As rosas não falam - Cap 1

Um conto erótico de Lucas Galvão
Categoria: Homossexual
Contém 2268 palavras
Data: 21/12/2021 04:04:17

7:00 da manhã e aquela música alta parecia que iria, a qualquer momento, estourar a minha cabeça. Num dia normal, em que eu tivesse dormido na véspera a quantidade de horas recomendada pela OMS, eu estaria mais do que pronto para subir as escadas da academia no mesmo ritmo da música agitada que ecoava pelo ambiente. Mas aquele, definitivamente, não era um bom dia. Era a primeira vez em semanas que eu retornava à academia.

Antes eu estivesse mal apenas porque dormi mal e acordei com uma dor de cabeça. A questão era multifatorial, envolvia mais problemas do que eu seria capaz de elencar. Logo que terminei de subir as escadas e tive meu acesso liberado para entrar na academia, pude ver a principal razão da minha dor de cabeça.

Naquele dia quente, ele estava usando um short de poliéster preto e uma camisa de manga com a logomarca da academia. Aquele corpo malhado, distribuído em 1.75 de altura, com aquela pele bronzeada, seria capaz de me conduzir à loucura, e estava, mas novamente: aquele não era um período normal.

Antes que ele me visse, corri para a aula de spinning; pedalar numa bicicleta pesada e suar era uma ótima forma de lidar com todos os meus problemas. O som da sala também era alto, e talvez estivesse mais violento que o som lá fora, mas não importava, eu iria pedalar até não aguentar mais, até ter certeza que não iria matá-lo quando saísse daquela sala, até ter certeza que eu ficaria bem, até ter certeza de algo. A aula durou 1h30, ao final dela, eu estava exausto, acabado e me sentindo um pouco melhor, não era o ideal, mas eu estava pronto para lidar com o turbilhão de problemas daquele dia.

Quando sai da sala e entrei na academia, pude observar meu reflexo na enorme parede de espelho da academia: com 1.67, eu era um dos menores daquele espaço, saberá Deus o motivo, meu enorme cabelo cacheado estava molhado devido ao suor e uma parte dos fios da frente estavam grudados em minha testa, pude ver a luz sendo refletida na minha pele negra. Apesar de todo o cansaço, estava gostando do novo corpo que surgia, ainda não estava tão bombado como o dos outros caras, mas esse nem mesmo era meu objetivo, a meta era estar feliz comigo, e eu estava.

Dei um suspiro e fui realizar um pequeno treino, já que a maior parte do tempo que separei para me exercitar havia sido gasta no spinning. Entrei no salão de musculação e não vi, mas senti o olhar dele me acompanhar em cada movimento, em cada espaço. A academia estava cheia, mas conforme aproximava-se o final da manhã, muitos começaram a ir embora. Eu permaneci, precisava me exercitar, não iria mais abrir mão desse prazer por causa dele, ainda que estivesse disposto a evitá-lo.

Enquanto ele auxiliava uma aluna na outra ponta do salão, eu terminava alguns exercícios com halteres, apesar de estar concentrado no exercício, por um mísero segundo, eu me distraí, e foi bem nesse segundo que ele se aproximou.

- Mais pra cima, Caju. - Caju era meu apelido, meu nome é Lucas, alguns amigos me chamam de Caslu, de variação em variação, chegamos em Caju.

- Valeu. - fui seco, quase ríspido, sequer olhei para sua cara.

A simples presença dele ali me fez cogitar enfiar aquele halter em sua cabeça. Respirei fundo e desisti, eu estava errado, não deveria ter ido pra lá no mesmo horário que ele. Caminhei até o suporte e deixei lá os dois halteres, ele seguiu falando:

- Caju, caralho, eu passei as últimas semanas tentando te ver. Agora que você tá aqui, será que a gente pode conversar? - da área do suporte, segui para o vestiário, ele veio atrás de mim.

- Não! Não posso, Victor. - Me virei e o encarei - E para de me seguir, por favor..

- Eu não tô te seguindo, eu tô te acompanhando, porque eu quero conversar contigo e você tá disposto a me apagar da sua vida. Por favor, Lucas, essa é a primeira vez em quase um mês que eu te vejo, conversa comigo, tô te pedindo. - entramos no vestiário, que estava vazio.

Eu precisava lavar meu rosto, a música que chegava ao banheiro ainda era alta, mas bem menos do que lá fora. Victor falava alto e rápido, tentando justificar o injustificável. O que deveria ser uma tentativa de manhã saudável, havia se tornado um desastre. Uma coisa que eu não sabia, e estava descobrindo naquele momento, era que quando me ocorria uma dor de cabeça mais forte, eu me tornava fotossensível a luz branca, a mesma que estava sendo utilizada naquele banheiro.

Nada ali era positivo ou favorável a mim, a luz incomodava os meus olhos e piorava a dor de cabeça, a música lá fora, agora abafada, parecia mais insuportável do que deveria ser, e a fala acelerada do Victor, tentando encontrar um fio-condutor para justificar todas as filhadaputagens dele foi o ponto decisivo para que eu explodisse no lugar errado, na hora errada, mas com a pessoa certa.

- TUDO BEM, VICTOR! - ele se assustou com o grito e ficou em silêncio - VOCÊ QUER FALAR O QUÊ?

- Caju… eu… - me aproximei dele, a cada passo ele gaguejava mais, até ficar num silêncio profundo, era incrível ver um homem com quase o dobro do meu tamanho completamente assustado.

- Me chama de Lucas, você perdeu o direito de me chamar de Caju depois de ontem. - apontei o meu dedo para ele e depois dei de costas. Era impossível para mim encarar seus olhos, por uma série de fatores, o principal deles, a dor, em seu aspecto literal e figurado.

- Caju, me diz o que tu quer que eu faça, que eu faço pra consertar as coisas, mas não deixa a gente acabar assim. - foi a primeira vez em semanas que olhei para o rosto do Victor, ele estava com olheiras profundas, seus olhos estavam vermelhos e ele já esboçava uma cara de choro que eu já conhecia. No seu rosto, havia um curativo cobrindo um arranhão. Como eu sabia do arranhão? - - - Porque eu o causei.

- Victor - disse pausadamente - você me traiu na festa de casamento do seu pai com a sua madrasta. Eu te peguei no seu carro aos beijos com uma garota que você sequer sabia o nome. Você colocou tudo a perder por nada. Então não jogue em cima de mim a responsabilidade por consertar algo que você quebrou.

- Caju… - ele estava apoiado na parede, a cara que ele fazia era de choro iminente, mas eu o conhecia bem, sabia que ele não iria dar o braço a torcer e chorar na minha frente.

- Eu já te pedi para me chamar somente de Lucas. É dessa forma que a maioria das pessoas me chamam, e nesse momento eu não vejo diferença entre você e qualquer outra pessoa que tenha passado pela minha vida e me fodido dos pés à cabeça.

- Lucas… por favor, me deixa te explicar.

- Explicar o quê, Victor? - eu ri - Me diz, explicar o quê? Que você nunca gostou de mim, Victor? Que o que mais valeu pra você foi amar o fato d’eu te amar, ao invés de você me amar? É como aquela música do Caetano “Narciso acha feio o que não é espelho”, você não está mal porque me perdeu, você está mal porque não vê mais o seu reflexo em mim. - uma lágrima ameaçou escorrer pelo meu rosto, mas não valeria a pena chorar ali.

- Eu sei que eu errei, mas nada que tu tá falando é verdade, Lucas. Eu te amei pra caralho. - ele tentou me tocar, eu não deixei.

- É uma pena que todo esse teu amor nunca tenha chegado até mim. É uma pena mesmo, Victor. Agora eu não quero mais. Nem o amor, nem você. Depois passa na portaria do meu prédio e pega as tuas coisas.

Dei as costas para ele e saí do vestiário, enquanto caminhava, senti todo o meu mundo desabar. As lágrimas queriam vir, mas eu seria mais forte do que elas, enquanto caminhava, tentei manter certa naturalidade e cheguei a acenar para um ou outro colega ou instrutor. A música continuava alta, mas, naquele momento, nada era significativamente tão importante, eu havia acabado de terminar um namoro de 3 anos dentro do vestiário de uma academia. Rumei para as escadas e desci correndo em direção ao estacionamento da academia, que ficava na parte traseira do terreno que abrigava o prédio da academia e algumas pequenas quadras poliesportivas..

Assim que entrei em meu carro, liguei o dispositivo de áudio numa música qualquer e aumentei o som até o último volume. O estacionamento não tinha tantos carros e mais ninguém além de mim estava lá. Sabendo disso, gritei. Gritei pela dor de cabeça, gritei de cansaço, gritei porque meu melhor amigo, o homem que eu achei amar mais que a mim, havia me traído, chorei por aquele término ridículo no banheiro, chorei pela sensação de ter perdido 3 anos investindo num relacionamento que só me feriu, chorei de frustração, chorei por ter amado muito mais do que deveria.

E foi chorando que eu tirei aquele carro da garagem e dirigi até minha casa, que ficava no bairro ao lado. Me lembrava das palavras de Carol, minha melhor amiga e roommate, que me consolou ao longo da última noite, depois de tudo que aconteceu: a única certeza que te dou, Caju, é que dor de amor passa.

Em poucos minutos eu estava em casa, deixei o carro na garagem e, ao invés de subir para meu apartamento diretamente pelo elevador, decidi verificar como estavam as mudas de rosas que eu havia plantado há algum tempo no jardim de entrada do prédio. Passei pela portaria e cumprimentei seu José, o porteiro do turno da manhã. Me dirigi até as rosas e lá estavam elas, ficando maiores, mais fortes e a cada dia mais lindas. Não sou e nunca fui um exímio cuidador de plantas, mas um dia, um vendedor de plantas passou pelo meu caminho enquanto eu estava na rua, decidi apoiar um negócio local e comprei as mudas de rosas, como seria preciso um espaço com bastante terra saudável para plantá-las, fiz o plantio no jardim do prédio e, desde então, com a ajuda de Jonas, um dos funcionários do prédio, tenho cuidado delas.

Em dias difíceis, eu descia e cuidava daquelas rosas, era um hobbie, algo que me acalmava e me fazia bem. Naquele dia as rosas estavam lindas, fortes e belas, diferentemente de mim, que estava um caco. Não havia o que ser feito por elas, então me ajoelhei, e enquanto as observava, chorei mais um pouco. Lembrei-me de As Rosas Não Falam do mestre Cartola, e cantarolei alguns versos:

Volto ao jardim

Com a certeza que devo chorar

Pois bem sei que não queres voltar

Para mim

Queixo-me às rosas

Que bobagem as rosas não falam

Simplesmente as rosas exalam

O perfume que roubam de ti

Devias vir

Para ver os meus olhos tristonhos

E, quem sabe, sonhavas meus sonhos

Enquanto cantarolava distraído, algumas lágrimas escorreram e embargaram a minha voz, ali, admirando as rosas, decidi me recompor. Me levantei e, ao olhar para trás, me assustei com um funcionário dos Correios me encarando. Nos assustamos mutuamente. Eu, talvez, mais do que ele.

- Desculpa, eu vi que você tava cantando e não quis atrapalhar - ele sorriu. Acho que sorri também. Não sei. Ele era lindo de uma maneira que me desconcertou um pouco, inclusive porque eu não sou cantor e estava certamente com o rosto inchado de tanto chorar.

- Tudo bem. Eu só me assustei um pouco, mas eu me assusto com facilidade. - Rimos juntos. - Bom, você tem alguma correspondência aí pra mim?

- Me diz o seu nome e eu dou uma olhada. - Ele era incrivelmente lindo. Era alto, de olhos claros, pele morena, a roupa dos correios valorizava o seu corpo e pude notar que ele também treinava, mas não era isso o que se destacava, era o seu sorriso. O sorriso era o que me desconcertava.

- Lucas Galvão. - ele parou de mexer em sua grande bolsa e me encarou surpreso.

- Então você é o Lucas? Rapaz, você não tem ideia de quantas encomendas eu trouxe pra você nos últimos meses e você não tava em casa. - ri baixo enquanto ele falava.

- Curiosidade mais que válida. Que tipo de pessoa faz tantas compras aleatórias em tão pouco tempo?

- Aleatório eu não sei, mas fiquei curioso em saber quem que morava nesse prédio e fazia tanta compra em tão pouco tempo, sim. - acabamos rindo os dois.

- Bom, e você não tem nada ai pra mim, hoje mesmo?

- Infelizmente, não, e logo num dia que você tá em casa.

- Ah, tudo bem, Fica pra uma próxima. Eu não comprei nada nos últimos dias e carta a essa altura do mês só pode ser cobrança. - ele mexeu mais um pouco na bolsa e pude ver o Seu José se aproximando para abrir o portão e recolher as correspondências.

- Preciso ir. Tchau… - apontei pra ele, esperando ele me dizer seu nome.

- Daniel. - ele disse sorrindo.

- Tchau, Daniel. Foi um prazer. - sorri de volta.

Enquanto eu me dirigia de volta ao prédio, olhei um pouco para trás e sorri uma última vez para ele. Me dirigi ao elevador, e enquanto a porta fechava, minha cabeça não parava de pensar naquele sorriso, no a briga com o Victor e no fato que infelizmente as rosas não falam, pois eu precisaria da ajuda delas para entender a sensação de que eu ainda veria e muito o Daniel.

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