Chega de CEO - Capítulo Um

Da série Chega de CEO
Um conto erótico de KaMander
Categoria: Gay
Contém 6053 palavras
Data: 30/04/2023 02:15:16
Última revisão: 11/03/2024 03:07:56
Assuntos: Beijo, Festa, Gay, Homossexual

CAPÍTULO UM

**NINGUÉM AGUENTA MAIS FESTA DE EMPRESA**

Se havia uma coisa que eu não gostava era quando a empresa decidia se reunir pra comemorar alguma parada que, para mim, não tinha a menor importância. As festas eram sempre muito bem-organizadas e cheias de praquê-isso, o que exigia boa etiqueta o tempo todo, ou seja, nada de beber ou dançar feito um louco, ainda que servissem bebida de graça e contratassem um DJ. Imagina estar na frente de uma piscina azulzinha, em pleno verão, e não poder mergulhar? Era assim que eu me sentia.

Frustração total.

Além do mais, toda vez precisava dar milhões de voltas nas lojas do shopping, à procura de algo legal para usar e não ser taxado de malvestido. O traje imposto era sempre de gala. Sempre. O que significava: nada de jeans. E pode ter certeza de que o povo sabia exatamente qual foi a roupa que você usou nas festas anteriores, por isso não valia a pena repetir.

Sendo assim, acabava gastando mais do que devia, para festejar algo que não me daria retorno nenhum, afinal, meu salário continuaria o mesmo e ainda corria o risco de uma demissão por ter provocado a vergonha alheia.

A única parte boa das festas de empresa era encontrar um canto escondido para falar dos que, nada inteligentes, acabavam perdendo o controle e pagando mico na frente de todo mundo. Um dia a minha vez chegaria, eu tinha certeza disso, o que só me fazia odiar ainda mais o fato de não poder faltar, fingir uma doença, um acidente, sei lá. A minha coordenadora me comeria viva se eu não fosse e a Elisa, minha amiga de departamento, não largaria do meu pé porque, ao contrário de mim, adorava essas comemorações ridículas e sem sentido.

Nós nos usávamos como escudo, claro. Em locais assim o ideal é ter alguém confiável para não te deixar cair em tentação. A pessoa funciona mais ou menos como o seu anjo da guarda particular, te obrigando a maneirar quando fosse necessário. Um saco completo. Toda vez que Elisa dizia que eu já estava ficando alto minha reação sempre era pegar minhas coisas e voltar pra casa.

Naquela noite de sábado, então, eu preferia a morte a ter de encarar a mesma galera que via a semana inteira, me olhando torto e claramente me julgando, sobretudo por estar pelo menos uns vinte quilos acima do peso.

Viu só como não daria certo? Minha personalidade não condizia com nada daquilo. Eu gostava da bagunça, de churrascão na laje com pagode, cervejinha gelada, short jeans e chinelas. Gostava de cantar até ficar rouco, de dançar em qualquer ritmo, de estar rodeado de gente do bem, de ser livre para beijar na boca de quem eu quisesse, enfim, eu era um ser da gandaia. Coisa elegante demais não era de meu feitio.

Peguei uma taça com espumante da bandeja de um garçom educado, que me serviu enquanto eu caminhava, timidamente, entre as mesas bem postas. Tudo estava tão chique que brilhava e, mentalmente, calculava quanto tinha custado para armarem aquele circo. O bom de estar segurando uma taça era não precisar cumprimentar ninguém com abraços e beijos, era só acenar de longe e erguer um pouquinho a bebida. Pronto, várias cenas constrangedoras evitadas.

Erguia minha taça para lá e para cá, revendo colegas que nem eram tão colegas assim, sem saber direito para onde ir ou o que fazer. Precisava encontrar logo um canto escondido para ficar até ser aceitável ir embora. Havia funcionários, coordenadores e gente que eu não conseguia identificar, mas que provavelmente fazia parte da empresa InterOrsini, espalhados por todo o jardim da casa de recepções. O aluguel ali era uma fortuna, um dos mais caros da cidade.

Revirei os olhos, sem conseguir disfarçar a irritação, ao refletir sobre a futilidade daquele momento. O meu problema era esse: às vezes até controlava a boca, mas a expressão facial já era outros quinhentos.

— Bruno, que lindo! — Elisa falou alto demais, destacando-se de uma roda de colegas nossos. Eu nem a tinha visto, de tão impaciente que estava. Ela veio toda maravilhosa, desfilando um vestido azul bebê que lhe caía perfeitamente, e me abraçou como se estivesse aliviada. — Que demora da porra foi essa, cara, eu já não estava aguentando mais o papo do idiota do Arthur — disse perto do meu ouvido, enquanto me abraçava. — Que cara chato do caralho.

— Deus me livre. Vamos escolher logo uma mesa antes que a gente seja obrigado a sentar perto dele.

Arthur era um típico macho insuportável, sem noção e de conversa fraca, componente especial que não podia faltar em toda grande empresa. Nós acenamos para o pequeno grupo onde ele estava e viramos as costas antes que fôssemos obrigados a socializar.

— Você está tão lindo! — Elisa comentou novamente, sorrindo, voltando a me olhar de cima a baixo. Era até engraçado que estivesse me elogiando tanto, pois ela era daquele tipo de mulher maravilhosa, padrãozinho, que todo mundo considerava linda, mas que se achava feia a troco de nada. — Eu queria ter a sua autoestima.

— Pois trate de elevar esse astral porque a senhora é destruidora e nessa noite está fechando com a cara do recalque! — comentei, batendo nossas taças num brinde engraçado. — E aí, perdi alguma coisa desta merda?

— Não... Nadinha. Pelo visto ainda não começou. Estão servindo apenas os canapés. Só começa de verdade quando o buffet dá as caras, você sabe.

— Só quero encher a pança e ir embora — defini com bastante convicção. Não vou mentir que só fui pra comer. Era o que me restava, já que tinha que controlar o teor alcóolico no sangue. Boca livre era comigo mesmo.

— Nem vem, seu Bruno! Quero curtir um pouquinho, poxa! Nada de me deixar sozinha aqui, vamos dançar um pouco, beber... — conforme Elisa falava, fui intensificando a careta e ela foi diminuindo o tom até parar completamente.

— Isso tudo porque você não sai de verdade, Elisa. Sabia que casamento não é prisão e você ainda tem direito de se divertir sempre que quiser? — soltei o questionamento sem o menor pudor, pois havíamos conversado a respeito diversas vezes. A minha amiga, desde que casou, nunca saía sem o marido a tiracolo e ele detestava beber e dançar, ou seja, ela achava que precisava fingir que não gostava da bagunça também.

Um absurdo. Eu já tinha passado pela minha cota de relacionamentos ruins e não me via dentro de situações parecidas com a dela. Não mais. Quem me quisesse teria que aceitar o fato de que eu era uma pessoa livre e independente. Precisava ser um homem com muita segurança e inteligência emocional, por isso que eu estava solteiro: caras deste tipo são mais raros que qualquer coisa rara que você possa imaginar.

Se ser gay fosse opção sexual eu optaria por não ser. Infelizmente, gostava muito de pau. Era uma pena ter que aturar o porco inteiro só por causa da linguiça.

— Eu sei, eu sei... — Elisa assoprou, parecendo cansada, e um cacho de seu cabelo castanho-claro voou um pouquinho. — É que às vezes é melhor evitar a fadiga, sabe?

— Se você não lutar pelas suas coisas vai acabar se perdendo no meio do caminho, amiga. Já te falei muito isso e não me canso de repetir — tomei mais um gole curto, ainda que meu desejo fosse virar logo aquela taça. Que droga. Eu queria encher a cara! Aquele espumante era de ótima qualidade. — Homem é pior que parasita.

— Não começa, Bru — ela revirou os olhos. — Também não é assim.

Dei de ombros porque às vezes não adiantava discutir. Eu precisava maneirar mais no que dizia respeito ao ódio aos da minha classe. Mas não dava para ficar passando pano quando praticamente todas as mulheres e gays ao meu redor tinham uma questão terrível, ou muito mais de uma, para dizer sobre eles. Tínhamos um padrão assustador e eu não queria que ninguém mais precisasse fazer parte de um ciclo de abuso.

— Ok, mas, por favor, não me deixe ficar bêbado — completei com um sorriso, tentando amenizar o clima. Funcionários continuavam passando por nós e usando a tática do levantamento de taças para nos cumprimentar.

— Então trate de beber mais devagar.

— Mais devagar do que isso? — abri os olhos, em surpresa, na sua direção. — Puta que pariu, eu estou quase em câmera lenta.

— Vem, vamos sentar de uma vez porque daqui a pouco vão começar a servir o rango e eles sempre começam pelo pessoal que já está sentado.

Elisa puxou a minha mão livre e caminhamos, indecisas, até escolhermos uma mesa que não estava tão escondida quanto eu gostaria. Era perto demais da pista, perto demais do pequeno palco onde o DJ se apresentaria e a chefe-geral faria seu enfadonho discurso. No entanto, a minha amiga soltou o argumento incontestável de que aquela ficava perto da cozinha e jamais seria mal servida ao longo da festa. Depois disso eu não pestanejei mais.

Conversa vai, conversa vem, provamos cada um dos petiscos de rico que nos eram servidos com elegância e requinte. Nunca vi tanta comida frescurenta e de nomes estranhos, impronunciáveis. Eu estaria satisfeito com um dogão da barraca da esquina, mas enfim... De vez em quando era bom provar um pouco do submundo.

Felizmente nossa mesa acabou sendo preenchida por criaturas agradáveis; ninguém chato ou inconveniente. Passei até a me divertir depois da primeira hora de festa. Estava na minha terceira taça e, infelizmente, começando a ficar alegre, solto demais, por isso decidi beber dois copos de água antes de partir para a quarta.

— Haja o que houver, não permita que eu levante dessa mesa sem que seja para ir embora — avisei a Elisa, esgueirando-me lateralmente até alcançar o seu ouvido.

— Por quê? — ela fez uma careta.

— Você sabe muito bem por que. Estou começando a sentir uma vontade absurda de dançar.

Elisa soltou uma gargalhada, o que me fez pensar que talvez eu não fosse o único a começar a ficar alegrinho. Vê-la daquela maneira me fez tomar uma difícil decisão: nada de álcool por aquela noite. Não podíamos perder a cabeça juntos. Alguém precisava ficar sóbrio, consciente, e evitar danos.

— Ora, Bruno, não faz mal dançar. O povo todo dança.

— E vira alvo durante um mês. Não estou a fim de ser apontado: “olha, aquele gay gordinho da criação dançando, deve estar louco” — fiz o gesto com os dedos enquanto Elisa apenas ria. Droga. Ela estava mais alegre do que imaginei.

— Ninguém te chama de “gordinho da criação”, Bruno.

— Tenho certeza de que chamam, sim, já ouvi mais de uma vez.

— Todo mundo que conheço te admira.

— Tudo balela. Ninguém gosta de gente que se ama e se aceita do jeito que é.

— Amigo, tira essas noias da cabeça e vamos nos divertir, poxa. Essas festas foram feitas pra isso! Tem comida, tem bebida, tem música...

— Está bem, está bem... — revirei os olhos, um pouco impaciente.

Elisa já estava na fase de levar tudo numa boa, em minha opinião, uma etapa bem perigosa da embriaguez. Era nela que o bebum sempre achava que estava tudo sob controle e podia fazer o que quisesse, pois daria tudo certo, então continuava enchendo a cara e no fim, claro, dava em merda. Mas eu já estava de olho, então tentei relaxar e degustar os meus copos de água com naturalidade.

Em certo ponto da noite a música parou, fazendo todos os presentes se voltarem para o pequeno palco armado após a curta pista de dança. Era hora do tal discurso que não passava de uma grande falácia. A empresa estava bem das pernas até demais, como mencionava todos os veículos de imprensa. Nós crescíamos exponencialmente e no último ano havíamos lucrado milhões, o que era incrível para uma empresa de publicidade, que se tornou a maior do país em menos de cinco anos de vida, graças a uma família riquinha de empreendedores, os Orsini. Tudo o que aquele povo tocava virava ouro.

Uma mulher linda de morrer, do tipo que se daria bem sendo modelo de passarela, subiu os pequenos degraus e desfilou até o microfone apoiado em um pedestal. Martha Simas, a nossa chefe-geral, alguém que tinha a minha admiração e o meu ranço na mesma medida. Ela era chata e exigente, enchia o meu saco em vários momentos, mas a bicha era fodona demais na área.

— Senhoras e Senhores... Muito boa noite! — começou a chefe, abrindo um sorriso largo de dentes que com certeza passaram por uma sessão de branqueamento recentemente. — É uma honra estarmos aqui mais um ano, comemorando os bons rendimentos da InterOrsini. Vocês sabem que eu adoro um discurso... — a plateia riu em uníssono. — Mas esse ano temos uma grande novidade: a presença ilustre do nosso CEO, o senhor Thomas Orsini. E é ele quem vai nos dar a honra de discursar nesta noite! — Martha apontou para o lado, visivelmente empolgada.

— Como é que é? O senhor todo-poderoso está aqui mesmo? — Elisa perguntou aos sussurros, só para mim. — Meu Deus do céu, esse homem é uma coisa de...

— CEO? — a minha primeira reação foi fazer uma careta. — Por que raios todo mundo agora virou CEO?

— É uma palavra chique, Bruno.

— Mas ele nem é apenas um CEO, é o dono da porra toda — rebati, um tanto emburrado, enquanto o homem que eu só tinha visto em revistas e jornais, até então, andava na direção do microfone. — A culpa é desses romances eróticos que você gosta de ler, Elisa. É CEO pra todo lado. Desde Christian Grey, é tudo CEO. Na boa, ninguém aguenta mais CEO.

— Só você que não aguenta. Eu aguento que é uma beleza. Olha esse homem... Porra! — ela resmungava aos murmúrios, quase gemendo no meu ouvido. — Ô, se aguento!

— Deixa de ser tarada, mulher.

— Eu olho pra esse cara e instantaneamente tenho vontade de abrir as pernas. Ele é tipo uma chave de boceta universal. — Nós dois rimos no mesmo instante. Aquela doida estava bêbada, era um fato.

Enquanto tentava me segurar para não gargalhar alto e chamar a atenção de todos, tratei de observar melhor o que acontecia no palco. Eu sabia que Thomas Orsini era um homem bonito e rico pra caralho, combinação que parecia inimaginável e que me fazia pensar que ele deveria ter algum defeito estrambólico, do tipo pinto pequeno. Só que ele ao vivo era ainda mais impressionante. Infelizmente, Elisa tinha razão quando dizia que sentia vontade de abrir as pernas só de olhar para o sujeito. Ele era um ultraje em forma de gente.

Só que eu nutria um ranço muito grande por caras bonitos demais e nunca escondi isso. Não sei, não conseguia nem achá-lo tão lindo assim de tanto asco que sentia ao imaginar o que havia por trás da imagem perfeita. Sempre pensava, automaticamente, que homens como ele eram extremamente gordofóbicos e abusadores. Eu conhecia aquele tipo. Orgulhosos, mesquinhos, fúteis, nada na cabeça. Usavam as pessoas como queriam. Não... Não havia beleza que ajudasse o Thomas Orsini a aumentar o meu conceito.

— É com muito prazer que... — ele dizia com a voz grave, imponente, que infelizmente me fez imaginar como seria tê-lo sussurrando em meu ouvido.

— Muito, muito prazer, meu filho! — Elisa sussurrou por cima das palavras dele e nós rimos mais uma vez.

—... Então este ano vamos ingressar em uma... — Thomas Orsini prosseguiu, discursando com bastante seriedade, mas Elisa estava muito afiada:

— Pode ingressar dentro de mim, meu amor, eu deixo!

Não sei o que me deu naquele momento. As últimas palavras da minha amiga se chocaram dentro de mim e me fizeram dar uma gaitada audível. Eu não consegui me controlar, simplesmente. Elisa não era de falar aquelas safadezas, aquilo estava mais para coisas que eu falaria de boa, estando sóbrio mesmo. Sendo assim, acabei chamando a atenção das pessoas ao redor e, também, a do todo-poderoso Thomas Orsini.

Olhos muito claros e sérios se fixaram em minha direção. Fiquei com tanta vergonha que o meu rosto deveria ter ficado da cor de tomate. Para disfarçar, peguei o copo de água e arrisquei um gole ameno, fingindo que nada tinha acontecido. O homem ainda me olhou por mais alguns segundos, provavelmente puto da vida por ter sido interrompido, e só aguardei que ele, sei lá, me expulsasse do evento, me demitisse, me retaliasse, qualquer coisa horrível... Mas nada disso aconteceu.

Ele apenas clareou a garganta e continuou:

— A nossa equipe está preparada para ingressar em uma nova etapa, a preparação para tornar a InterOrsini uma empresa publicitária de referência, com alcance internacional. — A plateia voltou a observar o discurso, deixando-me de lado, finalmente. — A nossa filial em Los Angeles já está sendo providenciada e abriremos as portas ainda neste ano.

Todos aplaudiram, inclusive eu, ainda que estivesse completamente desconcertado.

— O que foi isso? — Elisa perguntou em um sussurro divertido.

— Cala a boca, porra — resmunguei, irritado. — Se me fizer rir de novo eu te mato aqui mesmo!

— Menino, estou falando do olhar 43 que ele te deu — ela se virou de frente para mim totalmente, enquanto o bonitão ainda concluía o discurso. — Quase que te comia com os olhos! Acho que ele é gay. Ou bi.

— Olhar 43? — bufei em meio a um pequeno riso. — Realmente ele queria me comer mesmo, me comer vivo, isso, sim. Me matar esganado.

— Ele queria era te matar de orgasmos, menino, se liga. Foi muito mais do que raiva que eu vi ali. Eu vi tesão, muito tesão!

Revirei os olhos.

— Que tesão o quê, não pira, Elisa! Vai, presta atenção no homem

antes que ele fique puto de novo — apontei para o palco e ela se virou novamente, ficando calada para ouvir as palavras finais do sujeito.

— Tenham uma ótima noite e se divirtam. A InterOrsini agradece a todos os contribuidores com a certeza de que somos uma família! — Thomas Orsini concluiu e, novamente, todos o aplaudiram. Algumas mulheres mais desesperadas se levantaram para aplaudir de pé e acabaram fazendo a plateia inteira repetir o gesto, inclusive Elisa e eu. — Obrigado.

O homem desceu do palco em companhia da Martha e, enfim, foi dada a largada para a festa de verdade. O DJ entrou com a música eletrônica, mas eu ainda estava morto de vergonha, por isso sequer me animei para dançar. A vontade de beber, de comer e de me divertir foi embora e só permaneceu a de voltar pra casa.

Só que Elisa tinha outros planos. Ela me puxou e pediu pelo amor de Deus para que dançássemos pelo menos um pouquinho, já que a pista havia lotado rapidamente e ninguém parecia disposto a calcular o mico dos outros. Tive tanta pena por ela ser um pássaro preso que resolvi acompanhá-la, mas mantive os passos suaves, sem me envolver muito com as batidas da música.

Já havia atingido a minha meta de vergonha diária para o ano todo.

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Fiquei com a assombrosa sensação de que todos na festa estavam me olhando, inclusive o Thomas Orsini que, entre um cumprimento e outro, dava um jeito de virar o rosto na minha direção. Não era um bom sinal. Enquanto Elisa dançava, esquecendo-se dos próprios problemas, eu carregava o julgamento alheio em minhas costas.

E o pior era que eu merecia. Quem manda não controlar a gargalhada? Era muito típico de mim rir toda vez que não podia. Acontecia quase sempre; da última vez paguei o maior mico dentro do elevador da empresa.

Quando mais um círculo de funcionárias malucas pelo CEO finalmente o deixou em paz, seu olhar brilhante recaiu sobre mim mais uma vez. Que droga. Àquela altura já estava quase certo de que receberia a demissão na segunda-feira. Foi por isso que puxei Elisa pelo braço e perguntei em seu ouvido:

— Vamos ao banheiro?

— Estou de boa! Vai lá! — respondeu sem nem mesmo parar de remexer o esqueleto. Ela estava bem animada mesmo. Como tinha parado de beber, obedecendo ao meu alerta, fiquei tranquilo para sair fora dali sem a sua companhia.

Tudo bem que era uma regra mundial acompanhar a amiga nas idas ao banheiro durante as festas, mas acabei deixando tudo para lá, principalmente quando percebi que o todo-poderoso caminhava em nossa direção, com as mãos nos bolsos e toda aquela pose de gente rica que se acha. Virei as costas e andei o mais depressa que pude para longe da pista de dança, respirando aliviado só depois que entrei no toalete elegante, que tinha até ar-condicionado.

Olhei-me no espelho, tentando controlar a respiração.

Lavei as mãos só para não parecer um idiota se olhando no espelho e me preparei para encarar a situação. No entanto, assim que voltei percebi que Elisa não estava mais na pista de dança, mas sentada sozinha à mesa que havíamos escolhido. Caminhei depressa e me sentei ao seu lado, já preparando um pedido de desculpas por tê-la deixado. Mas a minha amiga apenas mexia no seu celular freneticamente, digitando mensagens.

— O que houve?

— Acredita que o idiota do meu marido já veio me buscar? — resmungou sem me olhar, ainda digitando. — Está me esperando na entrada da recepção.

— Como assim? Está cedo!

— É o que estou dizendo pra ele. Combinamos que eu ligaria quando estivesse a fim de ir embora! Não estipulamos um horário, mas e daí? — ergueu os ombros, parecendo bem chateada. — Achei que eu não tinha hora pra voltar.

Balancei a cabeça em negativa, sem acreditar na audácia daquele sujeito. Elisa mal saía de casa, só ia para o trabalho e ficava com ele pela maior parte de seu tempo livre. A coitada não tinha um minuto de paz na vida, pelo amor de Deus. Por essas e outras que eu não queria macho na minha cola.

— Deixa ele ir pra casa e diga que vai voltar de táxi comigo! — sugeri, com tanto ou mais raiva do que ela. Não era possível que alguém tivesse o poder de controlar a vida do outro daquele jeito.

— Droga! Ele está ligando! — Elisa revirou os olhos e se levantou da mesa, afastando-se enquanto atendia à ligação. Percebi que levou a sua bolsa consigo e tive quase certeza de que daquela vez era eu quem seria deixado.

Soltei um suspiro, voltando a balançar a cabeça, desgostoso. Um garçom parou para me oferecer espumante e não tive força de vontade suficiente para negar. Tomei um gole bem longo, matando a metade do líquido, e notei quando a minha amiga desligou, guardou o celular na bolsa e olhou para trás, provavelmente me procurando.

Chacoalhei a cabeça novamente e me levantei para encontrá-la. Pela sua cara já sabia que estava prestes a se despedir.

— E então? — questionei enquanto chegava mais perto.

— É melhor eu ir com ele — Elisa deu de ombros e evitou me olhar.

— Não quero estresse para o meu lado. Já dancei, bebi e comi, estou bem.

— Mas, Elisa, você...

— Quando você casar vai ver que nem tudo é assim tão fácil, Bruno — ela disse em um timbre pesado, carregado de uma tristeza que pude sentir me arrematar. Permaneci calado, pois não tive mais argumentos. Apesar de tantos relacionamentos ruins, nunca fui casado e realmente não sabia como era. — Desculpa te deixar tão cedo...

— Tudo bem, não se preocupe. Vou pedir um Uber daqui a pouco.

Sinceramente, estava louco pra ir embora também.

— Quer uma carona?

— Não, não, relaxa. Eu moro praticamente na contramão.

— Tudo bem, então... Até segunda-feira, amigo — ela me deu um abraço e, ao se afastar, plantou um beijo em minha bochecha. — Se cuida.

— Se cuida também.

Acompanhei quando Elisa se encaminhou para a saída com os ombros caídos, visivelmente abatida por ter o seu divertimento finalizado antes do previsto. Tentei não me sentir indignado, mas foi impossível. A mulher era jovem, bonita e inteligente, podia ter o mundo inteiro aos seus pés, mas estava presa numa relação bosta feito aquela.

Voltei para a mesa e terminei de beber a espumante deixada pela metade. Ao menos a boa notícia era que eu podia ir embora sem me sentir culpado. Peguei o meu celular e, como estava meio irritado e impaciente, adentrei o jardim da casa para ficar longe da música eletrônica e dos olhares curiosos. Parei bem em frente a uma escultura grande e indefinida, feita de algum material que parecia pedra. Estava escondido o suficiente para respirar ar puro e esperar o meu Uber em paz, isso se o meu 4G deixasse.

— Porcaria... — xinguei na direção do aplicativo aberto. O motorista escolhido se localizava a quinze minutos de onde eu estava, um tempo maior do que planejei permanecer na festa.

— Oi... — ouvi uma voz grave na minha frente e levei um susto tão grande que quase deixei o celular escapulir. Eu ainda nem tinha terminado de pagar aquele iPhone, por isso suspirei de alívio ao vê-lo intacto em minhas mãos.

Olhei na direção da voz e dei de cara com o famoso Thomas Orsini, em carne, osso, gostosura e nariz empinado. Se de longe ele era bonito pra cacete, de perto parecia que estava de longe. Suas mãos estavam dentro dos bolsos da calça do terno e aproveitei para usar o meu famoso raio-X. Analisei o cara de cabo a rabo, até finalmente parar em seu rosto másculo, composto por um par de olhos tão claros que mal dava para definir se eram azuis ou verdes. Os cabelos escuros estavam bem penteados e ele se mantinha todo engomadinho.

Filhinho de papai do cacete.

Devia ser muito bom ter pais milionários. Apostava em como aquele homem jurava que, se era CEO aos vinte e nove, era porque merecia. Ele nunca deve ter entrado num busão lotado. Já eu pensava em como seria minha vida se tivesse nascido em berço de ouro. Será que era tarde demais para me colocar numa cesta em frente a uma mansão?

— Oi... — respondi apenas, sem saber exatamente o que dizer. Pedir desculpas seria uma boa ou constrangedor demais? O cara ainda me olhava fixamente e eu não sabia se estava calculando uma maneira de me matar ou...

Ele olhou de um lado para o outro, como se quisesse conferir se havia alguém por perto, depois deu um passo à frente e voltou a me encarar. Foi naquele instante que parei de raciocinar. Mais um problema causado por homens bonitos: eles sempre te deixam desconcertados por causa de uma mera presença, que nem é lá grande coisa. Querendo ou não, você acaba se sentindo um cocô. Fica logo se perguntando se está vestido adequadamente, se está bem-penteado, se tem algo agarrado nos dentes... Bate uma fraqueza e a autoestima desce pra queimar nos mármores do inferno.

E eu odiava me sentir insuficiente porque sabia muito bem que não era o caso.

Thomas Orsini deu mais um passo na minha direção, enquanto eu simplesmente o encarava de volta, atônito, com os pensamentos congelados.

Ele era bem alto. Eu possuía cerca de 1,70m de altura, mas mesmo assim o homem era bem maior que eu. E o tronco era largo também, o que, contra toda a lógica da vida, fazia com que me sentisse pequena. Sim, eu, alto e gordo, sentindo-me miúdo diante do CEO.

Aliás, CEO era o meu ovo, o dono e proprietário da InterOrsini. O clichê ambulante. A personificação do macho branco e cis. Ninguém aguenta mais essa merda de clichê de cara alto, bonito e rico dando em cima de funcionário com problemas psicológicos. Por sinal, ele...

Ele estava dando em cima DE MIM?

— E-Eu... — murmurei quando Thomas Orsini se colocou tão perto que foi impossível não desconfiar de suas segundas intenções.

O cara não falou nada. Ergueu uma mão para tocar o meu rosto e, logo em seguida, antes que eu raciocinasse ou descobrisse como era que se respirava, juntou os nossos lábios num beijo para lá de eloquente.

No início fiquei chocado com o seu ataque preciso, mas depois liguei o foda-se e tentei aproveitar o momento. Não me julgue. Thomas Orsini beijava bem pra caralho, do jeitinho que eu gostava: lento em certos momentos e mais agitado em outros. Nossas línguas se encaixavam perfeitamente, como se já tivéssemos feito aquilo muitas vezes.

O que era loucura, obviamente. Eu não era nenhum inexperiente e desconfiava de que ele, tampouco. Não acreditava nem um pouquinho na mágica do primeiro beijo, naquela coisa romântica, cheia de açúcar, que podia causar até diabetes de tão doce. Não foi uma parada melosa ou fantasiosa. Foi uma realidade quente pra burro, que me deixou aceso instantaneamente, cheio de desejo.

Não perdi o meu tempo me perguntando de que modo conquistei o seu interesse, já que deveria estar acostumado com um monte de caras padrãozinho ao seu dispor. Eu estava ciente do meu sexy appeal. O riquinho caiu feito um pato, pelo visto. Ou talvez fosse uma espécie de fetiche. No mundo tinha dessas bizarrices e eu corria para longe sempre que podia. Mas não era sempre que eu tinha a chance de botar um CEO no meu currículo, por isso, sim, eu o puxei para mim até que me coloquei preso entre Thomas Orsini e a escultura de péssimo gosto.

As suas mãos grandes desceram pela minha cintura e apalparam o meu traseiro bem recheado, imprensando-me mais de encontro a si. Adorei sentir a sua ferramenta dura em meu ventre, esfregando-se sem pudor. Sentia as minhas costas de encontro à superfície fria da escultura e me arrepiava com a combinação de quentura e frieza que o momento me proporcionava.

Thomas Orsini soltou um pequeno gemido entre os meus lábios, afastando-nos um pouco enquanto continuava me apalpando. Droga de roupa colada. Naquele instante lamentei não ter escolhido algo mais fácil, mais acessível. Adoraria senti-lo mais e... Ele me virou de costas para si e me obrigou a sentir o seu pau bem na minha bunda.

Foi a minha vez de soltar um gemido baixo, provocante. Caramba... O homem tinha pegada. Anos de experiência, com certeza. Muito treino e tudo mais. Só sei que me senti o máximo quando ele apertou os meu peito por cima dq roupa e forçou os quadris para frente, deixando-me sem saída, encurralado e cheio de tesão.

Sua boca foi parar no meu pescoço e depois em minha orelha. Achei que ele fosse daqueles que enfiavam a língua no ouvido, jurando que isso era sexy e não nojento, mas Thomas Orsini apenas mordiscou e beijou a parte externa. Perfeito. Eu já estava em um estado avançado de delírio quando fui puxado para frente de novo e voltei a receber os seus lábios ávidos trabalhando junto com os meus.

Nós dois na cama seria só sucesso. Precisávamos de uma urgente.

— Quem é você...? — ele perguntou em um sussurro desejoso, desviando a boca para continuar beijando o meu pescoço. Uma mão afastava os meus cabelos com vontade, pela raiz, do jeito que eu gostava. O cara era firme e decidido quando atacava alguém. — Um funcionário meu, um convidado...? Quem é você?

Aquela pergunta quase sofrida fez com que a minha ficha finalmente caísse. Eu não podia ir para a cama com aquele homem. Ele era o chefe do chefe do chefe do chefe. Estava bem no topo da cadeia alimentar, era o rei leão. Eu era apenas um gafanhoto. Não podia arriscar perder o meu emprego e nem sair queimado no mundo publicitário. Homens eram complicados de uma forma geral, mas homens como Thomas Orsini significava perigo.

Pau nenhum valia a minha paz, por maior e mais veiúdo que fosse, por isso fiz com que se afastasse de vez. Esperei um tempo enquanto apenas nos encarávamos, com as respirações ofegantes normalizando aos poucos.

— É melhor que jamais saiba quem sou — respondi, por fim.

Ele avançou, depositando uma mão ao lado do meu rosto, apoiado na escultura. Começou a esfregar os lábios bem-desenhados nos meus, de maneira provocante, com óbvia intenção de remover o meu juízo.

— Preciso saber... Preciso saber agora.

Balancei a cabeça. Eu sabia que ele era daqueles que não suportavam ouvir um não. Qual é? O cara era filho único de uma família burguesa. Claro que ninguém nunca disse não para ele. Mimadinho de merda.

— Senhor Orsini... É melhor para nós dois, está bem? Afaste-se, por favor — fui educado porque provocar a sua ira só seria pior.

Para a minha surpresa, ele realmente se afastou, ficando a um passo de mim.

— Eu quero você — disse, murmurante, olhando-me com tanta profundidade que precisei piscar os olhos várias vezes. Mais um efeito terrível dos caras bonitos. Como eu odiava perder o controle! Credo! — Não importa quem seja, quero você essa noite. Mas preciso de sua discrição e, claro, de seu consentimento — colocou as mãos nos bolsos e analisei aquela atitude com espanto.

Certo, ele respeitou a minha vontade e não forçou contato físico. Ponto para o playboy. E também estava atrás de meu consentimento. Ótimo. Mas será que continuaria calmo se eu negasse até o fim? Duvidava muito. Afinal, ele era bom no que fazia, tinha ganhado até prêmios por isso: convencer pessoas e conquistar exatamente o que estava em seus planos.

— O que me diz? — prosseguiu, já que fiquei mudo, maquinando milhões de hipóteses.

— Continuo dizendo que é melhor não — ergui a cabeça para me igualar a ele. — Foi bom pra cacete, a gente tem química e tudo mais, porém vamos fingir que isso aqui não aconteceu, certo? — olhei a tela do meu celular, constatando pelo aplicativo que o meu motorista já estava chegando. — Preciso ir. Desculpa pela gafe mais cedo. Eu não estava rindo do senhor.

Como ele permaneceu calado, comecei a andar na direção da saída da casa de recepções, mas a sua mão grande segurou o meu cotovelo, impedindo-me. Revirei os olhos. Eu sabia. Até ri um pouquinho daquilo. Odiava que me segurassem daquele jeito e mais ainda que não me levassem a sério. Suspirei, pensando no meu emprego e só não o mandando tomar no cu naquele instante por causa disso.

Ainda assim, desvencilhei-me de seu toque e ele recuou.

— Do que você precisa? É só me dizer — Thomas Orsini se aproximou devagar, até que nossos rostos se mantiveram muito próximos.

— Como assim?

— Posso te arranjar qualquer coisa — manteve-se impassível, quase como se fosse um ser incapaz de sentir emoções. — Seja qual for o seu problema, posso resolver. De quanto está precisando?

Eu o olhei por um minuto completo, mas mesmo assim ainda não fui capaz de enxergá-lo. Sabia perfeitamente que tipo de homem ele era, mas comprovar isso de forma nua e crua me assustou num nível tão alto que fiquei indignado. Bufei, rindo nervosamente. Thomas continuou sério, encarando-me de forma indiferente.

Babaca de marca maior. O pior era saber que ainda existia pessoas que se arrastava. por um verme como aquele.

— Passe na próxima loja porque nessa aqui não tem prostituto. Tá em falta.

Dei um passo para trás, pronto para ir embora e nem um pouco arrependido de ter sido grosso.

— Todo mundo tem um preço — ele disse, sério, olhando-me daquele mesmo jeito compenetrado que, daquela vez, só fez me irritar. Eu cuspiria na cara dele se não fosse o chefe. — Somos adultos, não vamos fazer nada absurdo. Só quero você e vou te tratar muito bem, se me permitir. Garanto que não sou nenhum pervertido e odeio violência.

Dei de ombros.

— Que seja. Suas esquisitices não me interessam. — Os olhos dele se abriram em completa surpresa. Fiz nossos lábios quase se encostarem enquanto completava: — E você está enganado, eu não tenho um preço. Tenho, sim, o meu valor e, para o seu infortúnio, sei muito bem quanto valho. Nenhum centavo do seu dinheiro sujo é suficiente para me comprar, babaca.

Bem que eu poderia ter finalizado com o tão sonhado cuspe na cara, mas consegui me controlar a tempo. Soltei apenas um “babaca” porque era isso ou morrer entalado. Ele não sabia quem eu era e, com muita sorte, continuaria sem saber.

Thomas Orsini pareceu incrédulo enquanto eu me afastava decididamente, com a cabeça e o orgulho no alto. Vê lá se eu iria barganhar o meu corpo, o meu desejo... as minhas vontades. Deus me livre de tanta escrotice. Havia quem fazia isso e não julgava, sabe-se lá qual motivo a pessoa tinha para aceitar, mas comigo não funcionava. Eu era livre demais para ser coagido e não estava desesperado por homem nenhum.

Desejava que todas as pessoas do mundo soubessem o quanto valiam também. Que soubessem e pudessem dizer não toda vez que algo ameaçasse lhes roubar algo tão precioso quanto a capacidade de andar pelas próprias pernas.

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Comentários

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Gostaria de acompanhar como o garoto iria conviver com o chefão da empresa de remédios.

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Não acredito que vc vai desistir do garoto de luxo? Não faz isso.please.

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Começo bem.vai continua o garoto de luxo quando? Please outro conto mara.

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