficar por lá e descansar, mas amanhã vou cedo busca-lo no hotel – meu tio olhava de mim pra Marcos.

- E os taxistas daqui falam italiano tio, como ele se virou até lá? – Perguntei curioso.

- Mario aprendeu algumas palavras em português Fernando, ele sabe se virar – ele riu.

- É melhor mesmo...não gostaríamos de um italiano grande daqueles e com raiva em uma delegacia, não é mesmo? – Eu e meu tio rimos. Marcos apenas nos observava.

- Não mesmo – ele concordou rindo.

- Vocês estão falando “daquele” italiano pai... – meu primo se calou quando meu tio o fuzilou com o olhar, deu a entender que ele não estava feliz com a notícia.

- Mais respeito quando falar “daquele” italiano Marcos – meu primo assentiu, mas não baixou a cabeça. Desde o episódio do resort onde Mario me defendeu de Marcos eles não conversavam – o italiano tem nome, é Mario...– meu tio completou sério.

- Ok – deu de ombros.

- Por que ele não ficou na sua casa tio... – meu tio me olhou ofendido, dessa vez eu que me calei.

- Sua casa também Fernando! – Exclamou e juro, só faltou ele dar na minha cara.

- O pai tem razão Fernando, é sua casa também... – Marcos reforçou o argumento do meu tio, me deixando mais sem graça e confuso do que eu estava. Meu tio sorriu e assentiu para ele concordando.

- Estão com fome? Eu estou morrendo de fome meninos... – ele alisou a barriga. Ambos assentimos. Marcos deu um gole em sua água e largou o copo na mesa parecendo incomodado – mal vejo a hora de comer a polenta daqui de novo, para mim é a melhor da região...– olhei para o meu tio e sorri.

Tio Geovane tinha adotado Minas Gerais como sua segunda casa há mais de 25 anos, mas nunca esqueceu suas raízes, ele dizia que sentia muita saudade do Oeste Catarinense, dos campings, da comida da nona dele a da minha vó, tinha saudade do frio, dos bailões, da música nativa e principalmente do pinhão, assim como tinha saudade da sua cidade natal, Chapecó, eu lembro que após eu ser levado de lá nunca mais voltei, até por que nem tinha motivos de voltar para lá. Talvez agora seja hora de voltar para conhecer melhor minhas raízes “barriga verde”. Então toda vez que dava ele me trazia junto com ele para matar a saudade da comida da “nossa gente” como ele dizia, pois, o dono da churrascaria era um gaúcho faceiro e falador lá de Erechim, e tendo meu tio descendência gaúcha por parte de mãe era o lugar mais próximo de sua casa.

- Concordo com você pai, a polenta daqui é muito boa mesmo, lembra muito a que você fazia para a mãe quando ele era viva... – Marcos falou com um tom de voz triste, por isso ele estava sério, ele lembrava da tia Leticia. De repente voltei no tempo, de domingo era bem comum quando não tinha churrasco e era um pouco mais frio meu tio fazer polenta com espinhaço para a gente, meu primo se acabava de tanto comer e sinceramente não pude deixar de sentir pena dele.

- Sim filho... – meu tio fez o papel dele, pegou na mão de Marcos que sorriu e assentiu. Ficaram assim por alguns segundos. Ele então olhou para mim que até então estava perdido nos pensamentos.

- Fernando, você está melhor, passou o susto? – Perguntou para mim, ele até então não tinha falado comigo desde que chegamos, mal nos encarávamos, mas o clima na mesa não estava ruim, estava normal.

- Estou... – foi uma pergunta inesperada e uma resposta rápida.

- Que bom, não me perdoaria se algo lhe acontecesse e... – Interrompi ele, não queria ouvir, não agora.

- Eu vou ao banheiro, licença...- me levantei abruptamente, fui ao banheiro mais próximo, entrei e no primeiro box livre me tranquei – o que está acontecendo...merda... – sussurrei, minha respiração rápida entregava meu nervosismo, Marcos não era mais legal comigo, ele me odiava e agora está todo preocupado, se bota na minha frente para mim não tomar um tiro, está cheio de dedos, parece...parece... o Marcos de anos atrás, será? Um barulho de sapatos denuncia que a mais alguém no banheiro me tirando dos meus pensamentos.

- Fernando...está tudo bem? – Marcos parou próximo a pia de mármore branco esperando uma resposta, eu fiquei sem reação – Fernando...eu sei que você está fugindo de mim...não faz isso, por favor...– ele estava com a voz contida, respirei e abri a porta, Marcos me encarava, senti um frio na barriga.

- Não estou fugindo, eu só vim usar o banheiro – fiz uma careta me aproximando da pia. Marcos me seguia com os olhos agora estava com uma camisa polo azul marinho que Maria deu a ele na delegacia. Usava seus óculos de grau e pelo seu olhar ele estava nervoso. Fiz uma careta de dor quando me abaixei para lavar o rosto na pia. Ele percebeu.

-Está doendo seu ombro não é mesmo? – Ele perguntou, mas já sabia da resposta.

- Um pouco – Assenti, lavei meu rosto e quando olhei no espelho Marcos estava atrás de mim, seu corpo estava a centímetros do meu. Então aconteceu algo estranho.

- Deixa eu ver seu ombro Fernando? – Marcos perguntou, com a cabeça neguei e tentei recuar, mas não tinha para onde ir – Fernando, por favor? – Sem ter para onde correr não reagi. Ele então se aproximou me virou um pouco de lado sempre em contato visual comigo, percebi que estava cheio de dedos, alisou meu ombro e massageou o lugar onde doía, como eu estava de camiseta foi fácil ele massagear o lugar. Fiquei estático, não sabia como reagir, a partir do momento que ele me tocou eu sabia que o antigo Marcos tinha voltado. Percebi que ele estava muito próximo de mim, podia sentir o calor do seu corpo, então eu acordei, era meu primo que até ontem me humilhava, me esculachava, o primo que quase me matou, um negócio esquisito subiu pelo meu estomago, uma espécie de raiva. Me soltei dele, eu tremia de nervoso, por mais que eu sentisse que ele estava diferente não significava que eu tinha perdoado ele.

- Me deixa um pouco sozinho Marcos – me desvencilhei dele e fui para outra ponta do banheiro.

- Você não precisa ficar sozinho Fernando – ele disse vindo em minha direção – não mais, entendeu? – Ele me segurou pelos ombros, sem me machucar. Eu me esquivei.

- Mas eu quero – passei por ele e sai do banheiro indo direto para a saída do restaurante que a essa hora já estava cheio, vi meu tio de longe mas preferi não ir até ele. Na área do playground que ficava na lateral esquerda do salão de clientes sentei em um banco que tinha lá e fitei o escuro, os faróis das carretas e carros que passavam na rodovia eram os únicos pontos de luz e iam e vinham rapidamente. Algumas pessoas olhavam curiosas, mas eu estava cagando para elas. Me permiti a chorar, chorei como a muito tempo não fazia, porra cadê meu autocontrole?

- É difícil lidar com tudo isso, não é mesmo Fernando? – Meu tio me observava escorado em uma das pilastras com um olhar consternado, não sabia se estava ali a pouco ou se já me observava a algum tempo. Assenti.

- Eu estou com a cabeça cheia tio...- limpei o nariz com o braço, coisa bem porca de se fazer, mas fiz. Meu tio se aproximou e tirou um lenço da sua camisa polo e me entregou. Senti seu braço passar sobre meu ombro quando ele sentou do meu lado, seus pelos me fizeram cosquinha arrepiando meu pescoço. Ele riu.

- Todos estamos, não é fácil... – escorei minha cabeça em seu ombro e chorei com vontade. Meu tio era meu porto seguro. Suas mãos acariciaram minha cabeça e senti sua barba roçar meu pescoço e meu cabelo ser cheirado por ele – no fim tudo dá certo Fernando...não precisa ficar assim, todo estamos com medo... – meu tio se calou.

- Em relação ao que aconteceu hoje pela manhã não é o fato do que Claudio fez, quer dizer...é, mas o fato que me intriga é Marcos – meu tio me ouvia atentamente.

- Como assim Fernando? – Perguntou.

- Eu só não entendo o porquê de o Marcos estar sendo legal comigo tio...ele não é assim...quer dizer, era... – falava mais para mim do que para ele – Marcos não é legal comigo tio, Marcos não gosta de gays... - então ao me virar notei que meu primo nos observava calado. Me arrependi assim que ele sorriu sem graça e voltou para dentro do restaurante. Olhei para o meu tio assustado.

- Esquece isso por agora filhote, vocês vão ter muito tempo para conversar. Marcos está aprendendo e lidar com a situação, ele tem seus demônios para enfrentar também e acredite, não está sendo fácil para ele assim como não está nem para mim e nem para você, mas nós três temos que enfrentar o passado – meu tio massageou meu ombro dolorido, sorriu para mim e me puxou pela mão – vem, vamos comer e depois ir para casa descansar – disse me puxando pelo caminho.

- Vamos – acompanhei ele que me puxava firme pela mão.

- Aliás – ele me olhou sério - você vai voltar a morar comigo, querendo ou não lá é sua casa, depois do que aconteceu hoje isso ficou mais claro do que nunca, não me perdoaria se algo acontecesse a você...está me entendendo? – Não era um pedido, era uma ordem.

- Tudo bem tio – ele parou e me encarou.

- Quem é você e o que fez com o Fernando? – Zombou ele.

- Tio... – reclamei.

- Sério! – Exclamou desconfiado - sem brigar comigo, espernear ou criar uma cena digna de Oscar? – Ele fez uma careta engraçada, me fazendo rir.

- Sim – afirmei dando de ombros - é muito ruim morar sozinho...quer dizer, tem a questão da responsabilidade e da liberdade que se tem, mas eu gosto de conversar e tenho que confessar eu sinto falta do senhor e da sua preocupação... – não precisei terminar a frase, meu tio quase me esmagou com o abraço de urso que me deu. Mais um ursão carente.

- Que bom ouvir isso Fernando – ele secou uma lágrima que escorria do meu rosto e me puxou – vem, seu primo está nos esperando para comer, não vamos deixa-lo sozinho, não é? – Assenti. Marcos quando nos viu sorriu. Nosso pedido estava na mesa, ele só estava nos esperando. Me levantei e encarei Marcos.

- Marcos, antes de comermos eu queria lhe dizer algo – Marcos me encarou surpreso, ele soltou os talheres e meu tio também.

- Obrigado – ele arregalou os olhos surpreso – obrigado por me proteger, talvez se você não estivesse lá essa hora eu poderia estar machucado, ou pior, morto! Não sei qual é a sua, mas por hoje eu te agradeço – Marcos apenas assentiu com a cabeça e me encarou por alguns minutos enquanto saboreávamos nosso pedido.

- Fernando, se eu tivesse que fazer tudo de novo ou até mesmo tomar um tiro para te proteger eu faria – agora eu que fiquei de olhos arregalados – você é minha família, sangue do meu sangue, é meu dever te proteger...não só você como meu pai também, por todos e para todos, não é... – Marcos segurou minha mão, eu não recuei.

- Filho... – meu tio desistiu de falar. Ele estava surpreso. Nossos olhares se encontraram, era muita coisa acontecendo.

– Você e o pai são as pessoas que eu mais amo nesse mundo – o olho do meu tio brilhava, eu de boca aberta estava com a cabeça fervendo em pensamentos. Meu primo realmente tinha mudado, ele estava de volta!

No sábado bem cedo levei meus pertences para “minha” casa com a ajuda de Felipe, Cibele, Marluce e o tio Geovane que fez questão de ajudar mesmo sendo no dia do seu aniversário dizendo que assim não teria como eu dar para trás. Quando finalmente terminei de ajeitar meu antigo quarto já se passavam das 11:00h da manhã, tomei um bom banho e me arrumei de maneira simples já que a festa seria a beira da piscina mesmo. Desci e notei que a uma certa movimentação na casa, coisa que a muito tempo não se via.

Adentrei a cozinha e havia um certo falatório. Marluce, Maria, Dona Letícia, Rosa, Jhonatan e dona Célia a vizinha de frente estavam a todo vapor preparando saladas, maionese, farofa, abrindo conservas e comentando do capítulo da novela que iria ao ar a noite enquanto finalizavam tudo isso ao mesmo tempo deixando a situação engraçada. Cumprimentei a todos e fui para a parte de trás da casa. Na área de lazer o clima era de festa, a música tocava alto, o ritmo era Euro Dance, mais especificamente The Summer is Crazy (Alexia), gosto musical preferido do meu tio, pois segundo ele trazia boas lembranças dos anos 90, época que morou na Itália. Mesas com guarda sol estavam dispostas ao redor da piscina e também próximo a área gourmet. Muitos balões vermelho e branco (por que será que eu acho que foi meu tio que escolheu por ser as cores do time que ele torce) flutuavam na piscina. No vão da área gourmet havia decoração de festa, assim como em todas as mesas. A decoração tinha ficado legal e estava sendo finalizada por Cibele e Giovanna, sim! Ela mesmo, parece que se tornou grande amiga da família. Sorri, pois, senti que o dia seria ótimo e que o clima estava agradável.

Na churrasqueira os primeiros espetos de carne começavam a assar deixando aquele cheirinho de churrasco no ar, tudo sob a supervisão de Tio Geovane, o que me surpreendeu pois há anos que ele não fazia churrasco, ele gostava de fazer e de repente parou, mas esse era um dia especial não só pelo seu aniversário, todos nós sentíamos isso e alguma coisa me diz que voltaríamos a ter churrasco, muitos churrascos nessa casa. Tio Geovane olhava a carne na companhia de seus amigos que opinavam em qual espeto era melhor cada tipo de carne, ele estava com um copo na mão enquanto conversava animado com seu Antônio, Carlos, Mario, Rafael que estava falando em italiano e Joaquim, nosso vizinho, marido da dona Célia. Em uma das mesas estavam Luiz, Marlon, Gabriel, Marcos e Joyce que estava dando em cima de Marlon na cara dura, todos bebiam caipirinha e riam alto, é esse churrasco ia dar o que falar. Marcos estava mais ou menos vestido que nem eu, de bermuda de Tactel e regata, só que a minha regata era preta e a dele branca. Quando me viu sorriu levantando o copo fazendo todos da mesa olharem para mim, em resposta acenei discretamente com a cabeça ao qual fui retribuído.

Acabei indo ao encontro de Mario que me observava de longe e só usava uma regata vermelha e verde e sunga preta que destacava o corpo grande e peludo daquele homão italiano, seus pelos balançavam livres ao vento como os cabelos daquelas modelos louras que geralmente passam na TV em campanhas da Dior e Channel. Assim que me aproximei mais ele veio em minha direção abrindo os braços, eu me encolhi pois sabia o que ia acontecer, fui envolvido por um abraço tão forte que senti um estralo.

- Il mio figlioccio, come stai? Mi sei mancato (Meu afilhado, como está você? Senti sua falta) – Mario me abraçou e me beijou no rosto, deixando meu tio visivelmente enciumado. Com um largo sorriso ele me analisou buscando algo diferente. Será que eles não sabem dar um abraço sem ser de urso, eu me alonguei estralando meu corpo.

- Sto bene, vi ringrazio, ma per quanto riguarda te, come stai? (Eu estou bem, obrigado, mas e você, como vai?) – Era a pergunta que ele queria, depois nos sentamos e começamos a conversar.

- Sto bene, ma sono molto contento che tu sia qui, stento a credere (Eu estou bem, mas estou muito feliz de você estar aqui, quase não acredito) – Mario sorriu me dando mais um abraço, era verdade eu estava feliz de tê-lo por aqui. Mario me fazia sentir que eu tinha um pedaço do meu pai comigo.

Felipe que tinha ido ao mercado chegou se juntou a nós e depois dele me fazer perguntar ao Mario se ele era da máfia italiana o que fez Mario rir alto e negar com a cabeça e alegando que era de Turim e não de Palermo, parece que enfim consegui tirar essa desconfiança de Felipe, que minutos depois já estava bem mais tranquilo em relação a Mario. Acabei servindo de tradutor para os dois e me arrependi quando Mario nos convidou para passar as festas de fim de ano com ele na Itália e sem pensar Felipe assentiu com a cabeça, deixando Mario radiante com a confirmação. Fiquei com raiva, mas logo depois imaginei que seria legal viajar pra Europa com Felipe, era uma chance de ele conhecer novas culturas. Ele não conhecia quase nada, no máximo até as praias do nordeste, o Goiás, Brasília, interior paulista e B.H. Seria uma ideia a amadurecer com ele.

E assim o sábado se passou com muita festa, comida, bebida e algazarra. Todo mundo acabou se empolgando e dançando embaixo de uma chuva fraca que começou a cair no meio da tarde, mas logo parou embalando todos com sucessos da década de 80, 90 e muita música eletrônica, até Maria que não gostava de dançar se soltou. Foi tão bom ver meu tio sorrir, ele adorava uma bagunça e a casa cheia trazia vida pra ele, ver seus dois meninos juntos então, tive que dar o braço a torcer quando vi seus olhos brilhar por que eu aceitei um pedaço de carne que Marcos me ofereceu.

Quase no fim da tarde o bolo foi cortado já que a entrega já dos presentes foi feita de manhã. Meu tio agradeceu a presença de todos os convidados e como estava meio bêbado acabou se emocionando, dizendo que era o primeiro aniversário que ele realmente comemorava em anos. Marcos que até então passou despercebido o dia todo, pois ficou em um canto com Luiz e Marlon, foi ao encontro do meu tio e o abraçou dando apoio para ele continuar. Fiquei mais tranquilo, mas ao me chamaram para junto deles neguei com a mão, não queria participar do momento família dos dois, pois além de meloso demais eu não queria passar vergonha, já que eu mesmo estava meio embriagado.

- Fernando... – meu tio me chamou, todos olharam para mim. Felipe então me empurrou para a frente e não teve jeito. Respirei fundo torcendo para andar sem tropeçar e fui ao encontro do meu tio que sorria e me esperava.

- Obrigado – sussurrou em meu ouvido assim que me encostei nele.

- Por nada tio – sorri e abracei ele para a foto que Felipe tirava. Marcos abraçou ele do outro lado.

- Pronto, ficou legalzinha a foto de vocês – disse Felipe ao mostrar a foto na câmera.

Novamente nos abraçamos agora para que seu Antônio tirasse a foto de nós três que segundo ele seria o cartão de natal da nossa família.

- Prontos para a foto? – Perguntou seu Antônio, com nossa confirmação ele tirou e após o sinal de positivo eu e Marcos saímos dando lugar a outros convidados que queriam tirar fotos com ele. Até o fim do dia seriam tiradas um pouco mais de 300 fotos da festa toda.

A festa acabou lá pelas 20:00h. Depois de tudo arrumado e limpo, jantei algo leve, tomei banho e desci para a sala assistir Os Simpsons. Lembrei que ainda não tinha dado meu presente ao meu tio e então corri pegar ele no quarto e esperar meu tio vim da cozinha para a sala.

- Está assistindo desenho Fernando? – Perguntou ele vindo até a sala.

- Sim tio – afirmei.

Ele pegou seus óculos de leitura e seu smartphone e se largou no sofá apoiando de qualquer jeito, isso em uma ponta do sofá, sendo que eu estava na outra ponta e ele se ajeitou e apoiou os pés 43 em minhas pernas, olhei para ele e deixei. Eu juro que se não fosse meu tio eu teria dado um jeito de brincar com esses pés, pois são pés grandes, brancos, com as solas meio largas e rosadas, mas bem cuidadas, pelos em cima dos dedos e veias saltadas, mas ainda assim não senti tesão, acho que pelo fato de ser meu tio isso pesou me dando alivio. Voltei a assistir o desenho.

- E o Felipe e a Cibele, seus outros colegas nenhum está disponível para algo? – Perguntou tentando me dar uma alternativa.

- O Felipe foi com os pais para o rancho, inclusive nós temos um almoço com eles amanhã, pelo menos foi a desculpa que consegui para não ir com ele, nós temos um almoço amanhã com eles, certo? – Meu tio assentiu - Cibele foi com a Maria e a Marluce ver a vó Cininha em Uberaba e meus colegas tio, quero evitar eles por causa do acontecido ontem – ele me fitou e balançou a cabeça concordando.

- Bom, então ficamos os dois assistindo desenho como quando você era mais novinho, lembra? – Ele riu bagunçando meu cabelo. Tirei a mão dele da minha cabeça, fechei a cara para ele, mas logo ri.

- Tio, esse é meu presente para o senhor – me levantei pegando o embrulho próximo ao painel onde ficava a TV – preferi entregar quando todo mundo já tivesse ido embora pois acho que é algo muito particular aos olhos dos outros – ele pegou e sem cerimônia rasgou o papel de presente. Quando notou o que era ele me olhou surpreso.

- Isso é o que eu estou pensando? – Perguntou franzindo a testa.

- Sim – olhei para ele com carinho – é o primeiro desenho que fiz para o senhor, eu sei que não se compara aos presentes caros que você ganhou hoje, mas esse desenho é uma coisa simples e significa tanto para mim tio. Infelizmente ontem não tive tempo de comprar algo melhor para o senhor e depois de ter salvado nossa vida esse é o meu jeito de dizer obrigado.

- Você não sabe como esse desenho é importante para mim filhote – meu tio observava o desenho, eu apenas cuidava sua expressão neutra – ele me salvou quando ninguém conseguiu? – Franzi a testa sem entender o que meu tio quis dizer.

- Como assim tio? – Perguntei, mas ele disfarçou.

- Esquece Fernando, é coisa minha – ele pegou o porta retrato e se levantou levando até o aparador da entrada o colocando lá, engraçado que ao lado tinha a primeira medalha de xadrez que ganhei em campeonato e a primeira medalha que meu primo ganhou no futebol. Depois ele voltou e se largou de novo no sofá, acabamos assistindo um qualquer que passava na TV a cabo quando Marcos chegou.

Foi estranho, ele nos olhou apreensivo como se tivesse em apuros e subiu, meu tio me olhou com cara de quem não entendeu nada.

- Vai lá ver o que aconteceu tio – sugeri ele que se levantou e subiu atrás dele para saber o que tinha acontecido. Não houve gritaria e nem discussão. Algum tempo depois ele voltou com uma cara estranha, mas não perguntei o que havia acontecido.

- Problemas Fernando...problemas...- dei de ombros e voltamos a assistir ao filme que estava engraçado. Meia hora depois Marcos desceu só de samba canção azul e se juntou a gente no outro sofá, me ajeitei e meu tio estranhou, mas não disse nada.

- É bom ter você em casa Fernando – disse Marcos do nada.

- É bom estar de volta - olhei para o meu tio que sorriu e então deitei junto dele me aninhando em seu peito peludo, esfreguei minha cabeça e relaxei. Com certeza era um dos lugares mais seguros do mundo.

Na segunda de manhã acordei cedo. Após meu tio muito pedir e por pressão do Felipe, dos seus pais e até do Marcos eu aceitei trabalhar com ele. Depois de quase 4 meses voltaria para o meu antigo emprego, mas agora como estagiário de direito. Não podia conter a excitação. Agora eu não era só secretário e enfim tinha conseguido o que eu queria, teria mais acesso a minha área, mas consequentemente teria mais responsabilidades. Como ele me pediu para assumir meu cargo só a tarde pois ia redirecionar sua antiga secretária para outro setor eu me levantei e me arrumei, aproveitaria a parte da manhã para me organizar.

Desci para tomar café e estranhei o silêncio da casa. Fui a cozinha, tomei meu café sozinho e até então Marluce que agora trabalhava para o meu tio não tinha chegado ainda. Fui para a sala, liguei a TV, me virei para sentar no sofá e só então me dei conta que não estava sozinho. Marcos estava escorado no vão da sala e me olhava atentamente.

- Desculpa se te assustei Fernando, não foi minha intenção – disse ele sem jeito vindo em minha direção.

- Tudo bem Marcos, eu estava distraído – Desvie dele, eu queria sair da sala, mas ele segurou meu braço.

- Fica – ele suplicou – nós precisamos ter uma conversa definitiva Fernando – ele disse me fazendo ter um frio no estomago. Chega de enrolar, está na hora de encarar o passado, está na hora de resolver para seguir em frente.

- Sim, nós precisamos – assenti e voltei para a sala me sentando no sofá de frente para ele. Marcos sorriu sem graça e voltou para a sala também.

O clima que se instalou era pesado. Os minutos foram passando, Marcos tentava me encarar, eu sabia que ele estava nervoso, pois coçava a barba e desviava seu olhar do meu que estava friamente calmo, eu só não sabia como eu reagiria dependendo do teor da conversa. Ficamos nesse jogo de quem fala antes durante uns 5 minutos, até que perdi a paciência.

- Fala Marcos – alterei um pouco a voz fazendo ele acordar e prestar atenção em mim.

- Sim... – ele assentiu.

Marcos então respirou fundo, se levantou e foi até a janela que dava para o jardim da sala, de onde vinha a fonte de luz aquela hora do dia. Preparou uma dose de whisky e voltou a me encarar.

- Primeiro, eu quero que saiba que eu nunca te odiei Fernando! Na verdade, eu te amo e é por isso que eu tenho que conversar com você, o passado é um fardo que ficou difícil demais de suportar, eu não posso e nem quero mais carrega-lo, você é minha benção e minha maldição – recebi essa revelação como um tapa na cara. Havia sinceridade no que ele dizia.

- Benção e maldição? – Eu estava ficando confuso.

- Você é o meu ponto fraco Fernando! – Ele exclamou.

Aonde Marcos queria chegar com isso, para mim essa conversa estava um tanto estranha, estava na hora de agir.

- Então por que você me bateu Marcos? Por que me destratou, me humilhou? – Eu queria respostas, começava e me desestabilizar, mas não ia demonstrar fraqueza na frente dele, não agora - eu não merecia isso, ninguém merece ser julgado e judiado por causa de sua opção sexual, não é justo...– completei. Marcos se aproximou e sentou próximo a mim.

- Fernando, nunca foi por você ser gay, quer dizer...também...na verdade eu já sabia o que você era antes mesmo de você me contar – ele disse calmo, mas com a voz embargada.

- Por que então? – Peitei ele, levantamos os dois juntos.

- Por favor, eu preciso que antes de tudo você me ouça Fernando, depois se você quiser, nunca mais precisa olhar na minha cara... – meu primo estava implorando para que eu ouvisse ele.

- Eu vou te ouvir... continue – sentei e cruzei os braços, pelo jeito muita água ia rolar por baixo dessa ponte.

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Comentários

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No caso, não é "opção sexual", mas sim, orientação. Adorei esse capítulo. Apesar de não concordar dele voltar pra casa do tio.

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Tudo muito perfeito, mas é aquilo perdoar é fácil mas a amizade não é a mesma, vai ter que ser com o tempo para voltar o que era antes..

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TUDO QUASE PERFEITO. NÃO ACHEI LEGAL VC TER VOLTADO A MORAR NA CASA DE SEU TIO E SEU PRIMO. VC TEM QUE TER SUA INDIVIDUALIDADE, SER RESPEITADO. ESTÁ MAIS QUE CLARO QUE O QUE MARCOS SENTE POR VC É AMOR. NÃO AMOR DE PRIMO MAS AMOR DE HOMEM POR HOMEM. TERCEIRO, NUNCA DIGA 'OPÇÃO' E SIM ORIENTAÇÃO SEXUAL. SE FOSSE OPÇÃO PODERÍAMOS MUDAR A QUALQUER MOMENTO E SERÍAMOS FELIZES OU INFELIZES. POR ISSO A MINHA NOTA HJ.

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Continua pelo amor 💓 de Deus, senão eu vou ter um enfarte!!! 👀🙏 ✌

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Esperando pelo proximo capítulo...💟💟💟

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