O outro capítulo 31 O plano

Um conto erótico de Arthur Miguel
Categoria: Gay
Contém 11850 palavras
Data: 16/04/2022 18:00:14

Capítulo 31

_ Que ceninha mais patética! Um velho caindo aos pedaços e uma vagabunda de quinta se esfregando feito dois vira-latas de rua. Que você roubasse o meu marido tudo bem. Isso aí não tem valor nenhum, agora botar as garras em cima do meu dinheiro e estorquir o patrimônio da minha família foi de uma baixeza.

Angela os olhava com a cabeça erguida e a boca retorcida, expressando nojo. Lorena não se deixou abater. Ver o sorriso de Júlio a deixou ainda mais irritada. Também ergueu a cabeça, mas sorria, debochada.

Genaro olhou para Júlio com o olhar de raiva. Sentiu-se decepcionado. Sempre acobertou os adultérios do genro e agora esse não foi grato, reagindo com traição, entregando a sua cabeça de bandeja para Angela.

Lorena puxou o roupão branco, que estava pendurado numa barra próxima á banheira, vestiu ali mesmo, saindo do banho.

_ E só de pensar que eu te paguei para descobrir quem era a amante desse cretino e no final das contas a vagabunda era você mesma.

_ Pagou, porque é burra. Se tivesse um mínino de inteligência teria contratado um detetive particular. Ooooh, tão metida, tão arrogante... você não passa de uma velha burra!_ Lorena afirmou com o rosto próximo á Angela. A arrogância e o deboche da jovem a irritaram ainda mais. Lorena perdeu o equilíbrio, caindo no chão, quando recebeu uma bofetada no rosto.

_ Putaaaaaa! Putinha de quinta!

Com medo de apanhar ainda mais, Lorena levantou as pressas e saiu correndo do banheiro. Tinha a intenção de se trancar em um dos quartos.

Furiosa, Angela foi atrás dela, correndo na mesma velocidade. Estava movida pela ira por ter sido passada para trás pela mulher que tanto confiou.

Alcançou Lorena na sala, a puxando pelos cabelos e a jogando no sofá, onde subiu em cima, disparando mais bofetadas no rosto da jovem.

Júlio sentou no sofá em frente, cruzando as pernas. Sorria satisfeito, se deliciando com o caos que causou.

_ Putinha de merda! Canalha! Você não vai torrar o meu dinheiro e o do meu filho! Ordinária, quenga nojenta.

_Isso, jararaca, bate mais! Lancha essa vaca na porrada!_ Júlio dizia, batendo palmas.

Genaro entrou na sala correndo. Também havia vestido um roupão idêntico ao de Lorena.

_ Para! Para, por favor! Para! Eu estou grávida!

Genaro puxou Angela pelas costas, com a intenção de interromper a briga. Conseguiu segura-la pela cintura, enquanto Angela se debatia gritando.

Lorena levantou com ódio. As bofetadas envermelharam a cara e ardiam como fogo.

_ Se alguma coisa tivesse acontecido com o meu bebê, eu juro que te matava, sua corna desgraçada!

Angela sentiu a raiva consumir cada célula do seu corpo. Fechou as mãos em forma de garra, e os olhos eram como fogo consumidor. Trincou os dentes antes de partir para cima da rival. Tinha a intenção de esganá-la.

Genaro foi mais agiu e a segurou pelos braços, impedindo que se aproximasse de Lorena.

_ Calma, Angela! Pelo amor de Deus, em casa a gente conversa. Como você entrou aqui?

_ É óbvio que foi essa bicha Quaquá que subornou o porteiro para que ela entrasse! Corno!_ o sorriso de Júlio fazia Lorena queimar de ódio._ Eu quero que vocês dois saem do meu apartamento agora! Ou eu vou chamar os seguranças.

Angela usou de todas as suas forças para empurrar Genaro com as costas. Ao se libertar, estalou uma bofetada no rosto do marido.

_ Você comprou este apartamento para ela, seu cretino! O nosso filho precisando de um teto descente e você gastando dinheiro com uma vagabunda!

Genaro segurou Angela pelos punhos e a atirou no chão.

_ Pare com essa histeria! Que vexame!_ Gritou Genaro, irritado.

Angela levantou no mesmo instante.

_ Prostituta de merda! Você não vai ficar com nada que seja de direito do meu filho! Vendida!

_ E quem é você para falar de mim, hein puta? Você é tão piranha quanto eu! Aliás foi piranha quando engravidou do patrão só para dar o golpe do baúl. Hoje você é cafetina, vendeu o seu filho durante todos esses anos para essa bicha maligna aí. Que moral você tem para falar de alguém, hein vaca? E outra, o meu filho tem os mesmos direitos que o seu... aliás, tem até mais, visto que Leandro já é um homem adulto, pode muito bem se virar sozinho.

_ Eu vou te matar! Eu juro que vou acabar com vocês dois!

_ Eu não sou como você, Angela. Eu estou com o Genaro por amor.

Angela soltou uma gargalhada irônica.

_ Ah, garota, deixa de ser ridícula! Um velho murcho e Imbecil você pode até enganar, mas a mim não. E você, hein seu nojento. Que você era um velho burro, eu não duvidava, mas se deixar cair no golpe da barriga dessa piranha foi demais. Garanto que essa criança nem é seu filho.

_ É filho dele sim. Se for preciso, faço um exame de DNA para provar a paternidade do Genaro! Agora fora daqui vocês dois! Saiam!

_ Eu já vou mesmo. Olhar para a sua cara está me dando nojo._ Angela ergueu o dedo indicador, apontando para o rosto de Lorena. As duas se encaravam com as cabeças erguidas e expressões coléricas._ Só quero que saiba, putinha, que não vou facilitar para você. Espero que tenha desfrutado bastante do dinheiro desse otário, porque a fonte secou.

Angela saiu deixando a porta aberta.

Lorena bufava de ódio, andando de um lado para o outro.

_ Tá fazendo o que aqui, demônio? Já não se divertiu o bastante com o espetáculo? Agora saia!

_ Como conseguiu entrar aqui, Júlio?_ perguntou Genaro.

Júlio levantou sorrindo.

_ Eu disse que me vingaria. Só não sabia que seria tão divertido._Debochou Júlio antes de sair.

_ Que odiooooo!_ Lorena gritou com a voz rouca._ Eu vou matar o Luciano! Veado filho da puta!

_ O que o Luciano tem a ver com isso, mulher?

_ Ele tem uma cópia da chave, na certa entregou para o Júlio! E mais, e vou exigir que esse porteiro vendido seja demitido. Já o Luciano, eu vou arrancar cada fio de cabelo daquela víbora!

Genaro sentou no sofá, exausto. Apoiou a cabeça para trás, fechando os olhos, enquanto Lorena gritava descontrolada.

....

Há dois dias que Angela é consumida pelo ódio.

Desde que flagrou o marido com Lorena e soube da gravidez da moça, não conseguiu comer e nem dormir com tranquilidade. Uma olheira profunda e a palidez lhe davam uma aparência cadavérica.

Não viu Genaro desde então, na certa estava na casa da outra, ele já tinha feito a sua escolha, Angela sabia que o seu casamento chegou ao fim.

Possuída pelo ódio, juntou todas as roupas e pertences pessoais do marido no quintal com intenção de incendia-los.

No entanto, pensou que dependeria da caridade do marido para sobreviver. Eles se casaram com separação total de bens, foi uma exigência da família de Genaro, com a aprovação do próprio, já que estava se casando com uma mulher de classe social inferior a dele. A casa que vivia era herança dos pais de Genaro e nem sobre essa Angela tinha direitos.

Vendo-se nessa situação catastrófica, ordenou que a empregada colocasse tudo de volta no lugar.

Fumou em demasiado, lamentando não ter investido as mesadas que recebeu de Júlio e do marido durante todos aqueles anos. Angela acreditava que essas fontes eram inesgotáveis e torrou tudo para satisfazer as suas futilidades.

Júlio interrompeu o pagamento da mesada desde que Leandro saiu de casa, alegando que só voltaria a pagar se ela convecesse o filho a voltar para ele, o que Angela não tinha a menor vontade de fazer.

Ao entrar em casa, Genaro a encontrou sentada no sofá com o cigarro entre os dedos. Mesmo arrasada, Angela não quis perder a pose, não ia dar esse gostinho ao marido.

Aproveitou que o cartão de crédito para hidratar os cabelos, fazer as unhas e limpeza de pele. Vestia um macaquinho salmão contornado de preto nas mangas e gola e uma rasteirinha de mesma cor.

Genaro usava roupas comuns, uma bermuda bege, uma blusa azul celeste de botões pretos e calçava um par de sapatos marrons.

Ele passou direto pela mulher sem dizer uma palavra, cumprimentando a empregada, indo para o quarto em seguida.

Por alguns segundos, Angela teve a esperança de que Genaro não fosse embora. Não era a primeira vez que flagrava o marido com outras e o casamento seguia firme e forte. Talvez Genaro mantivesse as duas famílias.

Por mais humilhante que isso fosse, ela suportaria, afinal precisava do dinheiro dele para sobreviver.

Angela não aguentou a aflição e subiu as escadas correndo. Entrou no quarto como bala.

Seu coração bateu em disparada quando viu que Genaro arrumava as malas.

Era o fim da linha para ela.

Pensou em dissimular que ainda o amava e implorar para Genaro permanecer. Mas o seu orgulho não a permitiu encenar uma cena ridícula. Ele não cairia, conhecia Angela.

"Se ele vai embora, então vai deixar a casa para mim?" Pensou na possibilidade.

_ Pelo visto você vai mesmo viver com a ordinária. Vai cair mesmo nesse golpe barato dela? Você é um otário mesmo.

_ Sim. Sou mesmo um otário. Há trinta e três anos caí no seu golpe da barriga e agora vou cair no dela._ Genaro respondeu com um sorriso debochado, fazendo com que Angela se sentisse ainda mais humilhada.

_ Eu não te dei golpe nenhum! Na época eu te amava. E não era pouco não. Mas, você foi matando esse amor sendo um merda de marido.

_ Sim. Eu admito que não fui um bom marido para você. Mas você também não foi uma boa esposa, então estamos quites.

_ Eu perdoei muitas de suas traições...tudo isso pra quê? No final ser trocada por uma putinha barata?

_ Você nunca perdoou nada. Sempre jogou tudo na minha cara. Ao contrário de mim. Eu sim perdoei as suas traições, nunca nem toquei no assunto.

_ É óbvio que tive os meus casos! Eu precisava de um alívio para suportar todos os sofrimentos que você me causou.

Genaro respirou fundo, antes de sentar na cama. Olhou para ela com carinho.

_ Angela, eu também te amei muito nos primeiros anos do nosso casamento. E não duvido que também tenha me amado. Eu fiquei muito feliz quando soube que teria um filho contigo. Enfrentei o preconceito da minha família para me casar com você. Mas nós destruímos o nosso casamento, nos tornamos inimigos e nos deixamos prender durante muitos anos num inferno por puro comodismo. O melhor para nós dois é o divórcio. Você ainda é jovem, pode muito bem reconstruir a sua vida, eu torço por isso. Apesar de tudo, você foi minha mulher por muitos anos e é a mãe do meu filho, eu tenho algum respeito por você.

_ Você não está preocupado com o melhor para nós dois. Está preocupado com que é melhor para você, para o seu ego de homem velho que vai trocar a mulher de cinquenta e dois anos por uma de vinte.

_ Ela vai ter um filho meu. Dessa vez serei homem para assumir.

_ Lógico. O Júlio não vai querer comprar essa criança como fez com a Vanessa.

_ Não diga besteiras. O seu mal é esse, sempre agressiva.

_ Não é justo que eu saia com uma mão na frente e a outra atrás depois de todos esses anos te aturando.

_ Agora você chegou onde queria, no dinheiro, a única coisa que te importa.

_ Sim. É a única coisa que me importa sim!

_ Você sabe que não tem direito a nada?

Angela sentiu o coração bater mais forte. Calada, se desesperava pensando em como se sustentaria. Há anos que não trabalhava, não tinha diploma e nenhum centavo para investir em nenhum negócio. Sabia que com sua idade seria difícil disputar com jovens para obter uma vaga no mercado de trabalho.

_ Mas, eu não sou nenhum cretino. Vou passar esta casa para o seu nome e vou te dar uma pequena quantia em dinheiro para que consiga se sustentar até conseguir um emprego.

Angela pensou em agradecer, mas se calou. Ele não fazia mais que a obrigação depois de humilha-la.

Ela se aproximou da janela, encostando as costas na parede. Quis chorar, mas reprimiu o choro, acendendo um cigarro.

_ Eu não posso deixar que o nosso filho saia prejudicado com tudo isso._ Angela disse mirando a janela, tentando reprimir as lágrimas._ Nós destruímos a vida dele quando nos aliamos ao Júlio. Eu me arrependo muito de ter o jogado nos braços daquele cretino.

_ Eu também._ concordou Genaro entristecido.

_ Então, repare o nosso erro. Falhamos como casal e falhamos mais ainda como pais. Enquanto você gasta rios de dinheiro com uma puta de quinta e vai gastar mais ainda com o filhote de demônio que ela carrega no ventre imundo, o nosso filho está passando por dificuldades financeira, sendo encurralado pelo Júlio para que assim não tenha outra opção e volte para ele.

_ Isso nunca! Não vou permitir! Juro que não falho dessa vez. Júlio está louco! Pode cometer o mesmo crime que o pai cometeu! Ah, se ele toca no Leandro, eu mato...juro que mato.

_ Você deve ajudá-lo. E não com miséria. Tem que ser na mesma proporção que será com a puta e o filhote dela... aliás até mais!

_ Eu não tenho mais tanto dinheiro, Angela.

_ Se vira!_ Angela gritou.

_ Fala baixo! Os vizinhos vão ouvir!

_ Não me interessa se vão me escutar! Eu não liiiigooooo! Que ouçam! Porraaaaa! Eu exijo que o que é do meu filho vá para as mãos dele antes que aquela piranha torre tudooooo!

_ Angela, eu vou dar uma mesada para ele.

_ Não! Isso é pouco! Você vai dar a parte dele da sua herança!

_ Mas eu ainda não morri, louca!

_ O que é uma pena! Mas o meu filho não vai viver das suas migalhas. Eu sei que foi demitido da empresa daquele canalha! Vai viver de quê? Da sua aposentadoria? Eu garanto que a vadia vai torrar tudo e não vai deixar nada para o meu filho!

_ Eu não posso dar muito dinheiro para Leandro. Ele não sabe administrar! Nunca dirigiu um negócio! Leandro perderia tudo em dois tempos!

_ Pare de subestimar a inteligência do Leandro! Não o confunda com a jumenta da sua putinha!

_ Angela, se acalme! Está impossível conversar com você.

A angústia pesava demais no coração de Angela. Ela sentia que não tinha mais forças para segurar as lágrimas.

No entanto, não as derramaria diante de Genaro. Isso nunca!

Correu para um outro quarto, se trancando.

Caiu sobre a cama, mordendo o travesseiro com força para sufocar os gritos. Desabou em prantos. Estava dilacerada.

....

Era vinte e duas horas, quando Leandro teve o sono interrompido pelo som do toque do seu celular.

Como andava com os nervos a flor da pele devido a todo o terror psicológico que o Júlio o submetera, Leandro acordou trêmulo, temendo que a ligação fosse um anúncio de alguma notícia ruim.

Ao ver o nome da tia Marinalva estampado na tela do celular, gelou no mesmo instante, temendo que algo ruim tivesse acontecido a sua filha. Afinal, tia Marinalva não era muito de ligar.

Atendeu a ligação com o coração aflito.

Tanto Angela quanto Genaro sempre deixaram claro que não queriam envolver Leandro nos seus problemas conjugais. Apesar do filho ser um homem adulto, eles sempre o pouparam das situações caóticas que viviam.

No entanto, Marinalva não aceitava o fim do casamento do irmão. Ela gostava de Angela e detestava a possibilidade do irmão estar envolvido com uma mulher mais nova e possivelmente uma interesseira.

Passou por cima do desejo do irmão e da ex cunhada. Achou que seria prudente que Leandro tomasse conhecimento do que estava acontecendo, e tomasse alguma providência para impedir o novo casamento do pai.

Foi desse jeito que Leandro soube de tudo o que ocorrera.

O fato do pai ter uma amante mais jovem não o surpreendeu, já conhecia a má conduta de Genaro. Também não se entristeceu com a separação dos pais. Apesar de lamentar, Leandro sempre soube que mais cedo ou mais tarde isso aconteceria, nenhum casamento como aquele se sustentaria para sempre.

O que de fato o intrigou foi a identidade e a gravidez da ex amante e atual esposa do pai. Passou um tempo refletindo sobre Lorena, não chegando a boas conclusões.

_ Você precisa fazer alguma coisa, Leandro. O seu pai está fora de si. Ele precisa pôr a cabeça no lugar.

_ Não há nada que eu possa fazer, titia. O meu pai é um homem adulto e possui uma excelente saúde mental. Ele sabe o que faz.

_ Mas você é o filho deles! Não pode permitir que...

_ Titia, com todo respeito, eu não estou bem. Tenho muitos problemas pessoais para resolver, tenho que cuidar de uma adolescente e da minha saúde mental e física, não posso interferir nas decisões do meu pai. A única coisa que posso fazer no momento é dar um apoio emocional a minha mãe.

_ Você está sendo egoista! O casamento dos seus pais está desmoronando e você só pensa em si próprio!

Leandro estava de saco cheio daquela conversa, julgava injustas as acusações da tia. Para não manda-la ir á merda, encerrou a ligação sem aviso prévio.

_ Onde já se viu! Menino mal educado! Desligou na minha cara!

Logo pela manhã recebeu a visita de Valéria, que trouxe consigo Vanessa. Era o feriado e Valéria se ofereceu para o buscá-la, assim Leandro não precisaria ter o desprazer de ver Júlio.

Vanessa chegou ansiosa, despejando sobre Leandro e Valéria a informação de que os avós haviam se separado porque Genaro trocou Angela por Lorena.

_ Pai, você acredita que a bandida tá grávida?! Aquela piranha quer dar o golpe da barriga no meu avô. Eu duvido que aquela criança seja dele.

_ A gente já sabe de tudo, garota. A chata da tia Marinalva já ligou para perturbar o seu pai e ele me ligou cotando tudo.

_ Ah, mas vocês não sabem de tudo mesmo! O meu pai Júlio me disse que a vaca da Lorena propôs ao meu avô para abrir um escritório de advocacia para que ela administrasse. Tá na cara que isso é golpe.

Leandro e Valéria se entreolharam desconfiados.

_ E como o Júlio soube disso?_ perguntou Valéria.

_ Por fofoca ora! Ele disse que foi pelo tio Rubens. Mas eu duvido. Tenho certeza que foi pela chuchu mal cozido do Luciano._ Vanessa pronunciou o nome de Luciano com uma expressão de nojo._ Eu não suporto aquele cara!

_ E o seu avô aceitou?

_ Eu acho que ainda não. Tipo, ele não deu uma resposta. Mas do jeito que o meu avô está seduzido por aquela puta, duvido que ele não vá ceder. Ele vai perder tudo. Ela vai tirar o dinheiro dele e dar um pé nele.

"A gente precisa fazer alguma coisa para impedir, pai."

_ "A gente" não vai fazer nada. Principalmente a senhorita. Isso não é problema seu. Você deve focar nos estudos e nas atividades físicas. Inclusive vamos voltar a corremos juntos.

_ Eu odeio quando você me deixa de fora das coisas e me trata como criança! Isso não é justo!

_ Uma coisa a chatinha tem razão. Essa criança pode muito bem não ser do Genaro. Eu como puta Velha de guerra conheço outra puta de longe. Duvido que Lorena só tenha o seu Genaro. Uma mulher jovem, extremamente bonita e saudável, aquilo ali deve tá sentando em geral.

_ Val, controle a boca na frente da menina!

_ A Val tem razão, pai. O meu pai Júlio disse que ela teve um caso com o demônio do Abner. Oh, família nojenta! Isso é incesto! Eles são como se fossem irmãos! Só de pensar que já gostei dessa gente. Bando de pistoleiros. Tenho certeza que esse filho é do Abner.

Leandro e Valéria se olharam novamente, e dessa vez ambos estavam com raiva.

_ Filha, a Luiza, neta da dona Rebeca, perguntou por você. Por que não vai lá na casa dela colocar o papo em dia?

_ Boa! Podemos ir ao shopping?

_ Meu amor, eu não tenho dinheiro para te dar e nem a Luiza deve ter.

_ Não se preocupe, pai. Eu tenho o cartão de débito com a minha mesada. Eu pago para ela. Por favor, me deixe ir?

_ Tá bom. Eu levo vocês duas e busco.

_ Obaaaaa! Vou lá na dona Rebeca vê se a Luiza quer ir comigo. Se ela topar, eu volto aqui e me arrumo.

_ Tá bom, vai lá.

Assim que Vanessa saiu do apartamento, o silêncio se instalou por alguns segundos. Leandro permaneceu com a expressão de chateado. Sentiu raiva de si mesmo por se incomodar por Abner ter tido um caso com Lorena. "Que se foda o Abner! Ele transa com quem quiser. Não devo ficar incomodado." Sabia que não era ciúmes o que sentia e sim frustração por cada dia mais descobrir algo do homem com quem teve a esperança de reconstruir a sua vida.

Valéria quebrou o silêncio fazendo uma indagação.

_ Eu só não entendi o porquê do idiota do Júlio ter contado para a Vanessa sobre o caso do cretino do Abner com a pistoleira.

_ Para me machucar, né Val. Ele sabia que a Vanessa me contaria. Júlio é cruel, sente prazer em me machucar.

_ E você ficou incomodado?

_ Sim. É horrível você perceber o quanto foi enganado por uma pessoa. Mas, não vou ficar falando nesse sujeito. Para mim, ele morreu.

_ E se o filho da Lorena for dele? Por mais que eu ache que o seu pai é um safado, ele não pode assumir o filho do Abner e essa criança ter direito a sua herança. Isso não é justo!

_ Eu creio que seja filho do meu pai sim. A Lorena não seria burra a esse ponto. Na certa o meu pai vai exigir um exame de DNA. Ele exigiu da minha mãe, é óbvio que vai exigir da Lorena. E ela sabe disso. Essa gravidez foi planejada. Essa criança deve ser sim filha do meu pai.

_ Isso faz sentido..._ Valéria interrompeu as palavras, permanecendo calada. Arregalou os olhos como se tivesse feito uma grande descoberta. Socou a mesa, gritando:_ Como eu sou burra! Burra! burra! burra!

Leandro a olhou sem entender do que a amiga se referia.

_ Bijuzinho, foi ela quem contou pro Júlio sobre você e o Abner naquele dia! A pilantra havia me contado que o Abner e Dimitri eram a mesma pessoa. Aí eu, bocuda, acabei dizendo onde vocês dois estavam. Na certa, ela ligou para o Júlio e contou tudo, deu o endereço a ele! Não tinha como o Júlio saber sem que eu ou ela tivesse contado...que vaca! Só não entendo o porquê ela fez isso.

_ Só pode ter sido por dois motivos: um para arrancar dinheiro do Júlio, já que ela pode ter cobrado pela informação, ou por ciúmes do Abner comigo.

_ Pilantra! Como eu me deixei enganar por ela? Que ódio! Vontade de arrebentar a cara daquela safada!

_ É...mas você vai conter essa vontade. Lembre-se que ela está grávida e se você tocar nela pode ser prejudicada por isso.

_ Não é justo que ela saia impune!

_ Eu sei que não é. A vida não é justa. Mas não há nada que possamos fazer. Eu tenho uma filha para acabar de criar e uma vida para reconstruir, você tem a sua vida para viver... não podemos estragar tudo por causa de uma pilantra qualquer.

_ E aí ela vai se dar bem? O idiota do seu pai vai abrir um escritório de advocacia, deixar a safada no comando, ela dar a porra de um golpe você fica sem herança! Não, cara! Deixa de ser otário! Você vai fazer o quê?

Leandro a olhou com uma expressão tranquila.

_ Vou ligar para a minha mãe.

O celular estava ao lado dele, sobre a mesa. Pegou-o e fez uma chamada por comando de voz.

_ Quer ver só como ela vai tentar omitir tudo? A minha mãe nunca me conta nada sobre o que acontece com eles.

_ Igual você com a Vanessa.

_ É diferente. Vanessa é uma criança e eu sou um homem adulto...pera aí...oi, mãe.

Angela interrompeu o choro quando leu o nome do filho na tela do celular. Estava deitada, ainda vestindo uma camisola de seda branca e tinha os olhos vermelhos, devido ao choro.

Como Leandro havia previsto, ela nada mencionou sobre a separação. Só perguntava como o filho estava fazendo para sobreviver, já que não estava mais trabalhando.

_ Eu vou depositar alguma coisa pra você.

_ Não precisa, mãe.

_ Claro que precisa! Deixe de ser orgulhoso, Leandro. Você não está em condições para isso. Não posso depositar muita coisa, mas o suficiente para passar o mês. O seu pai também vai conversar com você sobre isso.

_ Falando no meu pai, como ele está? Eu soube que foi demitido.

_ Está bem. Ele está até feliz com isso. Júlio está mais insuportável que de costume. Se afastar daquela praga faz bem para todo mundo.

Leandro não perguntou nada sobre o divórcio. Não achou prudente fazer isso por telefone.

Decidiu visitá-la, perguntando em que dia ele poderia fazer isso.

_ O dia que você quiser, meu bem. Esta casa sempre foi e será sua também. Venha almoçar comigo amanhã...vou caprichar no menu. Eu mesma vou preparar.

_ Tudo bem, mãe. Até amanhã então. Beijos, eu te amo.

_ Eu também te amo, meu amor. Se cuida.

Leandro encerrou a ligação sentindo uma tristeza angustiante.

_ Como eu havia dito, ela não disse nada sobre a separação. Amiga, eu estou tão triste por ela. Estou com pena da minha mãe. Não é nada fácil ser traído. Dói tanto.

_ No caso dos seus pais são chifres trocados.

_ Mesmo assim. A minha mãe nunca quis o divórcio, sempre passou por cima de tudo para manter o casamento. Ela achava que valia o sacrifício. E no final foi trocada por uma mulher mais jovem! A coitada deve estar se sentindo humilhada.

_ Eu não sinto pena dela. Se Angela tem essa visão torta de casamento e fez disso um investimento financeiro isso é problema dela, mas daí te arrastar pra isso foi demais. Se ela quisesse suportar as traições do seu pai tudo bem, mas daí te empurrar para aceitar as do Júlio, o ajudando a te manter num relacionamento abusivo foi crueldade da parte dela.

_ Você tem razão...toda razão...mas mesmo assim sinto pena dela... é a minha mãe...eu a amo.

No mesmo instante, o celular de Leandro anunciava uma notificação do banco.

_ A minha mãe acabou de depositar dois mil reais na minha conta bancária.

_ Isso ainda é pouco, diante de todo mal que ela te fez.

....

Angela tentou mascarar a tristeza maquiando levemente o rosto.

Deu um sorriso sincero ao ver o filho se aproximando trazendo um boque de margaridas.

Ela o recebeu com um abraço, que durou alguns segundos. Leandro envolveu os braços em seu pescoço e a beijou sobre a face.

_ Eu já sei de tudo._ sussurrou no ouvido da mãe.

Angela descansou a cabeça em seu ombro.

_ Quem te contou?

_ A tia Marinalva.

_ Maldita linguaruda!

_ Uma hora eu ia saber.

_ Mas não era para ser agora. Você tem problemas demais para ter que se preocupar com isso.

_ Isso não importa. Como você está?

_ Estou bem. E vou ficar melhor ainda. Vamos almoçar? Eu preparei pato assado com laranja. Sei que você adora.

Leandro estranhou que sendo um dia útil Márcia não estava trabalhando na casa e Angela cozinhou. Chegou a conclusão que a empregada foi dispensada por falta de condições da mãe em pagá-la. Mas não quis perguntar. Preferiu manter a discrição.

Sentaram á mesa, durante a refeição, Angela evitou tocar no assunto, focando em Leandro.

_ Foi injusto você ter perdido o emprego por causa do Júlio. Estou com tanto ódio daquele demônio! Ele tá fazendo isso para que você fique vulnerável e volte para ele! Leandro não ceda por nada! Júlio é cruel!

_ Eu sei disso. Estou me virando como posso. Pode ficar tranquila, que não volto para ele por nada.

_ E pararam de te perseguir?

_ Eu creio que sim. Não há mais gente estranha na portaria da empresa da Val e não vejo mais aquele detetive por perto.

_ Mesmo assim é bom manter os olhos abertos. Não confio naquela praga.

_ Mãe, eu quero saber como você está na real. Se vai ficar bem, o que pretende fazer para se sustentar, como está se sentindo...

Angela soltou os talheres das mãos e respirou fundo, antes de falar:

_ Eu estou com raiva...muita raiva...mas não vou me deixar cair, se é isso que te preocupa. O seu pai foi cretino o suficiente para comprar um apartamento para aquela bandida, ele vai torrar o dinheiro todo com ela e com o filho deles...se é que é dele. Enfim, não acho justo que você saia prejudicado quanto a isso.

_ E você? Ele vai continuar te ajudando?

_ Genaro vai passar a casa para o meu nome...quando ele disse isso eu não acreditei, o seu pai é um mentiroso por excelencia, no entanto, ele já está acertando toda a papelada...o que me deixa mais aliviada. Quis bancar o "bonzinho" dizendo que me cederia uma mesada, o que eu sei que é direito meu. Não sou tão leiga assim. Eu já procurei um advogado e me certifiquei dos poucos direitos que tenho. Está tudo sob controle.

_ Eu não me refiro só a dinheiro, mãe. Quero saber dos seus sentimentos. Você tem feito terapia? Tem se cuidado?

_ O meu único sentimento é de arrependimento. Eu aturei o seu pai por anos, carreguei essa casamento nas costas para no final não valer a pena...ser trocada por uma putinha imunda. Eu também me arrependo de não ter feito o meu pé de meia, não ter aproveitado todas as oportunidades que tive para crescer profissionalmente, ter vivido as sombras do seu pai..."Por trás de um grande homem, há uma grande mulher"...pro caralho toda essa baboseira! "Um homem é cabeça, a mulher é o pescoço"...como eu odeio essas frases. Mulher nenhuma deve ser sombra de marido e muito menos pescoço. Somos completas! Devemos ser completas! A dependência financeira é uma prisão, Leandro. A gente vai se acomodando na gaiola de ouro e no final... Nada dessa merda vale a pena.

_ É verdade...mas você ainda pode se reerguer. Ainda é jovem e muito bonita, tem saúde.

_ Eu não sou jovem. Tenho 53 anos. Bela...nem sei se sou mais. A beleza da mulher tem prazo de validade para uma mulher.

_ Isso não é verdade! Você é linda! Isso é o que as pessoas querem que vocês acreditem. Mãe, você é incrível!

_ Não sou não, meu filho. Não sou mais jovem e bela como a Lorena, não sou empoderada como a Valéria e nem tenho mais a energia da Vanessa. Sou só uma sobrevivente.

_ Não! Você não deve se comparar a ninguém! Você tem o seu valor! Mãe, você pode ser o que quiser! O seu casamento com o papai não é a sua vida, é só um ciclo que se encerrou. Há muitas possibilidades a sua espera. Eu te entendo, muitas vezes eu me sentia assim. Me perguntava se daria conta de tudo sem o Júlio...mas agora eu sei que sim. Mãe, é libertador por a cabeça no travesseiro e saber que não há mais ninguém me desrespeitando! Claro que ainda não consegui me estabelecer financeiramente, mas eu tenho esperanças que vou conseguir. Você vai ver o quão boa é essa liberdade! Casamento de conveniência não faz bem para ninguém. Você ainda vai ser muito feliz!

Ela sorriu segurando a mão dele e a acariciando o seu rosto com a outra.

_ Você é mesmo incrível! Mesmo com tantos problemas, ainda vem e me põe pra cima. Eu não o mereço como filho. Já te fiz tanto mal.

_ Esqueça isso. Ficar remoendo o passado só vai piorar as coisas. Nós vamos ficar bem, mãe. Tudo vai dar certo.

Angela sorriu.

_ Você perdoa a mamãe?

Leandro beijou a sua mão, sorrindo.

_ Já perdoei há muito tempo. Eu só quero que tenhamos paz. Não tenho mais raiva sua e nem do papai.

_Ah, como eu te amo, meu bebê!

Angela o abraçou com força, apesar das emoções que estava sentindo, quis reprimir as lágrimas. Não queria preocupar ainda mais o filho.

....

Leandro estranhou a presença da filha em plena manhã de terça-feira. A menina entrou no apartamento furiosa, vestindo o uniforme escolar.

_ Eu não acredito que o meu pai fez isso contigo! Que sacanagem! E você nem para me contar nada, hein! Até quando vai ficar com essa mania de me tratar feito criança e me esconder as coisas importantes que estão acontecendo?

Leandro suspeitou do que Vanessa se referia.

_ Já sei que a fofoqueira da Valéria não guardou a língua na boca.

_ E ela fez bem em não fazer isso. Se não é a Valéria me falar, eu nunca ia saber._ Vanessa se jogou no sofá, sentou com as pernas cruzadas, que se balançavam inquietas._ Eu acabei de ter uma discussão com ele. Meu pai negou tudo, mas eu não confio em uma palavra que ele diz. Agora você está desempregado. Isso é tão injusto!

Vanessa deixou que as lágrimas escorressem, despertando a compaixão de seu pai. Leandro sentou ao seu lado e a abraçou.

_ Tá vendo? É por isso que não quero te envolver nos meus problemas. Você fica triste. Eu não gosto de te ver assim.

_ Mas você não merece passar por tudo isso. Puxa, vocês foram casados por anos, não é justo que saia desse casamento sem nada! O meu pai te impediu de crescer na vida e continua a fazer isso até hoje! Não é certo!

_ Meu bem, eu vou resolver isso. Já estou a procura de um novo emprego, já fui em algumas agências, já distribui currículos é só uma questão de paciência, que tudo vai se acertar.

Vanessa se afastou um pouco dos braços dele. Abriu a mochila, pegou uma carteira cor de rosa e retirou dela uma quantia de cinco mil reais.

_ Pai, eu retirei esse valor da minha mesada deste mês. Não é muito, mas pode te ajudar.

Leandro afastou as notas de cem reais, pondo de volta na carteira.

_ Nem pensar. Esse dinheiro é seu.

_ Mas eu não preciso dele. Eu tenho tudo que quero e o cartão de crédito está a minha disposição...pai, isso não é hora de ser orgulhoso! Me deixe te ajudar!

_ Meu amor, não é preciso! A sua avó me emprestou dinheiro e eu já estou me virando para conseguir mais. Está tudo sob controle.

A verdade é que nada estava tão bem quanto Leandro queria aparentar que estivesse. Ele estava com medo de não dar conta dos boletos e do sustento do mês. Mas não queria aceitar o dinheiro da filha, não pela menina. Admirou a boa intenção. Mas sabia que aquele dinheiro vinha das contas bancárias de Júlio. E aceitar dinheiro que viesse do ex-marido o fazia se sentir humilhado.

_ Você quer mesmo me ajudar?_ Leandro perguntou sorrindo com o canto da boca e arqueando a sobrancelha.

Vanessa fez um sinal positivo com a cabeça.

_ Então, venha comigo.

Leandro a pegou pela mão e a conduziu até a cozinha.

Vanessa reparou que havia sobre a mesa vários ingredientes como: ovos, leite, chocolate em pó, coco ralado, amendoim e entre outros. Sobre a pia havia uma batedeira e o calor do forno aquecia a cozinha.

_ O que significa isso, pai?!

_ Estou fazendo bolos de potes. Uma vez, eu comi um maravilhoso que o Ezequiel me deu. Como a dona Rebeca pretende dar uma festa de aniversário para o neto, eu me ofereci para fornecer bolos de potes. Ela aceitou e já temos a nossa primeira remessa de encomendas.

_ Fala sério, pai!_ Vanessa exclamou com os braços cruzados._ Que decadência! Você é um lord... não merece isso.

_ Eu não sou um lord. Sou um homem que preciso pagar os boletos e me sustentar. Não posso ficar com os braços cruzados, esperando que dinheiro caia do céu._ disse Leandro, enquanto vestia um avental preto e colocava na cabeça uma touca de rede preta.

_ Mas, pai...

_ Vai me ajudar ou não?_ Leandro perguntou sorrindo.

_ Vou._ Vanessa respondeu desanimada.

Leandro a segurou com as duas mãos na face a beijou.

_ Você merece coisa muito melhor.

_ Ah, não é tão ruim assim. Eu mandei fazer uns cartões de visitas que a dona Rebeca vai distribuir na festa, quem sabe eu consiga mais clientes?

_ Pelo menos eu vou poder comer um?

_ Deixe-me pensar...hum...claro que pode.

Vanessa comemorou sorrindo para ele.

O dinheiro arrecadado com as vendas dos bolos não foram o suficiente para que Leandro conseguisse manter as despesas durante todo o mês. Mas conseguiu segurar as pontas por um tempinho.

Não se deixou abater pelas preocupações. Acordava pela manhã, vestia-se de modo formal para sair em busca de um novo emprego.

Aproveitava a viagem para pôr os bolos numa caixa térmica e oferecer pela vizinhança.

Com seu jeito gentil e solicito havia conquistado a simpatia e o carinho de muitos que compartilhavam com ele o mesmo bairro, o que o ajudou mas vendas dos bolos.

As crianças eram as suas fiéis clientes, o que chamou a atenção de seu Manuel, um homem que possuía uma cantina numa escola do bairro.

Manuel comprou um dos bolos para experimentar. Agradou-se do gosto e fez uma grande encomenda para a cantina, o que foi benéfico para Leandro.

Ele também retornou onde trabalhou para Valéria, na tentativa de vender para os ex colegas.

A sua rotina havia se tornado mais exaustiva. Não era acostumado a realizar as tarefas domésticas, e era junto com essas tinha que dar conta dos bolos e da busca por um emprego de renda fixa.

_ Amiga, hoje é dia de buscar a Vanessa e eu estou muito atarefado aqui. Estou faxinando a cozinha. Há como você me fazer o favor de ir buscá-la?_ Leandro pediu ao telefone, segurando o aparelho com os ombros, enquanto lavava a louça.

Valéria concordou sem exitar. Chegando com Vanessa duas horas depois.

A amiga também possuía uma chave do apartamento. Entrou trazendo umas garrafas de cerveja e Vanessa uma caixa de salgadinhos fritos.

_ Paiiii, cheguei!

Vanessa depositou os salgadinhos sobre a mesa e o beijou no rosto.

Valéria foi direto na geladeira, pondo as cervejas.

_ Bijuzinho, que miséria é essa? Amanhã mesmo vou fazer umas compras.

_ Val, não...

_ Nem abre a boca para dizer que não precisa. Vai perder o seu tempo. Você já está todo fodido. Precisa se alimentar bem.

_ Pai, a Val comprou uns salgadinhos. Eu amo coxinhas e essas têm catupiry. Você não vai fazer o chato hoje e me proibir de comer não é?

_ Só hoje.

_ Eeeeeee!_ Vanessa comemorou, batendo palminhas._ Ela comprou cerveja também. Posso beber um golinho?

Vanessa fez beicinho, inclinando a cabeça para o lado.

_ Nem pensar. Há laranjas na geladeira. Eu faço um suco para você.

_ Mas, pai...

_ Não. E vá tomar banho para comer.

Vanessa foi para o banheiro desanimada.

_ Eu hein! Vê se pode uma coisa dessas.

Valéria abriu a bolsa e retirou um pacotinho de presente.

_ A Roberta mandou te entregar. Ela disse que passou na livraria e achou a sua cara.

_ Ah, que fofa! Mas nem é o meu aniversário!

Leandro sentou á mesa para abrir o pacote. Estava tão feliz pelo presente. O livro presenteado era O avesso da pele, do Jeferson Tenório.

_ Olha! Eu estava louco para ler este livro. Ele foi o vencedor do Jabuti! Este livro está sendo muito aclamado. Ah, nem sei como agradecer a Roberta por isso.

Valéria arrumou a mesa, pondo as garrafas de cerveja, os copos e abriu a caixa de salgadinhos.

Serviu a si e a Leandro, bebendo em seguida.

_ Todo mundo está com saudades de você.

_ Eu também tenho saudades de todos. Vou marcar uma nova reunião aqui em casa. Só estou esperando as coisas melhorarem.

_ Você não deveria ter pedido demissão. Não pode se submeter as vontades do Júlio! Pare de deixar que aquele cretino controle a sua vida.

Leandro já havia tido aquela conversa várias vezes com Valéria. Estava cansado de expôr os seus motivos para o pedido de demissão.

Naquele momento, Leandro estava focado no livro, que segurava em mãos. Desistiu de lutar contra a tristeza, ficando com o semblante abatido.

_ Eu lamento tanto pelos meus livros. Eu gostava muito deles. Tinha um carinho enorme pelo meu acervo, pelo meu piano, pela minha arte...tudo ficou para trás.

_ Não se deixe abater por isso, meu amor. Como diz a minha avó "Foram os anéis, mas ficaram os dedos".

_ É verdade._ Leandro concordou enxugando as lágrimas._ Eu não vou me deixar abater. Aos poucos, vou completando uma nova coleção. Só lamento pelos autografados e os que pertenceram a minha avó...esses tinha valores sentimentais...mas é para frente que se anda...alguma novidade, Val?

Valéria começou a falar desenfreada, com intenção de entreter Leandro com as fofocas do dia a dia.

Enquanto isso, Vanessa ouviu toda a conversa por trás da porta. A menina ficou cabisbaixa, compadecida pela situação do pai.

....

A noite de domingo chegava ao fim.

Conforme o combinado, Valéria deixou Vanessa na portaria da cobertura e Júlio, que estava a espera da filha.

Sentiu saudades da menina durante todo o período em que essa esteve na casa de Leandro. Júlio planejava levá-la a uma pizzaria para tentar agrada-la.

Sentia-se mal pela perda da família. Recordava com saudades os bons momentos que viveu ao lado da filha e do marido, e estava disposto a tudo para reconquista-los.

Tomou-a nos braços quando ela se aproximou. No entanto, Vanessa respondeu ao cumprimento com frieza, não retribuindo ao abraço, mantendo os braços cruzados e a cara amarrada.

_ Eu fiz uma reserva naquela pizzaria que você adora. Vamos?

Vanessa o olhava com desaprovação.

_ Eu não quero comer pizza. Estou enjoada de pizzas.

_ Tudo bem. O que deseja comer? É só pedir, que eu realizo._ Júlio disse sorrindo agradavelmente. Vanessa sentiu raiva de si mesma por não conseguir odia-lo como ele merecia. O amor que sentia por ele a impedia disso.

_ Quero ir ao Burguer king._ Vanessa exigiu com frieza.

_ Então é para lá que iremos.

Como um bom cavalheiro, Júlio pegou a mochila da filha a levando até a cobertura.

Enquanto Vanessa se arrumava, Júlio a aguardou na sala, sentado no sofá, tomando um copo de whisky.

Vanessa desceu alguns minutos depois, vestindo um vestido preto estampado com pequenas florezinhas, calçava uma sandália sem saltos de mesma cor e usava uma jaqueta jeans claro.

_ Está linda!

Ela manteve a pose de frieza.

_ Vamos logo.

Nada foi dito pela menina durante o percurso até o shopping. Todas as tentativas de puxar assunto com a filha não foi bem sucedida para Júlio. Vanessa fazia questão de demonstrar que estava insatisfeita com o pai.

Para reafirmar a tentativa de agrada-la, Júlio a levou para visitar algumas lojas de grifes, onde Vanessa comprou uma bolsinha pequena preta e um perfume italiano.

Caminharam pelo shopping com Júlio apoiando o braço sobre o ombro da filha tagarelando sobre algo que Vanessa não prestava atenção.

A menina sentia-se melancólica. Relembrava das vezes em que esteve no shopping com os dois pais, o quanto gostava de ter a família unida...sentia saudades desses bons tempos.

Para comer, pediu um hambúrguer, batatas fritas e milk-shake de morango. Pensou em Leandro desaprovando a sua refeição calórica e desejou que ele estivesse ali.

Reprimiu a vontade de chorar ao pensar que jamais teria a família unida novamente. Tudo estava acabado por culpa de Júlio.

Olhava angustiada para o homem diante de si. Não o reconhecia. Pensava como aquele homem que ela tanto ama, o seu pai, um dos homens mais importantes da sua vida, havia se tornado num mentiroso, inescrupuloso que ela desconhecia.

Interrompeu o que Júlio dizia com irritação.

_ Por que, pai? Por que você tinha que estragar tudo?!_ dessa vez, Vanessa não conseguiu conter o choro. Soluçava, vermelha.

Imediatamente, Júlio levantou da cadeira em frente a filha, indo se sentar ao seu lado, a abraçando.

_ Eu sinto, meu amor. Sinto muito._ disse enxugando as lágrimas da menina e a beijando na face úmida.

_ Não! Você acabou com a nossa família! Por sua culpa aquele demônio entrou na nossa vida e destruiu o casamento de vocês. Você e o Abner magoaram o meu pai! E agora você colocou todas as aquelas pessoas para tortura-lo psicologicamente!

_ Eu não fiz isso, Vanessa! Já te expliquei mil vezes! Eu sei que magoei muito o Leandro, me arrependo muito por isso. Mas eu jamais seria capaz de tamanha crueldade com o homem que amo! Não sou assim!

_ Eu queria muito acreditar em você.

_ E pode acreditar, meu amor. Eu juro que não fiz nada do que a louca da Valéria me acusa! Aquela mulher me odeia!

_ Ela tem motivos para te odiar.

_ Claro que tem! Valéria é apaixonada pelo Leandro, sempre foi...mas ele preferiu a mim.

_ Pelo amor de deus, pai! Pare de mentir!

_ Eu posso provar! No meio dos livros do Leandro há cartas em que ela se declarava para ele! Por que você acha que ela sempre me odiou? Eu não duvido nada de que foi ela que armou tudo aquilo só para o Leandro me odiar ainda mais. Vanessa, foi a Valéria quem armou para o Abner conhecer o Leandro, ele é um garoto de programa! Eu tenho suspeitas de que foi ela que também o pagou para me seduzir.

_ Pai!

_ Eu posso provar! Assim que chegarmos em casa, eu vou te mostrar as cartas.

Vanessa sentiu o coração bater acelerado. Estava confusa com as palavras do pai. Para ela, aquilo fazia sentido, queria acreditar que Júlio não era um monstro e sim uma vítima das armações de uma louca rival.

Contudo, Júlio já havia mentido várias vezes e isso a impedia de acreditar cem por cento no que ele dizia. Preferiu esperar chegar em casa e confirmar se as cartas realmente existiam. Tinha a esperança que fosse verdade.

_ Falando nos livros do meu pai, o que pretende fazer com eles? Enfiar no cu do Abner?

_ Não precisa ser tão agressiva. Você me mágoa agindo desse jeito.

_ O meu pai está na merda! Ele tá vendendo bolos em potes para sobreviver! Não é justo que depois de viver tantos anos ao seu lado ele esteja nessa situação! Porra! Você é rico! Pode ajudar ele.

_ E eu ofereci ajuda! Mas Leandro se recusa! É um orgulhoso!

_ Ele não merece passar por tudo isso!

_ Não merece. No que depender de mim Leandro teria uma vida de rei. Foi o que sempre fiz por ele. Mas não quer a minha ajuda. Todo por causa de um orgulho bobo. O que é muito bom pra Valéria, assim ele fica na dependência dela.

_ Eu quero que o meu pai fique com as coisas dele!

_ Leandro pode pegar o que ele quiser, a hora que quiser. A casa ainda é dele e sempre será. Leandro é o meu marido e eu o amo. Tenho fé que vou reconquista-lo. Farei de tudo para isso.

Júlio cumpriu com a promessa. Assim que chegou em casa, levou Vanessa até o seu escritório, retirou da gaveta as tais cartas.

Vanessa as lia atónita, reconhecendo a caligrafia de Valéria.

No fundo estava aliviada por constatar que o pai dizia a verdade e, ao mesmo tempo, sentia raiva de Valéria.

_ Eu não te disse que essa mulher é cruel? Essas cartas são antigas. Ela é apaixonada pelo Leandro desde adolescente. Mas como ele nunca correspondeu e preferiu a mim, ela fez o que fez.

Vanessa permaneceu em silêncio. Guardou as cartas na bolsinha nova e saiu do escritório chorando.

Júlio sorriu. Acreditava que estava a um passo de reconquistar a filhaSeguimos com mais uma semana.

Apesar de toda a revolta, Angela estava feliz por voltar a conviver com o filho. Ligava para ele todos os dias e passou a receber as suas visitas com frequência.

Leandro a convidou para almoçar em sua casa. Mas Angela fez questão de preparar a refeição.

_ Que isso, mãe! Nem pensar! Eu sou o anfitrião.

_ Mas será um prazer cozinhar para o meu bebê.

Marcaram de se encontrarem no supermercado. Com a correria do dia a dia, Leandro estava sem tempo de fazer as compras mensais.

Angela teimou em não deixar que o filho pagasse por nada comprado no supermercado, se mostrando ofendida com as resistências dele, o que fez ceder a vontade da mãe.

_ O que deseja almoçar, meu amor?

_ Algo muito simples. Que tal aquela carne assada com batatas coradas, que você arrasa fazendo?_ Leandro sugeriu sorrindo, beijando o rosto da mãe.

Angela concordou no mesmo instante.

Ambos seguiram até o açougue do supermercado, ele conduzia o carrinho.

Angela pegou uma peça de picanha embalada a vácuo, totalizando o valor de cento e cinquenta reais.

_ Mãe, não! Há outros cortes mais baratos. O preço desta carne está pela hora da morte!

_ Tudo está pela hora da morte, meu filho! Maldito desgoverno!

_ Mas, mãe, você não deveria gastar tanto dinheiro assim! A situação financeira não é mais como antes.

_ Eu ainda não me acostumei a ser pobre. Tenha paciência comigo._ brincou Angela, tocando na ponta do nariz de Leandro.

Depois de fazer o pagamento das compras e as por na mala do carro, Leandro recebeu uma notificação de um depósito na sua conta bancária no nome de um homem.

_ O quê?! Eu não acredito!

_ O que houve, filho?_Angela perguntou assustada, temendo ser alguma notícia ruim.

_ Alguém desconhecido depositou dinheiro na minha conta.

_ Como assim?!

_ Só espero que não seja mais uma do Júlio.

Em seguida, Leandro recebeu uma notificação de mensagem de Vanessa.

"Paizinho, ñ se preocupe com a grana depositada na sua conta. É da venda do seu piano. Estou aqui no seu apê. Venha pra cá, q te explico TD. Te amo ❤️".

Leandro mostrou a mensagem a Angela.

_ Ah, não se preocupe.

_ Como não vou me preocupar, mãe? E se o Júlio estiver por trás disso?

_ O piano não era seu? Então, não há nada de errado em você ficar com o dinheiro.

Leandro entrou no apartamento nervoso. A mão tremia ao pôr a chave na maçaneta.

Ao entrar se surpreendeu com que viu. Tanto ele quanto Angela arregalaram os olhos atónitos.

_ Surpresaaaaa!_ Vanessa gritou, se atirando nos seus braços, envolvendo os braços pelo pescoço dele, encaixando as pernas em sua cintura. Beijou-o com vontade pelas bochechas. Saindo em seguida.

Leandro percorria os olhos para aquelas pilhas e pilhas de caixas de papelão espalhadas pela sala.

_ O que é isso, Vanessa?_ Angela perguntou.

_ São os livros do papai, vovó. Todos eles._ Vanessa respondeu sorrindo, orgulhosa._ Não vai dizer nada, papai?!

Leandro não conseguia fechar os lábios, surpreso.

_ Eu nem sei o que dizer.

_ Ah, eu além de vender o piano, pedi para o comprador depositar o dinheiro na sua conta. Aí, eu também trouxe o seu notebook e comprei umas estantes novas. O carpinteiro vai vir aqui durante a semana medir tudo, porque são estantes planejadas.

_ Bom...eu...

Leandro olhou para a filha sorrindo e ficou feliz por vê-la feliz. Abraçou-a, a agradecendo com beijos e palavras carinhosas.

_ O problema é que este apartamento é muito pequeno e todos esses não vão caber aqui._ Angela disse com convicção.

_ Sem problemas, vó. O meu pai pode vender uma parte e ficar outra.

_ Onde ele vai vender? Nada de barraquinha na rua. Você não nasceu pra isso, meu filho.

_ Nem pensar mesmo. Você é um lord, pai. Não nasceu para ser camelô. Você merece ter uma livraria.

Leandro a olhou erguendo a sobrancelha, como se estivesse tendo uma boa ideia.

_ Uma livraria.

_ Sim. Bem no estilo aquela que visitamos em Paris, Shakespeare and Company.

Leandro a puxou e a beijou.

_ Pai, podemos vender numa lojinha virtual no Instagram! Eu posso ficar encarregada de criar o perfil.

_ Vamos cuidar do almoço, depois pensamos nisso.

Enquanto Angela estava na cozinha, Leandro se encontrava sentado no chão da sala abraçando e cheirando os seus queridos livros. Era tão grato a eles por todos os momentos prazerosos que o deram, viajar por aquelas páginas era uma doce evasão daquela vida infernal que vivia ao lado de Júlio.

Vanessa sentou em frente a ele com uns envelopes em mãos.

_ Pai, precisamos conversar.

A expressão séria da menina o preocupou.

_ O que aconteceu, minha princesa?

_ O meu pai Júlio encontrou estas cartas no meio dos seus livros._ ela disse o entregando._ Nós descobrimos que a Valéria é apaixonada por você.

Em outra situação Leandro acharia graça daquela revelação, mas diante de tudo que Júlio aprontou, concluiu que se tratava de mais uma armação sórdida do ex marido.

Ele revirou os olhos para cima, e leu um trecho de uma das cartas.

_ Pai, ela pagou o Abner para ficar com você...pode muito bem ter pagado o cafajeste para seduzir o meu pai também e causar intriga no casamento de vocês e...

_ Meu bem, o Júlio mentiu pra você...mais uma vez. Estas cartas são falsas.

_ Mas essa é a letra dela!

_ É uma letra igual a dela, mas não é a dela. Nós conhecemos a Val. Você sabe muito bem que ela não escreveria nada romântico como estas palavras. Você a conhece.

_ Mas...

_ Filha, o Júlio é um mentiroso. Ele é manipulador doente. Júlio se alimenta de fraqueza e insegurança. Usa as pessoas. Ele é bom com as palavras, não é atoa que é bem sucedido na profissão.

_ Mas a Valéria nunca gostou dele.

_ Valéria é a única de todos nós que Júlio não conseguiu manipular. Ao contrário do que ele sempre fez comigo, com os seus avós, com a própria tia e agora está fazendo com você.

_ Ai. Eu tô tão confusa!_ Vanessa disse chorando, pondo as mãos nos olhos.

Leandro a abraçou.

_ Meu amor, eu odeio quando você é envolvida com essas coisas. Odeio te ver perturbada desse jeito. Só te peço que tenha cuidado com o seu pai. Não deixe que ele faça a sua cabeça. Evite falar de mim para ele, por favor. Não dê brecha para ele te manipular.

_ Ah, pai! Eu não aguento mais tudo. Eu nem sei mais o que é mentira ou verdade.

_ O meu amor por você é verdade. Eu jamais mentiria pra você. Se te digo que estas cartas são falsas é porque são.

_ Tudo bem...eu acredito em você.

Ela a abraçou forte, chorando muito.

_ O meu pai tá doente_ Eu não acredito que aquele canalha teve a pachorra de fazer isso! Que desgraçado! Ah, mas isso não vai ficar assim.

Valéria andava de um lado para o outro com um cigarro entre os dedos. Sentia o ódio arder na pele.

_ É, mas vê se se controla e não vá fazer barraco.

_ Barraco?! E eu sou lá mulher de fazer barraco? Eu vou fazer é um castelo! Vou sentar a mão na cara daquele infeliz.

_ Nada disso. A senhora vai ficar comportadinha como uma boa moça. Não vamos dar ao Júlio o que ele quer. Se fizermos um escândalo, nós vamos parecer os desequilibrados.

"Eu confesso que estou com muito ódio pelo que ele fez com a minha filha. Odeio quando o Júlio a manipula. Mas o importante é que ela acreditou em mim. Por isso, tenho que manter a calma. Diante da Vanessa, eu tenho que ser o equilibrado e ele o louco."

_ Pelo menos a chatinha não acreditou nele. Mas vamos combinar que essa ideia foi ridícula de inventar que eu sou apaixonada por você.

_ Eu não vejo nada de ridículo. Até gostei da ideia._ Leandro piscou o olho para Valéria e deslizou a língua pelos lábios.

_ Ah, nem vem, Bijuzinho. Você gosta de pau o tanto quanto eu.

_ Uh, é! Usa uma cinta.

_ Huuum! Que delícia, hein!

Leandro a abraçou e os dois se jogaram na cama gargalhando.

O celular de Leandro tocou no mesmo instante. Era Genaro.

_ Alô, meu filho. Como está?

_ Oi, pai. Estou bem. E o senhor?

_ Estou levando. A essa altura você já sabe o aconteceu. A fofoqueira da sua tia não conseguiu segurar a língua na boca.

_ Sei sim, pai.

_ Você sabe que dia será domingo?

_ Óbvio. É o seu aniversário.

_ Exato. Este velho que vos fala completará setenta e dois anos.

_ Graças a Deus.

_ Eu vou oferecer um jantar em comemoração. Não será nada extravagante, será algo discreto só para a família e amigos íntimos. Espero poder contar com a sua presença e a da minha neta. Imagino que esteja bravo comigo, mas eu te amo. Seria importante para mim se você viesse. Pense que, como estou velho, esse pode ser o meu último aniversário.

_ Não diga bobagens, pai. O senhor ainda há de viver muito. E não estou com raiva do senhor. Pode contar comigo sim. Irei com a Vanessa.

_ Fico muito feliz por isso. Traga a sua esposa também.

_ Esposa?!

_ A Valéria. Vocês se dão tão bem. Foram feitos um para o outro. Ela pode não ser a sua esposa de cama, mas é de alma.

_ Só uma pergunta, ele vai?

_ Ele quem?

_ O seu novo cunhado...o outro... Se ele for, me avise, porque não vou.

_ Ah, não se preocupe. Eu odeio essa tal de Abner o tanto quanto você. Aqui em casa, ele não pisa.

_ Sendo assim, fico mais tranquilo. Aliás, eu desconheço o seu novo endereço, pai.

_ Ah, sim. Vou te enviar via o whatsapp. Agora tenho que ir. Até domingo, meu filho. Abraços...eu te amo.

_ Também te amo, pai.

A ligação foi encerrada.

_ Genaro tá meloso.

_ Deve estar envergonhado por causa do Júlio. Finalmente o meu pai percebeu que foi em vão toda aquela bajulação para o Júlio.

_ Bem feito. E não é só isso. Genaro está querendo que todo mundo engula a cretina da nova esposa. Olha, Bijuzinho, aquela safada vai torrar todo o seu dinheiro.

_ Meu não. Do meu pai.

_ Seu sim, senhor. Você é o herdeiro dele.

_ O meu pai vai oferecer um jantar em comemoração ao aniversário dele e nos convidou. Você vai comigo, amiga?

_ Ele me ligou e eu disse que não vou. Não suporto a possibilidade de olhar na cara daquela pilantra, depois de tudo que ela armou.

_ Mas vai ser tão chato sem você._ Leandro disse fazendo beicinho.

_ Se eu for lá, vou querer dar na cara dela.

_ Ah, vamos? Por favorzinho?

_ Ah, tá bom!

_ É por isso que eu te amo!

Leandro a abraçou e deu um selinho em seus lábios.

....

Não era nada agradável para Vanessa rever Lorena, ainda mais naquela circunstância. A mulher estava altiva, caminhava pelo apartamento cheia de si, exibindo uma felicidade irritante.

Usava um vestido justo e curto de cor escarlate, em cima dos saltos altos. Roupas que Marinalva julgava como vulgar. Olhava para a jovem cunhada com desdém, se perguntando o que o irmão tinha na cabeça para se envolver com uma mulher que tinha idade para ser a sua neta.

_ Leandro! Seja bem-vindo, querido!_ Lorena o cumprimentou com falsidade. Para ela era detestável a presença do rival.

Leandro retribuiu o cumprimento com gentileza, por ser um homem educado, o que Vanessa e Valéria não fizeram, ambas não quiseram esconder as suas insatisfações.

Havia poucas pessoas pela sala e varanda do apartamento. Como Genaro havia prometido, somente familiares próximos e poucos amigos íntimos.

Da família de Lorena apenas o seu pai compareceu, mas se sentiu destacado no meio daquela gente desconhecida.

Genaro ficou muito feliz ao ver o filho chegando de braços dados com Vanessa e Valéria. Para ele, era a melhor visita que poderia ter aquela noite.

Passou muitos dias amargurando o arrependimento por todo o mal que causou ao filho em nome da ganância. Estava disposto a qualquer coisa para reparar o seu erro.

Mostrou ao filho cada cômodo do apartamento. O quarto vazio seria o do bebê.

_ A Lorena acha que este aqui é mais apropriado, por causa do espaço e da iluminação.

_ Ela tem razão, pai. Este quarto parece ótimo.

_ É até estranho para mim ser pai a esta altura do campeonato. Há mais de trinta anos que não sei o que é ter um bebê._ Genaro disse sorrindo.

Conduziu o filho até o seu escritório, onde o convidou para sentar e ofereceu um copo de whisky. Ao ver a bebida amarela no copo quadrado, Leandro sentiu um mal estar por recordar de Júlio, que sempre tinha essa bebida em mãos.

Recusou-a, sem dizer o motivo.

Genaro também se sentou e acendeu um charuto.

_ Espero que se acostume com a nova situação. Creio que não está sendo fácil para você ter que lidar com o fim do meu casamento e o novo ciclo.

_ Não está sendo fácil por causa da minha mãe. Fico compadecido por ela.

_ Não se preocupe com a Angela, não vou deixá-la desamparada.

_ Por que vocês demoraram tanto tempo para por um ponto final? O casamento de vocês já havia acabado há anos.

_ Ah, não sei explicar, meu filho. Com o passar do tempo a preguiça vai aumentando. Eu morria de vontade de me separar da sua mãe, mas só de pensar em fazer as malas, procurar outro lugar para morar, agir a papelada do divórcio, eu já sentia um desânimo e permanecia do jeito que estava.

_ Ou seja, vocês prolongavam a infelicidade.

_ Hoje vejo que sim. Mas vamos falar de você, como anda a vida? Eu soube que não trabalha mais para a Valéria.

_ Não mais. Foi o melhor para todos nós.

_ Todos nós quem?

_ Todos, pai.

_ E do que vai viver?

_ Eu tenho planos.

_ Que planos?

_ Vou ter a minha própria livraria.

Genaro gargalhou, não acreditando no filho.

_ Continua um sonhador. E você sabe tocar um negócio?

_ A Valéria me deu umas dicas ótimas. Aliás, pai, já que se desligou da empresa do Júlio, o que pretende fazer? Vai descansar?

_ Eu tô mesmo cansado, filho. Trabalhei por muitos anos. Eu tenho uma boa reserva em dinheiro. Eu soube fazer o meu pé de meia, o que tenho mais a minha aposentadoria dar para ter um resto de vida próspero.

_ Fico feliz por isso, pai. O senhor merece mesmo descansar.

_ Sim, agora só quero aproveitar a minha esposa, neta e filhos. Sombra e água fresca. Mas, voltemos a falar de você. Estou pensando em te dar uma ajuda de custo. Não será uma mesada com um valor altíssimo como o Júlio te dava, mas será o suficiente para viver até que encontre um emprego decente. Você ainda é jovem. Já pensou em cursar Direito? Ainda há tempo.

_ Não, pai. Eu não tenho a menor vocação para isso. E não precisa se preocupar comigo. Eu agradeço pela oferta da mesada, mas terei que recusar.

_ Uh, é! Por quê?

_ Porque vou me dedicar a minha livraria.

_ Como vai abrir uma livraria, se não tem onde cair morto, Leandro?

_ Eu vou reatar o meu casamento com o Júlio.

_ O quê?!_ Genaro gritou nervoso, levantando da cadeira._ Que brincadeira é essa, Leandro?!

_ Não é brincadeira, pai. Eu estou sendo racional pela primeira vez na vida. Nós dois temos uma filha juntos e a minha situação financeira não é nada boa. Eu preciso cuidar do meu futuro.

_ Que futuro?! Louco do jeito que o Júlio está, o único futuro que terá com ele é a sepultura.

_ Não exagere, pai! Nós dois conversamos. Júlio me prometeu que mudaria...

_ E você como uma besta quadrada acreditou?

_ Desta vez ele disse que não me impedirá de trabalhar. Até me prometeu investir dinheiro na minha livraria.

_ E você acreditou?

_ E me resta outra opção?

_ Claro que resta! Eu estou te oferecendo ajuda, porra!

_ Pai, o senhor terá uma criança e não vai poder me ajudar para sempre. Com o Júlio eu vou poder construir o meu pé de meia.

_ Deixe de ser teimoso, Leandro! Eu não admito que você volte para aquele canalha! Júlio é perigoso. Eu não estou te reconhecendo. Está falando como a sua mãe. Está se tornando um interesseiro.

_ Não há nada de errado em ser um interesseiro. A vida é difícil, pai. Eu tenho que fazer o que for melhor para mim.

_ Eu não vou admitir.

_ O senhor não tem que admitir nada. Eu não o julguei por tudo que fez, peço que faça o mesmo por mim.

Uma discussão se iniciou...na verdade estava mais para um monólogo do que para uma discussão. Genaro esbravejava mais do que ouvia, apresentando inúmeros motivos para Leandro não reatar o casamento.

Leandro permaneceu irredutível. Estava firme nas palavras e não voltaria atrás.

Para finalizar a conversa, ele decidiu ir embora, levando consigo Vanessa. Já que Valéria estava no estacionamento aos amassos com um dos convidados.

....

Assim que retornou ao apartamento, Valéria foi chamada por Genaro para ir ao seu escritório, onde o homem confessou tudo sobre a conversa que teve com o filho.

A princípio, Valéria desacreditou, pensando se tratar de alguma brincadeira de Leandro. No entanto, Leandro já havia reatado o casamento tantas vezes que se permitiu ao benefício da dúvida.

Ao fim da festa, Genaro desabafou com Lorena, o que a deixou feliz por ter o rival preso a Júlio e longe de Abner.

_ Leandro é adulto. Se ele quer voltar para o marido, que volte. Você não deve interferir nisso.

_ Como não devo, Lorena?! Não diga bobagens! Leandro é meu filho!

_ Ele é maior de idade há muito tempo. Não há nada que você possa fazer para impedi-lo. Você deve se preocupar é com o futuro do nosso filho. Já pensou no que te falei? No escritório!

_ Não é hora para falar sobre isso.

Lorena bufou de raiva. Quanto mais não conseguia convencer Genaro mais nervosa ficava.

Valéria entrou furiosa no apartamento de Leandro. Encontrou-o sentado no sofá assistindo TV. Estava com tanta raiva, que tropeçou numa das caixas de livros.

Pôs-se de frente a TV com os braços cruzados e uma expressão inquisitora.

_ Que porra é essa de voltar pra Júlio? Tá maluco, veado?

Leandro sorriu e gargalhou em seguida, desarmando Valéria, que descruzou os braços.

_ Você acreditou, mulher?

_ Então não é verdade?

_ Claro que não, doida!

_Mas por que você mentiu para o Genaro? Eu não estou entendendo.

Leandro bateu ao lado do sofá, para que Valéria se sentasse. Foi o que ela fez.

_ O meu pai está apaixonado por aquela víbora e fará tudo que ela quiser. Na certa, iria abrir o escritório de advocacia e Lorena colocaria as mãos em todo dinheiro do meu pai.

_ Tá bom. Isso eu já sei, o que tem a ver Júlio com isso?

_ O meu pai está muito arrependido de ter sido cúmplice do Júlio e não quer que eu volte para ele de jeito nenhum. Eu menti para o meu pai que vou voltar para o Júlio e em troca, o mesmo investiria numa livraria para mim. O meu pai não vai permitir que isso aconteça, e numa questão de dias ele vai se oferecer para me dar dinheiro para abrir a livraria, só para que eu não volte para o Júlio.

_ Biiiixaaaaa! Tô passada com a senhora! Genteeee! Leandro do céu, você tá ficando esperto!

_ Lógico! Você acha mesmo que eu ia deixar a Lorena se esbaldar com o dinheiro do meu pai e eu ficar na merda, recebendo só uma mesada? Não mesmo.

Valéria caiu na gargalhada, batendo palmas.

_ Adoreiiii.

Leandro piscou para ela.

A ideia de Leandro voltar a conviver com Júlio atormentou Genaro por dias. Os pensamentos eram constantes. Nem em sono tinha paz, era atormentado pelos pesadelos dessa possibilidade.

Convocou Leandro para mais uma conversa em sua casa. Encontram-se novamente no escritório. E conforme o mesmo planejara, Genaro fez a proposta.

_ É um absurdo essa ideia estapafúrdia de voltar para o Júlio.

_ Pai, nós já conversamos sobre isso.

_ Ainda não se deu por encerrado este assunto. Eu sou o seu pai! Não vou ficar de braços cruzados te assistindo ir para a forca. Tenho uma proposta.

_ Pai, eu já disse que não vou viver de mesadas.

_ Não vai mesmo. E não me interrompa...eu andei pensando e cheguei a conclusão que vou te ceder em vida a sua parte da minha herança. O que será o suficiente para abrir essa tal livraria que tanto deseja...e nem pense em recusar. Agora você não tem mais motivos para cometer a loucura de voltar para o Júlio.

_ Pai, eu não acho uma boa ideia. O senhor vai ter um filho e tem uma nova esposa, precisa pensar na sua família...

_ Não diga bobagens! Seja inteligente pelo menos uma vez na vida, Leandro! Deixe que dá minha família cuido eu. Você também faz parte dela. E já está dito. Fim de assunto.

Leandro permaneceu sério, como quem não tinha nada a dizer. Mas, por dentro, festejava o sucesso da execução do seu plano.

O que eles não imaginavam era que por trás da porta, Lorena ouvia toda a conversa bufando de ódio.

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Comentários

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Tava feliz por achar q Leandro voltaria pra Júlio, ainda acho q o casamento deles tem solução, mas gostei de ver Leandro jogando com a cabeça

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tem doido pra tudo...

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Quero ver essa empolgação para responder sem ser chamado na época da eleição, aí você vai ver doido pra todo lado

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Uma coisa que eu amo nas suas histórias são os barracos hahahahahaha. Confesso que fiquei com um pouco de pena da Angela com a separação mas ela colheu o que plantou ao se deixar levar por uma vida fútil e não construir nada com o dinheiro à disposição.

E que susto você me deu com o Leandro reatar com o Júlio.

Sobre a Lorena eu acho uma incógnita. Não sei se realmente ela gosta do Genaro ou se é uma vigarista interesseira principalmente por essa cena final.

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