ACRÔNICO. Parte 3.

Um conto erótico de Ralph.
Categoria: Homossexual
Contém 1232 palavras
Data: 27/03/2017 13:56:00
Assuntos: Gay, Homossexual

Eu não consegui tirar meus olhos do rosto de Bernardo enquanto ele se arrumava na cadeira à minha frente. Eu o vi pendurar o casaco que carregava no lado da cadeira e depois se arrastar para mais perto da mesa. Por alguns segundos ele ficou entretido naquilo que fazia, mas quando outra vez mirou seus olhos nos meus, ambos sorrimos. Os tantos anos longe um do outro quase fazia daquele encontro, o primeiro.

– Como começar isso tudo? – Eu fui sincero, assim como o sorriso tímido que eu deixava surgir em meus lábios.

– Você quer perguntar como estou. Vá em frente.

– Você parece outra pessoa – conclui então.

– Não é? Eu também me considero outro. – Ele falava enquanto pousava ambos os cotovelos sobre a mesa e ancorava seu queixo nas mãos. – Uma outra pessoa melhor, eu diria.

– Não repita isso. Você era uma ótima pessoa, só...

– Só...

– Você só estava perdido e deslocado. Sentir-se assim é tão natural quanto sentar, eu acho.

– Eu acho! – Ele imitou meu tom de voz, rindo da minha clara falta de jeito enquanto tirava da mesa seus cotovelos e arrastou seu dedos pela madeira, lançando outra vez sobre mim o olhar que eu estava adorando reencontrar.

*

O grupo se distanciava de nós enquanto caminhávamos de volta ao nosso bairro. Os meninos corriam, pulavam e gritavam numa tentativa engraçada de afastar o frio que tomava seus corpos molhados, mas cobertos pelas roupas secas que aos poucos ficavam úmidas. Seguíamos uma extensa rua. Eu me divertia assistindo os meninos fazerem uma algazarra, banhados pelos primeiros raios solares, quando vi que Bernardo não estava mais ao meu lado. O encontrei parando olhando para uma rua que seguia paralela à que estávamos e chamei pelo desgarrado. Ele seguiu um tanto cabisbaixo e eu o esperei. Quando ao meu lado, de forma tímida, mas precisa, eu deixei que meus dedos tocassem os deles enquanto caminhávamos. Ele me deixou fazer aquele carinho.

– Está perdido? – Eu brinquei.

– Estava olhando a rua – ele se explicou, baixinho.

– O que há de especial nela?

– O sol vindo daquela direção – ele apontou para as nossas costas, o mar – deixa parte da rua dourada, e a outra parte continua escura.

– Fotográfico – eu analisei.

– Poético. Lembra a dualidade do ser humano.

Eu decidi segurar os dedos dele de uma vez e ele olhou nossas mãos quando eu fiz isso.

– Me lembra você, então. De um minuto para o outro eu perco os sorriso que consigo arrancar.

– Supere isso! – Ele disse sem me olhar, mas sorria outra vez enquanto apertava o passo, me fazendo acelerar o caminhar.

Após me alertar que levaria uma bronca por chegar tão tarde, ou naquele caso, tão cedo, eu consegui convencer o teimoso de que seria melhor se fossemos direto para minha casa. Não consegui entender a forma como ele me olhava diante da proposta, mas provavelmente ele via as segundas intenções que eu não fazia muita questão de esconder.

Para acessar meu quarto não precisávamos entrar em casa. Uma volta no quintal e achávamos a minha janela que eu tinha deixado destrancada para não chamar atenção ao chegar. Eu o ajudei a entrar primeiro e fui logo em seguida. O ambiente mais frio que o exterior já recebia a luz que vinha do lado de fora, mas ainda continuava aconchegante. Eu corri para tirar as muitas coisas que cobriam minha cama e ele riu disso, indo direto para a parede do meu quarto. Dali onde estava eu vi Bernardo admirar um pôster do Depeche Mode acima de sua cabeça ao lado dos pôsteres do The Cure, New Order e um da Madonna que comemorava o lançamento de “True Blue”. Depois passeou os dedos pelo de “a Odisseia no Espaço”, “Pulp Fiction” e “Cães de Aluguel”, que eram os que ele conseguia alcançar.

Eu me aproximei tão cuidadosamente que tive medo de assustá-lo ao falar, já que ele tinha se mostrado alguém fácil de assustar. Deixei então que minha voz saísse em um sussurro sobre o ombro dele:

– The Cure. – Eu apontei para o quinteto que nos observava.

– Eu vi. Tão lindos.

– E tristes – eu completei. – Você tem esse?

– Eu não tenho nenhum, na verdade.

– Como não? Todo mundo deveria ter um pôster deles – eu disse tomando a liberdade de apoiar minha mão sobre um lado do ombro e queixo sobre o outro, abraçando o corpo pequeno.

– Você está fazendo eu me sentir ainda mais culpado. Terei uma crise por sua causa.

– Se ajuda, você vai levar esse aí contigo.

Eu estava, de fato, abraçando Bernardo por trás. Ele deixou eu continuar ali e não movia um centímetro sequer.

– Mas se tiver pensando que terá algo em troca, já vou desanimando você de agora. – Ele riu quando me fez largar seu corpo e deu a volta, indo para a cama.

Ele não ligou para a bagunça generalizada no meu quarto e se jogou na cama, de roupa e tudo, apenas tirando a jaqueta quando estava sobre ela.

– Vem! – Era a ordem mais gostosa de ouvir.

Antes de acatar ao pedido corri e tranquei a porta e antes de cair sobre a cama eu tirei minha camiseta, minha calça e fiquei apenas de short. Assim como Bernardo, eu já caí de uma vez embaixo da coberta e fiquei esperando por alguma dica do que estava liberado fazer.

– Deita! – Ele fechou os olhos, impaciente, como se eu soubesse que era pra deitar.

Eu fiz o que ele quis e o vi se ajeitar ao meu lado. De pernas esticadas, ele jogou uma das suas sobre as minhas, pressionou sua barriga contra meu quadril e desabou sua bochecha em meu peito liso. Eu sabia que mesmo dando as dicas de que queria tentar algo, aquele garoto era diferente dos outros. Não era superior por me negar o que outros tinham dado, não mesmo. Ele era especial por simplesmente ser.

Aconchegados, eu ajeitei os cabelos douradinhos sobre minha pele e depois deixei minha mão cair sobre o braço dele, puxando-o ainda mais para mim.

– Ralph... – Ele sussurrou.

– Pode falar.

– Desculpa se não sou o que você esperava de um final de noite.

– Está com sono? Parece que sim, porque as besteiras começaram a sair.

– Não é besteira. – Ele calou-se para ajeitar melhor a cabeça em mim. – Eu não sou mesmo como os outros.

– Que chatice se fosse.

O riso que eu provocara nele saiu cuspido, sincero demais. Eu me juntei ao riso e depois distribui uma série quase interminável de carinhos sobre a nuca, pescoço e ombro.

– Agora dorme, vai. Daqui a pouco tem gente pela casa e você vai ter que sair correndo.

– Bem-vindo à realidade – ele concluiu.

Ele pareceu ter adormecido imediatamente após calar-se, pois logo sua respiração ficou mais pesada em minha pele. Eu continuei acordado por algum tempo pensando no quão era improvável ter um garoto em meus braços, numa manhã de sábado após uma festa dada por Catarina, quando os amigos convidados eram sempre alvos dela ou amigas que levavam suas próprias vítimas. Aquela era a primeira vez que eu dormia com alguém que tinha o potencial de me envolver emocionalmente e a sensação que isso fazia correr pelo meu corpo era igualmente nova e excitante. Eu já tinha certeza que não poderia deixar Bernardo correr de mim, mesmo que os anos atravessados pedissem, acima de qualquer coisa, liberdade. “Mas ele não é mesmo como os outros” eu disse para mim mesmo após um sorriso silencioso.

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Comentários

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TO ADORANDO. LINDO CONTO. COMO DISSE ANTERIORMENTE MUITO ROMÃNTICO, PUERIL. PARECE AMOR DE ADOLESCÊNCIA. SEM COMPLICAÕES AO REDOR.

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