Paixão e sexo entre a casa-grande e a senzala

Um conto erótico de Kherr
Categoria: Homossexual
Contém 23127 palavras
Data: 02/06/2023 16:36:44

Paixão e sexo entre a casa-grande e a senzala

Não me lembro que idade tinha, mas ainda me recordo muito bem daquele dia, apesar de ser pequeno, quando ele e a mãe chegaram à fazenda trazidos por um empregado do coronel Teles numa carroça rudimentar da qual uma das rodas soltava um chiado estridente. O condutor, homem parrudo e mal-encarado, ordenou com voz seca que ambos descessem, e lembrou-os da ordem do coronel, reiterando suas palavras, quando ambos foram embarcados à força na carroça ainda aguilhoados pelos tornozelos.

- Jamais ousem mencionar vossa história e o nome do coronel atrelado a ela. Também não se atrevam a pisar novamente nas terras do coronel se tiverem amor à própria vida! – exclamou, ante os olhares submissos de ambos, quando voltou a colocar a carroça em movimento.

Mãe e filho ficaram parados ali no meio do jardim em frente à casa-grande, sob os olhares curiosos e ao mesmo tempo precavidos dos escravos que faziam suas tarefas pelos arredores. Avisado pela mucama, meu pai foi até o terraço fronteiriço, no que logo foi seguido pela minha mãe e, atrás dela, curioso, eu procurava descobrir quem eram aquelas pessoas. Ela era uma negra jovem com uma compleição física robusta, ancas largas, e rosto de feições mais delicadas do que a maioria das mulheres negras que eu já tinha visto, com lábios finos e nariz afilado. A aparente timidez a deixava bonita. O garoto tinha a pele bem mais clara que a da mãe, ossatura larga, cabelos curtos e crespos que acompanhavam o contorno da cabeça bem formada e uma aparência inofensiva, eu diria até, amistosa. Ambos traziam no olhar um quê de desamparo e uma tristeza que parecia vir do fundo da alma.

Meu pai, dirigindo-se à mucama, ordenou que fossem alojados junto aos demais serviçais da casa, num cubículo reservado só para eles. A mucama obedeceu cegamente, nem ousando levantar o olhar, muito menos questionando aquilo que compreendeu ser um privilégio ante a posição dos demais serviçais da casa.

- Santo Cristo, José! Mande que soltem imediatamente os grilhões dessas pessoas, isso é desumano! É uma pobre mulher indefesa, e ele apenas um garoto que deve ser pouco mais velho que seu filho! – interveio minha mãe, sempre inconformada com as situações bizarras que encontrava desde que pisou pela primeira vez em terras brasileiras.

- São negros, não pessoas! – revidou autoritário meu pai. – Já faço muito em acolhê-los! Em breve verá que são tão lesos quanto os demais que enchem as senzalas. – sentenciou, sem que minha mãe lhe desse ouvidos e, ela mesma, acompanhada da mucama, livrava-os das cordas que os impediam de caminhar.

Eu apenas acompanhava os acontecimentos do fundo da varanda, sabendo que devia me retrair diante daquele assunto para não despertar a ira do meu pai e me arriscar a sentir sua cinta estalando sobre as minhas nádegas. Mesmo assim, eu encarava fixamente o moleque tentando adivinhar o que se passava em sua mente e estava escondido por trás daquela expressão indecifrável. Ele também me encarou e, quando o notei, abri um sorriso amistoso. Afinal haveria alguém da minha idade para eu poder brincar e, a cor de sua pele não fazia a menor diferença para mim, sempre solitário naquele casarão imenso e na vastidão de terras que o cercavam. Ele baixou o olhar quando lhe sorri, temendo expressar qualquer devolutiva que pudesse comprometê-lo, e seguiu a mãe como faziam os pintinhos, uns poucos passos atrás, quando a mucama os conduziu para a construção anexa à casa onde ficavam os serviçais que trabalhavam no casarão.

- Aonde pensa que vai, Luiz? – questionou meu pai quando voltava para dentro de casa e eu já preparava uma disparada atrás daquele moleque com quem queria travar amizade. – Volte para seus estudos! – ordenou impositivo. – Só vou avisar uma vez, não quero ver você perambulando pela fazenda na companhia desse negrinho! Ele é uma péssima influência para você! – como de costume, obedeci resignado feito um cordeiro, embora sentindo uma alegria inexplicável, pois já tinha em mente que seria exatamente isso que eu ia fazer, sair por aí sem rumo e hora, só retornando assim que me tornasse amigo daquele garoto.

Apesar de jovem, eu não era bobo. Sabia perfeitamente que a vinda daquela mulher e seu filho para a nossa fazenda estava atrelada à visita que o coronel Teles, dono da fazenda mais próxima à nossa e, mesmo assim, quase meia manhã de cavalgada distante, havia feito ao meu pai poucos dias antes. Eles tinham ficado a tarde toda conversando no escritório do meu pai a portas fechadas, o que sempre significava que os assuntos tratados ali estavam cercados de mistérios ou de fatos escusos que não podiam cair em ouvidos estranhos. No mesmo dia, logo após o jantar, meu pai ordenou que minhas irmãs e eu seguíssemos para os nossos quartos, deixando-o a sós com a minha mãe na sala de música. Ele se irritou com a recusa da minha irmã mais velha que alegava ser cedo demais para se recolher, dando-lhe uma carraspana que a fez subir as escadas correndo. Eu nunca batia de frente com meu pai. Primeiro, por que tinha um apreso especial pelos meus glúteos que eram completamente avessos à ardência que o couro do cinto dele deixava neles e; segundo, por que ninguém, à exceção da minha mãe, e mesmo assim, muito que sutil e ardilosamente, ousava questionar ou contrariar qualquer vontade e ordem dele. As consequências podiam ser bem nefastas, e eu não queria ser vítima delas.

Porém, eu estava desenvolvendo uma habilidade em burlar as ordens dele e, ao mesmo tempo, manter minhas nádegas intactas; o que me fez sair do meu quarto minutos depois, e me pôr a meio caminho nos degraus da escada de forma que pudesse ouvir a conversa que os dois travavam na sala de música. Eu ainda era muito criança para compreender certas frases como – deixou-se enfeitiçar pelas ancas da negra – sentiu seus brios de macho dominarem seu juízo – embuchou a desgraçada – a esposa mandou se livrar do bastardo – e fiquei a me perguntar que enigma era aquele onde o coronel Teles parecia ser o protagonista de uma história escabrosa.

Foi por essa conversa, que minha mãe ouviu e, de quando em quando fazia uma censura ao coronel Teles, bem como se mostrava compreensiva aceitando uma sugestão que meu pai lhe fez, dessa vez sem aquele seu costumeiro tom arrogante, mas como um pedido especial, que eu associei a aparição daquela mulher e daquele garoto em nossa fazenda poucos dias depois. A mim pouco importava qualquer coisa que viesse de parte do coronel Teles, um homem pelo qual eu sentia asco desde a primeira vez que o vi em nossa casa. Eu sempre tive a impressão de que ele se refugiava nas costas do Barão de Aguay, meu pai, o português José Gonçalves de Mascarenhas, o todo poderoso daqueles imensos rincões e amigo pessoal do Imperador e de boa parte da Corte, como boa parte dos outros latifundiários que cercavam nossas terras.

O Barão era o dono da maior e mais lucrativa fazenda da região, a Monjolo, mas não era isso que lhe dava status, e sim, sua facilidade em transitar entre os membros da Corte que lhe concedia favores pessoais em troca de benesses que fazia para que pudessem manter as aparências e opulência da qual seus cofres particulares careciam. E, se havia algo que meu pai fazia com enorme e indisfarçável prazer, era exercer seu poder com a fortuna que possuía. À medida que fui crescendo essa característica do meu pai foi nos afastando cada vez mais, até eu não enxergar nele mais do que um estranho cujas ideias não se coadunavam com as minhas, como o leitor irá perceber ao longo do conto.

E aqui cabe um parênteses. Para que consiga compreender as atitudes do Barão de Aguay, é preciso retroceder aos seus ancestrais, judeus sefarditas que chegaram à região setentrional do Nordeste Brasileiro com os holandeses em meados do século XVII através da Companhia Holandesa das Índias Ocidentais. Quando da reconquista portuguesa dessa região, e a proibição de praticar o judaísmo, a comunidade se dispersou transformando-se em cripto-judeus. Nessa dispersão, um ancestral direto do meu pai foi ter às Minas Gerais onde nos anos finais daquele século foram descobertos os grandes aluviões de outro, o que modificou completamente, a partir dali, o destino dos Mascarenhas, uma vez sua má índole, que veio a permear todas gerações futuras, o enricou às custas do descaminho do ouro que deveria seguir para Portugal. Com um importante cargo no Regimento das Intendências e Casas de Fundição ele conseguia desviar por contrabando um bom quinhão dos Quintos do Outro, o imposto régio sobre o ouro que consistia no estabelecimento de que um quinto (20%) do ouro extraído no território português do Brasil seria da Coroa Portuguesa por direito. Grande parte desse quinhão descaminhado ia parar em bancos holandeses, enquanto outra parte era investida na aquisição de terras e estabelecimento de fazendas dando legalidade à fortuna que crescia como uma levedura. Com a riqueza veio o poder e, com este, a soberba. Os Mascarenhas que o sucederam entraram na política, se fizeram presentes na Corte, influenciavam e manipulavam o judiciário a seu favor, participavam do lucrativo negócio de tráfico de escravos e se tornavam quase deuses nessa terra dominada pela concentração do poder nas mãos de alguns poucos privilegiados. Meu pai era fruto dessa estirpe e na época em que nasci, ele era dono de um poder incomensurável. Apesar disso, voltemos ao conto.

Contudo, naquele momento, eu estava mais preocupado em conhecer aquele novo hóspede. Assim que terminaram as horas de estudo que minhas irmãs e eu enfrentávamos por longas cinco horas, seis dias por semana, ministradas pelo professor Getúlio e sua esposa Isabel, também professora, ambos contratados pelo meu pai para nos instruir com todos os conhecimentos e ritos necessários a um fidalgo, e residentes numa das casas da fazenda, eu saí à caça do garoto. Não o encontrei em lugar algum, e não me atrevi a ir até o alojamento onde ficavam os serviçais da casa, pois aquele, juntamente com as três enormes senzalas, eram um território, dentro da fazenda, proibido para mim e minhas irmãs. Passei o restante do dia espichando a cara pelas janelas para ver se o encontrava, caminhei pelos arredores da casa e até me aproximei perigosamente do alojamento dos serviçais, mas nem sombra daquele moleque.

- Por que está tão irrequieto? Até parece que está com formigas nos fundilhos! Já fez seus deveres escolares? – questionou meu pai, ao notar meu comportamento fora dos padrões.

- Já fiz todos! – respondi secamente, pois naquele momento estava zangado com ele por me proibir de travar amizade com aquele garoto, minha única chance de ter alguém com quem brincar.

- Então talvez seja o caso de eu ter uma conversa com o professor Getúlio para que lhe dê mais tarefas. – retrucou meu pai, já ciente do motivo daquela minha impaciência. Eu tinha aprendido recentemente com meu pai, num de seus acessos de fúria com os capatazes que cuidavam da lida da fazenda, uma frase que gostaria de usar contra ele mesmo naquele instante – Vá a merda! – mas algo me dizia que seria uma imprudência usá-la contra ele, fosse lá qual situação eu me encontrasse diante dele.

No dia seguinte acordei cedo e fui diretamente para a cozinha na esperança de encontrar a mulher ajudando a Dona Veridiana, a cozinheira portuguesa que meu pai trouxe junto com o marido quando voltou da Europa poucos meses antes da chegada da minha mãe ao Brasil, pois ele achava que nenhuma das cozinheiras que tivera até então, estavam à altura das regalias as quais a esposa estava acostumada. Por sorte minha, e certamente suplício para ela, lá estava a negra a auxiliar a Dona Veridiana, que conduzia aquela cozinha como se fosse um general.

- Bom dia! – cumprimentei efusivo no geral, embora encarasse especificamente a mulher negra. Todos que estavam no ambiente responderam pronta e servilmente.

- Já desperto tão cedo, barãozinho? Que diabos estás a fazer aqui a essa hora? Ainda estou a preparar o pequeno almoço! – declarou a Dona Veridiana com seu falar típico e sotaque trazidos de Portugal, e que parecia não perder jamais.

- Não me chame de barãozinho, eu já disse à senhora que não gosto que me chamem assim! E não é pequeno almoço que se diz, é café da manhã ou desjejum! – retruquei feroz, o que a fez rir, bem como a todos presentes, pois eles gostavam de implicar comigo.

- Que seja, barãozinho, o senhor é quem manda! Mas, de qualquer forma, vai ter que esperar um pouco mais para o tal café da manhã. – revidou ela, com seu costumeiro atrevimento.

- Onde está o seu filho? Ele é seu filho, não é? Como ele se chama? – perguntei, me aproximando da mulher negra que fora a única a não disfarçar o riso com as palavras da Dona Veridiana. Ela, na verdade, nem se atreveu a rir.

- Ele foi até o alpendre buscar um pouco de lenha para o fogão. – respondeu ela, quase engolindo a voz, pouco antes do garoto apontar na porta da cozinha com uma braçada de lenha cortada.

- Oi! – cumprimentei, com um sorriso que ia de orelha a orelha. Ele apenas assentiu com a cabeça.

- Agora suma daqui, barãozinho! Estás a me atrapalhar o andamento do serviço! Ademais, se teu pai te pega aqui, vai sobrar para nós dois, portanto, fora da minha cozinha! – enxotou-me a Dona Veridiana.

- Arre! Que não se pode ficar em lugar algum dessa casa! – resmunguei, deixando a cozinha; pois disso ela estava certa, se fosse pego ali tagarelando com os criados teria que me haver com meu pai.

A manhã não podia ter sido mais enfadonha, todos os assuntos das aulas abordados naquele dia foram entediantes e, minhas irmãs e eu, bocejávamos de tempos em tempos rezando para aquele tormento acabar. Minha cabeça estava voltada para ver se via o garoto perambulando próximo à casa, mas não sei onde ele se enfiou para se tornar invisível. No início da tarde, sob um sol de rachar, saí decidido a resolver de vez aquela parada, ia encontrá-lo nem que fosse no inferno. Não precisei ir até lá, o moleque estava carregando baldes de água que despejava no chão da varanda onde duas mucamas esfregavam os ladrilhos.

- Oi! – era o meu segundo cumprimento para ele naquele dia. Como da primeira vez, ele só respondeu acenando com a cabeça. – Você não tem língua? – perguntei, ante a mudez dele.

- Tenho! – respondeu prontamente.

- Então por que não a usa para me responder? – questionei invocado. – Qual seu nome? – perguntei, depois que ele continuou calado por alguns segundos.

- Dito! – respondeu

- Dito? Isso não é nome! Quem é que se chama Dito? – questionei

- É Benedito, mas todos me chamam de Dito, entendeu? – retrucou ele. Quem ele pensa que é? Claro que eu entendi, não sou burro! – pensei com meus botões.

- Dito é feio e esquisito! – exclamei.

- É como se fosse um apelido, entende? – devolveu

- É claro que eu entendo! Por que fica me perguntando isso a toda vez que me dá uma resposta? – ele se encolheu, e eu percebi que estávamos começando mal. – Benê! Vou te chamar de Benê, é muito melhor do que Dito! – concluí, sabe-se lá por que cargas d’água. Ele continuou calado, como se sentisse que não valia à pena iniciar uma discussão comigo.

Eu mal estava conversando com ele por meia hora quando minha irmã mais velha começou a me aporrinhar me avisando para me afastar dele ou ela ia contar ao meu pai que eu estava dando trela para os escravos. Resolvi não desafiá-la, pois era uma notória e cruel linguaruda cagueta, responsável por algumas das cintadas que minhas nádegas já haviam experimentado.

Um dos motivos por eu estar tão interessado naquele garoto era a péssima relação que tinha com as minhas irmãs. Tínhamos em média uns três anos de diferença de idade, eu sendo o caçula, o que me tornava a vítima predileta delas. Acho que por serem mulheres, elas se davam bem entre si, o problema ali era eu que destoava delas por ter um pinto entre as pernas e, portanto, visto como alguém a ser mantido fora dos assuntos íntimos que ambas viviam cochichando pelos cantos da casa. Elas só se lembravam de mim quando precisavam de algum favor ou quando queriam zoar com alguém. A mais nova tinha uma mão bem solta que ela gostava de descarregar sobre mim toda vez que discutíamos. Assim que eu revidava, o que era invariavelmente sempre, devolvendo-lhe uns sopapos, ela se punha a chorar e chamar por nossa mãe, o que significava uma bronca certeira quando não algumas palmadas na bunda, enquanto ela se ria disfarçadamente da minha desgraça.

Apesar do início meio truncado, o Benê e eu logo nos tornamos amigos, talvez mais por falta de opções do que propriamente por uma identificação de personalidades. De qualquer forma, não demoramos a preencher nossos tempos livres correndo soltos e despreocupados pelos lugares mais inusitados da fazenda, onde ninguém pudesse nos encontrar e proibir de nos divertirmos. A impaciência dele não era menor do que a minha para ficarmos juntos, o que o levava e ficar constantemente enfiando a cara pela porta da sala de estudos durante as nossas aulas matinais. Minha mãe o flagrara diversas vezes ali, ora parado rente a porta entreaberta, ora sentado junto ao umbral do outro lado ouvindo atentamente as explicações que o professor Getúlio ou a professora Isabel nos davam.

- Você gosta de ouvir os ensinamentos que eles estão dando aos meus filhos? – perguntou ela um dia, em que o flagrou e antes de ele intentar uma corrida escapando dali com receio de apanhar.

- Sim! – respondeu ele

- Então venha comigo! Vamos te juntar ao grupo, mas sem bagunça entre você e o Luiz, compreendeu bem? – sentenciou minha mãe, introduzindo-o na sala que ficou a examinar perplexo por alguns minutos. – Aqui você tem um caderno e lápis! A professora Isabel vai te ensinar algumas letras. – continuou minha mãe, dirigindo-se à professora que recebeu aquele novo discípulo sem o menor interesse.

Eu, por meu lado, não podia ter ficado mais feliz, agora tínhamos mais uma coisa em comum, passar horas recebendo instruções e ensinamentos que ampliavam nossa visão de mundo. O Benê tinha um olhar abespinhado cheirando as folhas imaculadas e brancas do caderno que minha mãe havia lhe dado. Eu me diverti com a cara dele, o que ele não gostou nem um pouco, e acabou me dando um chute nas canelas por debaixo da mesa.

- Ai! – soltei quando o pé dele me acertou.

- O que foi, Luiz? – perguntou minha mãe. Eu não respondi, pois sabia que se abrisse a minha boca, seria fim para o Benê, antes mesmo de receber a primeira aula.

Obviamente, ele era completamente analfabeto. Até para segurar corretamente o lápis a professora Isabel precisou mostrar como se fazia, e minhas irmãs e eu não conseguimos segurar o riso quando aqueles dedos desengonçados tentavam manter o lápis seguro entre eles.

- Vocês, parem de rir, não se distraiam! Foquem nos seus livros! – censurou-nos ela, enquanto lutava com a mão rija daquele novo aluno.

Minha irmã mais velha se arvorou como professora e me ajudou a ensinar o abecedário ao Benê, fora do horário das nossas aulas, o que ele ia absorvendo ávida e rapidamente, para que minha irmã parasse de taxá-lo de burro a cada erro que cometia. Eu era mais paciente, pegava na mão dele para ajudá-lo a fazer as letras, e ele me devolvia um sorriso a cada uma que conseguia fazer sozinho. Eu já não tinha a menor dúvida, éramos amigos.

A princípio meu pai não gostou nem um pouco de saber que o moleque negrinho estava recebendo algum tipo de instrução, mas ele não se opôs à vontade da esposa, a qual não conseguia negar absolutamente nada por achar que jamais esteve à altura daquela mulher que retirou de uma família austríaca abastada que circulava entre os nobres do Império Austro-Húngaro, e a trouxe para esse inferno tropical longe de tudo que lhe era familiar. Ele a amava acima de tudo, quase a idolatrava como uma deusa, por ela ter se sujeitado a viver com ele nessas condições.

Minha mãe, Annelise Katherina von Gruberhoff, que as escravas tratavam por Sinhá Ana, pela óbvia incapacidade de pronunciar seu nome de batismo, era uma mulher que escondia sob uma aparente fragilidade delicada, um temperamento forte e uma coragem ímpar. Nascida e criada numa família com fortes ligações com a aristocracia que não faliu como sucedeu a muitas numa Europa cheia de instabilidades políticas e econômicas, ela conheceu o descendente de judeus serfarditas, português abastado, José Gonçalves de Mascarenhas durante uma viagem de verão em Paris. Ela era jovem e não estava acostumada a receber tantos galanteios de um rapaz bem-apessoado que à época cursava direito em Coimbra e também estava em férias em Paris. Ele a cortejou por semanas, ao final das quais ela acreditou estar apaixonada. Passaram a se corresponder assiduamente depois de voltarem às suas cidades até o estudante de direito voltar ao Brasil e comunicar à família sua intenção de se casar com a bela e aristocrática jovem. Imediatamente, o pai interesseiro vislumbrou a possibilidade daquela genética nobre fazer parte da família e incentivou o filho a buscá-la em Viena e casar-se com ela. E foi o que ele fez, sem demora, e prometendo mundos e fundos, os quais achava que o dinheiro podia adquirir, mas que não demorou a constatar estavam muito distantes das regalias às quais ela estava acostumada. Quando chegou ao Brasil ela logo soube que aquele casamento foi um erro, mas não se deixou abater pelas circunstâncias e reveses que encontrou nessa terra. Ela apenas ergueu a cabeça, arregaçou as mangas e mudou tudo aquilo que lhe fora possível mudar para criar uma família nos moldes mais próximos daqueles nos quais fora criada. Foi através dela que, poucas semanas após sua chegada, a fazenda Monjolo aboliu o pelourinho onde os escravos eram açoitados sem nenhuma justificativa. A escravidão era algo inexistente em sua terra natal, Annelise só a conhecia pelos livros e jornais, servindo de base econômica para muitos países em ascensão, e com a qual ela jamais seria capaz de conviver. Assim, tentou mudar a cabeça do marido sem obter o sucesso almejado, mas procurou transformá-la em algo menos repugnante até onde lhe foi possível. Todos os serviçais da casa-grande recebiam dela, às escondidas, mensalmente cinco moedas de vintém como retribuição de seu trabalho, o que desagradava imensamente o marido que sabia do subterfúgio que a esposa utilizava para compensar os criados, mas contra o qual ele não se atreveu a tomar providências.

Embora tivesse conseguido suprimir o pelourinho, a condição dos cerca de 900 escravos alojados nas três senzalas da Monjolo era precária e desumana. O Barão de Aguay mantinha cinco feitores vigiando e controlando o trabalho dos escravos. Estes, impedidos de aplicar os castigos após a supressão do pelourinho, encontraram outros métodos para colocar a negrada nos eixos e, não aboliram os sumiços repentinos de algum mais rebelde ou refratário às ordens, fazendo-os simplesmente desaparecer para sempre, sabe-se lá de quais formas. Também, debaixo dos panos, por ser uma atividade ilegal, a fazenda Monjolo tinha, como muitas outras espalhadas pelo país, seu próprio método de reposição de mão-de-obra, uma vez que a aquisição de negros era dispendiosa. Na Monjolo havia cerca de vinte negras parideiras confinadas num espaço isolado que eram obrigadas a se dedicar exclusivamente a uma tarefa inusitada e degradante que consistia em engravidar e parir novos negros para repor o plantel das senzalas. Para isso, eram escolhidos, a dedo, negros garanhões dentre os mais altos, mais fortes e com os melhores dentes, não diferindo muito dos métodos usados para a reprodução do gado na fazenda.

Eu era jovem demais para compreender como funcionava a administração da fazenda que continuava sendo exercida pela mão-de-ferro do Barão, sem nenhuma prestação de contas de seus atos a quem quer que fosse. O Brasil funcionava assim, a economia dependia da mão-de-obra escrava e as desigualdades eram vistas como algo natural entre as diferenças de cor da pele das pessoas.

Ao entrar na adolescência e, sendo que o único mundo que eu conhecia era a fazenda Monjolo, eu só estava focado na minha amizade com aquele garoto que crescia ao meu lado e se tornara uma das pessoas mais importantes da minha vida. Estávamos sempre juntos, éramos a sombra um do outro e, à medida que crescíamos também cresciam as nossas traquinagens, era o que nos dava prazer, era o que fazia a vida ser feliz. Foi por essa época que começaram a aparecer as primeiras diferenças entre nós. O Benê parecia crescer num ritmo mais acelerado que o meu. Os dois anos de diferença de idade se destacaram nessa fase. O corpo dele se transformava rapidamente, estava a ganhar altura, músculos, muitos músculos, estava cada dia mais forte do que eu, mais atirado e isso me fascinava. Apenas entre nós dois a hierarquia era diversa da instituída, era ele quem me regia, sem que eu tivesse consciência disso. Nossas desavenças eram raras, e não duravam mais do que algumas horas ou, quando muito, um ou dois dias, quando ambos não se falavam e ficavam de cara fechada. No mais, perambulávamos pela fazenda, muitas das vezes fugidos das vistas de quem pudesse nos impedir. O Benê me ensinou a cavalgar, apesar do pavor que eu tinha de montar num animal imprevisível e ameaçador como aquele e, com isso, nossas escapadas ficavam cada vez mais distantes da casa-grande. Uma cachoeira, a cerca de dois quilômetros da sede, era um dos nossos refúgios, especialmente nos dias quentes. Um refúgio mais próximo ficava no telhado baixo dos fundos do galinheiro que podia ser alcançado escalando uma imensa mangueira que ficava ao lado e cujo galho se debruçava sobre o telhado. Passávamos horas ali deitados, um ao lado do outro, ouvindo os chamados repetidos dos serviçais postos à nossa caça, sem responder e camuflados pela folhagem densa da mangueira.

A briga mais séria que tive com o Benê também aconteceu nessa época. Ele tinha uma habilidade enorme de construir arapucas que espalhávamos pelos recantos da fazenda, e com as quais começou a capturar diversos passarinhos. Quando juntou uma meia dúzia, resolveu construir uma gaiola grande que envolvia o tronco e galhos secos de uma laranjeira morta no pomar. Trabalhamos com afinco por uma semana para construir a armação e gradear com tela a tal gaiola onde ele instalou os passarinhos capturados. Ele se sentiu realizado ao final da empreitada, enquanto eu começava a questionar a funcionalidade de tudo aquilo.

- Ora, é para mantê-los perto da gente! Veja como são lindos e coloridos, e como cantam quando os alimentamos. – justificava ele

- Eles sempre estiveram por perto, assim que amanhece dá para ouvi-los cantar, não sei por que encarcerá-los nesse espaço reduzido. – devolvia eu, sempre mais sentimental com as coisas.

- Olha o tamanho dessa gaiola, acha isso pequeno? Eles conseguem voar de galho em galho, além de estarem protegidos da chuva e receberem a comida sem esforço. – retrucava ele, defendendo seu ponto de vista.

- É muito pequeno se comparado a todo esse céu que eles têm quando são livres. Também nunca precisaram de ninguém para protegê-los das intempéries, fazem isso desde que o mundo é mundo. Eu queria ver se você se tivesse que ficar na senzala como os outros escravos, sem poder ir para onde quiser. O que você está fazendo com eles é a mesma coisa, aprisionando eles numa senzala. – afirmei convicto.

- É diferente! Eles são bichos, os escravos são gente! Você é um grande bobalhão estraga-prazeres! Também é cheio de frescuras, e eu estou ficando irritado com elas! – revidou zangado por eu o censurar.

- E você é um bestalhão sem coração! Também estou cheio de você! – respondi, o que começou a acalorar os ânimos.

- Repete o que disse, se for homem! – ameaçou

- Bestalhão, imbecil e bastardo! – berrei sem medo.

O significado de bastardo eu tinha aprendido recentemente, ao ouvir uma conversa da Dona Veridiana com o marido quando falavam do Benê e de sua mãe. E, achei que aquele seria um bom momento de usá-la contra ele. O soco atingiu meu nariz antes mesmo de eu esboçar qualquer reação. Ao que parece, ele também sabia o que a palavra significava.

- Eu vou mandar meu pai jogar você na senzala, seu cretino atrevido! – berrei ameaçador quando vi o sangue escorrendo da narina. – Nunca mais quero ver essa sua cara, desgraçado! – continuei, quando ele se aproximou arrependido pela atitude impensada e agressiva, tentando me socorrer.

- Eu não quis te machucar, juro!

- Mas machucou! E eu não vou deixar barato! – exclamei revoltado, decidido a contar ao meu pai o que ele tinha feito.

Quando cheguei à cozinha, o caos tomou conta do lugar. A Dona Veridiana gritava apavorada como se eu estivesse a morrer, clamando pela ajuda das outras serviçais e dando ordens aos berros para lhe trazerem o necessário para um curativo. O reboliço foi tanto que não demorou para minha mãe aparecer para ver o que estava acontecendo.

Quando ela me encarou, toda aquela fúria e vontade de denunciar o Benê sumiu. Se aquele episódio caísse nos ouvidos do meu pai, que já não simpatizava com ele dentro da nossa casa, ele estaria perdido. Eu não dava mais do que algumas horas para ele ser mandado para a lavoura, pegar no cabo da enxada junto com os outros escravos; isso depois de um dos feitores lhe aplicar umas boas açoitadas para perder o atrevimento. O que eu faria sem ele? E, de súbito, deixei meu coração falar mais alto.

- Eu caí do galho da mangueira! – sentenciei com a voz mais convincente que consegui empostar.

- Caiu? – questionou minha mãe, com aquela sua expressão de incredulidade.

- Sim, caí! Foi exatamente isso que aconteceu! – reafirmei, quando vi que o Benê se aproximava da porta da cozinha todo encolhido.

- Essa queda foi bastante estranha, não tem um único vestígio de terra na sua roupa, nenhum arranhão em parte alguma, só esse nariz e essa mancha vermelha debaixo do olho que amanhã, certamente vai estar inchado e roxo. – sentenciou ela, já adivinhando o que se sucedera, nossas caras diziam mais que as palavras.

- É, foi esquisita mesmo! – devolvi.

- Se eu os vir brigando mais uma vez por aí, hão de se haver comigo! Não pensem que é só o seu pai que sabe usar de uma cinta! Pensem duas vezes antes de inventar mentiras para esconder o que fazem! Fica o alerta! – retrucou ela, encarando a ambos com uma expressão autoritária.

- Viu o que você fez, seu palerma? Essa foi por pouco! Mas eu nunca mais vou falar com você! – anunciei ao Benê assim que nos afastamos dali, pois meu rosto latejava a despeito da bolsa de gelo que haviam me mandado segurar sobre o rosto.

- Foi você quem começou tudo! – respondeu ele. – Está doendo muito? – perguntou, sem obter uma resposta, só uma cara contrafeita.

No dia seguinte, ainda revoltado com a atitude dele, fui até o pomar, abri a gaiola e soltei todos os passarinhos que ele havia capturado. Eu não ia conseguir engolir aquela afronta sem revidar. E, assim que o encontrei, fiz questão de anunciar meu feito.

- Eu soltei todos os passarinhos! Nunca mais vamos prender esses bichinhos, é muita judiação! Se não estiver de acordo, venha tirar satisfações comigo! – ele percebeu que eu não estava de brincadeira, e resolveu não levar a questão adiante, pois a corda sempre arrebenta do lado mais fraco.

- Um dia eu ainda vou das umas boas porradas nessa sua cara de barãozinho metido e besta! – ameaçou

- Um dia eu ainda vou te jogar na senzala para você aprender a não me desafiar! – exclamei.

Não nos falamos por três dias, nem às aulas com o professor Getúlio eu permiti que ele viesse. No quarto dia ele me presenteou com um passarinho que havia esculpido primorosamente a faca num pedaço de madeira. Eu o abracei e ele me apertou em seus braços.

De uns tempos para cá o Benê estava se transformando num sem-vergonha sem igual. Sacanagens de todo tipo, diferenças entre o corpo de uma mulher e de homem, sexo e um arsenal de palavras obscenas viraram seu assunto preferido. Eu mal reconhecia nesse Benê aquele mulatinho assustado e cabisbaixo que chegara à Monjolo anos antes aguilhoado à mãe. Sem dúvida as aulas do professor Getúlio e da professora Isabel tinham melhorado, e muito, a sua maneira impecável de se expressar por meio das palavras. No entanto, esse palavreado novo que ele incorporou não advinham dessas aulas, ele o aprendeu com os negros da senzala, para onde escapulia, às vezes, na surdina, voltando de lá com a mente cheia de novidades. Eu também notei que ele ficava encarando a minha irmã mais velha de um jeito diferente durante as aulas, que era quando ele tinha a chance de ficar um pouco mais próximo das minhas irmãs. Ele chegava a se distrair com os pensamentos vagando sabe-se lá onde, quando seu olhar se fixava nos seios dela, que tinham se avolumado nos últimos tempos. E, concomitantemente, uma enorme ereção se formava dentro de suas calças. Uns dois anos atrás eu passei por essa fase esquisita, meu pinto ficava duro de repente, me deixando em situações constrangedoras, mas isso tinha passado e agora, ele só ficava duro quando eu o manipulava, geralmente dentro da banheira ou à noite, quando estava sozinho na minha cama e subitamente sentia vontade de mexer com ele.

- Você sabe como se fazem os bebês? – perguntou-me certa tarde quando estávamos deitados no telhado do galinheiro depois de havermos enchido a pança com as goiabas maduras que colhemos no pomar.

- Não se fazem bebês, eles vêm prontos, a cegonha é quem os entrega! – respondi convicto, querendo mostrar quanto eu era mais esperto do que ele. Ele desatou a rir, chegando a se contorcer num riso alto e debochado.

- Como você é burro, Luiz! Você não sabe de nada! – exclamou enquanto ria da minha cara.

- Burro é você que não acertou nenhum dos exercícios de álgebra que o professor Getúlio deu esta manhã! – revidei zangado

- Você até pode saber resolver os exercícios de álgebra, ou dominar outros conhecimentos, mas você é muito do burrão num montão de outras coisas! – retrucou ele, o que já me deixou irritado e disposto a dar na cara dele.

- Se me chamar de burro mais uma vez, eu juro que vou dar um soco bem no meio da sua fuça! – ameacei. Ele continuava rindo, só para me irritar.

- Você já viu alguma cegonha voando pelos céus por aí? – indagou com aquele olhar de quem estava me fazendo cair numa armadilha.

- Não! – respondi, depois de haver pensado por alguns minutos.

- E por que não viu nenhuma cegonha voando por aí? – continuou, me encurralando

- Ora, eu sei lá! Porque elas não voam por aqui, eu acho. – respondi.

- Exatamente! E se elas não voam por aqui, como você explica a aparição dos bebês aqui na fazenda? Mês passado cinco negras da senzala apareceram com bebês, e uns meses antes a mulher do feitor Araujo não tinha um bebê novinho para quem a sua mãe até andou bordando umas roupinhas? Então me explica, como esses bebês chegaram aqui? – eu sinceramente nunca tinha pensado nisso e, por não saber a resposta, me senti um otário diante dele, o que me deixou furioso.

- Devem ter sido trazidos durante a noite quando todos estavam dormindo, por isso ninguém viu nada! – respondi, numa última tentativa de não parecer burro.

- Nesse caso, a tal da cegonha também devia ter trazido os leitões que você viu nascerem no chiqueiro na semana passada, o potrinho da égua Cacau que você também viu nascer na primavera do ano passado e ainda, o novilho que a Mimosa pariu no mês de abril. Viu como você é burro! Não consegue me explicar uma coisa tão simples! – bastou ele terminar de proferir as últimas duas frases e minha mão cerrada socou a boca dele.

- Eu te avisei para você parar de me chamar de burro! – exclamei colérico, antes de ele partir para cima de mim e prensar meus braços contra as telhas me impedindo de continuar a socá-lo.

- Está querendo levar uma surra? Se fizer isso de novo eu vou te dar uma daquelas que você nunca mais vai esquecer! – ameaçou. Como eu não estava a fim de apanhar naquela tarde, contive meus ânimos e minha raiva.

Depois que ele me soltou, fiquei massageando meus braços para reativar a circulação e tirar aqueles vergões vermelhos que se formaram na minha pele.

- Já que você é tão esperto, me explica você como é que os bebês aparecem! – provoquei, pois ele estava com aquela cara de quem quer se exibir.

- Para aqueles leitões nascerem, o cachaço enfiou o pinto dele naquela porca uns quatro meses atrás, não foi? Você mesmo viu isso acontecendo e nós até rimos do pinto em forma saca-rolhas dele que estava demorando a entrar na porca. O mesmo aconteceu quando o touro Dinamite meteu o pintão dele na Mimosa e o garanhão Azulão montou na Cacau e enfiou aquele cacetão dentro dela. Ambas tiveram os filhotes um tempo depois, sem nenhuma cegonha fazer a entrega. Até porque eu queria saber como é que uma cegonha ia conseguir voar carregando um potrinho ou um bezerro muito mais pesados do que ela. – sentenciou, com uma expressão sabichona e de jubilo estampada na cara malandra.

- Vai ver que com os animais é diferente! – ponderei na minha inocência, e tentando manter o pouco de dignidade que ainda me restava depois de ter minha ignorância desmascarada.

- Se, como disse a professora Isabel, o ser humano é um animal mamífero e racional, por que é que ia ser diferente? – questionou ele

- Ora! Por quê, por quê? Hoje você está cheio dos por quês e, isso já está me enchendo, sabia?

- Isso é porque você é b....! – ele se conteve sabendo que se completasse a frase teríamos outra daquelas brigas que nos deixariam dias, talvez semanas sem nos falarmos. – É exatamente igual com os homens e as mulheres. O homem mete o pinto dentro da mulher, a barriga dela começa a crescer e depois de um tempo o bebê sai de dentro dela no meio das pernas. – afirmou ele com uma certeza desconcertante. Eu o ouvia perplexo, nunca tinha ouvido algo semelhante e, de repente, eu tinha uma dezena de perguntas para fazer, até minha curiosidade estar saciada.

- E como você sabe disso? Quem foi que te ensinou isso tudo? – indaguei

- Eu vi, ninguém me ensinou, eu aprendi sozinho! – respondeu. Aí foi a minha vez de cair na risada.

- Você aprendeu sozinho! Conta outra, você é burro demais para aprender qualquer coisa sozinho! Até uns anos atrás eu precisei segurar na sua mão para você conseguir fazer um simples de um “D” que você confundia com o “B”. – afirmei, voltando a me sentir esperto.

- Eu vi, sim! Quer dizer, aquele negro garanhão chamado Themba foi quem me mostrou como se enfia o pinto dentro da mulher numa noite em que ele deitou com uma das escravas. E eu também vi um bebê saindo do meio das pernas de uma escrava na senzala enquanto ela gritava e era ajudada por outras e a barriga dela voltava a ficar murcha de novo. Você não sabe por que não viu, mas eu sei! – vangloriou-se

- Você está inventando tudo isso só para me impressionar! Não acredito em nenhuma palavra do que você disse! Na próxima aula eu vou perguntar para o professor Getúlio se isso é verdade, e ele vai dizer que você está mentindo. – afirmei.

- Ficou maluco? Você não pode perguntar isso para o professor, ele vai falar com o seu pai e vamos levar uma surra de cinta, os dois, seu bestalhão! – retrucou ele, apavorado com a ideia desse assunto ser propalado.

- Viu como é mentira! Eu sabia! Se fosse verdade você não ia ficar desse jeito, todo assustado e com medo de eu te desmascarar.

- Deixa de ser tonto! Não é por isso que eu estou com medo, é porque não se pode falar sobre isso com qualquer pessoa, entende? Esses são segredos de adultos, ninguém sai por aí comentando essas coisas. Acho até que é pecado! – argumentou

Naquela noite, quando me vi sozinho em meu quarto, comecei a meditar sobre aquela conversa maluca. Na minha cabeça se misturavam as afirmações do Benê e aqueles leitões saindo, um a um, de dentro daquela porca e eu fiquei imaginando um bebê inteirinho saindo de dentro de uma escrava como ele afirmara ter visto. Cheguei a sentir engulhos e tive pesadelos a madrugada toda.

Vira e mexe esse assunto voltava à baila nas nossas conversas, e o Benê parecia estar sempre um passo adiante de mim nesses conhecimentos que ninguém mais nos ensinava. Aos poucos, eu começava a gostar das informações que ele me passava, embora não pudesse comprovar a veracidade delas. Nunca antes aqueles dois anos de diferença entre as nossas idades se mostrou tão díspar. Ele já falava como um homem, tinha atitudes de um homem, seu corpo cada dia mais se parecia com o de um homem, cheio de músculos, com pelos crescendo por todo lado, com a voz dele ficando grossa e quando executava alguma tarefa que exigisse um pouco mais de esforço, ele demonstrava uma força que colocava a minha no chinelo. Quando íamos à cachoeira nas tardes quentes, eu gostava de ficar admirando o corpo nu dele enquanto nadava, e o pintão grande e grosso que pendia no meio de suas coxas musculosas me deixava fascinado. Outra coisa que estava mudando, era a maneira como ele ficava encarando meu corpo nessas ocasiões. Ele parecia ficar irrequieto, às vezes, mal encostava em mim como fazia antes, como se, ao me tocar, fosse acometido de algo que não conseguia controlar. Do nada ele ficava bravo comigo quando eu chegava muito perto dele quando estávamos nadando ou tomando sol sobre as rochas que circundavam a cachoeira.

- O que foi que eu fiz agora? – eu perguntava, diante da bronca dele.

- Você enche o meu saco, é isso! – respondia ele, sem que conseguisse atinar com o que pudesse ter feito ou dito de errado.

- Mas eu não disse nem fiz nada!

- Não importa! Você me irrita, e isso já é o suficiente!

- Você é o pior amigo que alguém podia ter! Um dia vou deixar de ser seu amigo e nunca mais vou olhar na sua cara! – ameaçava eu, triste por ele ter mudado tanto.

- Vai estar me fazendo um favor! – quando me respondeu isso pela primeira vez comecei a chorar. Ele era o único amigo que eu tinha nessa vida, não conhecia outro, não queria outro.

- Também não precisa chorar! Me desculpe, eu falei da boca para fora. Sempre vou querer ser seu amigo, sempre, viu Luiz! – asseverou, vindo me abraçar, o que ele fazia não só de uma maneira reconfortante, como de um jeito que parecia desencadear uma descarga elétrica entre nós dois.

- Você já não gosta mais de mim como antigamente! – argumentei

- Gosto sim, eu gosto de você cada dia mais, e mais forte! – aquilo era bom de ouvir, especialmente quando o corpo quente dele estava tão perto do meu.

Naquela tarde ele estava impossível, era difícil saber o que deu nele. Aliás, ele andava esquisito e agitado desde a manhã. A professora Isabel precisou chamar a atenção dele e mandá-lo ficar quieto por diversas vezes antes de perder a paciência e expulsá-lo da sala com a tarefa de lhe entregar dentro de dois dias o resumo dos discursos de Fedro e Aristófanes da obra O Banquete de Platão, caso não quisesse que ela levasse a questão de sua indisciplina ao conhecimento de minha mãe.

- Sei tudo sobre esses discursos! A senhora os terá em mãos antes do prazo, eu prometo! – disse ele com um risinho sarcástico ao deixar a sala. Minhas irmãs e eu nos entreolhamos abismados, certos de que ele estava blefando. Nos enganamos redondamente.

- Vamos para a cachoeira! – avisou ele, logo depois do almoço. Não era um convite, mas uma intimação.

- Está fazendo muito calor, não sei se estou disposto a fazer essa caminhada até lá. – devolvi.

- Tomar um pouco de sol não te fará mal algum, você mais parece um bicho de goiaba de tão branquelo! – retrucou ele.

Recusar alguma coisa para ele era uma tarefa quase impossível, e lá fui eu fazer mais uma vez a vontade dele. Cheguei à cachoeira suando em bicas, com as roupas empapadas. Livrei-me delas assim que chegamos ao poço que ficava ao pé da queda d’água e onde era possível nadar e mergulhar entre o leito rochoso do rio. Ele me seguiu e, como sempre, começamos a brincar dentro da água, um tentando afundar a cabeça do outro na água marrom-acobreada e translúcida, que permitia enxergar o cascalho no fundo. Já era praxe ele me vencer, eu sempre acabava engolindo muito mais água do que ele, embora conseguisse montar nos ombros dele com muito mais facilidade do que ele nos meus. Ele estava me agarrando mais do que o normal naquela tarde e, em dado momento, constatei que ele estava com o pinto completamente duro. Nadei imediatamente para as rochas maiores onde ficávamos a tomar sol e nos secar. Ele nadou atrás de mim e não quis me deixar sair da água, puxando-me diversas vezes de volta para dentro da água, o que fazia minha bunda deslizar diante da virilha dele e me deixava sentir aquela ereção resvalando nos meus glúteos.

- Me solta, Benê! Essa brincadeira não tem graça nenhuma! – protestei, uma vez que estava sentindo um calor estranho se espalhando pelo corpo mesmo dentro da água fria. Ele me soltou e eu me debrucei pelado sobre a pedra quente.

- Você é tão lindo, Luiz! Seu corpo é perfeito! Sua pele é tão branquinha e macia, gostosa de se tocar. – disse ele, postado dentro da água rente à pedra que eu havia escalado.

- Você não disse há pouco que eu parecia um bicho de goiaba? E, que conversa boba é essa agora de pele branquinha e corpo lindo? – questionei

- É que eu acho essa tua pele branquinha muito linda e as curvas do teu corpo também! E gosto especialmente da sua bunda, toda rechonchuda e firme. – confessou, enquanto uma de suas mãos se agitava debaixo da água sem que eu de início percebesse o que estava fazendo.

Ao me inclinar um pouco para a frente, a água translúcida me permitiu ver que ele se masturbava com a mão fechada ao redor daquele caralhão encorpado.

- O que está fazendo, seu pervertido? – perguntei, embora soubesse o que o tinha motivado a se masturbar.

- Batendo uma punheta para ver se consigo me aliviar! É você quem me deixa nesse estado! Já bati muita punheta pensando na sua bunda gostosa. – confessou descarado.

- Não tenho nada a ver com as tuas safadezas, me deixa fora disso!

- Tem sim! Estou louco de vontade de enfiar meu pau na sua bunda, quero meter em você! – disse sem medir as palavras.

- Eu não sou mulher para você enfiar o pinto em mim!

- E daí, que você não é mulher? Quero enfiar mesmo assim! – afirmou, saindo da água e vindo para cima de mim.

Quando vi aquele corpão másculo e aquele caralhão duro molhados e reluzindo com o sol incidindo sobre ele, não consegui me mexer e deixei-o agarrar e apertar minhas nádegas e ir se deitando lentamente sobre mim. A respiração dele mais parecia o bufar de um touro, e se fazia sentir roçando meu cangote, enquanto ele encaixava sua virilha nas curvas da minha bunda. Fiquei excitado, conseguia sentir o cacetão dele latejando no meu reguinho, e comecei a rememorar aquelas cenas que ele havia me descrito do negro garanhão engravidando a escrava na senzala.

- Por que está fazendo isso comigo? Eu não vou engravidar, de que adianta você enfiar o pinto em mim? – questionei.

- Por que eu quero você! Não vou te foder para te engravidar, só para sentir como você é gostoso! – respondeu

- Acho que isso é pecado! Estava num livro que eu li, também está na bíblia, chama-se sodomia e é imoral segundo as leis cristãs. – argumentei.

- Agora que estou sentindo a maciez e o perfume da sua pele e você todinho nu debaixo de mim eu lá quero saber o que sodo, como é mesmo? Eu que não estou nem aí se é imoral ou não, eu só sei que estou sentindo tanto tesão como nunca senti antes. Eu quero que as leis cristãs se fodam, eu quero entrar na sua bunda! – grunhia ele, selvagem e me envolvendo todo em seus braços musculosos e suas coxas cobertas de pequenos caracóis de pelos.

- Também estou sentindo umas coisas estranhas que nunca senti antes, meu corpo todo está tremendo! – revelei.

- Isso é o tesão! Deixa eu enfiar o pinto no seu cuzinho! – eu nem conseguia imaginar uma coisa dessas acontecendo, tudo aquilo parecia um devaneio onírico. Mas, eu estava muito a fim de sentir o Benê entrando em mim com aquele pintão, que era a coisa mais linda que eu já tinha visto.

- Você nem sabe como se faz isso, seu bestalhão! Então me solta, chega dessa sacanagem! Você devia pedir ao padre Júlio para te benzer, é o capeta que está dentro de você que está fazendo tudo isso. – argumentei

- O capeta o cacete! Eu quero essa sua bundinha, quero meter nela até gozar! – grunhiu ele, me deixando ensandecido de tanto desejo daquilo se consumar.

Ele se agitava sobre as minhas nádegas, segurava o cacetão numa das mãos e o pincelava ao longo do meu reguinho estreito, meio perdido sem encontrar a portinha do meu cuzinho de tão alvoroçado e por desconhecer por completo a anatomia do que uma bunda camuflava em sua fenda apertada. Que nalgum lugar por ali havia um buraco ele sabia, só não sabia como localizá-lo e, o que fazer com seu pinto que já lhe doía de tão duro, quando o encontrasse. Ele espetava impaciente a cabeçorra do cacetão ao longo do rego tentando entrar no meu cu, as tentativas resultavam infrutíferas. De repente, meu grito ecoou dentre o paredão de rochas de onde a água do rio despencava alguns metros acima, o pinto dele tinha afundado em algo macio e quente, só podia ser o meu cuzinho.

- Meti! – berrou ele, de satisfação, sentindo-se o maioral. – Eu meti, entrei no seu cu! – exclamou em júbilo como uma criança que encontra o caminho de casa.

- Ai, Benê! Eu sei, seu bestalhão! Isso dói muito! Você está me machucando! – retorqui ganindo, feito uma cadela que acaba de ser enrabada.

- Então para de se agitar! Eu não quero te machucar, não vou te machucar, prometo! – ele nem sabia se seria capaz de cumprir o que estava a prometer, mas precisava que eu não lhe escapasse das mãos, não agora que seu pinto estava sentindo a coisa mais maravilhosa com a qual ele jamais havia sonhado.

Percebi que era melhor mesmo eu parar de rebolar e ficar estático, isso aliviava um pouco a dor que tomava conta do meu cu e se entranhava fundo dentro de mim. Ele foi forçando aos poucos, eram curtos impulsos vigorosos que iam fazendo o cacetão dele deslizar para dentro do meu corpo. A sensação era quase divina. Dava para sentir toda a energia do Benê concentrada naquela verga grossa de carne pulsátil que ia me preenchendo todo por dentro, eu só precisava ganir para deixar toda aquela tensão escapulir junto com os ganidos que se tornavam mais agudos quando a pungência da dor se acentuava. Ele arfava na minha nuca, beijava e lambia minha pele, sussurrava algo ininteligível, mas que parecia ser a composição mais melodiosa que eu já tinha ouvido, e que me fazia querer estar ali com ele mais do que em qualquer outro lugar desse mundo. O Benê movia sua pelve, como tinha visto o negro garanhão fazendo, e socava seu caralhão num vaivém cadenciado no meu cuzinho quente e úmido, que o apertava prazerosamente.

- Ah Luiz como você é gostoso! Caralho como você é gostoso, moleque! Eu nunca senti nada igual! – rosnava ele, metendo sem parar

- Está doendo, Benê! Você é muito grande, seu pau é muito grande! – devolvi, tentando aguentar firme aquelas investidas desenfreadas que pareciam estar rasgando a minha carne no lugar mais íntimo e sensível que eu tinha.

Eu só fui perceber que meu pau estava muito duro e com a cabeça toda exposta quando a senti resvalando na pedra áspera sobre a qual estava deitado levando pica no cu. Enquanto meu corpo era perpassado por espasmos incontroláveis, eu gozei, estimulado pelo cacetão do Benê que estava tão profundamente entranhado em mim que socava a minha próstata fazendo-a doer. A porra densa e esbranquiçada que escorreu sobre a superfície quente da pedra logo secou. Enquanto isso o Benê continuava engatado no meu cuzinho, movendo o cacetão naquele entra e saí até que o ouvi soltando um urro gutural e comecei a sentir o corpo todo dele estremecer e o pintão estufar nas minhas entranhas, seguido de jatos abundantes de esperma encharcando meu cuzinho. Ele soltou todo o peso de seu corpão suado sobre mim quando terminou, ainda arfava feito um touro, liberando o ar de seus pulmões ruidosamente. O caralhão dele ia amolecendo aos poucos dentro do meu cu, mas ainda latejava. Meu ânus estava dolorido, e minha pelve estava tensa e contraída. Eu tentava entender o que fora tudo aquilo, por que tinha sido tão maravilhoso e mesmo assim tinha doído tanto.

- Eu não te disse que eu sabia como fazer? – perguntou ele, quando recuperou o fôlego. Ali eu soube que eu não era o único a ter vivenciado essa experiência pela primeira vez, o Benê era tão virgem naquilo tudo quanto eu.

- Sabia uma ova! Você nunca tinha feito isso antes, nem adianta mentir, que eu sei! – respondi para não deixá-lo pensando que era muito do esperto. – Mas foi muito gostoso! Eu queria que você ficasse assim, dentro de mim, para sempre! – elogiei, o que o fez abrir um lindo sorriso.

- Você achou? Isso quer dizer que também gostou? Que vamos fazer mais vezes? – indagava empolgado.

- Bem, primeiro é melhor você tirar essa coisa enorme de dentro de mim, pois não sei se você reparou, mas o sol já está se pondo e vamos levar aquela bronca se chegarmos tarde em casa! – exclamei.

- Eu nunca queria sair de dentro do seu cuzinho! Você tem um cuzinho tão gostoso, Luiz! Promete para mim que vamos fazer isso de novo, promete! – sussurrou ele, puxando lentamente o cacetão à meia bomba para fora do meu cu arregaçado e sangrando.

- Eu não disse que você estava me machucando! Está vendo o que você fez, eu estou sangrando, seu brutão! O que eu vou fazer agora? – indaguei, apavorado com aquelas gotas de sangue pingando do meu cu sobre a pedra.

- Não precisa ficar com medo, eu estou aqui, vou cuidar de você, eu juro! – disse ele, comprimindo a própria camisa entre as minhas coxas até o sangramento parar e deixar uma mancha rubra na camisa que ele acabou amarrando ao redor da cintura quando tomamos o caminho de volta para casa.

Eu mal conseguia andar, tinha a sensação de terem cavado um túnel nas minhas entranhas e uma dor esparsa comprimia minha pelve, juntamente com uma ardência no cuzinho esfolado. Por vezes ele pegava na minha mão e a apertava entre a dele sorrindo para mim com a felicidade a transbordar por todos os poros. Eu sentia o mesmo, não cabia em mim de tanta felicidade.

Os passeios até a cachoeira se tornaram uma constante. Uma vez lá chegados, longe das vistas de qualquer um, já que ela se localizava numa parte da fazenda onde nenhuma das atividades produtivas acontecia, tínhamos apenas o rio pedregoso, o rumorejar da água fluindo célere entre as rochas e o céu por testemunha dos coitos afogueados que perpetrávamos numa cumplicidade sem tamanho. Explorávamos encantados a nudez de nossos corpos, e deixávamos que se entendessem através da linguagem dos amantes. Lá pela quarta ou quinta vez que para lá rumamos com o desejo a nos guiar, precisei intervir na maneira como o Benê me possuía.

- Vai com calma, seu tarado! Eu mal me despi e você já está montando em cima de mim como se eu fosse uma égua no cio pronta para ser coberta. Isso certamente não funciona assim. Quem te ensinou a trepar não fez a coisa direito. – afirmei

- E é você que nunca meteu seu pintinho em buraco algum, que sabe como se trepa! Eu sei muito bem como é que a coisa funciona! Você deita, abre as pernas e eu meto meu cacete no seu cuzinho, fodo até gozar e pronto, a coisa está feita e, diga-se de passagem, muito bem feita, pois eu vejo seus olhinhos revirando de tanto que você gosta. – retrucou, se vangloriando.

- Um touro, um garanhão e um cachaço fazem a mesma coisa e nem por isso as vacas, éguas e porcas reviram os olhos, elas só esperam eles terminarem o serviço para o qual são destinados. – devolvi

- Você está me comparando a um animal? Se tem um animal nessa história é você, que é veado! Homem que dá o cu para outro homem é veado, portanto, você é o bicho aqui. – sentenciou, por ter sua performance criticada.

- E você é um selvagem! Toda vez que fazemos sexo eu fico machucado, e eu tenho certeza que a coisa não funciona dessa maneira, caso contrário, ninguém ia ter intercursos.

- Você é muito fresco! Até parece que é feito de açúcar, basta encostar para se desmanchar! – exclamou, pois minha crítica estava atrasando o coito e ele já estava com o cacetão duro há um bom tempo e começando a doer. – Você vai se decidir ou não, resolve de uma vez que meu pau está doendo! – intimou

- É bom para você saber! Seu pau pode estar doendo um pouco agora, mas do jeito que você trepa comigo eu fico com o cuzinho doendo por dois ou três dias e não fico reclamando. Quem é o fresco agora?

- Você está impossível hoje! Tirou o dia para me criticar, e eu já estou ficando zangado com você. – advertiu.

- Deita aí, hoje sou eu quem vai começar e você só vai meter em mim quando eu disser que pode, entendeu? – ele relutou, mas o tesão clamando pelo meu cuzinho o sujeitaria a qualquer sacrifício.

Eu nunca tinha estado no comando da situação, era um principiante no assunto; porém, instintivamente, sabia que deveria estimulá-lo com meu tesão, minhas carícias e lhe mostrar o quanto o queria dentro de mim. Foi a primeira vez que nos beijamos. Me aproximei devagar da boca dele, que ainda resmungava por aquilo não estar acontecendo como das outras vezes, e suavemente encostei meus lábios nela. Só vi os olhos dele se arregalando; repentinamente, ele estava em êxtase. Consumei o beijo sem pressa, com toques delicados, lambidas sutis nos lábios entreabertos dele que, de quando em quando, eu apreendia entre os dentes e tracionava carinhosamente. As pontas dos meus dedos deslizavam pelo rosto dele, arrepiando sua nuca e todos os pelos de seu corpo, como dava para notar quando eu os tocava de leve.

- Eu não imaginava que suas mãos fossem tão macias! Caralho, Luiz, o que você está fazendo? – indagou, com o tesão a lhe efervescer o sangue nas veias.

- Estou te beijando, ora! Não está gostando?

- Estou, estou! Nem pense em parar! – balbuciou excitado

- Quem disse que eu pretendo parar?

- Eu quero você!

- Você vai me ter, seja paciente!

- Você está me pondo doido! – confessou, agarrando-me com força pela nuca e enfiando sua língua na minha boca, enquanto suas mãos deslizavam pelas minhas costas em direção à bunda.

Nunca tinha me sentido tão empoderado. Era eu quem controlava a situação, que controlava o desejo e o instintos daquele macho rendido aos meus afagos. Acariciei e beijei seus ombros vigorosos, fui depositando beijos aleatórios sobre o tronco dele, entre os mamilos, onde pelos encaracolados deixavam aquela solidez mais máscula e sedutora. Ele enfiou os dedos na minha cabeleira, enquanto sua respiração se tornava lenta e profunda. Fui descendo em direção ao abdômen trincado dele, beijando e lambendo a pele que se arrepiava toda ao meu toque. Quando ultrapassei o umbigo e continuava determinado rumo à virilha, ele soltou os primeiros gemidos.

- Ah, Luiz! Você vai me matar, Luiz! – grunhiu, se contorcendo por notar que minha boca quente e úmida começava a se aproximar perigosamente de seu falo em riste.

- Não vou não! Eu quero você bem vivo! – respondi, enquanto mordiscava a região pubiana e começava a sentir os primeiros eflúvios do pré-gozo que minava do cacetão dele.

Enfiei os dedos nos pentelhos grossos e densos dele, e ouvi um suspiro mais parecido com um gemido saindo de sua boca. Ele se contorceu, irrequieto, excitado. A curiosidade me levou a colocar aquela cabeçorra do pau dele na boca, eu precisava saber que gosto tinha, qual sua consistência, que sabor tinha aquele fluido translúcido e perfumado que saía dela em tamanha profusão. Cerrei delicadamente os lábios ao redor dela e sorvi o sumo almiscarado e delicioso.

- Ai, Luiz, cacete! Como espera que sobreviva a isso? – ronronou ele.

Chupei a glande saliente e sensível, degustando aquele néctar, antes de direcionar minhas lambidas e minhas chupadas pelo restante do caralhão, que eu mal conseguia mover de tão duro; reto, incrivelmente grosso, de cor achocolatada e um anel rosado o contornando e, que ficou exposto quando o prepúcio se retraiu todo. Fechei minha mão ao redor daquele mastro, sem conseguir envolvê-lo todo, de tão calibroso. Ele pulsava na palma da minha mão feito um bichinho assustado. Voltei a enfiá-lo na boca e chupei cada centímetro dele com uma devoção que nem aos anjos eu dedicara. O Benê, tomado de espasmos, se contorcia e grunhia, pronunciando meu nome cada vez mais incisivamente. Minha mão espalmada sobre o púbis e a outra que afagava carinhosamente o sacão cavalar dele começaram a sentir as contrações impostas pela musculatura pélvica dele. Meu instinto me dizia que algo estava para acontecer e eu só descobriria o quê, se continuasse me empenhando naqueles afagos e naquelas chupadas. Subitamente, ele urrou, ergueu as ancas o que introduziu o caralhão fundo na minha garganta e ejaculou. O creme espesso de sabor nucífero foi enchendo minha boca e eu o engolia na mesma rapidez e satisfação com que era ejaculado. Só me dei por saciado quando terminei de lamber a última gota que aflorou no orifício uretral dele. Eu estava nas nuvens, ele estava em êxtase, aquelas eram sensações novas, jamais sonhadas por nenhum dos dois.

- Você é tão saboroso, Benê! – exclamei enlevado.

- Você engoliu meu gozo! Engoliu toda a minha porra, Luiz! Eu não acredito que você fez isso! Nem encontro palavras para dizer o quanto eu gostei e o quanto você me deixou feliz! – afirmou ele, me puxando para junto de seu tórax e voltando a me beijar, agora que descobriu o quão saborosa era a minha boca.

O caralhão dele nem chegou a arrefecer por inteiro, só de sentir meu corpo tremendo em seus braços uma nova onda de tesão se apossou dele. Lentamente, ele foi me inclinando de lado, e eu abri um pouco as pernas fletindo um dos joelhos. Lá estava o que ele tanto queria, a bundona carnuda, branca e lisinha com aquele rego fechado e profundo; desde que a viu pela primeira vez, quando entrou na puberdade, ele havia ficado fascinado por ela, por aquela abundância de carne, por aquelas curvas generosas que terminavam numa dobra sensual junto as coxas. Ele nem saberia explicar ao certo o que tanto o atraía na minha bunda, sua única certeza era a de que aqueles novos desejos que os hormônios haviam incutido em seu corpo, especialmente naquilo que tinha entre as pernas e que recentemente havia passado por transformação impressionante, o faziam querer se apossar dela, se fincar dentro dela o mais profundamente possível e descobrir que segredos ela guardava. Com as duas mãos ele apartou as nádegas, sem antes deixar de amassá-las com força até me ouvir gemer, o que expôs a fendinha plissada ainda ligeiramente inchada e arroxeada devido a última incursão de seu falo grosso que a deixou levemente ferida. Eu ter acabado de usar a boca para atiçar o tesão dele o inspirou a se valer do mesmo artifício e, sem perda de tempo, pois a urgência clamava em cada um de seus músculos, ele a levou até a fendinha e a lambeu vorazmente. Fui tomado de um frenesi incontrolável, jamais havia imaginado que meu cuzinho fosse tão sensível ao toque úmido e devasso de uma língua intrépida, e isso me fez empinar a bunda franqueando meu orifício anal vulnerável à tara dele. Ele se encaixou sobre as minhas nádegas comprimindo o caralhão entre as bandas e fazendo-o deslizar provocador e obstinado sobre a fendinha plissada. A cada toque da cabeçorra nela eu soltava um gemido e rebolava mostrando que eu estava pronto para recebê-la. Agarrado ao meu tórax, o Benê sussurrava junto ao meu ouvido que eu o estava deixando maluco, que ele me queria, que ia me empalar até me deixar completamente arregaçado.

- Então me fode, Benê! Me fode o cuzinho, pois ele é todo seu! Eu sou todo seu! – instiguei.

No mesmo instante ele entrou em mim com uma estocada bruta que fez deslizar metade do cacetão para dentro do meu cu e me obrigou a ganir alto como das outras vezes, ao estourar as minhas preguinhas anais. Sentindo meus esfíncteres apertarem seu pênis, ele começou a chupar avidamente a minha nuca, a murmurar que era meu macho, a confessar que me amava e que nunca o deixaria de fazer até o último de seus dias. Entreguei-me por inteiro, empinando meu rabão carnudo contra a virilha dele e permitindo que aquela jeba indômita devassasse minhas entranhas. Me esporrei todo tão logo dei a primeira empinada, da qual ele se valeu para atolar o cacetão até o talo me preenchendo todo. Depois, gemendo e ganindo, com o vaivém com o qual ele me estocava servi-o passivo e submisso até lhe sobrevir o gozo, despejando fartos jatos de sêmen no meu cuzinho até ele vazar de tão encharcado, consumando aquele que foi o coito mais emblemático que perpetramos, pois foi o primeiro coito que não se assemelhou ao de uma cruza animal, foi um coito regido pelo amor que estava a nos unir.

- Essa foi a melhor trepada que já tivemos! – disse ele, enquanto sacava vagarosamente o caralhão ainda gotejando porra para fora do meu cuzinho.

- Isso porque não foi só uma trepada, nós fizemos amor e isso é muito diferente do que apenas trepar. Eu não te disse que o jeito que você estava fazendo não era o certo, que o que fazíamos era igual a monta animal entre macho e fêmea, não tinha nada de sentimento e romantismo? – questionei.

- Eu estava fazendo tudo certo! É que desse jeito é bem mais gostoso! – retrucou, sem dar o braço a torcer.

- Uma vez que você é o sabichão, por que não fez assim antes? – indaguei

- Ora, por que eu não quis!

- Não! É porque você não sabia como se faz! Admita! – admoestei. Ele ficou resmungando dizendo que eu só tinha deixado de ser virgem graças a ele e à sua capacidade de fazer sexo. Não valia a pena entrar numa discussão com ele porquanto acreditasse que seu desempenho de macho era impecável.

Nosso envolvimento ascendeu a outro patamar depois que começamos a fazer amor com frequência, se já éramos unidos antes, agora o que nos unia deixou de ser uma amizade para se tornar uma paixão. Criaturas apaixonadas se deixam levar pelo calor do desejo, se tornam relapsas quanto aos cuidados em manter os sentimentos em segredo, especialmente aqueles que estávamos vivendo e que eram condenados pela sociedade e tidos como pecado pela igreja. Foi movido por esses desejos impuros, porém prazerosos, que o Benê começou a escalar a janela do meu quarto e a compartilhar da minha cama, cobrando meus serviços sexuais em madrugadas regidas pelo sexo excitante e desenfreado que só terminava com o alvorecer. Também ficamos menos precavidos durante nossas idas até a cachoeira, que se tornaram tão reiteradas que passaram a atrair a atenção dos serviçais da casa e até dos feitores que algumas vezes encontrávamos pelo caminho e ficavam a questionar que tanto dois rapazes poderiam estar fazendo sozinhos naquele lugar ermo. E, rumores começaram a se espalhar sem nosso conhecimento.

Também foi por essa época que o Benê resolveu se encher de ciúmes por mim, desconfiando, sem motivos, de que eu nutria algum tipo de sentimento pelo irmão do namorado da minha irmã mais velha. Com o consentimento do meu pai, uma vez que estava em idade casadoira, o primogênito do Capitão Eusébio Dantas, outro rico fazendeiro da região, começou a frequentar nossa casa, passando muitas vezes tardes inteiras que chegavam a adentrar a noite fazendo a corte à minha irmã. Não raro, ele vinha acompanhado do irmão, um rapagão parrudo e bem-apessoado chamado Tiago que eu a princípio achei que o acompanhava com o intuito de se aproximar da minha irmã mais nova. Porém, logo descobri que ele vinha para desfrutar da minha companhia. Eu demorei a notar que ele tinha o mesmo brilho de cobiça no olhar que levava o Benê a perseguir meu cuzinho como um garanhão persegue uma égua no cio. E, quando o percebi, não consegui deixar de sentir um certo prazer nisso, um afogueamento que se espalhava pelo meu corpo toda vez que ele me tocava com gestos que eram para ter um tom de casualidade, mas que ele fazia intencionalmente. A maneira com a qual ele olhava para a minha bunda também não deixava dúvidas de quais eram os seus interesses durante essas visitas. Eu gostava dele, admito. Era um rapagão bonito, dotado de um corpão vigoroso, de uma sagacidade e alegria contagiantes, de um conhecimento invejável que nos levava a ter conversas muito instrutivas e completamente diversas das que eu tinha com o Benê. Cheguei mesmo a convidá-lo para umas cavalgadas pela fazenda levando-o até a cachoeira, só para poder desfrutar da sensualidade de sua nudez viril. Em nenhuma dessas ocasiões dei ciência do nosso destino ao Benê, e ele ficava caminhando em círculos pela cozinha e arredores infernizando a todos para saber do meu paradeiro. Quando eu regressava e após as visitas terem partido, ele vinha ter comigo, cheio de exigências e cobrando explicações.

- Você está muito diferente depois que esse sujeitinho começou a aparecer aqui na fazenda! Também reparei que foi exatamente depois que ele e o irmão começaram a frequentar a casa-grande que você começou a questionar a maneira como fazíamos sexo. Me responda, foi ele quem te ensinou essas coisas? Nesses seus sumiços durante horas, sem que ninguém saiba por onde anda, você e esse almofadinha estão trepando? É lá na cachoeira, não é? Diga a verdade, Luiz! Confessa que está dando o cu para esse sujeitinho! – exigiu, me agarrando pelos braços e me sacudindo com violência.

- Pare de delirar! Que absurdos está dizendo! Somos tão somente amigos, nada mais! – respondi, assustado com a maneira como ele estava furioso.

- Você está mentindo! Confesse que está apaixonado por ele. Confesse que está deixando ele te enrabar! – impôs, apertando minhas costas contra a parede. – Eu sou seu macho! Eu sou seu dono! Se vocês estiverem trepando eu mato os dois, está me entendendo, Luiz?

- Me solta agora, Benê! – gritei exasperado, enquanto me desvencilhava de suas mãos abrutalhadas. – Eu sou seu dono, não o contrário! Bem, tecnicamente, seu dono é o meu pai, mas isso tanto faz, uma vez que sou filho dele e as posses dele também são minhas. Portanto, você me pertence, e não o contrário, enfia isso na nessa tua cabeça oca! – continuei, me sentindo ultrajado com a cobrança injustificada dele.

- Você não pode fazer isso comigo, conosco! Eu sou seu macho, isso você não pode negar! – exclamou imperativo.

- Não estou negando nada! Eu sinto prazer na companhia dele, e é só isso, nada mais! Gosto de conversar com ele, aprendo coisas novas a cada encontro e fico feliz por ter, enfim, mais um amigo nesse fim de mundo. – esclareci

- Eu sabia, eu sabia, é ele quem está te ensinando novas maneiras de fazer sexo! – afirmou convicto.

- Deixa de falar besteira! Será que você só consegue pensar em sexo? Para seu governo, nunca tocamos no assunto sexo em nossas conversas, seu ridículo! – retruquei

- Eu vi como ele olha para você, como fica tarado pela sua bunda! Ele quer te foder, se é que já não anda te fodendo. – revidou ele enciumado.

- Até hoje só você me fode, mas se continuar agindo assim, eu vou repensar a nossa situação. Talvez seja melhor eu me apaixonar por um cara mais compreensivo e menos ciumento. – declarei

- Não! Nunca mais repita que vai se apaixonar por outro! Eu te amo, Luiz! Ninguém nunca vai te amar tanto quanto eu te amo, ninguém! Diz que sou seu macho, quis que me ama, só a mim, mais ninguém, diz! – implorou, cobrindo meu rosto com seus beijos arrependidos.

Toda essa situação, esse entrosamento excessivo, essa obstinação de um pelo outro, não estavam passando incólumes pelas vistas de todos, e especulações começavam a ser conjecturadas.

- Está havendo algum problema entre você e o Dito? – perguntou-me minha mãe numa ocasião em que notou um clima estranho entre nós dois.

- Problema? Que problema poderia haver entre o Benê e eu, mãe? Às vezes ele é um saco, só isso, e eu fico sem paciência. – respondi

- Bem, é que vocês sempre foram tão amigos. Achei que talvez tivessem brigado.

- Nós brigamos o tempo todo, desde crianças, você bem sabe!

- É, isso é verdade! De qualquer forma, precisam aprender a lidar com as diferenças que existem entre vocês. – sentenciou ela.

Meu pai também não demorou a me questionar sobre aquela amizade da qual ele não gostava nem um pouco. Consegui contornar a situação, mas sabia que tinha ficado algo suspenso no ar, e que meu pai não se daria por satisfeito enquanto não descobrisse do que se tratava. O perigo estava cada vez mais próximo, nos rondando como uma nuvem de tempestade.

A consequência desses rumores, cada vez mais recheados de detalhes sem nenhuma veracidade comprovável, foram a razão de eu ter sido bruscamente afastado de casa e da família aos quinze, em plenos meados da adolescência. Houve quem chegasse a garantir sob juramento divino que tinha me visto engatado pelo cu ao Benê entre as palhas do curral, outros afirmavam terem me visto nu em pelo saciando o tesão do irmão do namorado da minha irmã sob as águas da cachoeira; outros ainda, propalavam que o Benê se escafedia pelas janelas do meu quarto tão logo os primeiros raios de sol emergiam no horizonte. Afora os coitos com o Benê que, diga-se de passagem, jamais foram presenciados por alguém, o restante não passava de invenções criadas ao redor da minha pessoa.

O afastamento se deu de forma sutil, sem aviso prévio, talvez para que eu não o questionasse ou me recusasse a aceitá-lo. Questões financeiras privadas e outras de ordem política haviam levado meu pai e alguns correligionários ligados diretamente à Corte a empreender uma viagem a Portugal. O convite partiu do meu próprio pai, sob a alegação de eu estar me tornando adulto dentro em breve e começar a participar de assuntos que futuramente precisaria dominar para continuar seu legado. Inocente, vi naquilo uma oportunidade de conhecer novos lugares, uma vez que passara quase a vida toda na Monjolo, e tendo ido apenas algumas vezes até a capital da província onde também tínhamos um casarão no bairro recém implantado dos Campos Elísios, e servia de pouso quando meus pais se dirigiam à capital para tratar de negócios. Assim, apenas três meses após o meu aniversário, pisei pela primeira vez num navio a vapor, o Magdalena, numa chuvosa tarde de outono, no cais do Porto de Santos. Eu estava tão empolgado com aquela viagem, a suntuosidade do navio, e a expectativa de cruzar o Atlântico que em nenhum momento desconfiei da armadilha na qual tinha caído.

As primeiras semanas em Lisboa mais pareciam férias. Entre os intervalos de seus compromissos, meu pai me levava às compras, a apresentações teatrais, a concertos, a um mundo que eu só conhecia através de relatos, magazines e livros. Contudo, essa fase durou pouco. No comboio no qual embarcamos numa manhã na Estação Santa Apolónia rumo a Coimbra, eu já decifrava, no cenho franzido do meu pai, que aquela não seria uma viagem turística. E, não foi. Chegados à cidade, ele me informou que completaria meus estudos ali, enumerando todas as vantagens de me formar bacharel em direito numa das mais conceituadas instituições de ensino do mundo. Eu nem prestava atenção às palavras dele, só chorava copiosamente, com a imensa saudade de casa que se instalou naquele momento em meu peito. Compreendi que aquela atitude dele nada tinha a ver com minha formação acadêmica e pessoal, tratava-se simplesmente de me afastar definitivamente daquele negrinho que estava exercendo muita influência sobre mim e que, provavelmente, estava me transformando num pederasta me sodomizando com seus instintos selvagens e primais. Ali mesmo, diante do reitor que nos recebera em seu gabinete para oficializar meu ingresso, eu caí de joelhos diante do meu pai implorando para que não me deixasse ali, que me levasse de volta para a nossa casa, jurando fazer dali em diante tudo o que ele me ordenasse. Minhas súplicas não encontraram eco no coração daquele homem, e fui deixado ali, num apartamento no terceiro piso de um casarão da Rua do Corvo, donde só sairia ao completar meus estudos. Sofri inconformado por ter sido enganado, sofri pela ausência das pessoas que amava, sofri pela falta que o corpo sólido do Benê me fazia nas noites insones e pelo néctar viril e quente que ele deixava nas minhas entranhas como se ainda estivesse a preenchê-las com seu caralhão insaciável.

Demorei quase um ano para me acostumar àquela vida solitária que, basicamente, se resumia às dependências da universidade e ao apartamento frio e impessoal onde passava horas recordando dos momentos felizes passados nas tardes quentes nas águas da cachoeira, unindo meu corpo ao do Benê. No segundo ano, conheci o José Augusto, filho de um comerciante em Albufeira no sul do país. O que tinha de atirado lhe faltava em disciplina para encarar os estudos. Foi a necessidade de aumentar suas notas baixas que nos aproximou, primeiro nas salas de aula e biblioteca; depois, na minha cama satisfazendo as necessidades que seu pinto, cabeçudo e grosso, lhe impunham, e que eu gostava de temperar com minhas carícias sensuais e meu cuzinho receptivo. Com isso, a solidão se foi e, aquela amizade com benefícios preencheu um pouco do vazio do meu coração. Não era paixão, não era amor, era mesmo apenas uma amizade que preenchia as carências de ambos, e que nos permitia levar uma vida mais leve e descontraída. Passávamos nossas férias de verão no Algarve, tomando sol, vagando em tranquilas caminhadas pelas praias ao entardecer e fazendo sexo no sótão da casa dos pais dele nas noites abafadas. Se eu estava feliz, não saberia dizer, mas desfrutava de uma quietude que me fazia bem.

Ao final do curso, o José Augusto voltou para Albufeira. Iria iniciar a vida profissional em Faro num escritório em sociedade com um primo que também se formara recentemente. A mãe e a tia já tinham lhe arranjado uma rapariga de boa família, com a qual pretendiam vê-lo casado dentro em breve. Porém, o José Augusto, que não tivera mais contato com o primo desde a infância, não demorou a notar que o primo, muito discretamente, lhe cobiçava o volume que tinha entre as pernas. A tal rapariga, de poucos atributos, foi preterida em favor do primo. Na última correspondência que me enviou, o José Augusto expressava toda a felicidade que encontrou entre as nádegas generosas do primo. Fiquei feliz por ele, pois amores como esse, apesar de terem de ser vividos na clandestinidade, não deixavam de ser menos valiosos que os demais.

Eu basicamente me correspondia com a minha mãe, e só esporadicamente com minha irmã mais nova. Meus relatos eram breves, pois eu tinha a impressão de que se me estendesse neles relatando minha vida, estaria dando satisfações, o que já não cabia mais àquela altura de minha formação. Foi minha mãe quem me participou do casamento da minha irmã mais velha com o filho primogênito do Capitão Eusébio Dantas realizando assim o desejo do meu pai e do Capitão. Eu jamais teria apostado uma única ficha nesse casamento, pois tinha dúvidas quanto ao caráter daquele sujeito. Ele me parecia apenas mais um daqueles homens que exerceria aquele coronelismo praticado no Brasil e que dividia sociedade na casta dos ricos e poderosos que continuaria a praticar, a qualquer custo, a escravidão para manter seu poder e seus domínios.

As cartas da minha mãe eram longas, cinco ou seis páginas, e davam conta de detalhes até supérfluos da vida das pessoas na Monjolo. Contudo, elas nunca contiveram uma linha sequer sobre o Benê, o nome dele jamais fora citado, e eu também nunca me atrevi a perguntar dele, uma vez que isso só corroboraria as suspeitas que pairavam sobre nós. Em contraponto às da minha mãe, as minhas cartas eram curtas e na última que enviei expus minha vontade de terminar aquele semestre em Lisboa antes de regressar ao Brasil. Seriam apenas alguns meses na cidade para vivenciá-la mais de perto.

Uma correspondência chegou as minhas mãos tão logo me instalei em Lisboa. Dessa vez ela não fora redigida pela minha mãe, mas por meu pai, o que era raro para um homem que achava a troca de correspondências, que não fossem de interesse financeiro ou político, uma grande bobagem praticada por mulheres ociosas. Ele mal conseguiu preencher uma página, mas o teor das linhas não podia ser mais direto. As frases davam a impressão de serem uma sugestão, mas eu sabia muito bem que meu pai não era pessoa de dar sugestões e, sim, ordens. E a ordem foi que eu fosse a Paris onde se concentravam os interesses mundiais, onde surgiam as ideias revolucionárias, onde, enfim, o mundo daquela época acontecia em sua plenitude. A princípio, me revoltei; essa proposta visava tão somente me manter longe do Brasil e do Benê, nada além disso. No entanto, repensando a ordem com menos emoção e mais racionalidade, achei que isso ampliaria minha visão de mundo e, terminado o semestre, segui rumo à França.

Num edifício de esquina da Rue Guisarde, no 6º Arrondisement, encontrei o que precisava, um apartamento ensolarado no quarto andar que aluguei de uma viúva septuagenária que morava no apartamento fronteiriço. Sem um objetivo especifico em mente, me pus a conhecer a cidade e suas particularidades. Numa dessas incursões, caminhando à margem do Sena, conheci acidentalmente o Rémi LeDoyen. Digo acidentalmente porque ele, literalmente, me atropelou com sua bicicleta enquanto acenava para um conhecido na outra margem do rio. Saí ileso, com apenas uma contusão na coxa esquerda onde a roda da bicicleta me acertou antes de me derrubar, e que foi ganhando tons violáceos com o passar dos dias seguintes. Já o Rémi esfolou joelhos e o cotovelo direito que se puseram a sangrar tingindo suas roupas.

- Você não olha por onde anda? – questionou furioso enquanto se levantava e saía de cima de mim.

- Eu lhe faço a mesma pergunta! Você não enxerga o que está a sua frente? – devolvi zangado, antes mesmo de reparar naquele homem jovem e corpulento que tinha dois olhos tão azuis que chegavam a enfeitiçar.

- Se não andasse tão distraído, não teria entrado na frente da minha bicicleta! – exclamou o atrevido que, subitamente, começou a me examinar com um olhar aquilino que me fez sentir como se estivesse nu.

- Eu estava parado, seu estúpido! Foi você quem desviou o olhar para o outro lado e quase me matou! – devolvi, exagerando, enquanto dois gendarmes que tinham presenciado a cena se aproximaram para verificar se estava tudo bem.

- Não seja dramático! Fui eu quem me arrebentei todo! – retrucou ele.

- O que se passa? – perguntou um dos gendarmes que não tirava os olhos da minha bunda.

- Esse sujeito sem noção que atirou a bicicleta em cima de mim e quase me mata! – respondi, ciente de estar fazendo drama, embora o estivesse fazendo intencionalmente para chamar a atenção daquele sujeito grande e coberto de músculos com um rosto tão másculo que me causava arrepios.

- Nada disso, policial! Foi esse palerma distraído que se meteu no meu caminho e o resultado é o que o senhor está vendo, estou a me esvair em sangue. – declarou ele, o que me fez começar a rir.

- Os senhores estão com ânimos exaltados, o mais prudente é que se afastem um do outro e sigam seus caminhos. Afinal, entre mortos e feridos ambos estão perfeitamente saudáveis. – sentenciou o gendarme que não conseguia segurar o riso.

Eu bufei enfadado, o Rémi resmungou alguns palavrões e seguimos a sugestão do gendarme, continuamos nosso percurso. Ocorre que ambos iam no mesmo sentido e, poucos metros adiante, o Rémi voltou a me abordar, sem aquela presunção e braveza de antes.

- Você está bem? Me desculpe! Eu estava mesmo distraído, não vi que estava na calçada. Me chamo Rémi! – confessou, me estendendo a mão e abrindo um sorriso cauteloso.

- Estou! Apenas perdi o equilíbrio quando a roda me atingiu. Me desculpe por não ter desviado! Sou o Luiz! – devolvi amistoso, quando senti aquela mão grande e quente envolver a minha. De repente, ambos começamos a rir.

- Você podia ser ator, sua dramatização dizendo que quase o matei foi bem convincente. – disse ele

- O mesmo vale para você, afirmar que está a se esvair em sangue foi um tanto quanto exagerado, embora suas roupas manchadas causem certa impressão. – retruquei. Ele riu. – Talvez possa-se fazer alguma coisa em relação a isso; meu apartamento fica aqui perto, tenho tudo que é preciso para fazer uns curativos. Se você quiser, terei o maior prazer em estancar essas hemorragias antes que você se esvaia em sangue. – continuei, sem conseguir desviar o olhar daquele rosto másculo que me encarava cheio de interesse.

- Por acaso é estudante de medicina?

- Não! Mas acho que consigo lidar com esses ferimentos! – respondi.

- Você é sempre tão sarcástico assim com as pessoas que acaba de conhecer?

- Não! Só com aquelas que me atropelam! – ele tornou a sorrir. Depois, empurrando a bicicleta, me seguiu até o apartamento.

Foram mesmo apenas escoriações superficiais que, depois de limpas e cobertas por um curativo estavam prontas para cicatrizar. O mais difícil, embora bastante prazeroso, foi olhar para aquele tronco largo e sensual onde se destacavam dois redemoinhos de pelos quando ele tirou a camisa para que eu pudesse fazer os curativos. Assim como, deixar de sentir certo alvoroço tomar conta do meu corpo quando ele tirou a calça para que pudesse ter acesso ao joelho, fazendo surgir um volume cavalar debaixo da ceroula e aquelas pernas troncudas e peludas. Ele me observava fascinado, não pela destreza com que fazia os curativos, mas pela suavidade com a qual minha mão o tocava.

- Pronto! Em alguns dias estará novo em folha! – exclamei ao terminar os curativos.

- Assim espero! Vou precisar de todas as minhas energias para conquistar um sujeito enfezado, sarcástico, lindo e com as mãos mais delicadas e já vi. – disse ele, ajeitando o caralhão na ceroula, pois ele parecia estar começando a ganhar consistência num acesso voluntarioso.

- É por isso que não parou de examinar a minha bunda desde que chegamos ao apartamento? – perguntei direto, pois aquele jogo de gato e rato podia resultar em algo bastante promissor.

- Para dizer a verdade, estou enfeitiçado por ela desde que empreendemos a caminhada até aqui! – respondeu, tão objetivo quanto tinha sido a minha pergunta.

A tarde passou sem que o percebêssemos. Quando anoiteceu ele se ofereceu a me pagar um jantar como compensação pelo acidente, e deixamos o restaurante já bastante tarde com a promessa de nos encontrarmos no dia seguinte. A partir daí, ao mesmo tempo que nos conhecíamos, começamos a desenvolver uma amizade que também não demorou muito mais do que algumas semanas para se consolidar na cama, comigo saboreando o néctar profuso que o caralhão grosso dele despejava na minha boca e, com ele vasculhando as profundezas do meu cuzinho com sua verga colossal e tinhosa.

O Rémi cursava o primeiro semestre de engenharia e me convenceu a ingressar no curso no semestre seguinte, o que nos tornou ainda mais próximos. Sua família vivia em Angers, de onde ele era natural. Como estava morando numa república de estudantes, eu o chamei para vir morar comigo, facilitando assim nossa vida sexual que logo se mostrou pródiga e tórrida. Ele tinha os maiores e mais lindos testículos que eu já tinha visto, chupá-los e, ao mesmo tempo, massageá-los com a língua, era um dos meus passatempos preferidos, ao qual ele se entregava deleitado observando minha boca trabalhando com devoção. Novamente, meu envolvimento com o Rémi se baseava no sexo, na forte atração física que sentíamos um pelo outro, na generosidade das minhas carícias, no extraordinário desempenho sexual dele que me deixava nas nuvens toda vez que ele consumava o coito e me deixava com o rabo molhado de porra.

Encarei o curso de engenharia com afinco. Paris se mostrava uma cidade em transformação caminhando para a modernidade. A todo momento surgiam notícias e novas tecnologias que estavam mudando o mundo e o pensamento das pessoas. Vivia-se o charme dos anos da Belle Époque. Depois daqueles cinco anos e, com o término do curso de engenharia, eu me sentia outro homem, estava com 25 anos e era cobiçado por mulheres e homens. Havia perdido muitas das minhas inseguranças graças ao apoio incondicional do Rémi, enxergava o mundo que precisava se livrar de velhos conceitos e práticas para poder evoluir. Ele tinha um espírito irrequieto que encontrou na disputa pela África um objetivo de vida pessoal. Foram essas aspirações que nos afastaram, pois eu conhecia muito bem o colonialismo brasileiro e não estava nem um pouco interessado em participar de outro em território africano. Nos despedimos sem mágoas, ambos tinham usufruído daquela relação e tirado dela prazeres que deram sentido às nossas vidas. Nossa despedida definitiva aconteceu no cais do porto de Le Havre diante do navio que o levaria à Mauritânia. Ela foi mais dolorosa do que havíamos pensado. Quando me puxou contra seu tronco maciço, onde tantas vezes eu me entreguei a ele, seus olhos estavam marejados e eu chorava deixando os sentimentos extravasarem sem repressão. Eu ia sentir falta daquele homem por tudo que tivemos juntos, por tudo que significamos um para o outro.

Aos poucos, após a partida do Rémi, Paris ia perdendo o encanto. Afora dois amigos que haviam cursado a universidade comigo, e com quem eu esporadicamente dava vazão as minhas necessidades carnais, nada mais me prendia à cidade. Aquela melancolia sem explicação se resolveu no dia em cheguei conclusão de que estava com saudades de casa. Passei a imaginar como estariam as pessoas que deixei para trás, tinha sonhos eróticos com o Benê, sentia pena da minha irmã mais velha que carregava o terceiro filho no ventre com um marido ausente que tinha dilapidado todo o patrimônio que o pai lhe havia confiado para se aventurar como empresário na capital da província. Era hora de regressar ao Brasil.

Não participei a ninguém da minha decisão, simplesmente embarquei num vapor e cruzei o oceano. Fiz uma visita rápida à minha irmã antes de seguir em direção à fazenda. Abatida e desiludida com a vida que levava, parecia ter envelhecido uns trinta anos. O casamento era um fiasco, o marido um pulha beberrão que perdia nos jogos de cartas para comparsas inescrupulosos os últimos contos de réis que lhe restavam, afundando-se em dívidas. Parti antes que ela pudesse se comunicar com meus pais e avisar da minha chegada.

Assim que desci do trem na estação ferroviária, fui tomado por um nervosismo insano. Talvez tivesse tomado a decisão errada ao não informar da minha vinda, meu pai não ia entender a minha decisão e certamente não ficaria contente com a minha aparição repentina. Na estrada poeirenta e sinuosa descortinava-se uma paisagem antiga, nada por aquelas bandas havia mudado em uma década. A mesma impressão tive ao descer da charrete em frente da varanda da casa-grande. Ela continuava altiva e soberba, mas continha aquele ranço de coisa ultrapassada. As senzalas continuavam lá, cheias de criaturas que acordavam a cada dia sem nenhuma perspectiva de futuro, sem nem mesmo saber se, ao anoitecer, ainda estariam vivas.

A gritaria desenfreada das mucamas quando me viram ao pé da escadaria deu o alarme. Em minutos, a Monjolo inteira parecia estar concentrada ali ao meu redor. Minha mãe soluçava e não me soltava de seus braços, a velha Veridiana, com as costas arqueadas, tinha os olhos cheios d’água, o fedelho que tanto a atazanava tinha se transformado num homem robusto que ainda lhe sorria com a mesma ternura de quando criança. O sisudo Barão de Aguay apontou na porta de entrada, seus cabelos estavam mais grisalhos, sua expressão indiferente e autoritária não havia mudado nada. No momento ela só estava contrafeita, como eu havia imaginado. A última pessoa que ele queria ver na fazenda era seu único filho varão. Minha irmã mais nova tinha deixado de ser aquela garotinha que concordava com todos apenas para não ser criticada. No olhar dela brilhava algo que eu não consegui compreender naquele momento, mas que era a essência de sua personalidade. Ela e meu pai já não faziam mais aquela dupla pai e filha amorosos que se cultuavam mutuamente, e eu estava disposto a descobrir a razão daquilo. Quem eu mais esperava reencontrar não apareceu. Fui tomado de um frio na barriga. Que destino havia tomado o Benê? A mãe dele estava junto às mucamas e eu a abracei com força e saudades. Ela, constrangida pela demonstração de afeto, tentava se livrar do meu abraço antes que lhe viessem as lágrimas.

- O que é feito do seu filho? – sussurrei-lhe no ouvido. O olhar vigilante do meu pai sobre ela a fez se desvencilhar e retomar os afazeres, sem me dar uma resposta.

Comecei a ficar aflito. O Benê nunca foi de baixar a cabeça, teria peitado meu pai nalguma situação de enfrentamento? Se o fez não estaria vivo para me contar, e isso me fez entrar em desespero. Porém, depois de seguir para meu antigo quarto, me refazer através de um banho demorado e descansar da exaustiva viagem por algumas horas, encontrei-o no escritório do meu pai, numa escrivaninha que fora instalada ao lado da dele, debruçado sobre alguns livros de contabilidade. Não podia ser! Estariam meus olhos me enganando com uma miragem? O homem vestido com uma casaca que valorizava seus ombros largos e vigorosos, que estava a explicar algumas cifras ao meu pai, em nada lembrava o rapagão tarado que me fodia na cachoeira como se eu fosse sua cadela. Foi tão somente quando ele me encarou que eu vi que ali estava a única e grande paixão da minha vida, o homem por quem eu suspirava desde adolescente, o homem que me desvirginou e virou meu macho, o homem que ainda rapagão, eu tinha aconchegado na intimidade profunda do meu cuzinho. O sorriso doce no rosto dele não demorou a se formar.

- Olá! Como você está? – perguntei cauteloso, sob a vigilância estrita do meu pai que analisava a reação de ambos com aquele reencontro que ele jamais quis.

- Muito bem, obrigado, Luiz! E você, como passou esses anos todos? – respondeu num tom bastante formal, usando de astúcia para que seus reais sentimentos não aflorassem.

- Bem! Muito bem, também! Aprendi muito, vi muitas coisas, foi muito bom, muito proveitoso! – devolvi, incomodado com toda aquela formalidade artificial, quando meu desejo era o de me atirar em seus braços e cobrir sua boca com todos os beijos que me foram proibidos dar.

- Estamos ocupados, Luiz! Você terá muitas oportunidades para conversar com seu amigo mais tarde. Se puder nos dar licença! Creio que sua mãe está ansiosa para saber desses seus anos na Europa, faça companhia a ela. – sentenciou meu pai.

Eu não estava mais disposto a obedecê-lo, porém ali não era lugar nem hora para começar uma discussão que certamente acabaria mal. Fui ter com minha mãe e minha irmã ambas agitadas na cozinha com as mucamas no preparo de um jantar que deveria ter auras de banquete em comemoração ao meu regresso. Consegui puxar minha irmã um pouco de lado e, na privacidade da sala de jantar, extraí dela os acontecimentos que sabia ninguém mais me revelaria.

Ela estava namorando, o sujeito, Pedro Fernando Queiroz, que eu não conhecia, também era filho de um fazendeiro antigo da região de quem também não me recordava. O namoro começou por um arranjo do Barão, como não podia deixar de ser, uma vez que ele era o ditador dos destinos de todos naquela região. De início ele estava todo entusiasmado com o rapaz que tinha postura e ideias bem definidas, enquanto ela só conseguia desprezar o sujeito. Isso antes de ele começar a revelar quem era verdadeiramente, um jovem aguerrido e cheio de ideias abolicionistas a antimonárquicas, que ela passou a admirar enquanto nosso pai passava a sentir ganas de acabar com sua petulância. O amor dela por ele crescia à medida em que as diferenças entre os propósitos do nosso pai e do namorado cresciam.

Também foi ela quem começou a me dar as primeiras informações sobre o Benê, sobre aquela transformação impensável; pois, após a minha partida, ela associou aqueles boatos que cercavam nossa relação com a profunda melancolia na qual o Benê mergulhou por meses seguidos. Os rumores não eram apenas rumores, havia mesmo algo entre nós dois, concluiu ela.

- Você sabe que ele sempre foi muito bom em matemática e álgebra; o professor Getúlio sugeriu ao nosso pai que se valesse desse talento para ajudá-lo com a contabilidade da fazenda, para a qual ele não tem a menor paciência, como você bem sabe. Papai o despachou para a capital onde ele frequentou um curso e se diplomou guarda-livros. Desde então, está responsável pela escrituração mercantil e registros contábeis da Monjolo. O Benê parece gostar do que faz, tem inclusive sugerido algumas mudanças e diversificação das atividades da fazenda. A mãe é só orgulho, acho que nunca imaginou que o filho bastardo seria alguém na vida. – revelou minha irmã.

- Não o chame de bastardo! Ele tem nome, chama-se Benê, e é assim que deve ser tratado! – retruquei exasperado.

- Arre, não precisa subir nas tamancas! Foi só um modo de dizer! Além do mais, ele é Benê só para você que morre de amores do por ele, pois todos os demais o chamam de Dito. – devolveu ela.

- Pois não se refira mais a ele nesses termos! É preconceituoso e pouco educado para uma mulher que está fascinada por ideais abolicionistas e republicanos. – afirmei, o que a fez rir.

- Isso é que é paixão! – exclamou ela, com um ar triunfal.

- Não diga besteiras! Essas paredes têm ouvidos. Quer me colocar numa situação embaraçosa? – indaguei

- Sabe o que me daria um prazer incomensurável? Ver nosso pai chegar à conclusão que seu único filho varão jamais lhe dará um neto, que todos esses anos, bem debaixo do nariz autoritário dele, se criou um homem cujo maior desejo é copular com outro macho. Vai ser uma cena impagável, e eu espero vivenciá-la! – confessou.

- Mana, você deve ter herdado todas as sementes de crueldade do nosso pai! Estou amando essa minha nova irmã! – afirmei, nos abraçamos e começamos a rir.

A noite chegou, o jantar de boas-vindas havia mesmo se transformado num banquete com o Barão convidando alguns fazendeiros mais abastados da região e perdendo todo o caráter familiar que me teria deixado muito mais contente. Com certeza não fui boa companhia, pois estava impaciente por não ter tido a chance de ficar a sós com o Benê, e meu cuzinho, tomado por uma comichão, só queria a presença dele. Com a desculpa de estar cansado pela longa viagem, recolhi-me quando os convidados ainda nem pensavam em partir. Fiquei um tempo no meu quarto, janelas abertas, andando de um lado para o outro e arquitetando uma maneira de ir me encontrar com ele. Eu não podia simplesmente aparecer na ala dos serviçais da casa àquela hora, quanto mais perguntando por ele. Passava da meia-noite, a escuridão do quarto só era iluminada por uma lua em crescente, eu continuava desperto, tinha arrancado as roupas sociais e me jogado sobre a cama completamente nu, uma vez que tinha me desacostumado do calor tropical e sentia o corpo pegando fogo. Os sons da conversa alta e das risadas dos salões do térreo chegavam até mim e me deixavam ainda mais inquieto. Repentinamente, um vulto surgiu numa das janelas e se lançou para dentro do quarto. Nem a escuridão me impediu de saber que era ele.

- Benê! – exclamei em êxtase, querendo ir de encontro a ele. Mas, ele foi mais rápido e com a mesma agilidade que adentrara ao aposento, lançou-se sobre mim.

- Luiz! Meu Luiz! Você ficou ainda mais lindo, mais charmoso, mais gostoso! – murmurava ele, percorrendo com suas mãos ávidas a nudez do meu corpo que segurava em seus braços.

- Benê! Como eu senti sua falta, Benê! Tive tanto medo de nunca mais te encontrar. – confessei, cobrindo seu rosto com meus beijos desesperados, sufocados durante dez anos.

- Meu meninão, Luiz! Você cresceu, está mais pesado, essa bunda ficou mais tesuda, sua boca mais saborosa. – ronronava ele, colando com força seus lábios aos meus, enquanto sua mão vagava impetuosa sobre as minhas nádegas.

- Você também cresceu, está enorme! Há tantos músculos para palpar, e tão grandes e rijos! Benê, meu homem! – suspirei, enquanto ele tirava afoitamente a camisa e eu acariciava sua ereção.

Não lhe dei chance de se despir sozinho, desabotoei a calça e já fui enfiando a mão na virilha dele, de onde saí com o cacetão em riste e pulsando entre os meus dedos. A verga havia mais do que dobrado de tamanho nesses dez anos; não era mais o cacetão de um adolescente, era o caralhão taurino de um macho negão parrudo, e estava todo babado melando a minha mão. Não esperei por mais nada, caí de boca sobre ele, mas só consegui abocanhar a cabeçorra, imensa e protuberante, de onde minava aquele sumo cujo sabor eu bem conhecia.

- Cacete, como isso é bom, Luiz! Com quem você andou praticando? Esse boquete está bem mais habilidoso do que aqueles que você costumava me fazer. – grunhia ele, enquanto eu trabalhava o caralhão dele.

Com os lábios ao redor da chapeleta grossa, fui sorvendo o pré-gozo viscoso e salgado; depois, fui descendo dando lambidas e chupadas no corpo do caralhão duro feito uma rocha, até chegar ao sacão. A virilha dele estava bem mais pentelhuda, e os colhões pesados preenchiam o saco escrotal que pouco parecia destoar do de um touro. Coloquei cada uma das bolas na boca e as chupei, massageando-as com a língua enquanto ele gemia e se contorcia.

- Ah, Luiz! Você nasceu para isso, para dar prazer a um macho! Ninguém chupa uma rola como você! – gemeu ele, confessando, sem o perceber, que também não tinha se mantido casto durante todos esses anos.

- Como é? Quem andou mamando seu cacete? Você jurou que a tua pica é só minha! – retruquei, foi quando ele se apercebeu de ter falado demais.

- Ela é todinha sua! Sempre será sua! Eu sempre serei seu! – asseverou. – Não queira cobrar de mim aquilo que você também não fez, manter-se casto só para mim! – cobrou, o que me fez recuar com aquela cobrança que obviamente nenhum dos dois conseguiu manter por uma década. Afinal, estávamos em pleno vigor, no auge de nossas vidas, e cobrar fidelidade com anos e anos de afastamento e distanciados por todo um oceano, não fazia o menor sentido. Estávamos juntos novamente, e era isso que importava.

No entanto, para me mostrar que não estava nem um pouco conformado com o fato de eu ter servido outros homens, e para mostrar que ainda era ele o dominador, ele me deitou de bruços, apartou minhas pernas e abriu minhas nádegas.

- Ah, esse cuzinho! – gemeu, quando expos minha rosquinha anal rosada e constatou, através do dedo que enfiou entre as preguinhas, que a fendinha ainda era bastante estreita e apertada. – Pede para o teu macho foder esse cuzinho, pede, Luiz! – sussurrou, mordiscando minha orelha e meu cangote.

Meu corpo se estremeceu todo, espasmos instintivos o percorriam da cabeça aos pés como da primeira vez que ele me pegou na cachoeira. Soltei um longo gemido quando a língua impetuosa, quente e úmida dele lambeu minha rosquinha. Ele ficou explorando meu orifício com a língua, de quando em quando, endurecia-a e penetrava a ponta dela na fenda que se contraía instintivamente. O Benê sempre soube como atiçar meu cuzinho, as lambidas dele e as enfiadas de dedo se configuravam na mais maravilhosa sensação, e que me fazia sucumbir aos seus desejos.

- Me penetra, Benê! – gemi cheio de tesão.

Ele montou em mim, pincelou o caralhão ao longo do meu rego até encontrar a portinha do cu e começar a forçar, eu sentia o ânus se alargando, as preguinhas estirando, e uma dor forte tomando conta do meu cuzinho; queria gritar, mas o som dos convidados se divertindo lá embaixo me exigia que fosse controlado. Mordi o travesseiro quando ele deu uma estocada forte, rasgando meus esfíncteres com aquela tora grossa de carne latejante que deslizava impune para dentro do meu rabo.

- Devagar, Benê! Está me rasgando, dói muito, amor! – gani enquanto ele metia obstinadamente aquele caralhão duro no meu cuzinho desabituado e me rasgava.

- Não me peça o impossível, querido! Foram dez anos, dez anos sem sentir teu cuzinho agasalhando minha pica! Sabe o quanto eu esperei e desejei que esse momento chegasse? Você é todo meu outra vez! – grunhia ele, tomado pelo tesão e por aquela sensação de ter seu cacete engolido pelo meu cu apertado.

Ele começou a bombar com força, lançando todo seu peso sobre mim e movimentando a pelve num vaivém que abrasava meu cuzinho. As estocadas empurravam o caralhão fundo dentro de mim, ele me arrebentava enquanto eu gania e me entregava, completamente dominado, à sanha predatória dele, contorcendo-me debaixo de seu corpão sedento. Desde a primeira vez que eu dei o cu para ele na cachoeira, eu tive essa sensação de que no sexo o escravo era eu e ele o senhor. Não sei se ele fazia isso conscientemente, como que para provar que aquela lei instituída pelos homens, hierarquizando as pessoas em castas, não se aplicava a uma relação sexual; nessa, quem dominava era o macho, e ele sabia que era meu macho e que eu aceitava isso com paixão e carinho. Ninguém, em tempo algum, o tratou dessa maneira, apenas eu que, desde nossa primeira troca de olhares, lhe transmiti esse sentimento doce e apaixonado.

- Eu te amo, Benê! Te amo desde aquele dia que você e sua mãe chegaram aqui! – confessei gemendo com o cacetão dele completamente atolado no meu cuzinho e encaixado entre os pentelhos da virilha dele.

- Eu sei, meu amor! Também me apaixonei por você naquele dia! Você era o menino mais lindo que eu já tinha visto, e seu sorriso amistoso que surgiu quando me viu, entrou direto no meu coração, e nunca mais saiu daqui. – confessou.

Em dado momento, quando meu cu já estava todo esfolado, ele tirou o cacetão de dentro dele, me colocou na posição de frango assado, tornou a meter fundo com uma única estocada certeira entrando nas minhas entranhas e as preenchendo como há tempos eu não sentia. Com as pontas dos dedos eu arranhava as costas largas dele, cravando-as na carne quando a cabeçorra socava meu ventre. Já nas primeiras bombadas, com o cu em brasa, eu gozei, soltando um ganido choroso carregado da mistura de dor e prazer. Com as pernas abertas sobre os ombros largos dele, ele continuava estocando, minhas preguinhas ardiam tamanha a gana com a qual me fodia. As estocadas começaram a perder cadência, seus músculos pélvicos ficaram tesos, o caralhão inchou, pulsando profundamente atolado no meu cu.

- Meu Luiz! – urrou gutural, despejando jatos fartos de porra cremosa até encher todo meu cuzinho.

Puxei o rosto dele para junto do meu e o beijei, chupando sua língua e afagando suas costas suadas. Os dedos dele contornavam suavemente meu rosto, que ele encarava com aquele olhar que só ele tinha, o brilho de um amor verdadeiro e único. Minha felicidade sempre esteve atrelada aquele olhar.

- Eu queria que você ficasse assim, dentro de mim, para todo o sempre! – balbuciei encarando-o com doçura, o que lhe deu uma sensação de déjà vu e o fez abrir um sorriso.

- Esse é o melhor lugar do mundo para estar! Amo você, barãozinho! – admitiu satisfeito.

Apesar da forte vigilância que meu pai fazia sobre nós, encontrávamos subterfúgios para nossos encontros amorosos. Transávamos como nunca, com regularidade, dando vazão ao desejo que consumia nossos corpos.

- No lugar de vocês eu tomaria mais cuidado, basta olhar para vocês para saber que formam um casal! – disse certo dia a minha irmã, da qual eu já não escondia minha paixão proibida pelo Benê. – O papai não vai tolerar isso por muito mais tempo, ainda mais bem debaixo das barbas dele. Se eu fosse você tratava de levar o Benê para longe, onde ninguém os conheça, onde podem se amar sem ter que prestar contas. – sugeriu.

- E você acha que um lugar assim existe? Onde quer que seja, sempre seremos segregados e discriminados. Não existe lugar para um amor como o nosso, não nesse mundo! – devolvi.

- Tem razão, não existe! Mas aqui vocês correm um risco enorme, você bem sabe.

- Em qualquer outro lugar também corremos riscos. A sociedade não aceita que duas criaturas do mesmo sexo se amem. O irônico disso é que háanos tribos de ilhas do Oceano Pacífico praticavam a homossexualidade, acreditando que o conhecimento sagrado só podia ser transmitido pelo coito entre duplas do mesmo sexo. E que, há mais de 3000 anos, os hititas tinham leis que reconheciam a união entre duas pessoas do mesmo sexo. A pergunta que fica é, quando e como isso se perdeu, ou talvez melhor, por que isso se perdeu?

- Que a religião está metida nessa história eu não duvido! O infame é que para a escravidão de seres humanos ela faz vista grossa, desde que atenda às necessidades dos poderosos. – minha irmã tinha mesmo se transformado numa revolucionária, e eu precisei rir dos conceitos que ela havia incorporado desde que se apaixonou pelo republicano e abolicionista Pedro Fernando. – Do que está rindo?

- De você! Esse tal Pedro fez uma lavagem cerebral em você, no bom sentido, fique bem claro! – exclamei

- Você não presta, mas te amo de paixão! – retrucou ela.

Alguns meses se passaram e nada parecia ter mudado daqueles anos de adolescência, estávamos 10 anos mais velhos, éramos adultos, porém, aquela paixão entre mim e o Benê, aquele tesão consumista, aquela vontade de unificar nossos corpos continuava exatamente igual. Meu quarto e a cachoeira continuavam a ser testemunhas da nossa paixão, dos nossos coitos demorados e prazerosos. O que mudou, foi a maneira como as pessoas nos enxergavam agora, em relação aquele tempo. Quando dois garotos travessos saíam por aí sem destino, por horas a fio, sem que ninguém soubesse de seu paradeiro isso configurava uma atitude típica de moleques que burlavam o controle rígido dos pais para se divertirem como melhor lhes aprouvesse. No entanto, quando dois homens adultos passavam longos períodos se refestelando nus nas águas de uma cachoeira distante e isolada ou, quando praticamente em todos os alvoreceres, com a casa ainda imersa no silêncio, um desses homens, em trajes sumários, deixava na surdina os aposentos do outro, era inevitável que as pessoas tirassem disso as mais repugnantes conclusões. Os cochichos não demoraram a correr soltos e, praticamente todos na Monjolo e até nas vizinhanças tinham algum conhecimento dessa situação. Quando numa manhã, ao voltar de sua inspeção rotineira pelos campos da fazenda, sempre acompanhado durante a cavalgada por um dos feitores e algum capataz, meu pai me chamou em seu escritório com uma expressão raivosa a faiscar de seu olhar, eu já desconfiei do assunto que iria tratar comigo.

- Qual é a sua intenção, Luiz, enxovalhar o digno e respeitado sobrenome Mascarenhas? Me responda, é isso que pretende, fornicando pelos cantos com esse negro num comportamento típico de rameiras? O que quer com isso, lançar nosso nome na lama imunda de uma pocilga? – questionava, bufando pelas ventas como um touro feroz.

- O digno e respeitado sobrenome Mascarenhas é você mesmo quem está lançando na lama da pocilga com as atitudes criminosas que vem fazendo há anos! Eu não preciso fazer mais nada para fazê-lo cair em desgraça! – respondi, sem aquele medo de quando era criança, quando um simples tom de voz mais elevado e ríspido já me fazia borrar as calças.

- Seu pederasta miserável, como se atreve a me falar nesse tom? Eu ainda mando em tudo por aqui e não vou tolerar nenhuma afronta, fique ciente disso! – retrucou aos berros.

- E vai fazer o quê? Vai mandar um dos seus feitores dar cabo de seu próprio filho, como sempre fez com os escravos ou com quem o contrariasse? É isso que vai fazer, digníssimo Barão de Aguay? – desafiei, também elevando a voz, sabendo que estava passando dos limites de tolerância daquele homem temido até por sua sombra.

- Cale essa boca, desgraçado! Como ousa criticar minhas atitudes como se eu fosse um reles criminoso?

- E que nome você dá às suas atitudes? Que nome dá aos inúmeros sumiços repentinos de escravos que se rebelavam nas senzalas? Que nome dá aos desaparecimentos de empregados que se opuseram aos seus desmandos? Me responda, barão!

- Eu já fui tolerante e condescendente demais com você, seu invertido! Custeei dez anos para que se mantivesse longe desse negro, na tentativa de curá-lo dessa maldita doença! E qual é a primeira coisa que você faz quando regressa? Volta a fornicar com ele como uma prostituta qualquer. – gritava ele, dando socos sobre a escrivaninha, fazendo com que toda a criadagem sentisse calafrios de pavor percorrendo suas espinhas.

- Ele tem nome, chama-se Benê! E você tem razão, eu nunca o esqueci! Em dez anos eu nunca me esqueci, por um único dia sequer, do grande amigo que ele se tornou para mim! Eu sempre vou amá-lo, sempre! Não me importa o que você pensa, o que diga, para onde me envie para me afastar dele, sempre ele estará comigo em meus pensamentos. – afirmei, declarando abertamente a minha paixão.

- Você só pode estar louco! Falar assumidamente nesses termos de um homem, falar assim de um negro! Você não honra as tuas calças, pervertido?

- Honro meus princípios, honro meus valores nos quais não há espaço para tirar a vida de desafetos. – respondi.

- Então vá honrá-los no inferno, seu desgraçado! Não debaixo do meu teto! Você volta para a Europa o mais breve possível e não volta nunca mais. Não quero ter o desprazer de olhar para essa sua cara infame nunca mais! E agora, suma das minhas vistas, ou acabo cometendo uma loucura aqui mesmo! – berrou, com as jugulares a lhe saltarem no pescoço.

Minha mãe e minha irmã me esperavam aflitas do lado de fora da porta do escritório, tinham ouvido os gritos do barão e isso sempre foi sinal de problemas, de desgraças. As mãos de ambas estavam trêmulas quando me tocaram, como que para verificar se não me faltava algum pedaço do corpo. Mais distante, do corredor que levava ao escritório, o Benê me encarava cheio de orgulho, não só porque eu o tinha defendido, mas também por ter confessado abertamente nossa paixão.

- Foi pouco inteligente de sua parte desafiar seu pai dessa maneira, Luiz! – disse minha mãe, já temerosa da retaliação que estava por vir.

- Você endoidou de vez, mano? O que foi aquilo? – questionava minha irmã entre perplexa e orgulhosa da minha coragem.

- É preciso dizer a esse homem que ele não é nenhum deus, que ele não pode dispor da vida e das vontades das pessoas segundo suas próprias vontades e leis. Basta olhar para a vida infernal na qual ele lançou a própria filha, casando-a com aquele verme que voltou a depender do dinheiro do pai para sobreviver com sua família e, que dá surras na mulher quando volta completamente embriagado para casa. – respondi, revelando algo que elas não sabiam.

- Como é? Minha filha está apanhando do marido? – indagou minha mãe, começando a chorar.

- Desculpe, mãe, eu não queria ter mencionado isso, estou muito nervoso! – exclamei arrependido de ter dado a notícia daquela maneira.

- Seu pai não deve estar sabendo disso! Ele jamais permitia uma coisa dessas! – devolveu minha mãe que tinha uma maneira peculiar de enxergar os descalabros do marido.

- É óbvio que sabe, mãe, por favor não seja ingênua! É o Capitão Eusébio Dantas quem está bancando as despesas da casa, pois o filho já torrou tudo que lhe foi dado para que empreendesse nos próprios negócios. Sua filha mal tem condições de se vestir à altura de sua posição social. E você acha que seu marido não sabe que é seu amigo de longa data e conchavos políticos que está bancando, mal e porcamente, a esbornia do filho? Acontece que seu marido nunca vai admitir que cometeu um erro ao fazer gosto e ter arranjado esse casamento infeliz! – a notícia só fez aumentar a angustia da minha mãe, e eu já me sentia arrependido de ter aberto a boca.

Passei pelo Benê e o arrastei comigo para fora da casa, para longe dali, para onde pudéssemos ficar a sós. Ele me tomou nos braços e me beijou ardentemente quando ficamos longe das vistas de todos.

- Estou tão orgulhoso de você, por ter enfrentado tão corajosamente seu pai, me defendendo! Eu te amo! – exclamava entre um beijo e outro, enquanto amassava minha bunda com suas mãos fortes.

- Precisamos ter cautela, a situação ficou perigosa! – retruquei preocupado. – Temos que sair daqui, a convivência nessa casa se tornou impossível! Talvez devêssemos nos mudar para a capital da província. Meu pai ainda tem muita influência por lá, mas será mais difícil ele tomar uma atitude drástica correndo o risco de que venha a ser descoberta.

- Você acha que ele seria capaz de ser tão radical em se tratando de você, que é filho dele?

- Nesses anos todos você já deveria saber do que meu pai é capaz! Ninguém está imune à raiva dele!

Ao final daquele dia minha mãe foi ter com meu pai, a situação da filha casada a estava atormentando por demais. Apesar do barão não estar num de seus melhores dias após a discussão comigo, ele não se atreveu a deixar de ouvir a revolta da esposa e a lhe prometer que tomaria providências para proteger a filha do crápula do marido. A minha situação também acabou fazendo parte da conversa que tiveram, e em nova exigência, ela impôs que ele não fizesse mais alarde sobre a minha situação com o Benê, pois isso só daria veracidade aos boatos. Como sempre, ele não conseguiu negar-lhe os pedidos. Aquela eterna sensação de estar em débito com aquela mulher que ele um dia tirou da nobreza para lançar nessa tórrida e desvirtuada terra tropical, nunca deixou de atormentá-lo.

Semanas de uma aparente tranquilidade e harmonia se seguiram àquela minha discussão acalorada com ele. Evitei-o por dias, antes de cruzar com ele novamente, e de lhe dirigir um mínimo de palavras banais numa formalidade impositiva. Todos acreditavam numa superação do caso, achando que o tempo se encarregaria de recolocar tudo nos devidos eixos, menos eu. Eu conhecia o caráter daquele homem, e o temia.

Desde que se formou guarda-livros, meu pai enviava esporadicamente o Benê para Mogi-Mirim a sede da comarca onde se concentravam boa parte dos negócios efetuados na região, e onde já havia um banco onde esses negócios eram transacionados. Meu pai confiava a ele o transporte de certas quantias que serviam para o pagamento dos empregados remunerados da Monjolo, e para as despesas domésticas, bem como para um capital de emergência que ele mantinha num cofre do escritório. Nunca eram valores grandes, uma vez que os salários, mesmo dos empregados remunerados, não eram grande coisa. Estava prevista uma dessas viagens até a comarca e, eu pretenda acompanhar o Benê, assim teríamos tempo de ficar juntos para namorar durante o trajeto.

Contudo, meu pai o fez partir sozinho como das outras vezes e me impôs que o acompanhasse até a fazenda dos Alvim, onde haveria uma reunião política para exigir que o presidente da província tomasse providências em relação ao crescente número de agitadores abolicionistas que estavam invadindo e libertando escravos das senzalas das fazendas na surdina noturna. A tal reivindicação era meramente uma formalidade para colocar no papel a insatisfação dos fazendeiros com a atuação da milícia local, uma vez que eles próprios se encarregavam de eliminar revoltosos e libertadores de escravos com a ajuda de capangas, fazendo desaparecer seus corpos como se jamais tivessem existido. Eu fiquei sabendo disso tudo através das conversas cada vez mais amiúdes que tinha com meu futuro cunhado, o Pedro Fernando, que inclusive era um desses libertadores que abria as portas das senzalas e ajudava os escravos a encontrarem abrigo seguro. Esse também era um dos motivos para eu simpatizar tanto com ele, a nobreza da causa que defendia. Eu ia participar da reunião mais como um espião, um agente infiltrado para descobrir se os fazendeiros estavam articulando alguma estratégia contra esses abolicionistas. Por isso, não me neguei a acompanhar meu pai.

Havia anoitecido e o Benê ainda não regressara. A viagem de ida e volta até a comarca levava praticamente o dia todo, mas aquela demora estava me deixando agoniado. Fui à cozinha perguntar a que horas o Benê costumava voltar quando era enviado para essa tarefa, me disseram que antes do final da tarde costumava estar no escritório prestando contas ao barão. Fui até os estábulos – Não, ele ainda não havia regressado – me responderam o ferreiro e um dos capatazes. Eu estava uma pilha de nervos, à noite, as estradas se tornavam perigosas, mesmo para um sujeito safo como o Benê.

Sentado à cabeceira da mesa, o barão jantava degustando e elogiando a refeição preparada pela mãe do Benê; foi ela quem assumiu o controle da cozinha quando a Dona Veridiana, pela idade avançada, já não dava mais conta de chefiá-la. Tentei encontrar uma explicação para aquela tranquilidade toda e para aquele raro bom humor do meu pai, mesmo sabendo que seu escravo, de posse de uma quantia substancial, ainda não lhe havia prestado contas. As garfadas que colocava na boca não desciam pela minha garganta, e fiquei a ciscar com o garfo pelo prato. Minha irmã e eu começamos a trocar olhares, ela sabia o que estava me atormentando.

- O Benê ainda não voltou, papai? – perguntou ela, fazendo a pergunta que eu gostaria de fazer.

- Não! Qual seu interesse nesse assunto? – devolveu ele

- Nenhum! Curiosidade apenas! Ele costuma estar em casa bem mais cedo. – retrucou ela, já vendo a expressão do nosso pai ficar carrancuda.

- Então não se meta! Isso não é assunto para mulheres! – exclamou meu pai, o que já servia para desincentivar minha mãe a fazer qualquer questionamento.

Findo o jantar, fui até a varanda, a noite estava agradável, a lua cheia iluminava o jardim cultivado pela minha mãe, no ar se misturava o perfume dos jasmins e da terra poeirenta do caminho que levava até a casa-grande. Eu estava a um passo de cair no choro, imaginando inúmeras catástrofes que poderiam ter cruzado o caminho do Benê. Para tudo que se movia em meio aquele silêncio e calmaria eu desviava rapidamente meu olhar atento. As tarefas na cozinha tinham sido todas terminadas, após o café ter sido servido na sala principal onde todos estavam entretidos com alguma atividade antes do sono chegar. A mãe do Benê veio até mim, sua angústia era a mesma da minha.

- Logo ele aparece, deve ter tido algum contratempo que o está atrasando! – afirmei, abraçando-a para atenuar sua aflição. Ela concordou com um aceno de cabeça, também só para me tranquilizar.

Todos se recolheram, eu já havia feito o trajeto da poltrona de vime até o topo da escada da varanda umas mil vezes, nada me acalmava. Pensei em mandar atrelar um cavalo e sair em busca do meu amor. Mas, para isso, teria que bater à porta da casa do capataz e acordá-lo. Subi ao quarto, tirei a roupa, mantive as janelas abertas, pois assim ouviria o galopar do cavalo chegando, e me deitei na cama com as mãos cruzadas apoiando a cabeça. Nem por um segundo minhas pálpebras se fecharam, eu não ia conseguir dormir, isso era fato.

Não havia amanhecido ainda, após um rápido banho, desci para a cozinha imersa na escuridão, ninguém havia acordado e o fogão só tinha um pouco de brasa do dia anterior. Voltei à varanda, a Monjolo dormia, as senzalas estavam silenciosas. Eu queria gritar, queria que todos acordassem e fossem saber do paradeiro do Benê.

Apenas uma hora depois, pouco antes das 05:00 horas, começaram os primeiros movimentos. Era outono, o amanhecer já começava a demorar, uma quinta-feira, dia 10 de maio de 1888. Nas senzalas os escravos começavam a despertar, os serviçais da casa acenderam as luzes da cozinha, nas casas dos empregados remunerados começava a sair fumaça pelas chaminés dos telhados, uma bruma úmida cobria as partes mais baixas da fazenda. Eu estava exausto, meu coração apertado queria se desfazer. Tão logo avistei o primeiro capaz se dirigindo ao estábulo, mandei que atrelasse dois cavalos, ele deveria vir comigo até Mogi-Mirim se fosse o caso.

- Perdão, barãozinho! Mas, eu só posso me ausentar da Monjolo com ordem de seu pai. – respondeu-me ele, todo constrangido.

- Então atrele apenas um, eu vou saber do paradeiro do Benê! – retorqui decidido.

- Acho melhor esperarmos pelas ordens do barão, ele saberá o que fazer. – devolveu o capataz.

- Pois eu não vou esperar nem mais um minuto! Já deveríamos ter ido saber o que aconteceu há muito tempo! E eu não dependo das ordens do barão! – respondi.

Ele atrelou o cavalo com uma morosidade irritante, eu tinha ido até a casa e pego algumas coisas de que precisava para a empreitada e voltado, e ele ainda estava ali afivelando a sela sobre o cavalo. Quando estava para me entregar o animal na porta do estábulo, dois homens galopando apontaram na estrada, levantando uma nuvem de poeira atrás de si.

- O barão! Precisamos falar com o barão! – disse um deles, atropelando as palavras. Quando me reconheceu, tirou o chapéu, no que foi imitado pelo outro, e fez uma mesura. – Bom dia!

- Pode falar! Do que se trata? – perguntei. Ele hesitou em continuar, como se não reconhecesse autoridade suficiente em mim.

- Ele é filho do barão, pode falar! – disse o capataz.

- Um escravo do barão seu pai foi encontrado morto na noite passada na estrada que passa próxima à fazenda do meu patrão, o Coronel Teles. Foi abatido com um tiro, o cavalo estava algumas dezenas de metros do corpo pastando o capim da beira da estrada. – avisou o homem.

Tudo ao meu redor começou a girar, eu não identificava mais nenhum rosto, as palavras que diziam ecoavam sem sentido nos meus ouvidos, sob minhas pernas bambas o chão ia se abrindo lentamente rasgando uma cratera profunda e escura para a qual meu corpo estava despencando. Ao sentir uma forte sacudida, percebi que estava sendo mantido em pé pelo capataz e por um daqueles homens. Do fundo do peito emergiu um grito – Benê – que se sobrepôs a tudo e despertou quem ainda dormia.

- Calma, barãozinho! Pode não ser ele. Pode ter sido um escravo fujão, alvejado por um feitor de uma fazenda vizinha. – disse o capataz. Não era isso, era o Benê, meu coração sabia que era o Benê.

- Onde ele está? Levem-me até o local, eu preciso verificar isso pessoalmente. – desatei a exigir.

- Meu patrão mandou recolher o corpo e entregá-lo à polícia em Mogi-Mirim. – afirmou o funcionário.

- Não importa! Eu vou até lá! – disse, antes de sair galopando, enquanto as lágrimas desciam pelo meu rosto.

Na delegacia, relutaram em me mostrar o corpo, alegando que era apenas um escravo e eu não precisaria me sujeitar a ver o cadáver de um negro. Contraí os punhos e por pouco não voo no pescoço do delegado quando ouvi essas palavras.

- Ele é meu ... Ele é meu amigo de infância! Tem nome, é Benê, não é um negro, é uma pessoa como você e eu! – sentenciei num tom elevado de voz. Os presentes na delegacia se entreolharam calados, mas em seus semblantes dava para ver que se questionavam quando aquele corpo ser de uma pessoa, ainda mais uma pessoa como eles.

Meu pai, o capataz e mais meia dúzia de empregados não tardaram a aparecer na delegacia. O delegado o cercou de rapapés, e lhe mostrou o corpo. Meu pai o examinou com um semblante impassível e passou a ditar ordens para que o removessem dali e providenciassem um sepultamento na fazenda. Em nenhum momento o delegado se opôs aquelas ordens, apenas acenou complacente com a cabeça. A autoridade máxima ali não era ele, mas meu pai.

- Assassino! – gritei com todas as minhas forças, com o rosto encolerizado quase grudado no do meu pai, através do qual parecia surgir um risinho irônico. – Assassino, miserável! Você vai pagar por esse crime. Dessa vez não vai sair ileso! – continuei berrando, completamente descontrolado pela dor.

- Cale essa boca, imbecil! – gritou ele, desferindo um bofetão no meu rosto que quase me atira no chão. – Não faça acusações levianas que não possa provar, seu idiota! – continuou furioso.

- Eu sei que foi você, desgraçado! Eu sei! Você nunca se conformou que seu filho se apaixonasse por um escravo e que fosse para a cama com ele. Você o matou para pôr fim a esse amor! Confesse, desgraçado, confesse diante do delegado, se for homem suficiente para isso! – provoquei, o que o fez partir novamente para cima de mim, não fosse o delegado e um policial o deterem.

- Pare de agir como um mulher histérica! Seja homem ao menos uma vez na vida, miserável! Honre ao menos uma vez as calças que está vestindo como um homem e não como um pederasta! – sentenciou meu pai, deixando a todos sem saber como agir.

- Você o matou! Você matou o homem que eu amo! – repeti, já sem forças, com a cabeça perdida em lembranças.

Mal saí do meu quarto nos dias que se seguiram ao sepultamento. Minha mãe ainda não acreditava que o marido pudesse ter algo a ver com aquela morte que foi atribuída a um assalto pelo Benê estar de posse daqueles valores. Minha irmã adentrava ao quarto constantemente, ora trazendo um chá, ora trazendo palavras de conforto, ora tentando me animar. Ela, tanto quanto eu, sabíamos que o barão estava por trás daquele assassinato. Também o Pedro Fernando a acompanhou nalgumas dessas aparições, ele também não acreditava na inocência do barão; era assim que esses poderosos resolviam as questões nessa terra sem leis, ou leis que não se aplicavam a eles, pois estavam acima dessas banalidades jurídicas. Porém, ele veio com uma notícia bombástica, a Princesa Isabel acabara de assinar a abolição da escravatura. Era o dia 13 de maio de 1888, o Brasil se tornava o último país da América Latina a não ter mais escravos. Para o Benê a lei chegou tarde, não o salvou do ódio racista de seu senhor.

Alguns dias depois, tive mais uma discussão com meu pai, ele tornou a erguer a mão para me esbofetear, mas dessa vez revidei e o empurrei jogando-o no chão, e estava disposto a cometer um parricídio, tão injetados estavam os meus olhos, quando fui impedido pelos serviçais e pelos gritos suplicantes da minha mãe. Enquanto meu pai e eu discutíamos, minha irmã aproveitou para entrar no escritório e vasculhou gavetas e caixas à procura de uma prova daquele crime. Ela me aguardava em meu quarto sentada na cama, finda a minha briga com meu pai. A bolsa de couro com a qual o Benê costumava trazer o dinheiro que tinha sacado no banco de Mogi-Mirim, estava em suas mãos e o dinheiro dentro dela. Quem emboscou o Benê e tirou sua vida, estava a mando do nosso pai e fez a entrega da única coisa que tinha alguma importância para ele.

- Se foi um assalto como o papai quis que o delegado registrasse o crime, por que o assaltante lhe entregaria a bolsa intacta? Nosso pai é um assassino! – ela mesma se sentia mal ao pronunciar essas palavras.

- Ele se vingou de mim, tirando o que eu tinha de mais valioso, tirando o amor da minha vida! – balbuciei. Ela me abraçou e choramos juntos.

- Temos que denunciá-lo! – disse ela, disposta a tudo.

- E quem é que vai incriminar o mais poderoso homem da região por ter matado um de seus escravos que tentou roubá-lo? Quem mana, quem? – questionei. – Não há mais nada que se possa fazer! A vida do Benê se foi, e com ela a minha.

Deixei a Monjolo no final daquele mesmo mês, regressando em definitivo para a Europa. Quem embarcou no vapor que cruzou o Atlântico foi uma criatura completamente vazia por dentro, de quem foram arrancados todos os sonhos, todas esperanças, deixando-a indiferente ao futuro. Durante os vinte e quatro dias que levou para atravessar o oceano, por diversas vezes, me vi tentado a saltar pela amurada para dentro daquelas águas escuras. Até hoje não sei o que me impediu. Talvez tenha sido aquele moleque que trazia no olhar um quê de desamparo e uma tristeza que parecia vir do fundo de sua alma, e que foi deixado com sua mãe diante da casa-grande numa manhã ensolarada. Enquanto houvesse um último suspiro de vida em mim, eu me lembraria dele, nunca o esqueceria.

Decidi me fixar em Paris, tinha me identificado com a cidade e a cultura quando cursei engenharia, e rever alguns amigos me ajudou a suportar a dor que carregava na alma. Não foi difícil encontrar um trabalho, nem um lugar para morar. As cartas que minha irmã me enviava davam conta das mudanças impostas com o fim da escravidão. As senzalas da Monjolo foram esvaziadas antes da próxima safra de café, o gado andava disperso pelos pastos, sem que ninguém o controlasse, a falta de mão-de-obra impactava em toda produção da fazenda e, como todos os demais senhores da região, começou-se a requisitar a vinda de italianos. Eles eram escassos, precisavam ser remunerados, o que nunca se pensou até então; não falavam o idioma e não se sujeitavam a viver nas antigas senzalas que precisaram ser reformadas às pressas para lhes dar mínimas condições de habitação. Muitos vieram com a família inteira, o que era uma aporrinhação com aquele bando de crianças a correr e berrar o dia inteiro. As mulheres se desentendiam entre si por conta de seus machos, engalfinhando-se aos gritos de – fottuta puttana – sem a menor compostura. Eu recebia as notícias com indiferença, nada mais daquilo me interessava, fazia parte de um passado que estava procurando esquecer e superar.

Junto com uma de suas cartas, vieram duas páginas escritas pelo irmão do meu cunhado, o Tiago, que ficara sabendo de tudo o que ocorreu na Monjolo e que revelou estar interessado em passar uma temporada na Europa. Ele estivera estudando na Inglaterra, mas sentia certa atração por Paris e me perguntava como era viver na cidade. Nalguns dos – post-scripta – das cartas da minha irmã ela me revelou que o Tiago tinha vindo algumas vezes à fazenda perguntando por mim, que tinha feito amizade com o namorado dela e também aderido às causas revolucionárias. Também escreveu algumas linhas expondo suas suspeitas de que o Tiago estava interessado em mim, sempre as encerrando com caçoadas. Na minha última resposta a minha irmã, também inseri uma página para o Tiago, convidando-o a passar uma temporada comigo. Uns meses depois ele veio, e nunca mais se foi. Aos poucos, aquela sensação de solidão foi sendo preenchida pelos risos dele, por seu jeito positivo de encarar a vida, por seu caralhão que não dava trégua ao meu cuzinho acolhedor, despejando dentro dele seus profusos jatos de esperma que permaneciam aderidos à minha mucosa anal esfolada por horas, perpetuando a presença carinhosa e protetora dele.

Cinco anos depois que deixei o Brasil, recebi um telegrama, o Barão de Aguay fora assassinado por um empregado italiano após uma briga pelo não pagamento integral do salário. A carta mais esclarecedora da minha irmã que veio semanas depois, explicava que o crime fora cometido a luz do dia diante de diversas testemunhas, depois que o barão insultou o italiano e mandou que lhe dessem algumas açoitadas. Desde então, ela e o namorado estavam tocando a fazenda, uma vez que minha mãe havia caído numa prostração profunda, e já não se importava com mais nada. Segundo minha irmã, ela estava inclusive pensando em voltar para juntos dos familiares em Viena.

Eu e o Tiago a fomos visitar no mês passado, fazia tempo que o Tiago queria conhecer Viena e a vinda da minha mãe há alguns meses era o motivo que precisávamos para fazer a viagem. Ela me recebeu com seu costumeiro carinho de mãe que parece conseguir tirar todas as nossas dores por mais profundas e enraizadas que sejam. Também parecia ter rejuvenescido sem aquele marido despótico que lhe roubara muito de sua juventude, de seu viço, de sua alegria, e eu me alegrei por ela. Num momento em que nos vimos a sós, ela mencionou o Benê, me pediu perdão por não ter intervindo mais a meu favor e por aquele amor que ela sempre soube ser reciproco e verdadeiro. Porém, a maior surpresa ela deixou para fim da conversa, indo buscar a mãe do Benê na cozinha que, ao me ver, se atirou em meus braços e começou a chorar junto comigo.

- Por ele não consegui fazer nada, mas ele talvez me perdoe se souber que sua mãe jamais ficará desamparada. – disse minha mãe, com os olhos cheios de lágrimas.

- Onde quer que ele esteja, ele já nos perdoou! – afirmei a ela.

Esta é uma obra de ficção sem vínculo com a realidade, nomes de pessoas, citação de lugares e demais possíveis identificações com fatos e pessoas reais é mera coincidência.

Preceitos e valores éticos e morais são próprios da época na qual a estória está inserida e não refletem necessariamente a opinião do autor.

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Comentários

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Olá Kherr. Já lhe enviei o email prometido. Desculpe ter-me alongado tanto, mas a consideração que temos por si, merece cada linha do que escrevi. Não sei se ainda tem o mesmo email e se chegou a receber este último. Grande abraço.

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Oi Favo! já lhe enviei a resposta ao e-mail, e sou grato pelo texto que me enviou. Abração!

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Kher! Este foi o conto de que mais gostamos de todos os escreveu até hoje. Reconstituição histórica do esclavagismo muito assertiva por parte dos abolicionistas brasileiros mas com duas palavras que não ligam uma com a outra: republicanos e abolicionistas. Vou enviar-lhe esta semana um email à parte. Abraços.

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Muito obrigado, meus queridos! Sem dúvida uma página triste da história do Brasil e de muitos outros países. Como sempre, interesses comerciais e lucros de alguns poucos submetendo muitos a tratamentos e condições degradantes. Infelizmente ainda percebemos no mundo atual coisas semelhantes, com outros nomes e outras ideologias como disfarces, mas que no fundo continuam beneficiando alguns. Um forte abraço aos dois!

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Parabéns. Belo conto bela escrita historia plena de amor e imensamente triste pelo final infeliz mas como sempre...os valores e o amor a vencer.

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Valeu Rotiv! É uma pena que muitas histórias tenham acabado assim naqueles tempos remotos cheios de preconceitos. É o que nos leva a pensar que uma sociedade mais aberta e tolerante tem muito mais a ganhar do que a perder, haveriam mais finais felizes e menos pessoas sofrendo uma infelicidade imposta pelos outros. Abraço!

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Uma obra prima. Merece ser transformada em filme. Gozei, fiquei tenso, fiquei revoltado, chorei... Você consegue levar seus leitores a máximas emoções. Tá na hora de selecionar alguns contos e lançar seu primeiro livro: "Contos de Kherr - Amores, dissabores e prazeres da vida volume 1". Obrigado por me proporcionar leituras tão envolventes.

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Até título você já deu para um livro meu, PauloPe? Eu já me contendo com você descrevendo o que sentiu, com as emoções que mexi, com a indignação que lhe provoquei; isso para quem escreve é o melhor presente que se pode receber. Abraço carinhoso!

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É o melhor conto que eu já li nesse site. A caracterização, o apuro histórico, a complexidade de cada personagem... muito, muito bom!

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Valeu Ishmael! Só tenho a agradecer por ter curtido meu conto. Abraço!

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Caramba, você nunca decepciona na escrita, nos fatos, na história...Claro que eu já imaginava que o fim seria este, é muito comum gays não terem finais felizes na literatura 🥺. E caramba, eles meio que foram burros também ne, após a briga com o pai, deveriam ter fugido bem rápido, mas né kkkk enfim, encerrando mais uma leitura em prantos aqui 💖

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Obrigado MagnaMater! Não tinha como dar um final feliz a um amor gay daquela época. Antigamente era raro ambos sobreviverem, tamanha era a repulsa da sociedade para uma relação afetiva entre duas pessoas do mesmo sexo. É triste e muitas vezes foi trágico, mas o pior é que ainda hoje, muito desse ranço ainda esteja permeado na sociedade. Abração!

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Muito bom o conto, mas achei o Luiz um pouco grosseiro com o Benê, sempre lembrando que o garoto é um escravo, achei um pouco de trauma desnecessário, mas entendo que também era a mentalidade da época. Apenas achei um tanto inverossímil, visto que Luiz amava tanto Benê.

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Oi Machonegro! Você mesmo mesmo já respondeu essa questão, era a mentalidade da época e o Luiz apenas expressava o que era comum nos tempos da escravidão, apesar do que sentia pelo Benê. Nas contrariedades usava sua prerrogativa de senhor. Valeu elo comentário. Abraço!

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Uau! Que conto! 👏👏👏

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Obrigado augustolincoln3!! São elaborados com zelo e dedicação para todos os leitores e especialmente meus seguidores. Um forte Abraço!!

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Nossa Kherr, este conto foi fenomenal, mais uma vez!!!!

Não sei se pelo fato de ser preto e já ter vivido algumas situações desagradáveis de preconceito, me tocou muito fundo.

Apesar de você ter aliviado a questão das senzalas, dos açoites e das mortes, você ainda foi bem profundo em cada personagem, mostrando o lado bom e ruim de cada um.

Quantas emoções pude viver durante esta leitura.

Muito obrigado mais uma vez!!!!

Abraço carinhoso!!!!

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Pois é Grilo falante, foi um período triste da história do Brasil. Acredito que nenhum historiador ou escritor conseguirá escrever sobre esse período com a mesma realidade em que os fatos ocorreram, pois a crueldade dos homens não conhece limites. Abração carinhoso para você também!

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Acabei de ler essa OBRA PRIMA!!! Gostei demais!!! São poucos contos desse nível que encontrei aqui!!! Tudo perfeito!!! A não ser a infeliz morte do nosso querido Benê!!! Merece nota máxima!!! 10, 100, 1000!!!

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Muito obrigado dilukz! Seu incentivo me anima a escrever, valeu! Forte abraço!

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Diminua os textos e coloque mais sacanagem putaria poderia ter colocado o senhor fazendo uma vistoria nos cus dos escravos como eu disse diminua o tamanho dos contos coloque mais sacanagem putaria vc escrever bem

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Conto muito bom dois moleques um negro e um branco delicioso agora ficou muito grande e cansativo diminua por favor bem adoro negros história de africanos escravos já assisti todas as séries e filmes aqueles negoes praticamente nus teve um filme que os compradores de escravos abriam as bandas dos negros pra verificar seus cus me masturbo toda vez que assisto um filme de escravidão

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Obrigado Dudujp pelo seu comentário! Os contos precisam de um contexto, relatar uma dúzia de frases sacanagens não configura um conto e, a repetição infindável desse tipo no site da CDC torna as estórias fúteis e cansativas, para não dizer brochantes. Abração!

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Tive um caso com um homem chamado Benê qdo tinha 18 anos e lendo este conto me saudades vou procurá-lo e matar a saudade. digo caso pq na época nem se pensava em namoro mesmo pq ele é casado.

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Boa sorte Zezinhodiv1 no resgate dessa saudade! Abraço carinhoso!

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Obrigado por essa obra prima, que conto gostoso de se ler, me senti importante em saber que o grande Kherr escreveu um conto que sugeri.

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Me alegra que tenha gostado e te agradeço pela sugestão! Super abraço!

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kHERR, não vou chover no molhado, a respeito de seus contos homo-eróticos e afetivos. Simplesmente, obrigado.b

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Quem agradece sou eu Mike, e do fundo do coração, pelo tempo que dedica às minhas leituras, pelos comentários e por se mostrar satisfeito com o que escrevo. Um super abração!

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Mais um conto maravilhoso. Gosto muito desses contos de época que faz. Sempre perfeito, na escrita e enredo, fazendo a gente mergulhar na história. muito obrigado. Grande abraço

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Obrigado nego@! Também curto essa imersão na história, creio que entre os acontecimentos importantes e registrados durante a evolução humana escondem-se tantas outras, muito ricas, e que pertencem a pessoas normais e que não foram registradas. Abração!

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Nem sei como começar. E tudo tão lindo, tão bem desenvolvido. Sou seu fã incondicional e não esperava nada menos do que você escreveu. Amor, sexo, dor, separação, reencontro e morte. É surpreendente a maneira com que você desenvolve os assuntos e desvenda com maestria os mistérios da vida de suas personagens. A cada conto seu me sinto transportado para as cenas que você narra. Choro, rio, fico feliz e as vezes até gozo. Pra você só elogios e agradecimentos. Parabéns e muito obrigado. Forte abraço.

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Você é um fofo Roberto! Seus comentários são sempre muito bem recebidos por mim, não só pelos elogios, mas porque você mergulha e desvenda cada personagem exatamente da maneira como eu quero que eles apareçam. Super abração e bom final de semana!

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Perfeito como sempre.

Mas vc tá em uma fase matar os outros.

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Oi Atheno! Estou rindo da sua observação....eheheheh....mas estou longe de ser um serial killer....eheheheh! Super abraço!

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Eu amo a forma com que você consegue desenvolver tantos sentimentos nas suas histórias, amor, ternura, erotismo e até mesmo a tristeza. Infelizmente o amor dos dois não conseguiu ultrapassar todas as barreiras que existiam na época, mas foi lindo demais tudo o que eles viveram.

Mudando de assunto, tem um tropo narrativo que eu acho que combina muito com as suas histórias, mas que não lembro de ter visto você fazer, que é o do mafioso obsessivo. Gostaria muito de ver como você trabalharia com esse tema, que apesar de ser meio clichê é muito interessante. Um garoto comum do nada se vê sob a mira da paixão de um mafioso perigoso. Acho que seria ótimo ler uma história assim escrita por você.

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Olá Tomás! Sabe que já pensei em desenvolver um conto com esse tema? Eu ensaiei em dois contos algo do gênero, envolvendo uma relação entre um notório bandido e um gay inocente. Um mafioso característico daria uma boa estória. Vou pensar! Valeu pelo comentário e pela sugestão. Abração carinhoso!

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