Contratados: A Rendição - Capítulo 09

Um conto erótico de KaMander
Categoria: Gay
Contém 4984 palavras
Data: 10/05/2023 01:06:40

CAPÍTULO 09

** MARCOS VALENTE ***

— Você vai se casar... — Meu pai diz, sentado diante de mim, no meu escritório na Valente, uma semana após o almoço em sua casa e, portanto, uma semana antes da data do casamento.

Solto a respiração presa na garganta sem a menor disposição para essa conversa, mesmo que eu a estivesse esperando. O que eu não esperava era me sentir uma merda cada vez maior a cada dia que passa e eu nem mesmo vejo Anthony dentro da minha própria casa, porque ele se esconde. Eu sabia que tocá-lo havia fodido tudo, mas, porra! As proporções? Eu não fazia ideia...

— Eu vou... — respondo lentamente, estreitando os olhos, desconfiado dessa reação retardada. Quer dizer, eu esperei por ela. Esperei ainda na noite do baile, mas ela não veio. Depois, esperei durante o almoço, ela não veio também, esperei-a no dia seguinte, e no outro, e no outro, no entanto, é só agora, sete dias depois, que ela chega, e isso, definitivamente, é inesperado.

— Por quê? — aproxima o corpo da minha mesa e apoia os cotovelos sobre ela. Põe a palma de uma mão sobre as costas da outra e o queixo sobre elas. Seus olhos me investigam quando como eu era pequeno e ele sabia que eu estava mentindo, mas ao invés de me desmascarar imediatamente, esperava que eu me contradissesse. Sua tática favorita de intimidação nunca foram acusações ou provas materiais sobre meus erros, não.

Joaquim Valente sempre gostou de ver eu me enrolar em minhas próprias teias e me denunciar. Recosto-me em minha cadeira. Ela gira levemente e eu levo uma de minhas mãos ao queixo, ganhando tempo.

— Por que as pessoas se casam, pai?

— Não foi isso que eu te perguntei...

— Eu sei... Mas o senhor também não me disse que eu não poderia te responder com outra pergunta. — Ele bufa, — Eu não sou mais um menino que pode ser manipulado a se contradizer, pai...

— E você tem sobre o que se contradizer, Marcos? — questiona imediatamente, agora, tendo os olhos estreitados também.

— O que você quer que eu diga, pai?

— A verdade... Por que você está se casando? — A voz mansa não me engana. Ele está a uma resposta errada de explodir, e foda-se, ela é a certa.

— Porque o conselho exigiu!

— Eu não acredito nisso! — Levanta-se da cadeira, arrastando-a para trás no processo e passa as mãos pelos cabelos, — E o que foi tudo aquilo no baile, em casa? Anthony é o que? Alguma espécie de ator? E desde quando você é um ator, Marcos? E aquela menina? — É a minha vez de bufar.

— O senhor está vendo muitos filmes, pai! É claro que Anthony não é um ator, pelo amor de Deus! Ele é real, cada pedacinho dele e da sua história, assim como Isabella! Se eu me casaria se não fosse essa exigência descabida do conselho? Nós dois sabemos que não! Mas não há absolutamente nada de fictício no meu noivo, pai... Absolutamente nada... — sussurro as duas últimas palavras muito mais para mim do que para ele quando tenho a mente invadida pelo corpo de Anthony à minha mercê, rosto quente, peito descompassado, lábios inchados... puta que pariu!

Tem sido um inferno. Sete dias do caralho em que cada instante do meu dia é preenchido por imagens dele. Algumas são lembranças, outras, são minha imaginação fértil testando minha suficiência cardíaca. O corpo inteiro nu, o cuzinhocuzinho, apertado para mim, ele me cavalgando, subindo e descendo no meu pau, engolindo-o, e adorando vê-lo sumir dentro dele, porque, por alguma razão que eu desconheço, eu tenho certeza de que ele adoraria a visão.

Arrasto as mãos pelo rosto, tentando limpar a bagunça que é esse desejo fodido pelo meu noivo bebê, que eu nem posso aplacar, nem consigo esquecer e, nem mesmo consigo lidar com qualquer outra companhia que não seja minha própria mão. Acho que nem quando adolescente eu bati tanta punheta.

— Você está apaixonado?

— Pai, por favor... —chio, desdenhando.

— Isso é um não?

— Um redondo e sonoro!

— Então não faça isso!

— Pai!

— Ele tem uma filha, Marcos! Uma menina que não precisa passar por um divórcio! — diz em tom de acusação e isso me irrita.

— Eu estou perfeitamente ciente do que Anthony tem, e do que Isabella não precisa, pai! Eu realmente dispenso o lembrete e o tom de acusação! — Me levanto também e estico os braços sobre o tampo de minha mesa, encarando-o nos olhos. Por minutos, o silêncio se estende entre nós enquanto o olhar o meu pai parece me investigar de ponta a ponta e não deixar nem mesmo um canto obscuro de mim longe de seu alcance.

— Tudo bem... — declara por fim, deixando-me muito além do que desconfiado significa.

— Tudo bem? Assim? Do nada?

— Eu não estava mentindo quando disse ao Anthony que você tem muitos defeitos, mas entende o significado da palavra família, Marcos. E você está certo, você não é mais criança, estou confiando nisso, estou confiando que, independentemente das motivações que estão te levando a isso, você entenda que é isso o que você está construindo aqui, uma família, e ela vem com um preço! — Seu olhar está focado ao meu ao dizer as últimas palavras. Eu engulo em seco quando seu dedo se ergue, apontando para o meu coração.

— Pai...

— Não! — é incisivo. — Se você quer se casar sem estar apaixonado, tudo bem! É uma escolha sua! Eu não vou te dizer para não fazer, mas Marcos, se você não estiver disposto a pagar o preço cobrado por um casamento, não se case! Você é meu filho, e embora já tenha feito muito mais merdas do que sou capaz de contar nos dedos das mãos e dos pés, nenhuma delas, nunca, colocou em xeque o orgulho que eu sinto de você, porque eu sempre soube que, independentemente de qualquer uma delas, você guardava o que importa... Não me faça repensar isso! — apenas balanço a cabeça, concordando. Afinal, o que é que eu poderia dizer?

*****************

— Nós precisamos conversar! — São as palavras com que Anthony me recebe assim que as portas do elevador se abrem e eu respiro fundo. Parece que hoje é o dia das conversas, então... Ainda com a cabeça abaixada, aperto os dedos polegar e indicador contra as pálpebras fechadas antes de olhar para ele de verdade pela primeira vez na porra de uma semana, já que ele tem se escondido de mim.

E não era exatamente isso o que você queria, Marcos? Um marido invisível? Minha própria mente debocha e eu a mando ir se foder... Adivinhe? Ela me responde que gostaria, se eu conseguisse... Puta que pariu! Eu já estou ficando louco e ainda nem me casei!

Meus olhos se abrem, encontrando o maldito que tem roubado minha paz e pensamentos, porra! Ele é ainda mais lindo, mais gostoso, e totalmente fora dos limites, quero gemer de frustração. E, não achado que estou fodido o suficiente, Anthony arfa, parecendo tão afetado quanto eu pela nossa proximidade, como se seu corpo estivesse tão desesperado pelo meu toque quanto o meu está para tocá-lo.

O ar ao nosso redor muda, eu puxo uma inspiração profunda, desesperada. Aqueles olhos castanho escuros me puxam, me sugam, me consomem em um nível que eu jamais experimentei, mas pelo qual hoje fico grato se é tudo o que eu posso ter. Dou um passo para frente e quase comemoro quando ele não se move, quando não foge de mim. Meus olhos passeiam por seu rosto limpo, pelos cabelos curtos, meus dedos formigam, querendo tocar os fios, querendo sentir a pele.

— Foda-se! — Largo a pasta que tinha em mãos no chão e envolvo o corpo gostoso em um dos meus braços, a outra mão, levo ao seu rosto antes de afundar o nariz em seu pescoço e, pela primeira vez, na porra de sete dias, ter a sensação de que o ar que inspiro é o suficiente, porque tem o cheiro dele. Anthony aperta as unhas em torno do meu braço e eu lamento pelo paletó que não me deixar ter a sensação total do seu toque em minha pele, da sua força em minha carne. Porra, como eu quero esse homem! Como é possível querer tanto alguma coisa assim? Algo que eu nem mesmo já tive...

Sinto o raspar suave de seus lábios em meu rosto e com verdadeiro desespero eu os quero em minha boca, enfio meus dedos pelos cabelos em sua nuca, puxando sua cabeça sem medir a força, mas antes que eu possa me preocupar em machucá-lo, Anthony geme, terminando o trabalho de me deixar duro que apenas vê-lo começou e tocá-lo continuou.

Meus olhos encontram os lábios rosados, entreabertos, tão perto, tão malditamente perto...

— Eu quero beijar você, Anthony... —aviso, aproximando-me cada vez mais, seu silêncio cresce em mim a necessidade angustiante de acabar com a distância entre nós, e quando estamos próximos o suficiente para que apenas uma linha muito fina separe nossos lábios, ele responde.

— Não! — a voz é, ao mesmo tempo, trêmula e firme. Fecho meus olhos, sabendo que devo soltá-lo, mas ainda incapaz, expiro fortemente, soprando ar morno sobre seus lábios, e faço algo que jamais fiz antes, eu peço.

— Você também quer, Anthony... Eu sei que quer, porra, eu estou enlouquecendo, mas sei que não to alucinando, você também quer... — minhas palavras são baixas, sussurradas, quase suplicantes.

— Não! — repete e meus braços caem ao lado do corpo, libertando-o. Seu calor me abandona quase imediatamente, quase. E o segundo que ele leva para se afastar só me dá mais certeza de que ele quer tanto quanto eu, mesmo que eu não devesse me importar com isso. Não quando ele é a porra de um marido bebê!

Passo as duas mãos pelos cabelos, puxando-os, precisando ocupá-las de alguma maneira para não pensar no cheiro cada vez mais distante de mim. Tomo meu tempo, respirando fundo, buscando um controle que não importa o quanto eu procure, pareço não ter mais.

— Eu não posso mais fazer isso... — Suas palavras me fazem erguer a cabeça imediatamente.

— Isso o quê? —Meu tom não abre espaço para dúvidas sobre o meu humor, mesmo que seja enganoso.

— Me esconder, Marcos... Eu tenho uma filha, eu não posso confinar Isabella no quarto pelos próximos dois anos! —Alívio me inunda ao constatar que ele não estava falando do casamento e eu me permito alguns instantes para voltar a respirar.

— Eu nunca te pedi isso... — rebato com firmeza, porque é verdade. Mas ele me olha como se minha resposta o tivesse deixado cansado e esfrega as mãos no rosto.

— Não... Você não pediu, mas nós dois, claramente, temos um problema em estarmos no mesmo espaço, se o que acabou de acontecer diz alguma coisa... —resmunga, e porra, isso me faz sorrir, porque suas palavras só confirmam o que eu já sabia, Anthony quer isso tanto quanto eu!

— Você está com medo de ficar sozinho comigo, Anthony? —suas narinas inflam com expiração forte e ele cruza dos braços na frente do peito, atraindo minha atenção para lá. Sua garganta se movimenta devagar ao acompanhar o movimento dos meus olhos.

— Você precisa parar com isso! — tenta soar determinado, mas tudo o que consegue é soar trêmulo.

— Por que, Anthony? Você está com medo de não resistir? — dou um passo em sua direção e seu corpo não foge do meu, tampouco seu olhar. Ele grita “cuzão!”, mas eu realmente não me importo, não se independente da opinião que tem sobre mim, ele decidir parar de fugir disso. No entanto, embora seus olhos não me parem, suas próximas palavras fazem.

— Você prometeu! — acusa e eu desvio o olhar do seu. Agora sim, fugindo dos seus gritos mudos — “Eu não preciso de um marido pra foder!” você disse! — isso faz com que eu volte meu olhar para ele, porque me deixa irritado para caralho!

— E não preciso! — praticamente rosno as palavras, lembranças da noite em que tentei foder outro inundando minha mente de imagens ridículas e minhas veias com frustração.

— Então isso precisa acabar, Marcos! Eu não posso continuar com isso pelos próximos dois anos! Não posso! — a raiva em sua voz se parece muito com a daquela mesmíssima noite.

— E se eu tiver mudado de ideia, Anthony? E se agora eu quiser foder minha esposa?

— Não!

— Por que não?

— Eu não preciso te dar um motivo! Não! E se isso não for suficiente, você vai ter que achar outro esposo! — responde tão longe do menino doce e que abaixava os olhos constantemente, que eu sinto estar perdendo alguma coisa aqui.

— Anthony...

— Anthony? Você faz tanta questão assim de um motivo, Marcos? Então que tal esses? Primeiro, você diz que não me quer, que eu não posso me apaixonar por você, que não é um príncipe encantado, que não vai me salvar. E aí, de repente, você muda de ideia sobre uma dessas coisas, como eu deveria me sentir sobre as outras, Marcos? Como eu deveria manter as linhas claras quando você começa a confundi-las?

Suas palavras me atingem como socos e eu me vejo cambaleando para trás, porque, porra! Não! Definitivamente, eu não preciso do meu esposo bebê apaixonado por mim, e se o preço para isso for ter minhas bolas roxas pelos próximos dois anos, fodase eu o pagarei.

Suas bochechas estão coradas, dessa vez, não sei se por constrangimento pelas palavras que disse, ou de indignação, seu peito está arfante e seus lábios trêmulos. E, mesmo que eu tenha verdadeiro horror a tudo o que ele acabou de dizer, é mais forte do que eu, a lembrança do gosto deles enche minha boca de água.

*************************

*** ANTHONY RODRIGUES ***

Apavorado, é como Marcos parece com a simples perspectiva de que eu me apaixone. Tão fácil... Quer dizer, eu não imaginei que ele fosse me colocar contra a parede e dizer com todas as letras que queria me foder. Dizer que eu poderia acabar me apaixonando não foi algo planejado, foi uma reação desesperada que tanto poderia dar certo quanto errado. Como quando jogam algo que você não estava esperando na sua direção e gritam “pensa rápido”, testando sua coordenação motora e capacidade de reações rápidas.

Mas também não estava nos meus planos me deixar ser tocado por ele, de novo, em primeiro lugar. Quando pedi ao concierge que me avisasse de sua chegada, quando me plantei diante do elevador, aguardando que as portas se abrissem, o plano era simples, eu queria apenas confrontá-lo e recuperar minha liberdade de ir e vir pela casa. Por Isabella, por mim. Se toda essa merda tem o único objetivo de nos dar conforto, não faz o menor sentido que eu o sacrifique para mantê-lo. Isso seria muito mais do que contraproducente!

O problema é que desde a maldita noite do baile parece que um feitiço foi lançado em meu corpo e quando se trata de Marcos, ele simplesmente ignora minhas vontades. Nem mesmo a certeza de que ele fodeu outra naquela mesmíssima noite foi capaz de me manter imune à necessidade de ser tocado por ele, e quando seus olhos deslizaram pelo meu corpo, eu acendi. Quando se prenderam aos meus lábios, eu salivei, quando sua boca me disse que queria me beijar, eu ansiei.

Eu precisava de algo maior do que o meu não, algo que o mantivesse longe, não importa quão esmagadora se torne a necessidade de estar perto, porque eu mesmo não tenho certeza se conseguirei continuar dizendo não a longo prazo. E, quando me lembrei de suas palavras na noite em que me ofereceu o contrato “Eu não preciso de um marido pra foder!” me lembrei também de qual pareceu ser seu maior medo àquela altura.

Que eu me apaixonasse, que eu confundisse as coisas. Esse não é um risco, definitivamente, não há a menor possibilidade de eu confundir Marcos com um príncipe encantado e qualquer pessoa que me conheça minimamente, saberia disso, mas ele não conhece, ele não sabe...

E se soubesse, e se conhecesse, Anthony? Você estaria mais suscetível? Provavelmente... Se Marcos pudesse ser um caso de uma noite, duas, ou trinta, eu jamais teria lhe dito não da primeira vez, mas ele não é. E o fato é que quando ele me tiver nu, saberá exatamente o homem que está levando para cama. O toque de Marcos me tira do eixo, me rouba a capacidade de pensar, de falar, como ficou provado ainda na fatídica noite do baile.

Não há como fingir. E, como, depois, eu deveria ser capaz de explicar que o doce, inocente, e mesmo que não tão submisso assim, mas, ainda assim, submisso, Anthony, faz tudo, menos se submeter na cama? É impossível... Marcos pode ser arrogante o suficiente para não ver o que está bem diante do seu nariz, mas ele não é burro.

— Tudo bem... — concorda e meu peito aperta, rebelando-se contra a resposta que minha mente queria, mas meu corpo, nem tanto.

— Sobre a lua de mel... — começo o segundo tópico sobre o qual precisamos conversar e Marcos ergue uma única sobrancelha, — Eu não acho que seja uma boa ideia, Marcos...

— Isso não é negociável, Anthony...

— Marcos...

— Não! — declara, sem abrir espaço para discussões, — Você quer que eu foda outros homens? Essa é a ironia do século, mas tudo bem! É uma escolha sua e eu vou garantir que ela seja muito bem atendida durante a nossa noite de núpcias, mas ela vai acontecer, e nada do que você diga vai mudar isso!

Pisco, tão atordoado com as suas palavras que nem preciso fingir minha reação chocada.

— Só para o caso de os meus olhos escandalosos não estarem te dizendo isso agora, você é um babaca do caralho! — grito com a consciência limpa por Isabella estar bem longe, dormindo, no andar de cima. Marcos ri falsamente, e eu nego com a cabeça, porque em poucas semanas, sou capaz de dizer que essa é, apenas, sua reação raivosa. Marcos é uma criança que não sabe ouvir não. Quando contrariado, faz birra e pirraça.

Meu corpo inteiro treme de raiva. Porra, como eu quero mandar que ele vá se foder, como eu quero dizer a ele que, nesse momento, eu seria capaz de foder São Paulo inteira, antes de abrir as pernas para ele, puta que pariu! Respiro fundo, controlando minha respiração, engolindo as palavras que brigam em minha garganta, querendo, ansiosas, saltar para fora de minha boca.

— Eu ia dizer, Marcos — seu nome sai de minha boca em um rosnado —, que falta uma semana para o casamento e eu ainda não encontrei uma babá confiável e, por isso, a lua de mel não é uma boa ideia!

É a vez dele de respirar fundo. Marcos passa as mãos pelo rosto e as deixa sobre os olhos por quase um minuto inteiro, quando as abaixa, inclina a cabeça para o lado, observando-me.

— E quanto ao plano da cozinheira?

— Quê?

— Carmem me disse que, caso vocês não encontrassem uma babá, passariam a procurar uma cozinheira e ela assumiria a função de babá de Isabella.

Abro a boca, mas a fecho, porque eu não contava com isso. Não imaginei que Carmem tivesse contado isso para ele. Marcos estreita os olhos para mim e balança a cabeça, negando, depois, se afasta alguns passos, pega a pasta que está largada no chão praticamente desde o momento em que chegou, e passa por mim.

— Contrate uma cozinheira, Anthony... — É sua despedida.

***************

— Ele disse o quê? — Grazi grita do outro lado da linha assim que termino de contar sobre a discussão com Marcos no início da noite. — Thon, você realmente precisa parar de beijar esse cara! — grunhe.

— Eu não o beijei!

— Mas deixou que ele te tocasse, porra! Você não é o caralho de uma poça de hormônios! Faz o que tem que fazer! Se tiver que transar com outro, com outros, que seja! Transe! Mas esse cara é o maior filho da puta de quem eu já ouvi falar e você está prestes a se casar com ele, então ou você começa a pensar com a cabeça de cima full time ou as coisas vão ficar muito complicadas!

Expulso o ar dos pulmões com força.

— Eu realmente não preciso desse julgamento agora, Grazi!

— E precisa de quê, Thon? Que eu passe a mão na sua cabeça e coloque toda a culpa no vagabundo? Porque nós dois sabemos que você não é inocente, Anthony! Você é tão culpado disso quanto ele, e é também o único interessado em manter a bunda fechada, então faça isso! Eu te disse que você não precisava passar por isso! Eu te disse que ele é um imbecil e, ainda assim, aqui estamos! — Bufa, indignada, e eu levo uma das mãos aos olhos, usando o polegar e o indicador para esfregar as pálpebras fechadas.

— Você...

— Se você me disser que eu não entendo, eu juro por Deus que entro no primeiro avião pra São Paulo só pra dar dois tapas na sua cara, Anthony! É claro que eu entendo! Você, claramente, quer dar pra ele! Mas sabe o que eu também entendo? Que você não é burro e sabe que não pode! Que ele é uma criança mimada que faz birra e fala merda quando lhe dizem não! Que esse cara não merece brincar no seu parquinho, quem dirá te ter como esposo, mesmo que de mentirinha! Pelo amor de Deus, Anthony! Ainda dá tempo de desistir disso! Que outras provas de que isso é uma péssima ideia você precisa? O cara disse que vai transar com outros na noite de núpcias!

— Grazi, não é como se eu realmente me importasse com quem o Marcos transa! Eu não me importo! O que me deixou puto foi o fato de ele ter dito isso como reação ao meu não! Isso foi molecagem e todos nós sabemos disso. — Passo as mãos pelos cabelos, me levantando da cama e andando até a janela.

As luzes acesas da cidade invadem o quarto escuro e eu apoio a cabeça no vidro.

— Eu não vou desistir, Grazi...

— Eu sei que não... Você nunca desiste de nada! É mais teimoso que uma mula! Quando coloca uma coisa na cabeça, não há quem tire, sempre foi assim!

— Eu só... — Inspiro profundamente, — O que me deixa puto é a mesma coisa que me alivia, sabe?! Ele só queria fazer com que eu me sentisse tão irritado quando se sentiu... Um moleque, eu vou me casar com a porra de um moleque, Grazi... Como se uma só já não me desse trabalho o bastante... —resmungo a última frase.

— Essa não é a pior parte... A pior parte é que você está louco pra transar com ele... Um moleque...

— Ah, mas, definitivamente, ele não me toca como um moleque, Grazi... Definitivamente, não... E essa conversa está ficando muito, muito esquisita! — Minha amiga ri.

— É sério, Thon... Você precisa arrumar uma solução pra isso... Um consoll novo, talvez? — oferece e é a minha vez de rir.

— Não, Grazi... Está tudo bem... O absoluto pavor de Marcos que eu me apaixone vai mantê-lo tão longe quanto é possível... Você realmente precisava ter visto a cara dele.

— Eu dispenso... Enfim... Onde você vai se arrumar para o casamento?

— No hotel, o mesmo em que tudo vai acontecer, a organizadora me passou as últimas informações hoje.

— E a tal lua de mel? Onde vai ser?

— Não faço ideia, em algum lugar no Brasil, já que meu passaporte está vencido, ou, talvez, na América do Sul, mas eu realmente não me importo... Não quando eu vou contar os dias pra voltar para Isabella...

— Eu sei... Nós devíamos fazer uma viagem quando você voltar, só nós três... — a sugestão me faz sorrir. E eu levanto os olhos, perdendo-me nas pequenas luzes coloridas que posso ver ao longe.

— É um bom plano.

— Thon...

— Eu sei, Grazi... Eu sei... — respondo antes mesmo que ela tenha chance de dizer que não quis ser grossa... Só está preocupada.

— Eu te amo!

— Pra sempre!

— Você fica bem até sexta? O que acha de dormir no hotel? Podemos fazer uma noite dos amigos...

— É uma ideia incrível, Bella vai adorar...

— Ela vai... — sinto o sorriso em sua voz.

— Boa noite, Grazi...

— Boa noite...

Desligo a chamada e mantenho os olhos no horizonte. Há tantos pensamentos em minha cabeça que tenho dificuldades para organizá-los, mas entre todos, há um que se sobressai, minha amiga está certa e eu realmente preciso pensar com o cérebro, não com o que tenho entre as pernas.

No entanto, se eu for sincero, também serei obrigado a reconhecer que nem sempre que penso em Marcos, meu cérebro está fora da equação. A verdade é que meu noivo me intriga e talvez a culpa disso nem mesmo seja dele.

Resumi Marcos a um babaca. Por oito meses, isso foi tudo o que vi a seu respeito, que me permiti ver. Apesar de nossa relativa proximidade física, afinal, eu trabalhava em sua casa, ele era um estranho, era inalcançável. Ele era só mais um chefe desprezado por um de seus funcionários, apenas um número nas estatísticas. Mas, desde que ele realmente passou a fazer parte de minha vida e da de Isabella, esse é um papel que ele se recusa a exercer em tempo integral.

É fácil fingir que tudo o que mexe comigo é o desejo inquestionável que nos ronda, porque pensar além me obrigará a pensar além de Marcos, me obrigará a pensar sobre mim mesmo, e eu não quero. Eu estou bem onde estou. Estou bem como estou. Somos Bella e eu contra o mundo, eu não quero ou preciso de mais nada.

Uma batida firme soa na porta e mesmo sabendo que é quase impossível que tenha vindo das mãozinhas pequenas de Isabella, eu levo meus olhos até a babá eletrônica, conferindo se ela continua dormindo, e sim, continua. O que só pode significar uma coisa.

Arrasto os pés até a porta, coloco a mão na maçaneta, tomo uma inspiração profunda, e abro-a, encontrando um Marcos com cara de cachorro arrependido atrás dela. Olho para ele, mantendo-me em silêncio, e me dou conta de que é a primeira vez que um de nós chega tão perto assim do quarto do outro.

— Anthony... — continuo sem dizer nada e o fato de isso aumentar a ansiedade que transborda nele me deixa satisfeito. — Me desculpe... — começa e eu ergo minhas sobrancelhas, essa é toda a reação que lhe dou. — Eu tive um dia de merda, e não estou acostumado a ouvir não...

Deixo que um som de descrença escape da minha garganta.

— Você se comportou exatamente como Isabella quando digo que ela não pode comer sorvete no jantar. Essa não foi a primeira vez, Marcos, e Isabella tem três anos... Eu entendo que esse casamento não é de verdade, mas eu quero ter certeza de que estou me envolvendo com um adulto, eu não preciso de outro filho!

— Eu sei, e sinto muito por isso... Eu só... — começa, mas desiste no meio do caminho, abaixa a cabeça, apoia as mãos nos quadris, atraindo meus olhos para a calça de moletom baixa. Porra, Anthony! Me repreendo, porque não faz nem cinco minutos que eu estava mais do que determinado a, tratando-se de Marcos, pensar, apenas, com a cabeça de cima. Mas é tão mais fácil falar do que fazer... Por isso, e só por isso, decido lhe dar um alívio.

— Eu entendo, Marcos... — admito e seus olhos se levantam, encontrando os meus. Para seu crédito, ele, nem por um segundo, olhou para qualquer parte de mim que não o rosto, o que já é mais do que posso dizer ao meu próprio respeito. — Essa coisa entre nós... O que quer que seja... É fácil perder o controle. Mas eu não posso perder o controle, Marcos... Eu, simplesmente, não posso correr o risco de acordar um dia e descobrir que tudo isso virou mais do que deveria, porque eu não estou sozinho! Eu poderia lidar com um coração partido, mas Isabella não merece ter que arcar com as consequências trágicas que isso traria para o nosso casamento! — minto, mas por sua expressão séria, eu posso jurar que ele acredita ser verdade.

— Eu entendo... e sinto muito por ter reagido como... — abaixa a cabeça outra vez, parecendo, novamente, exatamente aquilo que está tendo dificuldades de admitir que foi, uma criança birrenta — uma criança malcriada... — rio baixinho, a raiva que senti já substituída por diversão. O que eu posso fazer? Não sou uma pessoa rancorosa, e ver um homem desse tamanho se obrigando a reconhecer que é mimado tem seu valor.

— Tudo bem, Marcos. Só..., não faz de novo, ok?

— Ok... E sobre a lua de mel... — começa e eu inclino a cabeça, esperançoso de que seu momento adulto tenha me rendido uma conquista inesperada.

— Eu realmente não posso cancelar, Anthony... As pessoas precisam acreditar que esse casamento é de verdade... Se Isabella fosse mais nova, faria sentido, mas ela não é… — aponta e sei que ele fala sobre a possibilidade de uma babá, — O que eu posso prometer é que estaremos perto. Não sairemos de São Paulo, vamos para uma ilha particular no litoral e teremos um helicóptero a nossa disposição o tempo todo... Nós viajamos depois da festa, ela já estará dormindo. Voltamos três dias depois, ao invés de sete, o que acha?

— Eu ainda preferia não ir...

— Eu sei, mas eu realmente preciso disso, Anthony... — faz uma pausa, abre a boca, mas logo em seguida fecha e eu rio, porque agora ele decidiu medir as palavras. Ah, Marcos...

— E eu sabia que isso seria necessário... — coloco em palavras aquilo que ele não teve coragem.

— Suas palavras, não minhas...

— E nós dois sabemos que eram os seus pensamentos! — rebato e ele desvia o olhar.

— Eu sinto muito Anthony, eu realmente sinto...

— Está tudo bem, você está me poupando de quatro dias de angústia, isso já é muito.

— É o mínimo que eu poderia fazer... — É a minha vez de guardar meus pensamentos para mim e a dele de rir.

— Suas palavras, não minhas... — devolvo suas palavras.

— Boa noite, Anthony...

— Boa noite, Marcos...

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Comentários

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Eu ainda acho que o autor poderia começar a escrever que era um casal hetero, se refere ao cara no feminino, o cara usa vestido, se refere a ele como mãe da criança, que raiva, se fosse uma mulher trans era entendivel, mas ele não fez transição e em momento algum isso foi falado, que ele é trans. A história é muito boa, mas isso me incomoda num nível que não está escrito

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Que merda. Seria tão mais facil apenas dize: "esse casamento não é de mentira, estou apaixonado por você e sim tenho muito tesão por você, tanto que nem consegui transar com outra pessoa quando tentei" simples assim. Por favor não deixa eles casarem pensando que é só um contrato. Por favor.

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