ESCREVEU, NÃO LEU? O PAU COMEU! - INTRODUÇÃO

Um conto erótico de Thyler
Categoria: Homossexual
Contém 1920 palavras
Data: 23/01/2022 02:50:03
Última revisão: 23/01/2022 11:43:29

Meu pai é carioca, nascido e criado em comunidade, e minha mãe, natural do Paraná, filha de um comerciante e de uma dentista, mas foi criada no Rio, onde eles se conheceram desde os tempos da escola. Eu sou filho único. Nasci em São Paulo em meados do ano 2000.

O motivo da separação dos meus pais foi uma fita VHS, prova mais que concreta da única pulada de cerca do meu pai, três anos e meio antes, quando minha mãe estava ainda de oito meses. No filme, uma mulher rodeada por três homens, um deles meu pai, em uma noitada de farra e bebedeira que culminou com o trio fodendo a mulher do cara na cama deles, sob os olhares atentos do corno manso e das lentes de sua filmadora. Não fosse a puta ter limpado a conta bancária do corno — o que eu soube pela boca do meu próprio, pai treze anos mais tarde —, fazendo-o ficar “enfezadinho”, duas coisas não teriam jamais acontecido:

Primeiro: aquele ato tresloucado dele jamais teria sido descoberto. Segundo: o despeito da minha mãe jamais a teria feito fazer com o meu pai o mesmo que a piranha tinha feito com o corno dela, ou seja, arrancar dele até o último centavo. Mas, no caso do meu pai, minha mãe caprichou um pouco mais: tomou dele, também, a parte da casa que fora o presente de casamento do meu avô para o casal, o que o obrigou a se mudar para um cortiço, e o Citröen Xsara Picasso comprado por ela mesma no ano que eu nasci e que ele adorava ostentar para os amigos da metalúrgica.

Durante os anos seguintes, eu crescia entre dois mundos completamente distintos: em um deles ficava o “mini palacete” da minha mãe. No outro, o cortiço, onde meu pai apelidou de “barraco” o quarto e sala com banheiro em que morava.

O prédio onde meu avô comprou o apartamento pra minha mãe tinha tudo o que qualquer garoto deslumbrado pode querer: playground, quadra, parquinho, piscina e sauna, e, no meu caso, um quarto cheio de brinquedos eletrônicos, além de um videogame e computador de última geração. Mas, para o completo desgosto dos meus avós e total insatisfação da minha mãe, nada daquilo era atrativo pra mim. Assim como, anos mais tarde, nem mesmo o colégio caro em que meu avô fez questão de me matricular foi capaz de me conquistar. Meus olhos só brilhavam de felicidade verdadeira quando meu pai aparecia nos finais de semana pra me pegar e me levar pro mundo dele.

Só quando já era adolescente, depois de ter aprendido certas “malícias” da vida, é que fui entender o porquê de eu me sentir mais feliz naquele “barraco” socado nos fundos de um cortiço do que em um condomínio de classe média alta na zona sul.

[...]

O ano era 2016, e meu pai ficou desempregado. Vez por outra ele fazia alguns bicos mas o dinheiro que ganhava mal dava pra pagar as contas e o aluguel. E ainda tinha a minha pensão que ele era obrigado a pagar mensalmente...

Minha mãe não fazia questão de esconder de ninguém o desprezo que ela sentia pelo meu pai. Era nojenta a forma como ela falava dele para as amiguinhas fúteis e a parentada chata que a rodeavam. Quando ela percebeu que isso me desagradava, então, nossa convivência se tornou insuportável. Aí é que ela fazia questão mesmo de jogar na minha cara o quanto se sentia realizada vendo meu pai na miséria. Meus avós e alguns amigos diziam que mais parecíamos irmãos que não se davam bem do que mãe e filho!

Em contrapartida, meu pai nem tocava no nome dela. Ele até levava numa boa quando eu comentava sobre nossas brigas e pedia pra eu relevar, porque ela era assim mesmo...

“Cabecinha oca ela, filho, releva... Não faz caso, não!”— ele sorria, ao dizer.

Dado o fato de que a situação do meu pai estava ficando cada vez mais difícil por conta da crise que assolava o país desde 2008, acreditando que ela tivesse o mínimo de bom senso, cheguei apelar para ela passasse a devolver o dinheiro da pensão, pelo menos até que ele conseguisse outro emprego. Nossa! A casa caiu em cima da minha cabeça!

Mas o cúmulo mesmo foi um dia em que eu tinha ido com ela ao salão de cabeleireiro. Eu queria cortar o cabelo, mas tive que esperar minha vez sentado na recepção, enquanto ela já estava sendo atendida. A cabeleireira era uma amiga dela, tão esnobe quanto...

Em dado momento, um homem se aproximar da calçada, arrastando um carrinho de ferro velho lotado de sucata. Era meu pai! Meu coração quase parou, não por vê-lo naquela situação, pois que o trabalho em Silas é tão digno quanto outro qualquer, mas por causa do desprezo e cinismo com que minha mãe e a vaca da Glória esnobaram ele, sem ao menos se importarem com a minha presença, tão pouco com o fato de o salão estar movimentado naquela hora.

— Você tem algum problema, Suzana? — gritei com minha mãe, enfurecido, chamando a atenção de todos os presentes para nós.

Ela me olhou fazendo ar de desentendida, e a Glória, com voz melosa:

— Ai! Respeita sua mãe, Felipe! Que coisa feia, gritando desse jeito... Tadinha!

— Por enquanto eu tô falando com a dona dos porcos, querida, não com a porcada! Fica na tua que é melhor pra você!

A despeitada fez cara de ofendida e ainda falou com jeitinho de cínica:

— Ah! Se você fosse meu filho eu arrebentava na porrada e te fazia virar homem...

— Tenta a sorte, querida...

— Perdeu o juízo, moleque?! — gritou minha mãe, atirando uma toalha molhada na minha direção, por pouco não acertando no meu rosto.

— Quem perdeu o juízo foi você! Por que você zomba tanto do meu pai?

— Ai, amiga, por que você zomba tanto do papai dele!? Como você é ruim, menina! — disse a Glória com voz melosa me arremedando.

As duas riram e outra cliente que estava mais atrás também. Eu fechei a cara e a Glória ainda falou:

— Nossa amiga, e não é que a menina ficou bravinha de verdade! Que coisa!

Enfurecido, peguei a tolha molhada que estava no chão do chão e atirei na direção das duas. Pegou bem na cara da Glória.

— Tá maluco, seu veado? — dessa vez seu tom de voz era o de uma malandra barata, e ela ainda teve a capacidade de erguer a mão pra me acertar um tapa. Eu desafiei:

— Vai! Me acerta, me acerta mas corre, hein! Corre porque se eu te pegar não da nada!

— Felipe! — minha mãe berrou. — Gente do céu, que vergonha! Além de tudo o que me fez aquele vagabundo do Eliel ainda por cima me dá um filho veado! Eu mereço!?

— Como é que é, Suzana? Meu pai é vagabundo? Por acaso é aquele marmanjo catador de lixo como você fala que vive sendo sustentado pelos pais? Não, né! — falei isso e ri.

— Pára de showzinho! Tá parecendo uma “bicha” louca...

— Sou mesmo! Sou “veado”, sou “bicha louca”, mil vezes melhor do que você! Se você fosse tão boa, não tava sem macho — então me dirigi aos dois profissionais que atendiam no fundo. Os dois eram namorados, um deles era o dono do salão — Viu, André, viu Otávio, como a Dona Suzana se refere aos gays? É “veado”... é “bicha louca”... é desse jeito que ela e o maridinho almofadinha encostado que ela sustenta falam de vocês lá em casa, ela já contou pra vocês? Ah, não, né? Ela é duas caras mesmo! Será que vale a pena tanto assim o que ela paga pelos serviços de vocês ou a sua dignidade quanto “ser humano” vale mais? — os dois a olhavam com cara de reprovação, e ela estava vermelha de raiva.

— Você me paga, seu filho da puta!

— Ah! [Risos]... Deu pra ter ataque de sinceridade agora, querida? — falei, zombando da cara dela. Glória nem se mexia...

— Gente que baixaria é essa! Menino, calma! Ela é sua mãe, respeita ela, por favor!... — disse a mesma cliente que tinha dado risada momentos antes.

— Mãe?! Respeito?... [Risos]... ela tá zombando do meu pai que tá praticamente na miséria... e a senhora vem me pedir pra “eu” ter respeito? — nesse momento não consegui mais conter as lágrimas que teimaram em rolar. — Quer saber quantas vezes o meu pai tentou me jogar contra essa aí? “Nenhuma!”. Quando eu reclamo com ele que ela é “difícil” ele me pede pra relevar e ainda fala isso sorrindo, o coitado. Pede pra eu colaborar com ela porque ela me ama! Você acredita, moca?! Ele nem imagina a cor do retrato que a minha “mãe” pinta dele praquela parentada falsa dela! Nem sonha que ela chama ele de “vagabundo catador de lixo”, sabia! Nem sonha que ela ri dele com esse tipinho de gente vazia que ela chama de amiga. E quantas vezes ela fez isso, né Glória? — fiz questão de dizer isso olhando bem nos olhos da Glória que estava morta de vergonha, e continuei: Quantas festinhas de aniversário eu tive que ver meu pai de canto com aquele jeito todo simples dele, todo sorridente, ser achincalhado pelo veneno de vocês, né não?

Ele errou com ela? Errou, sim! Eu mesmo já falei isso pra ele um monte de vezes! Ele não é santo, e nem se faz de santo também! Mas ela também não é. Ela odeia o meu pai porque ele a traiu mas também me odeia porque passou esse tempo todo tentando me jogar conta ele e não conseguiu, e sabe por que ela não conseguiu? Porque ela é fútil, vazia! É uma mulher infeliz! Ela não perde uma oportunidade de pisar em mim, justamente, porque mesmo eu sendo moleque como ela fala, eu aprendi com o “MEU PAI” a não guiar a minha vida em cima do rancor! E ela não aprendeu! Eu aprendi a fechar os olhos durante todos esses anos pro entra e sai de homem que acontece naquele apartamento... é só o marido dela virar as costas... e ela ainda tem a coragem de taxar o meu pai de vagabundo! [Risos]...

Minha mãe, abrindo a carteira e de lá retirando um monte de notas altas:

— Vai, peste dos infernos! Aqui, ó! — dizia rangendo os dentes, possessa de ódio — Pega isso aqui e some da minha vida! Vai lá e dá pro esfomeado do teu pai. Vamo ver se quando você contar pra ele que você é veado ele te aceita... porque eu não quero filho veado na minha casa!

— O meu pai já sabe que eu sou gay, Suzana. E sabe o quê mais? Ele não tá nem aí. E sabe por que? Por que o meu pai é tão “chulo” como você mesma diz, tão “gentinha”, tão “simples demais” que na simplicidade dele o meu caráter — que eu devo à ele e não à você — se sobrepõe à minha orientação sexual, o que não é o caso do seu intelecto carregado de hipocrisia! — me abaixei e peguei do chão nota por nota que ela havia jogado e atirei no colo dela que me olhava de boca aberta — Então, ó.... enfia esse dinheiro no teu rabo e no dessa vaca, tá! E quem não quer ver a “sua” cara nunca mais sou eu! — fui até a porta pra sair, mas ainda me virei e disse:

— Tchau, gente! Nossa... tô de alma lavada! [Risos]...

Nesse momento André e Otávio gritaram um “Uhuuullll...” batendo palmas e sorriram pra mim...

[Continua...]

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