Smart City, um lar para casais diferenciados - Part 1

Um conto erótico de Gustavo Gutierrez
Categoria: Gay
Contém 1850 palavras
Data: 13/10/2022 05:15:42

O ano era 2014, eu havia acabado de completar 22 anos. Pouco tempo antes, em maio de 2013, o STF havia reconhecido o direito do casamento entre pessoas do mesmo sexo. Na esteira desse movimento, meu pai, um grande empresário do setor imobiliário adquiriu um grande terreno, no interior do estado de São Paulo, na cidade de Americana.

Seu intuito era ali construir um condomínio que ficaria às margens de um grande lago que há nessa região, num bairro chamado Bosque dos Ipês.

Nesses oito anos que se passaram, eu concluí a universidade, fiz o MBA (pós graduação) nos Estados Unidos e retornei ao Brasil, como era o combinado desde o início. Há um ano estou trabalhando com meu pai nesse, que se torou seu principal objetivo de vida e sua paixão.

Nunca achei que minha vida fosse se tornar o que se tornou nesse último ano. A ideia do meu pai era utópica. Construir um bairro planejado, que poderia vir a ser modelo para cidades inteligentes (Smart Cities) ao redor do país.

Mas, além disso, havia um público alvo muito bem definido: Casais Homoafetivos. O processo de liberação da compra de um pedaço do projeto do meu pai envolvia uma longa avaliação dos interessados para definir se eles atendiam ou não as exigências definidas por ele.

Casais homoafetivos com mais tempo de relacionamento tinham prioridade. Se tivessem ou pretendessem adotar crianças, ganhavam mais um ponto na avaliação. Havia distribuição por raça, local de origem no país, diversos fatores que segundo o meu pai, fariam com que aquele condomínio representasse o universo homoafetivo no Brasil.

No começo, ainda entre 2014 e 2015 não foi difícil para meu pai vender os primeiros lotes em seu projeto. As casas ficaram prontas rápido e com elas a primeira escola infantil, um centro comercial foi estabelecido, somente com empresas dirigidas por pessoas LGBTQIA+ (naquele tempo essa sopa de letrinhas nem existia. O máximo era GLS).

Mas meu pai sempre foi uma pessoa à frente do seu tempo. Empresário bem sucedido, que assim como eu, nasceu em berço de ouro e desde sempre viveu para um dia assumir a empresa da família. Sempre gostou de ir à Europa e aos Estados Unidos em busca de inspiração. Frequentemente absorvia demandas que ele via em movimentos pelos Gay Rights, como se chamava até então o movimento.

Um pouco antes de completar 50 anos meu pai decidiu que teria um filho. Para um homem gay, na década de 80 no Brasil, não havia muitas alternativas legais para ter um filho que não fosse por vias naturais.

Finalmente em 1991 meu pai viajou para o exterior, estava tudo arranjado, a fertilização in vitro e a inseminação artificial foram realizadas e em setembro de 1992 eu nasci. Havia ainda um irmão (Hugo, 1992 – 1993), que não sobreviveu. Ele nasceu com alguns problemas congênitos e somente viveu alguns meses.

Nós não éramos parecidos, fomos gerados a partir de dois óvulos separados, talvez nem fossemos filhos da mesma mãe. Mas isso não importava na época. Meu pai sofreu terrivelmente. Desde então me cria como se eu fosse de vidro. A minha vida só mudou quando eu fiz 17 anos e fui morar fora após concluir o ensino médio.

Primeiro eu quis conhecer o mundo. Morei em diversas cidades do Brasil, na Europa, morei algum tempo no Japão, Austrália, Canadá, até me firmar nos Estados Unidos e o resto da história vocês já conhecem, universidade, pós graduação e cá estamos, um ano depois de voltar ao Brasil. Acabei de completar 30 anos e eu nunca poderia imaginar que minha vida se tornaria essa loucura.

Vamos aos acontecimentos. Era quase fim de agosto. Eu havia concluído o MBA em julho e resolvi tirar umas férias. Aluguei um motor home e viajei pelo interior dos Estados Unidos, conhecendo a história desse país maravilhoso que me abrigou por quase uma década. Mas meu pai estava em cima de mim. Eu precisava voltar e precisava ser antes do fim do mês. Precisava passar meu aniversário com ele.

Meu pai sempre foi meio chantagista, mas agora eu me aproximava dos 30 anos e ele dos 80, o velho parecia ter se formado na pós-graduação da chantagem. Toda vez que falava comigo era sempre porque eu era ingrato, já estava longe há quase 20 anos (exageraaaado!), que pararia de bancar minha vida boa etc.

Eu havia saído de casa em 2009. Nessa época meu pai já sabia que eu, assim como ele, era gay. Ele se culpava, achando que de alguma forma ele teve alguma influência nisso. Nem que fosse um cromossomo “defeituoso", como ele costumava dizer desde que ele me descobriu e chorou uma noite inteira (such a drama queen!).

Criar um mundo melhor para mim e para os netos dele, coisa que eu rejeitava até então e que ainda hoje tenho minhas dúvidas, se tornou a luta da vida dele. Por isso em 2014 ele iniciou o projeto Smart City.

Como eu disse, no começo não foi difícil vender os primeiros lotes, convencer amigos empresários a abrir pequenas filiais de suas empresas ali, uma padaria, supermercado, açougue, academia de ginástica (que vivia um boom naquela época), entre outras empresas que logo que os primeiros moradores chegaram já estavam plenamente instaladas.

A cidade de Americana fica ao lado de Campinas e a poucos quilômetros da capital do estado, São Paulo. Portanto não era tão difícil convencer jovens casais a se instalar ali. Aproveitar os benefícios de morar no interior e estar a uma hora e meia da maior cidade do país. É menos tempo do que muita gente gasta no transporte público todo dia.

Mas nos últimos anos tem se tornado cada vez mais difícil lançar novas fases do projeto. A economia piorou, o poder de compra caiu. As pessoas pareciam não se encantar tanto mais com as novidades tecnológicas ou a inclusão que aquele projeto vendia.

Alguns haters diziam que o projeto não era de inclusão e sim exclusão. Um funcionário hétero de uma das empresas instaladas no bairro denunciou que havia sofrido assédio do chefe. Em seguida ele foi desmascarado e descobriu-se que tal fato nunca havia acontecido. Mas tudo isso colaborou para que o grande empreendimento do meu pai perdesse um pouco do brilho inicial.

- Filho, eu sei que você gostaria de descansar, mas há umas pessoas que eu realmente gostaria que você conhecesse.

- Tah pai! Eu já falei que vou conversar com todo mundo. Mas tem uma semana que eu cheguei. Eu não vi nem se o Rio de Janeiro continua lindo e o senhor já quer que eu me tranque num escritório das 9 às 5 (just to stay alive).

- Gustavo, você não estudou todos esses anos para deixar a nossa empresa ir à falência. Ela precisa de sangue novo, das suas ideias. Eu já não tenho mais forças pra fazer tudo sozinho.

- Eu sei paizinho. Vem cá, me dá um beijo.

Disse, me abraçando a ele. Realmente, meu pai já não parecia aquele homem de quando eu saí do país. Os últimos anos pesaram em suas costas. Ele já parecia mais frágil, meu pai havia mesmo se tornado um idoso.

- Eu prometo que na semana que vem eu vou bater crachá no escritório todo dia. Pode marcar a primeira reunião para segunda, 9 horas.

- Mas meu filho, eu...

- Senhor Gustavo? – disse Alberto, piloto do nosso helicóptero, parado à porta da sala – já está tudo pronto, senhor.

- Alberto, não nos interrompa! Você não viu que estamos conversando?

- Desculpe senhor.

- Liga não Alba. Eu já tô indo. Dois minutinhos.

- Sim senhor. Te aguardo na aeronave.

- Viu paizinho, eu tenho que ir. Meus amigos estão me esperando. Faz muito tempo que eu não os vejo. Preciso dessa festa de boas vindas antes de o senhor me abduzir para a chatice da Smart City.

Falei enquanto saia.

- Não fale assim! E volte aqui. Nós não terminamos ainda.

Mandei um beijinho bem estralado pra ele soprando minha mão, pisquei e saí correndo com um sombreiro enorme nas mãos, shortinho alfaiataria preto, havaianas e uma regata branca super estilosa.

Entrei no helicóptero, coloquei meu sombreiro na cabeça e falei para o Alberto:

- Tudo pronto Alba! Vamos sair daqui.

Em pé em cima do ferro que serve de escada para subir no helicóptero ele tira meu sombreiro e coca uns fones de ouvido enormes em minha cabeça, não sem antes dizer:

- Se quiser que eu te ouça durante o voo vai precisar usar isso.

Da forma que ele me olhou, bem dentro dos meus olhos. Uau! Parecia que ele estava pronto para me devorar ali mesmo, no chão daquele heliponto.

Balancei a cabeça meio intimidado e disse um “sim senhor” meio abafado por aquele treco tampando meus ouvidos e fazendo uma continência torta que lhe tirou um meio sorriso.

Voamos cinco minutos do Alphaville até o campo de marte para abastecimento e para os meninos embarcarem. Juliano (Ju), Priscila (Pri), Matheus (Math) e Bernardo (Bê). Depois, pouco mais de duas horas até o aeroporto de Angra dos Reis, no Rio de Janeiro.

Como era bom estar com eles. Estudamos juntos desde que eu me lembro, ate o final do ensino médio e grande parte das minhas viagens depois de formar foram com eles também. Nem sempre os cinco juntos, mas sempre pelo menos um ou dois deles. Éramos inseparáveis.

Quando eu decidi ficar de vez nos Estados Unidos o Bê, que foi meu primeiro homem e que eu namorei desde os 14 anos decidiu ficar comigo. Os meninos voltaram para o Brasil ou pra Europa, no caso da Pri e nossa vida seguiu.

Parece que todo mundo estava esperando eu tomar aquela decisão pra decidirem estudar também, fazer algo que não fosse curtir a vida.

Não que eles precisassem de mim para isso. O mais pobrinho ali tinha família bilionária. Mas parece que eu era o que nos mantinha unidos. Quando eu decidi estudar e levei a sério, em poucos meses cada um foi tomando seu rumo.

Foram três idas ao aeroporto. Ju e Math voltaram juntos pro Brasil, algum tempo depois a Pri foi para Amsterdam e por último Bê. Nunca achei que ele me deixaria. A gente namorava já havia mais de 8 anos. Mas decidimos que precisávamos crescer separados, descobrir outras bocas, outros corpos e se fosse pra ser, ficaríamos juntos algum dia.

Assim se foi meu primeiro semestre na faculdade. Caramba! Minha vida mudou naquela época. Pela primeira vez em muitos anos eu estava sozinho, sem namorado e estudando de novo. Foi muito estranho no começo. Mas foi bom para mim. Eu consegui focar no que realmente importava.

Não preciso nem dizer que meu pai soltou fogos de artifício quando eu contei. Eu também estava feliz apesar de tudo. Estudei bastante, fiz optativas muito estranhas e outras que me permitiram aprender muito mais do que a pura e simples administração de empresas. A melhor escolha da minha vida foi estudar aliBom pessoal, essa foi a enorme introdução do conto. Espero que vocês estejam conseguindo viver isso comigo. Não deixem de comentar, dizer o que acharam e dar 3 estrelas se tiverem gostado. Muito obrigado!

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