ACRÔNICO. Parte 10.

Um conto erótico de Ralph.
Categoria: Homossexual
Contém 1493 palavras
Data: 21/04/2017 15:24:42
Assuntos: Gay, Homossexual

Claramente arrependido pelo último encontro com Catarina e a visita ao teatro que tinha durado pouquíssimo tempo, eu decidi que minha próxima visita se estenderia por mais tempo e de quebra ainda levaria uma agrado para a equipe tão empenhada em fazer aquilo acontecer.

Um cara que passava na rua me olhou estranho quando me viu tentar abrir a porta de ferro na lateral do teatro. A estranheza daquele olhar se mostrou dotada de pena quando ele se aproximou numa leve corrida e puxou a porta para mim, prevendo que o meu próximo movimento seria derrubar as caixas que segurava ao tentar puxar a porta emperrada. Eu queria ter agradecido formalmente além de um sorriso, mas ele saiu caminhando antes que eu fizesse isso. Quando as pessoas ficaram tão boas? Talvez aquele fosse apenas um bom dia. Eles existem, afinal.

Claro que eu imaginava que não só seria notado imediatamente, como também viraria o centro das atenções quando soubessem o conteúdo delicioso daquilo que eu carregava.

– Não estamos esperando nada, senhor. Endereço errado. – Brincou Catarina sem nem esperar eu me aproximar do palco.

– Que luxo de entregador – Sarah comentou com um sorriso escancarado.

Eric apenas me olhou do alto do andaime, espiando minha aproximação. Ele somente esboçou um sorriso simpático quando eu já esperava alguma frase de efeito ou talvez só um pouco exibicionista.

– Artistas sentem fome? – Eu chamei a atenção de todos.

– “Fome de quê” seria a pergunta mais apropriada – disse minha amiga.

– Poesia demais quando só queremos saber o que tem aí dentro – respondeu um cara grandalhão que cuidava da iluminação e também da cenografia. – Olhem – ele ergueu o aperitivo no ar como se aquilo fosse um Oscar e exclamou: – Coxinhas!

– E o dia foi salvo pelo escritor prodígio. – Eric fez questão que todos o ouvissem enquanto se aproximava, secando o suor da testa.

– Designações antigas demais para se colocar em jogo – eu devolvi em resposta somente para ele.

– Deixe de bobagem. Títulos são títulos – ele disse enquanto pegava algumas das miúdas coxinhas.

– Repito: este é um título antigo, dado por alguém que sequer eu lembro o nome. Adianto: não vi sentido naquela época e continuo não vendo.

– Ele vai se fazer de difícil, não insista. – Catarina quase cortou minha fala sentando na borda do palco, mastigando aquilo que enfiara na boca com ferocidade. – E pra beber? Nadinha? – Falou para mim.

– Droga. Sabia que eu estava esquecendo algo. Deixei para comprar aqui do lado. Ainda dá tempo, não é?

– Mas é claro que sim – ela concluiu.

– Vamos! – Ouvi Eric falar no meio de um pulo. Nem pousou direito no chão, já foi tomando meu braço e me arrastando pelo corredor de cadeiras.

Eu só percebi que ele estava descalço quando passou por mim dentro do pequeno barzinho. Era engraçado assistir a sua não importância para isso. Juntando a esse fato, o moletom muito folgado que ele vestia e a regata muito além de sua numeração, é claro que diriam que ele só poderia ser artista.

– Dois refrigerantes? – Eu perguntei diante do homem que nos atendia.

– E um suco pra mim. – Ele completou, decidido.

– Duas cocas e um suco para ele – eu respondi, mas para o atendente que não demorou em realizar o meu pedido.

Após escolher o sabor, eu vi Eric já abrir o suco que tinha escolhido enquanto eu pagava pelo que tínhamos comprado. O barulho da latinha e o gole gigantesco me fizeram desejar o que ele bebia, mas fiquei em silêncio, claro.

– Você não quer? – Ele estendeu a lata em minha direção.

– É claro que sim.

Após o gole no suco de manga tão gelado que fez doer os meus dentes, eu devolvi a lata e seguimos o caminho de volta para o teatro, que não exigia nada além de alguns passos. Naquela altura da tarde os raios solares que eram refletidos nas parede dos prédios do outro lado da rua, viajavam até onde estávamos e o que sobrava do trajeto daquela luz era uma coloração dourada que banhava os ombros desnudos do ator. A pele negra de Eric brilhava não de suor, mas por possuir os ingredientes necessários para isso. E os ombros, tão leves, pareciam dançar por causa de uma postura tão certa e tão ereta. Eu, que odeio sexualizar as pessoas, tive que admitir que naquele momento ele prendia toda minha atenção.

Quando flagrado observando a dança que era o caminhar daquele homem, eu somente sorri sem jeito e ele devolveu o sorriso, porém mais exibido. Um sorriso de quem sabia que era bonito e usava isso ao seu favor.

“Como paquerar aos 38 anos?”, eu quase pensei alto demais. Ainda bem que eu não tinha pensado, porque logo em seguida cogitei que ele poderia apenas estar sendo simpático e exibido ao mesmo tempo. Talvez fosse tão natural como aquele dançar. A gente é mesmo uma máquina de expectativas quando queremos.

Quando dentro do teatro, ele seguiu para os salgados que nos esperavam e eu servi os refrigerantes nos copos que já tinham sido entregues para cada um. Alguém da equipe deveria estar encarregado dessas miudezas e eu fiquei agradecido, porque também tinha esquecido que precisaríamos de copos para beber.

Aparentemente os pensamentos ainda não estavam no lugar. Mas isso era só questão de tempo.

Obviamente alguns grupinhos se formaram naquela pequena pausa. Eric se juntou à Sarah e Carlo, seus irmãos na peça, a equipe técnica ficou jogando assuntos desagradáveis na roda, como o último grande duelo de MMA, e eu arrastei Johnny e Catarina para uma conversa só nossa. Eu ainda precisava matar a saudade daqueles dois.

– É sempre tão bom vê-los. – Eu disse apoiando minha cabeça no ombro de Johnny, um loirinho fofo alguns anos mais novo que minha amiga.

Ele devolveu meu carinho na orelha que estava livre do outro lado.

– Pois é. Mas a culpa é sua que desaparece e evita contato humano. Nós não somos letais, tá?

Ela brincou e nós três rimos.

– Oh, gente! – E eu pulei de ombro.

Para encostar em Catarina eu precisei mudar de posição, e no meu ângulo de visão eu conseguia ver o os três atores sentados no palco. Eles formavam um triângulo quase perfeito e Eric estava sentado de forma que nossos olhos se encontraram imediatamente. Ele sorriu fingindo doçura, eu devolvi o sorriso fingindo segurança.

– Não! – Catarina praticamente bradou quando viu o sorriso dele viajar ao nosso encontro.

– Não seja maluca. Não o quê?

– Você sabe do que eu estou falando.

Johnny olhou para trás ainda em silêncio para ver do que falávamos.

– Sei? – Eu indaguei.

– Você está muito velho para se fazer de desentendido.

Eu apenas ri.

– Ele só pensa em diversão. Não que isso seja errado, é claro, mas não é do seu tipo esse formato de relação.

– Desde quando você define os padrões de relações que melhor combina com os outros? – Johnny indagou.

– Johnny, se não for me ajudar, não atrapalha. – Catarina quis rir.

– Johnny é meu aliado nessa. Venceu a paquera! – Eu ri por ela, fazendo nosso pequeno grupo cair em gargalhadas. – Mas se eu me lembro bem – eu mesmo interrompi as risadas – você não me deve algum assunto, não?

– É sobre isso que estou falando, mas você não me deixa terminar nada – ele praticamente sussurrou.

– Então termine – eu sussurrei de volta, brincalhão.

Ela segurou meus dedos e senti que pretendia dar uma volta, talvez para fora do teatro, quando Eric levantou como se aquele fosse o passo de uma elaborada coreografia e gritou por Catarina.

– Temos uma ideia para a questão da sonoplastia. – Ele adiantou, expansivo.

Ela me olhou entregando um olhar que mostrava interesse pelo assunto proposto por Eric, mas também pelo assunto criado entre nós.

– Vá! – Eu aconselhei. – Acho que já te segurei por muito tempo. Podemos conversar em outro momento. Eu sei onde encontrar vocês. – Terminei segredando uma informação irrelevante, fazendo Johnny rir.

– Experimente não voltar.

Ela me ameaçou e eu nunca reagi tão positivamente a algo daquele tipo.

Nossa despedida foi rápida. Também com um abraço e um beijo estalado no rosto, me despedi de Johnny. “Tchau, Ralph”, gritou Eric do centro do palco com seu sorriso convencido e sedutor depois de me ver acenar para os que estavam me olhando.

O caminho para casa foi rápido e eu cheguei tão leve quanto tinha acordado naquele dia. Finalmente as coisas estavam se clareando, eu estava seguindo um rumo gostoso de trilhar e estava curtindo o momento. Até tinha esquecido de parar para escrever qualquer coisa naqueles dias.

Depois de muita televisão, o episódio inicial de uma série recém lançada, uma janta preguiçosa e um banho quente, me joguei na cama com a certeza de que Bernardo não seria tema dos meus sonhos daquela noite. Não porque eu estava esquecendo-o, mas porque eu estava colocando-o no lugar certo na minha nova ordem de pensamentos.

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Mais um capítulo para quem estiver lendo. haha

VALTERSÓ, sssul e adriannosmith, obrigado pelos comentários no conto "Ordens Noturnas". Logo mais compartilho com vocês mais dessa "série" de escritos. ;)

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