O que será - Zero

Um conto erótico de João Fayol
Categoria: Homossexual
Contém 4817 palavras
Data: 24/12/2023 00:32:47

Tim Maia já havia cantado que um nasce pra sofrer, enquanto o outro ri, e naquela tarde abafada, enquanto eu observava meu sofá branco sendo içado até o 13º andar, eu desejei muito que alguém estivesse feliz, porque eu definitivamente não estava. Antes de tudo, você precisa saber que me chamo Gabriel, oficialmente Gabriel Lofego Barcelos. 24 anos, carioca, roteirista, negro, 1.67, cabelos cacheados e volumosos e olhos verdes. Isso é tudo. O status civil, estava saindo de casado para solteiro.

Isso é importante porque tudo gira em torno deste bendito status civil. Naquela tarde de um ano que já não é tão distante e nem por isso tão próximo, eu estava me mudando para minha antiga casa, na Rua Voluntários da Pátria, em Botafogo, depois de 3 anos que eu havia saído de lá para me casar. A ideia de voltar para lá estava me corroendo, não porque eu não gostava da minha casa, a vizinhança era ruim ou algo do gênero. Eu amava Botafogo e a dinâmica boêmia da Voluntários; a dor lancinante era pela constatação que aquele casamento havia terminado como um dos maiores fracassos da minha vida. Nem todo fim de relacionamento é um fracasso, mas aquele, era.

Enquanto aquele maldito sofá, que eu sequer queria, mas que trouxe na força do ódio, subia em direção à ampla janela da sala, onde dois funcionários da empresa de mudanças já se preparavm para recebê-lo, não pude deixar de constatar que quanto mais alto ele chegava, mais afundado nos meus sentimentos eu ficava. Aquele maldito sofá foi um presente de casamento dados pelos meus ex-sogros. Em uma das últimas brigas que tive com meu ex-marido, eu defini que voltaria para Botafogo com aquele sofá, não porque eu gostava dele, mas sim porque meu ex era apaixonado por ele. O sofá era grande, totalmente desproporcional em relação à nossa sala, de maneira que durante os 3 anos em que esteve na antiga casa, me rendeu grandes hematomas, haja visto o meu hábito de sempre correr apressado pela casa; pr’além disso, o sofá era branco, sujava com grande facilidade e possuia, em sua parte superior, um tecido que emulava pele de tigre. Fez sentido? Pois é, para mim também não.

Mas inexplicavelmente, essa bomba era a grande paixão do meu (ex) marido. O ódio que não nutri por ele quando se iniciou a nossa crise conjugal, foi totalmente direcionado ao sofá. Não sentia raiva dele, mas sentia daquele sofá grande e cafona que tanto me machucava. Odiar aquele sofá e não meu marido, fez o meu casamento ter uma sobrevida de pelo menos mais 1 ano, até que cheguei ao meu limite: o ódio do sofá também se tornou ódio dele. Arrancar aquele maldito sofá daquela sala e trazê-lo para Botafogo foi o ápice da raiva, e agora, do arrependimento. O sofá não cabia no elevador e tampouco havia disposição de fazê-lo subir 13 andares de escada. O jeito foi içar.

Eu devia ter feito terapia de casal, e não trazer essa porra de sofá pra cá. - foi o único pensamento que me passou quando, lá em cima, os dois funcionários finalmente o puxaram, com dificuldade, pelo grande vão da janela.

Aquele grande sofá era o último item da mudança que precisava subir. O pagamento já havia sido formalmente realizado durante a contratação do serviço. Me dirigi até a recepção do prédio e ali aguardei os dois funcionários que lá em cima estavam, quando chegaram, dei uma gorjeta para cada um, assim como já havia feito com os rapazes que estiveram guiando a operação do térreo. Morar em Botafogo pode fazer de mim um burguês, mas não um burguês sem consciência de classe.

Quando eles se foram, respirei profundamente diante do elevador. Era chegada a hora de subir e encarar aquela nova etapa da vida, agora, oficialmente sozinho. Há um abismo enorme entre estar sozinho dentro de uma relação e finalmente se reconhecer sozinho sem o outro. Na falta de outra alternativa que não fosse encarar aquela realidade, entrei no elevador e apertei o botão rumo ao 13º andar. A vida quer da gente mais coragem do que outra coisa.

*

O apartamento em Botafogo estava abarrotado de caixas dos mais variados tamanhos, ali estavam roupas, itens de cozinha, banheiro, eletrodomésticos e por aí vai. A mudança havia se iniciado algumas semanas antes, de modo que tive tempo hábil para resgatar a mobília que eu havia posto em um depósito quando me casei. Mesmo querendo que meu casamento fosse para sempre, eu sempre fui consciente de que as coisas poderiam acabar e eu precisava manter as minhas coisinhas ao meu alcance.

É preciso fazer um breviário dessa relação que se foi, meu ex tem nome e sobrenome: Caetano Pacheco Leão. Para quem anda frequentemente no Rio de Janeiro, este é o nome de uma importante rua do Jardim Botânico e de um grande escritório de advocacia instalado no final da Avenida Rio Branco, já no coração da Cinelândia, tudo pertence a família dele (a rua, obviamente, não, mas o Pacheco Leão da rua é o bisavô do Caetano).

Nos conhecemos no começo da graduação, Caetano estudava direito na PUC, enquanto eu cursava comunicação social. Nos esbarramos em uma disciplina que era eletiva para mim e optativa para ele. Apesar de rico, Caetano era, até aquele momento, um poço de timidez, e rapidamente foi acolhido pelo meu grupinho de amigos quando a professora passou um trabalho em grupo.

Mesmo após a realização da disciplina, o grupo se manteve unido, tão unido, que não gerava problema os encontros com um ou outro membro faltante. Encontros em quarteto, trio e dupla, até que nos tornamos uma dupla. Dois dentro de um grupo grande, uma amizade que se tornou íntima a ponto de dormirmos um na casa do outro, como se fôssemos dois adolescentes. A bem da verdade, eu dormia muito mais na casa dele, do que ele na minha. Meu apartamento de 2 quartos em Botafogo não se comparava à mansão dos pais do Caetano na Lagoa. O senhor e a senhora Pacheco Leão eram donos de uma casa com vista direta para o Cristo Redentor com 3 andares, 6 quartos, todos com suíte e varanda, duas piscinas, academia, heliponto e uma quadra de tênis. Não havia como competir, além disso, seus pais eram bem protetores e se sentiam mais seguro quando eu estava lá com ele, do que quando ele estava em um apartamento, nas palavras deles “de cara pra favela Santa Marta”. A elite tem dessas, a gente só respira fundo, revira os olhos e releva.

Mas Caetano não era como os pais, ele era amável, gentil e de opiniões fortes e contestadoras, além de lindo que doía, ele era alto, passava de 1.80, forte, tinha os cabelos lisos com corte social e algumas tatuagens espalhadas pelos braços, que combinavam com a sua pele queimada de sol de quem curtia bastante a piscina de casa. Pela descrição aqui aplicada, é fácil deduzir quem se interessou por quem primeiro.

Até então, nunca havíamos conversado sobre sexualidade, eu ficava com outros homens e Caetano oscilava entre ficar ocasionalmente com homens e mulheres, mas era raro de acontecer, ele pouco saía e se dedicava muito aos estudos. Algumas das noites que passei em sua casa foram para estudar e lhe trazer algum tipo de apoio, ainda que eu sempre tirasse notas altas com relativa facilidade.

Em uma dessas noites em que eu já sabia que estava interessado, arrisquei, tomei a iniciativa de beijá-lo enquanto tomávamos uma taça de vinho; poderia dar certo ou muito errado. Ele poderia não ter interesse em mim, me ver apenas como amigo e ter medo de que isso prejudicasse a nossa relação. Felizmente, nada disso passou pela cabeça dele. Assim que meus lábios tocaram os seus, ele cedeu. Depois, me disse que também já estava interessado e só não sabia como se aproximar.

Daquele ponto pra frente não nos desgrudamos mais. Passamos a ficar com frequência, até que eu o pedi em namoro. Pouco mais de um ano depois, ele me pediu em casamento, e poucos meses depois, nos casamos. Em uma linda cerimônia no Alto da Boa Vista, tendo nossos amigos de faculdade como padrinhos da cerimônia. Nos mudamos para um apartamento na Lagoa e começamos a viver o nosso conto de fadas com duração eterna. E o grande problema do “felizes para sempre” é que ele é uma unidade de tempo contável.

Pouco depois de termos nos casado, o Pacheco Leão pai decidiu que ele deveria concluir os estudos na PUC SP, porque assim que saísse da faculdade e passasse no exame da Ordem, ele iria assumir a chefia do escritório de lá. Eu já estava no final da graduação na PUC RJ, não havia a possibilidade de me deslocar para São Paulo, e Caetano não demonstrou qualquer tipo de rejeição ou incômodo com o fato de seu pai ter definido aspectos tão importantes da nossa vida. Não tenho dúvidas que ele fez isso com a melhor das intenções para o filho e para mim - que ele sempre também tratou como filho -, mas a minha opinião nisso não valia de nada?

Faltava pouco mais de um ano e meio para a conclusão do meu curso e mais 2 anos e meio para o Caetano. Depois de muito discutir, já que ele jamais cogitou negar a oferta do pai, ele pediu transferência para a PUC SP e se mudou sem mim, já que largar a gigante da Gávea não era uma opção para mim. Recém-casados e já vivendo separados. Um escândalo para os tradicionais Leões. Me dividi na ponte aérea até a conclusão do curso, já no meu último semestre, ciente que teria somente o TCC para defender, me mudei em definitivo para São Paulo, para acompanhá-lo.

Dali comecei a me envolver com o audiovisual local, trabalhando com projetos de roteiros para emissoras de televisão, até que fui firmando meu nome. Caetano concluiu os estudos no tempo previsto e passou de primeira no exame da ordem, assumindo imediatamente a chefia do escritório. Nossa vida estava plena e perfeita, éramos nós dois, felizes em nossas carreiras, felizes com nosso casamento, vivendo o melhor do mundo. Nada poderia nos abalar… até que fomos abalados.

A rotina de advogado societário de escritório começou a consumir Caetano. Ele poderia delegar, poderia fazer menos, poderia não trabalhar tanto, afinal tudo já era dele, mas ele queria mostrar que era capaz de ocupar aquela posição, apesar de ser filho do dono. Eu entendi, de alguma forma ele queria se desvencilhar do nome da família - apesar do Pacheco Leão em letras garrafais e douradas na entrada do escritório. Ele começou a se envolver diretamente nas grandes causas, logo menos, nas pequenas causas, e em pouco mais de 2 anos no comando do escritório, ele controlava todas as áreas daquela empresa. Não se pode ter todo o controle do mundo, algo deve ser deixado de lado, e nesse caso, o que foi deixado de lado fui eu.

Eu tinha amigos incríveis, colegas incríveis, bons trabalhos e uma vida confortável, muito proporcionada pelo meu marido, mas não tinha o primordial: meu marido. Caetano chegava quando eu estava dormindo e saia quando eu também estava dormindo. Quando eu estava no set gravando, muito mal trocávamos mensagens. Depois de certo tempo, é até esperado que o calor da paixão diminua e as coisas se assentem, mas o que estávamos vivendo era uma inversão térmica total. Do Saara à Antártida.

Nós não brigávamos, tentávamos fingir normalidade em relação àquilo tudo, até que eu fui convidado para roteirizar e codirigir um filme no Rio. Aquela seria a minha grande chance de me firmar no mercado sob o guarda-chuva e estrutura de uma das maiores empresas de comunicação do mundo e da América Latina. Para isso, seria preciso retornar para o Rio de Janeiro, porque o contrato assinado seria de longo prazo, na contramão do mercado. Quando sentei para conversar com ele, para a minha total e completa surpresa, ele rejeitou.

Ele se negou a participar do meu sonho e da minha grande virada profissional. Naquela noite, o botão de detonação foi acionado. Todo o meu amargor com o fato dele ter nos tirado do Rio, sem me consultar, anos antes, para aquela cidade fria, concretada e feia, finalmente emergiu. Palavras duras vieram de ambos os lados. Ele argumentava que fez tudo pensando em nós. Para mim, ele fez visando a aprovação do pai, já que nunca tinha deixado de ser um filhinho do papai.

Para mim, era incompreensível a reação dele, eu havia deixado tudo no Rio para ir ficar com ele, e ele não poderia sequer tentar readequar a sua vida para vir comigo para o Rio. Relacionamentos não são sobre parceria? Por que eu conseguia ser seu parceiro e ele não conseguia ser o meu? Por que a carreira e os planos dele eram mais importantes que o meu? Por que o nosso futuro deveria ser balizado por ele e não dividido comigo? Todas essas questões vieram à tona a partir daquela briga.

Tantas outras vieram depois dessa, algumas menores, mas a maioria, sem dúvida, piores e mais destruidoras. Tentamos terapia de casal durante seis meses, e foi durante uma dessas sessões, que Caetano externou aquilo que já era sabido por mim: ou eu ficava com ele ou com a minha carreira, as duas coisas eram inconcebíveis.

Naquela sessão, me levantei e saí antes do fim. Eu investi tudo de mim naquele casamento e no meu amor, mas ao contrário dos amores, a minha carreira não iria acordar um dia e decidir que não queria mais nada comigo, e que ela era mais importante do que eu. Saí de lá direto para o aeroporto e passei um mês no Rio.

Assinei o contrato, conheci a equipe, tive as primeiras reuniões e ignorei completamente a existência do Caetano, que tentava entrar em contato comigo de mil formas. Retornei a São Paulo unicamente para buscar os meus pertences. Foi nesse último encontro que tivemos a derradeira briga que culminou na retirada do maldito sofá cafona. Eu só queria causar o mínimo de desconforto nele, e creio que consegui.

Agora, eu estava sozinho, num apartamento bagunçado e com um sofá que eu odiava. Aparentemente, uma nova vida para começar. Eu não sabia muito bem por onde seguir, mas sabia que a primeira coisa a se fazer era ligar para um estofador. Nova vida, velha nova cidade e novo sofá.

*

Estar de volta ao Rio era muito importante para mim. Eu estava, finalmente, em casa, com meus amigos e a minha família, trabalhando com o que eu gostava, tentando me recuperar de tudo que havia ocorrido nos últimos meses. Já haviam se passado três meses desde a mudança e, desde então, eu ainda não havia encontrado o Caetano, mas eu sabia que em breve teríamos de nos encontrar, já que seria necessário entrar com o processo de divórcio, e nosso casamento havia sido com comunhão total de bens. Eu tinha apenas o apartamento em Botafogo, já Caetano e sua família…

Com isso, quero dizer que o divórcio iria ocorrer de maneira litigiosa, não porque eu queria a divisão de bens, muito pelo contrário, a minha intenção era abrir mão de todos os bens, mas Caetano se negou a fazer qualquer tipo de sinalização no sentido de um acordo, simplesmente porque ele se negava a tratar do tema divórcio. Para ele, era uma não conversa. Falar sobre retornar para São Paulo? Sim. Falar sobre voltar ao casamento? Sim. Falar sobre o divórcio? Não. Nós estávamos em um caminho que parecia irremediavelmente discordante e não havia nada que eu pudesse fazer para tentar mudar a situação.

Naquele dia, em especial, eu queria não pensar em nada que fosse Caetano, sua família, nosso casamento e por aí vai. Enquanto eu estava me dirigindo para o set, que naquele dia seria uma externa no entorno da Praça Cardeal Arcoverde, em Copacabana, ele me ligou. Eu poderia atender, já que estava em carro de aplicativo e não no meu, dirigindo, mas decidi não atender. Era um dia importante e eu precisava estar concentrado em tudo que iria acontecer nas horas a seguir, e eu sabia que falar com ele iria me tirar do meu eixo, porque depois de tanto tempo, eu já estava cambaleando de saudade dele.

Me mantive firme, cheguei ao set, passei com a produção o que seria realizado naquele dia e começamos a rodar as cenas, já que a direção de fotografia já havia nos indicado até que horas a luz estaria no ponto certo para gravar. Os atores contribuíram bastante, erraram pouquíssimas vezes e seguiram as marcações dadas pela direção, coisa rara quando se fala de cinema. A minha cabeça e meu foco estavam totalmente ali, mas não fixos o suficiente para perceber os olhares do rapaz alto, de cabelo raspado, pele bronzeada, dentro de um elegante terno, que me olhava de longe, encostado em um carro.

Trocamos olhares algumas vezes, até que em uma pausa das gravações, ele finalmente se aproximou.

- E aí, gatinho, vem sempre por aqui. - ele se agachou para ficar no mesmo nível que eu me encontrava, sentado na calçada.

- Você é um filho da puta, né André. - sorri e sem dar muita chance dele reagir, o abracei apertado. André era meu amigo de longa data, dos tempos de PUC, que cursava direito, da mesma turma do Caetano.

- Passa o tempo e essa boquinha não começa a xingar menos. - ele me apertou um pouco e em seguida se afastou, me encarando diretamente.

- Quanto tempo, cara. O que que tu tá fazendo por aqui? - ele se levantou e estendeu a mão para me puxar para cima.

- O que você tá fazendo aqui? Tu não tinha virado paulistano e os caralhos?

- É uma longa história, meu querido. Mas como que você me achou aqui?

- Eu tive uma reunião com um cliente aqui perto, na Tonelero, e na hora que tava indo pra o meu carro, te reconheci de longe e decidi ver o que tu tava aprontando. Sabia que uma hora tu ia se meter mesmo com audiovisual. Sempre foi tua cara e tua praia. - ao fundo, comecei a perceber a movimentação da equipe, já se preparando para voltar às gravações. Se tudo desse certo, aquela seria nossa última cena e depois seríamos todos liberados, já que no dia seguinte seriam realizadas somente cenas em estúdio.

- É a minha grande paixão mesmo, mas Dé, eu preciso voltar. Essa deve ser minha última cena, eu preciso voltar.

- Pô, já que é a última, que que tu acha da gente tomar um gelo depois? Meu dia tá acabando cedo hoje. Aí a gente aproveita pra botar a conversa em dia.

- Olha, não sei se beber, mas se você for passar por Botafogo, pode me dar uma carona?

- Fechado!

O diretor já estava me solicitando para a gravação. Rodamos aquela última cena de primeira, acredito que o cansaço da equipe fez com que tudo funcionasse na primeira tomada, para não termos retrabalho. Após a conclusão, começamos a guardar os equipamentos, e contamos com o apoio do André, que como bom rato de academia, segurava os equipamentos mais pesados com muito mais facilidade e equilíbrio do que eu. Terminada a arrumação dos equipamentos no furgão da equipe, nos despedimos e cada um seguiu seu rumo, até porque todos moravam sentido Ipanema/Barra, enquanto eu mantinha hasteada a bandeira dos que gostavam de viver do outro lado do túnel, no furdunço que era o eixo Tijuca-Botafogo.

André, como combinado, me deu uma carona, já que ele vivia ali pelas vizinhanças de Botafogo. Durante o trajeto, ele me convenceu a sentar pra beber em um barzinho próximo onde morávamos. Nós dois vivíamos ao redor da Praça Nelson Mandela. Eu, de fato, em um condomínio na Voluntários da Pátria, em frente a finada Starbucks, Subway e do lado da Estação Net, e ele vivia em um apartamento na Rua São Clemente, onde fica a outra ponta da praça.

Por uma questão de logística, ele deixou o carro na garagem do seu prédio e de lá seguimos para o barzinho bem no coração da praça. Sentamos, bebemos e conversamos sobre a vida. Desde que saímos da PUC, nosso contato diminuiu bastante, se tornando quase rarefeito. Agora que eu estava de volta, era a hora de retomar os contatos. Mais do que nunca, era importante para mim estar próximo dos meus amigos. André me contou que pós-faculdade, chegou a namorar sério outro cara, mas que as coisas não foram pra frente, porque ele, como o bom cafajeste que era, havia traído o namorado com uma garota. Vamos dizer que apesar de ser meu amigo, eu sempre soube que André não era lá muito fã da monogamia e suas derivações.

Tantos relacionamentos do André terminaram por consequências de traições, que quando eu contei a ele que havia me separado, a primeira coisa que ele perguntou foi quem traiu quem. Não passava pela sua cabeça que nem sempre uma traição precisa ser o que finda uma relação.

Bebemos duas ou três cervejas, e ao final da primeira, eu já havia notado que o André estava carinhoso e tátil demais. Ao acaso ou não, ele se sentou ao meu lado e não na mesa da frente. Vez ou outra, uma de suas mãos esbarravam na minha coxa, até que ali elas repousaram de vez. Num primeiro momento, estáveis, até que passaram a alisar e, por fim, apertar.

Eu sempre fui vacinado em relação a homem cafajeste. André era um cafajeste, mas não era minha intenção casar ou viver um romance com ele; e depois de tantos anos eu estava solteiro. Por que não?

As coisas se desenrolaram de forma muito natural e, em determinado momento, nos beijamos. Foi um primeiro beijo suave e muito gostoso. Outros vieram depois daquele, até que ele fez a proposta:

- E se a gente fosse pra um lugar mais tranquilo? - eu sabia exatamente do que se tratava.

- Cê quer ir pra estação net? Essa hora, lá, é bem tranquilo. - ele acariciou meu rosto e sorriu antes de se aproximar do meu rosto e me dar mais um beijo.

- Certo. A gente pode ir pra lá, depois de passar na sua casa, que é bem do ladinho. Que que tu acha? - ele me encarou. O olhar do André era bem convincente, ele era convincente, além de ser um grande gostoso. Eu não precisava de muito para querer ficar com ele.

- Tudo bem. A gente passa na minha casa e toma uma água.

- Perfeito. Eu tô mesmo querendo beber a água que só tem na sua casa.

Rimos daquilo, querendo ou não, éramos amigos que estavam se divertindo. Fechamos a conta e seguimos pra minha casa. Cronometrados 40 segundos de distância. Na portaria, ele foi muito simpático, trocando algumas ideias sobre futebol com o porteiro enquanto o elevador não chegava. Quando enfim o elevador chegou e a porta se fechou, suas mãos me puxaram pela cintura, colando imediatamente nossos corpos, o beijo não foi suave, foi intenso, havia um desespero do corpo dele querendo o meu. Suas mãos passavam avidamente pelo meu corpo, foi intenso e eu não tive tempo para reagir, só fui no fluxo dele. Subitamente, ele se afastou de mim com um sorrisinho.

- 12º andar, tá próximo, bebê.

Eu não sabia muito sobre o momento que estava vivendo, mas sabia que queria muito pegar aquele homem. As portas do 13º andar se abriram, meu apartamento ficava de frente para o elevador. Quando as portas se abriram, André ficou pálido, demorou pouco para eu entender o que estava acontecendo, assim que meu olhar seguiu a direção do dele, entendi imediatamente. Caetano, também de terno e gravata, estava sentado no chão, em frente a minha porta. Saí incrédulo do elevador, ele foi se levantando sorrindo e veio até mim.

- Caetano, você tá fazendo o que aqui? - paramos frente a frente

- Eu preciso falar contigo, meu bem. Mas antes disso. - ele me tirou do caminho e foi em direção ao elevador. - André, meu camarada. Quanto tempo. - Os dois se abraçaram rapidamente. Antes que Caetano perguntasse qualquer coisa, André foi falando:

- Meu irmãozão, encontrei esse carinha aí na rua hoje, a gente tomou uma cervejinha e eu decidi trazer ele em segurança. Procedimento padrão, né chefe?

- Corretíssimo, amigo. Agora, deixa que eu assumo a missão e amanhã a gente se fala.

Caetano apertou o botão da portaria e dispensou o André. Literalmente dispensou o cara que eu estava beijando. André foi um verdadeiro bananão, que sequer olhou na minha cara antes de descer. Quando Caetano se virou para me encarar, com aquele sorrisinho típico de quem sabe o que fez, eu já estava preparado para voar nele.

- Como é que você aparece assim na minha casa e dispensa o meu convidado. - digitei a senha da fechadura e ela abriu imediatamente.

- Ele não fez a menor menção de que queria ficar. Pelo contrário. - enquanto ele falava, fui entrando em casa, e ele se sentiu confortável para tentar entrar junto comigo.

- Quem te deixou entrar? - parei e o encarei.

- Eu preciso falar com você. Quer que eu fale aqui, na porta.

- Quero. Porque eu não te chamei pra entrar, e o porteiro não deveria ter deixado você entrar.

- E ele liberou porque eu sou seu marido.

- EX! - a ênfase foi mais alta do que eu deduzi. Ele ficou alguns segundos em silêncio, respirou fundo e continuou.

- Futuramente, seu ex. Eu liguei pra você o dia todo, porque vim ao Rio a negócios e queria te encontrar pra entregar algo em mãos.

- O quê? - minha paciência já estava no limite.

- Os papéis do divórcio. - ele tirou de dentro da sua mala um envelope com alguns papéis dentro e estendeu a mão para que eu segurasse. - A minha parte já tá assinada, só falta você assinar e tá tudo certo.

Aquilo me pegou tão de surpresa que eu peguei o envelope e entrei, deixando o caminho aberto para que ele entrasse atrás de mim. Eu sabia que eventualmente eu teria que assinar os papéis e que seríamos efetivados como ex-maridos, mas eu não tava preparado…

- Por que você trouxe em mãos? - me sentei no sofá, ainda com o envelope em mãos e totalmente anestesiado.

- Porque eu te amo, Gabriel. Te amo pra caralho, e é isso que você quer, não é? Então eu só posso respeitar e tentar entender que acabou. Te amo o suficiente pra te deixar ir.

Eu não sabia o que dizer. Não sabia como dizer. Era óbvio que eu amava o Caetano, e como ele tava especialmente lindo naquele dia. Aquele terno foi um dos últimos que eu comprei de presente para ele, e o combo terno, mais aquele cabelinho levemente grande e a barba por fazer, o deixaram ainda mais lindo. São Paulo havia o deixado mais branco do que ele era no Rio, faltava uma vitamina C ali, mas ainda assim, ele estava lindo. Eu não sabia o que pensar, o que fazer e o que sentir. Eu o amava, eu não queria, mas o amava.

Me levantei e fui em direção ao balcão da cozinha. Havia uma caneta dentro do envelope. Peguei os papéis e assinei os pontos já previamente sinalizados por ele. Fiz tudo no modo automático. Eu só conseguia pensar em como aquela história estava terminando daquela forma. Tudo era surreal, especialmente a ideia de viver uma nova vida longe do meu melhor amigo.

Terminei de assinar, coloquei os papéis no envelope e entreguei a ele. Ele recebeu os papéis e não disse nada. Apenas saiu do apartamento sem olhar pra trás.

De todas as coisas que ele poderia fazer para me afetar, aquela era a única que eu não sabia que poderia me atingir com tanta força. Em menos de 3 minutos, Caetano me deixou totalmente mordido. Dente, lábio e jeito de olhar, tudo me deixou mordido. Mordido porque ele havia trazido os papéis, significando que ele estava pronto para me deixar. Mas e eu? Eu estava pronto para deixá-lo me deixar?

Fui em direção ao corredor e abri a porta rapidamente, queria falar qualquer coisa antes que ele entrasse no elevador, mas assim que a porta se abriu, ele estava lá, parado, me aguardando.

- Não fala nada não, Gabriel.

Suas mãos me empurraram para dentro do apartamento, mas antes disso, eu já havia o puxado para um beijo. O mesmo beijo que me fisgou anos antes, na sua casa, na Lagoa. Suas mãos quentes tocaram a minha cintura e começaram a levantar o tecido da minha camisa, ao mesmo tempo em que o paletó já foi ficando pelo caminho. Era o mesmo homem que sabia me acender como nunca, na mesma cidade que nos uniu, com o mesmo olhar apaixonado de antes.

Eu queria falar muito, queria falar tudo, mas seus lábios sabiam como calar os meus. Eu não disse nada, mas eu estava completamente mordido por aquele homem.

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Comentários

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AFINAL SEPARA OU NÃO SEPARA? RSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSS SE CAETANO NÃO MUDAR DE POSTURA É MELHOR SEPARAR. POBRE ANDRÉ FOI EMBORA COM DOR NO PAU DE VONTADE DE TRANSAR. RSSSSSSSSSSSSSSSSSS ISSO NÃO SE FAZ.

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Início maravilhoso, João! Você sabe que sempre terá um fã aqui hehe. Não vejo hora de ver o desenrolar dessa história!

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