Envolvido num triângulo amoroso - 1# Parte

Um conto erótico de Kherr
Categoria: Gay
Contém 10394 palavras
Data: 08/02/2024 15:39:26

Envolvido num triângulo amoroso – 1# Parte

Meados de 1943, verão abafado nos campos da Alsácia, nalgum lugar próximo da fronteira entre Alemanha e França. Eu estava tenso e apavorado, era a minha primeira missão em campo; até então sempre estivera na retaguarda e não sabia o que nos esperava, ou melhor, até sabia, qualquer imprevisto ou falha custaria a minha vida e a dos meus amigos da Resistência que atuava em pequenos grupos por toda a França ocupada pelas tropas nazistas. Membros da inteligência da Resistência haviam passado as coordenadas por onde o comboio de caminhões da Wehrmacht passaria com um carregamento de munições, granadas e explosivos para abastecer as tropas que controlavam os territórios ocupados.

Neil, o líder do grupo, concluiu que a ponte metálica em arcos onde a estrada vicinal se estreitava ligeiramente e ficava na zona rural do vilarejo mais próximo, seria o ponto ideal para interceptar o comboio e explodi-lo pelo ar. A perda seria catastrófica, pois as tropas da Wehrmacht estavam desabastecidas.

Neil, um anglo-canadense, era um sujeito destemido, líder nato, aos trinta anos e com um corpão ágil e vigoroso, se tornou uma verdadeira arma assassina depois dos treinamentos que recebeu no exército inglês. Anteriormente, ele havia se voluntariado na Guerra Civil Espanhola ao lado dos Nacionalistas e com seus conhecimentos treinou habitantes para o enfrentamento bélico, ao mesmo tempo em que procurava ajudar civis que ficavam entre o rastro das balas. Era um sujeito com boa instrução e capacidade, formado em administração e ocupando cargos importantes em grandes empresas, mas um revolucionário de esquerda nato, que não aceitava injustiças. Foi a primeira vez que ele me deixou participar de uma missão em campo; eu nunca soube se por ele não confiar em mim e nas minhas capacidades, ou se para me poupar. Ele montou o grupo na véspera, determinando o papel da cada um na emboscada. Além de mim, que só precisaria ficar escondido as margens do bosque que acompanhava o rio, e sinalizar o momento exato para que o René, um engenheiro e especialista em comunicações e explosivos, deveria acionar o mecanismo de explosão da carga de dinamite que fora instalada na base de sustentação dos arcos da ponte. O Neil e o Henri se encarregariam de neutralizar os dois guardas armados nas guaritas nas cabeceiras da ponte, visto que o Henri era outro membro parrudo do grupo que sabia muito bem como aniquilar um oponente numa luta braço-a-braço. A Sabine, uma garota bonita de origem franco-germânica e judia, ficaria encarregada de distrair os dois guardas e fazê-los sair das guaritas quando passasse de bicicleta pela ponte num vestido de alças esvoaçante. Pierre, um estudante de pós-graduação em sociologia da Sorbone, outro militante obstinado por justiça e igualdade, abandonara os estudos para aderir à causa da Resistência, colocando seu corpão atlético e másculo à disposição de uma luta que ele encarava como vital para a sobrevivência autônoma de seu país. Já teria dado tempo de o Neil e o Henri terem aniquilado os guardas e ocupado suas posições quando, de onde eu estava, vi a poeira da estrada formando uma nuvem após a passagem dos caminhões. Meu coração queria sair pela boca. O René ainda podia ser avistado pendurado por uma corda no último arco onde terminava de instalar os fios que explodiriam a carga de dinamite. Ele tinha menos de três minutos para sair dali e se posicionar num lugar seguro de onde acionaria os explosivos. Afora isso, tudo estava correndo dentro do cronograma previsto. De repente, dois garotinhos em suas bicicletas, avançaram por uma das cabeceiras da ponte enquanto o comboio escoltado por uma tropa em um jipe entrava pela outra. A ordem era detonar a ponte a qualquer custo, mas eu não podia sinalizar e, ao mesmo tempo, comprometer a vida daquelas crianças. De longe, vi o René esperando pelo meu sinal, agoniado com a minha demora. Como os garotos entraram na ponte após passarem pelo Henri e não atenderem sua ordem de parar, ele correu atrás deles, enquanto o comboio parava sobre a ponte e parte da tropa da escolta descia do jipe, desconfiando que algo estava errado. Os garotos assustados pararam e ficaram entre o Henri que os perseguia a pé e a tropa que lhes dera ordem de parar e apontava suas armas na direção deles, prontos para disparar. Quando o Henri os estava levando de volta para a cabeceira da ponte, o comandante da escolta percebeu como o uniforme estava desajeitado sobre o corpão dele, e exigiu que ele se aproximasse e se identificasse. A decisão precisaria ser tomada agora, era disparar contra a escolta ou perderíamos a chance de impedir que aqueles suprimentos chegassem as mãos das tropas. O Neil disparou na retaguarda da escolta e o Henri pela frente, iniciando o tiroteio. Um dos garotos foi atingido e o Neil o socorreu arrastando-o pelo chão da ponte protegendo-o com o próprio corpo. Distante, vendo tudo, e impotente, eu não sabia o que fazer. Se sinalizasse para o René mataria a todos. O Henri continuava disparando, mas foi atingido e caiu de joelhos. Subitamente o Neil se levantou e conseguiu correr com o garoto nos braços em direção a cabeceira da ponte. O comandante da escolta correu em direção ao Henri com a arma em punho e, mesmo ferido, o Henri se jogou da ponte para dentro do rio, sob disparos de metralhadoras. Era o momento. Eu acenei para o René e ele acionou o mecanismo. A primeira carga explodiu destruindo completamente o primeiro arco da ponte, as outras duas, em sequência, fizeram o comboio todo se desintegrar numa explosão que se fez sentir até no centro do vilarejo, e fez o chão tremer sob meus pés. Quando me refiz, corri em direção à margem do rio à procura do Henri. A queda nas águas do rio fez com que perdesse os sentidos e a correnteza o arrastava flutuando de barriga. O René também o viu quando ele saltou da ponte e veio se juntar a mim, ajudando-me a tirar o Henri da água. O projétil entrou na perna dele e ele perdia muito sangue, devia ter acertado a artéria ou veia femural. Improvisei um torniquete até que pudéssemos levá-lo até a vila em segurança, onde poderia tratar dele, depois de driblarmos as tropas alemãs que controlavam o vilarejo.

- Pode ajudá-lo? – perguntou o Neil quando estávamos no abrigo, num porão de uma das casas do vilarejo.

- Ele perdeu muito sangue, vou precisar de plasma, ou ele pode entrar em choque. Há uns frascos numa sala do segundo andar do hospital, eu os vi quando levaram aquele soldado alemão baleado no início da semana. E também preciso de morfina! – respondi.

- O René e eu vamos roubar os frascos do hospital! – sentenciou o Neil, ao saírem correndo.

- Veja se encontra ataduras e seringas, não tinha quase mais nada na minha maleta. – apressei-me a pedir.

- Não quer mais nada, doutor, um eletrocardiógrafo, um equipamento de Raios-x? – questionou sarcástico o Neil

- Cínico! Ande depressa, ou nem breve não vou precisar de mais nada! – devolvi, ele me irritava quando me chamava de doutor com aquele risinho debochado.

Um ano antes, eu estava prestes a iniciar o meu último semestre na faculdade de medicina da Universidade de Freiburg. Os colegas que já haviam regressado das férias de verão resolveram fazer uma comemoração numa taberna da cidade onde os estudantes costumavam se reunir, e eu os acompanhei por imposição do Rolf um colega de turma que vivia me aporrinhando pelos corredores e salas de aula da faculdade. Ele exercia uma vigilância estreita sobre mim, e eu sabia muito bem porquê. Ele duvidava da minha masculinidade, mas nunca encontrou provas para afirmar que eu era homossexual. Filho de um agente de alta patente da SS e nazista ferrenho, ele procurava por qualquer deslize meu que lhe confirmasse minha condição e, cansado de esperar, resolveu armar uma cilada para mim. Seria naquela noite, na taberna, com a ajuda de outros comparsas que partilhavam as mesmas ideologias, me cercaram e tentaram me seduzir usando um sujeito bonito e bem másculo para me abordar e me levar a ter relações sexuais com ele. Não deu certo, eu estava tão amedrontado que descobrissem que era gay que evitava qualquer contato com outros rapazes. Porém, o sujeito pago e instruído para me abordar, tentou me beijar e bolinava com a minha bunda quando montaram o falso flagrante, no qual eu me debatia e esmurrava o sujeito pelo atrevimento.

- Você é uma bichinha, Niklas? Conta para a gente se você gosta de um pauzão no seu cu, Niklas. Você é muito bonito para ser um macho, nos mostre se você tem um pinto no meio das pernas e se sabe fazer uso dele, mostra Niklas! – provocava ele, enquanto tentavam arrancar as minhas calças.

- Você vai se arrepender disso, Rolf, eu juro! Talvez o único pederasta aqui seja você, seu cretino! – devolvi, cuspindo de raiva. Me deram uma surra deixando hematomas por todo o corpo.

Duas semanas depois, após ele regressar num sábado à noite da esbórnia com os amigos e se encontrar em seu dormitório no alojamento de estudantes completamente bêbado, entrei no quarto e injetei de uma só vez mais de quinze mililitros de cloreto de potássio na veia dele. Era ele ou eu, não tive escolha; mesmo que não encontrasse uma prova da minha sexualidade, o Rolf a forjaria só para me denunciar à SS, era um nazista fanático. Quando a notícia da morte começou a circular pelos corredores da faculdade na manhã seguinte, fiquei aliviado, pensei estar livre de ser denunciado A Gestapo por ser homossexual. Para todos os efeitos, a bebedeira o teria levado ao ataque cardíaco. No entanto, comecei a ficar com medo de ter deixado alguma pista solta, e decidi que havia chegado a hora de eu fugir e cruzar a fronteira para a França. Eu fazia parte daqueles grupos de pessoas que comprometiam a supremacia da raça ariana, apesar de descendente há gerações de alemães, era gay e, se descoberto, seria sumariamente fuzilado, como acontecia com os deficientes físicos ou mentais. Permanecer na Alemanha naqueles tempos em que até membros da mesma família denunciavam uns aos outros, mais cedo ou mais tarde, com ou sem o Rolf, alguém acabaria me denunciando, por isso fugi.

Estava há um mês em Saint-Diés-des-Vosges na Alsácia, num quarto alugado na casa de uma viúva e seus dois filhos adolescentes, depois que o marido foi morto durante a ocupação da França, quando conheci a Sabine num bar onde uma prima da minha senhoria cantava aos sábados à noite. A Sabine estava acompanhada de um grupo pequeno de amigos, mas foi estranho notar que não pareciam estar se entretendo com a apresentação da cantora e sim, confabular entre si sobre um assunto que deveria ser muito interessante, pois mal prestavam atenção no restante dos frequentadores. Eram cinco homens e só ela de mulher. A princípio, pensei que a estivessem cantando, pois era uma garota muito bonita e atraente. Por estar sem companhia, sentei-me numa ponta do balcão onde ficava mais próximo do pequeno palco onde a moça se apresentava. Fazia tempo que estava com a mesma caneca de cerveja rodopiando nas mãos quando a Sabine se aproximou para pedir mais bebidas para o grupo. Ela me encarou e sorriu, eu me lembro de ter corado, não estava habituado as garotas me encararem daquela maneira.

- Olá! Sozinho? Estava te observando há algum tempo e me perguntando se essas francesas são cegas por não notarem e se aproximarem de um rapaz bonito como você. – disse ela

- Bem! Você notou e, se me permite ser sincero, é bem mais bonita do que qualquer outra aqui dentro. – devolvi, apesar da timidez.

- Prazer, Sabine! – retrucou ela, me estendendo a mão.

- Prazer, Niklas!

- O que faz perdido por aqui, Niklas?

- Me distraindo com a voz da cantora, ela é prima da minha senhoria.

- Então é um Alsaciano, pensei que fosse alemão.

- Sou alemão, só estou de passagem. E você, mora aqui? Percebo que já está bem enturmada.

- Não, também só estou de passagem!

- E quem são seus amigos? – notei que ela vacilou uns segundos antes de responder.

- Como você disse, são só amigos! – respondeu evasiva. Embora seu francês fosse perfeito gramaticalmente, notava-se um acento germânico em sua pronuncia.

- Também é alemã, não é? – arrisquei

- Sim! Pai alemão, mãe francesa, como muitos nessa região. – respondeu. – No que trabalha, Niklas? – foi a vez dela me encurralar.

- Estou no último ano da faculdade de medicina, um professor me indicou um colega que talvez consiga me encaixar em sua equipe num hospital em Paris. – menti. – E você, o que faz?

- Sou curadora num museu em Nancy!

- No Museu de Belas Artes da Praça Stanislas? – perguntei curioso.

- Exato!

- É um cargo importante, o museu é bem renomado. Foi na coleção do acervo dele que vi a Ceia de Emaús de Caravaggio, uma obra fantástica!

- Sem dúvida, uma das mais visitadas do museu. – devolveu ela. Foi a vez de ela mentir, a obra do mestre italiano jamais esteve no Museu de Belas Artes de Nancy.

Por que ela mentia, o que estava escondendo? Tal como eu, era evidente que escondia alguma coisa importante que comprometia sua integridade física. Não a desmenti, precisava descobrir se não era alguém da Gestapo enviada para descobrir meu paradeiro. Talvez já tivessem descoberto que a morte do Rolf não foi acidental, mas provocada, e haviam me ligado a ela de alguma forma. Sendo alemã, ela muito bem poderia estar a serviço da SS.

- Quer conhecer meus amigos? Venha terminar sua cerveja em nossa companhia. – sentenciou, quando o barman lhe entregou as bebidas.

- Sim, claro! Será um prazer, parecem tão animados! – eu precisava agir naturalmente, como um universitário em trânsito, não como o assassino de um filho inescrupuloso e fanático de um agente da SS.

Olá! – cumprimentaram, sem muito entusiasmo, estava claro que eles não compactuavam com o convite da Sabine. Trazer um estranho para a mesa não fazia parte dos planos deles.

- Olá! – respondi.

- Este é o Niklas, estudante de medicina, está no último ano, e indo ao encontro de um conhecido para tentar uma colocação num hospital em Paris. – informou a Sabine, o que fez com que todos repentinamente, passassem a me encarar de um modo bem diferente do da recepção.

Fiquei me perguntando o que poderia ter feito com que mudassem de opinião tão rapidamente diante dessa informação, que era apenas verdade em parte. Contudo, logo deixei de me preocupar com esse detalhe, depois que ela me apresentou ao Neil e ele apertou minha mão com força, sacolejando até o meu braço. Devo tê-lo encarado bobamente, pois fiquei tão enfeitiçado por sua masculinidade que cheguei a sentir calor e o cuzinho piscando. Foram poucas as vezes em que isso me aconteceu, e eu lhe devolvi um sorriso acanhado. Se um dia havia sonhado com um homem ideal, o Neil era a personificação desse homem, e o que senti naquele momento foi algo inusitado e inexplicável.

No dia seguinte, minha senhoria anunciou que eu tinha visitas. Quem poderia ser, eu não conhecia ninguém em Saint-Diés-des-Vosges? Sabine e Pierre examinavam a sala rústica da casa com seu teto sustentado por grossas vigas de carvalho. Como me encontraram? Eu não havia dado meu endereço, pois não esperava rever ninguém daquele grupo da noite passada.

- Oi, Niklas! – cumprimentou a Sabine com um sorriso gentil. Eu começava a perder a confiança naquela mulher. A mentira quanto a trabalhar no Museu de Bela Artes e agora essa aparição sem cabimento não podia ser boa coisa. – Lembra-se do Pierre? – emendou ligeira, quando notou a minha desconfiança quanto a presença deles.

- Sim, claro! Oi Pierre! – devolvi desconfiado

- Oi, Niklas! Você deve estar estranhando a nossa visita. – verbalizou ele, ao que me limitei a apenas esticar um pouco o contorno da boca como se fosse sorrir. – Gostaríamos de conversar com você, será que pode nos acompanhar, não é longe daqui. – acrescentou. Me descobriram, pensei sentindo o pavor tomando conta de mim; sabem que fui eu quem matou o Rolf, estão aqui para me matar.

- Não! Eu já estava de saída! Lamento, mas estou atrasado! – exclamei. – Se me derem licença, não é uma boa hora! – a Sabine percebeu minha agitação e também que eu devia estar me escondendo de alguma coisa ou alguém.

- É coisa rápida, Niklas! Seja lá do que está fugindo, não é por isso que queremos conversar com você. – afirmou.

- Eu fugindo? Do que eu estaria fugindo? Que absurdo! – gaguejei perturbado.

- Porque nos parece que está numa situação semelhante à nossa, não podendo se revelar nem esclarecer o que o levou a deixar a Alemanha. – disse ela.

- Não queremos o seu mal, Niklas! Precisamos de você, é sobre isso que queremos conversar. – disse o Pierre. Por favor, nos acompanhe. – eu confiava um pouco mais nele do que na Sabine, até porque sua barba a ser escanhoada, aqueles olhos verdes e os bíceps volumosos exerciam mais fascínio sobre mim do que a silhueta bem torneada dela.

- Precisam de mim? Não estou entendendo!

- É isso que queremos esclarecer. – respondeu ele

Levaram-me até uma casa antiga nos limites da cidade, pela degradação, devia estar abandonada havia um tempo. O frio na minha barriga só aumentava, é aqui que vão me executar. Por dentro a casa estava um pouco mais conservada, embora a mobília parecesse ter sido revolvida, com nada em seu devido lugar. Todos do grupo da noite passada estavam lá, ao redor de uma mesa no que era a cozinha, inclusive o Neil. Foi para ele que meu olhar se dirigiu primeiro, e para aquela camisa desabotoada com as mangas dobradas até os cotovelos que exibia seus braços musculosos e parte dos pelos sensuais de seu tórax largo.

- Que bom que veio, Niklas! – disse ele, vindo ao meu encontro e me apertando num abraço. Ele me pareceu um urso, um urso enorme, quente e forte. Minhas pernas bambearam, meu cuzinho voltou a piscar. Seria sempre assim quando me visse diante dele, sentir o assanhamento do meu cu?

- Olá, Neil! – cumprimentei, usufruindo daquele abraço.

Durante a conversa meu medo se dissipou à medida em que fizeram ver para o que me queriam, meus conhecimentos médicos. Explicaram que eram uma das células da Resistência francesa, que meus conhecimentos poderiam ajudar outros membros integrantes que fossem feridos durante as ações e até os civis que eram privados de atendimento médico em detrimento dos soldados alemães que tinham prioridade quando eram feridos.

- Não sei se posso ser útil, como eu disse, estou tentando obter uma vaga num hospital em Paris quando me formar. – argumentei.

- Sabemos que foi você quem provavelmente matou um de seus colegas de faculdade que pretendia denunciar sua homossexualidade para a Gestapo. Desculpe a invasão, Niklas, mas precisamos investigá-lo antes de fazer a proposta, não podemos correr riscos. Temos membros da inteligência infiltrados em diversos locais, foi um deles que nos passou a informação. Queremos que venha fazer parte do grupo, nos será de muita ajuda. – pela primeira vez aquele encanto inicial pelo Neil desmoronou, minha privacidade foi invadida. O que mais esse homem viria a invadir em mim, sem o meu conhecimento ou permissão?

- Vocês não tinham o direito! Vocês são piores do que eles! Não quero participar de nada disso, quero que me deixem em paz! – exclamei revoltado.

- Acalme-se, Niklas! Não usamos essas informações para chantageá-lo, só precisamos da sua ajuda. – argumentou o Neil. – Cada um de nós aqui também tem um passado, mas estamos mais empenhados em combater essa ideologia nazista do que prejudicar inocentes. Precisamos contra-atacar, não temos como enfrentar frente a frente um exército bem armado, mas podemos fazer muito para prejudicar as ações dele. Nos ajude, por favor, Niklas! – ele não devia ter pego minhas mãos entre as dele, eu me entregaria por inteiro a elas se ele o quisesse.

- Foi por isso que mentiu para mim ontem, Sabine? Você não trabalha no Museu de Belas Artes de Nancy, a Ceia de Emaús nunca fez parte do acervo do museu, nem curadora você deve ser. É uma judia alemã, não é? Está fugindo por estar sendo perseguida na Alemanha, estou certo? – inquiri

- Invadiram nossa casa depois que um vizinho nos denunciou, meus pais e meu irmão foram fuzilados diante da fachada da casa, eu estou viva porque não estava em casa quando eles a invadiram, mas assisti tudo de longe, e desde então tenho fugido e me empenhado para salvar a vida de outros inocentes. Nos ajude, Niklas! – me comovi com a história dela, no entanto, isso não fez aumentar minha confiança nela, talvez porque ela olhava para o Neil com a mesma expressão no olhar que eu o fazia.

Dois dias depois, atormentado por estar fugindo sem um destino definido e, cedendo aos argumentos e atributos físicos principalmente do Neil, engajei-me no grupo. Continuaria a ser um fugitivo, mas de alguma forma estaria um pouco mais seguro, foi o que pensei.

A partir de informações de membros da inteligência, o grupo precisou se deslocar para Paris. A chegada de um novo general para assumir o comando na região da Normandia, onde o atual comandante estava sendo acusado de negligenciar suas funções atuando de modo brando na represália e massacre aos focos da Resistência local, não poderia acontecer. Era preciso eliminá-lo antes de ele assumir o cargo, até porque isso podia comprometer as informações privilegiadas que um ajudante de ordens direto, um tenente da Wehrmacht, repassava à Resistência ao atuar como agente duplo. Dois outros grupos já haviam falhado na tentativa de executá-lo; o primeiro que contava com snipers que deveriam alvejá-lo logo em sua chegada a Paris e, um segundo que, dias depois, explodiu o carro errado da escolta, deixando o general Schröeder ileso. O plano era assassiná-lo durante uma festa de boas-vindas que aconteceria na sede do Quartel General da Ocupação em Paris. Com um pouco de sorte, talvez outros oficiais graduados também seriam mortos no atentado.

Meu papel até então se restringia a vigiar os movimentos das tropas, escoltas e agentes disfarçados da Gestapo, ou pequenas ações como distrair guardas ou fazer contatos com outros membros de grupos da Resistência. Não sei se estavam apenas testando a minha lealdade ao grupo não me dando funções importantes durante as missões, ou se me achavam incompetente demais para isso. O que era certo, era que eu não levava jeito para ser um agente ou militante do que quer que fosse. Eu me apavorava durante um tiroteio, ao segurar uma arma nas mãos elas tremiam sem parar, atirar em alguém estava fora da minha coragem; em suma, minha valia numa célula terrorista era nula. E, naqueles primeiros meses, meus conhecimentos médicos não se fizeram necessários, o que agradeci. Havia me apegado a cada um dos membros, eles já não me pareciam tão estranhos, de cada um eu sabia um pouco da vida pregressa, aquilo que se dispunham a contar espontaneamente, uma vez que nunca os forcei a nada. Porém, à medida em que a confiança deles crescia, foram se abrindo e eu ia descobrindo que eram pessoas com um passado sofrido, com ideias de justiça e liberdade para todos, com sentimentos e frustrações pessoais que tiravam um pouco da sua felicidade. Já eles, me viam como alguém a ser protegido, não só pelo que eu podia lhes ser útil, mas pelo meu despreparo e inexperiência de vida. Eu era o mais jovem deles, todos com 30 anos ou mais, o que os levava a me tratarem como um crianção, especialmente porque eu ainda era o único a ter um sorriso sincero e espontâneo, o que eles já haviam perdido depois de tantas mazelas que presenciaram. Confesso que as vezes isso me irritava, eu não era mais uma criança, era um adulto. Contudo, quando era o Neil ou o Henri a me tratarem assim, eu achava fofo, e me derretia de atenções por eles. Eu ainda não tinha certeza, mas suspeitava que ambos me desejavam, se não para algo mais, mas para o sexo, sim. Meu corpo os excitava.

Foi, portanto, apenas no dia do atentado ao comboio na ponte que me fiz realmente necessário como médico, o que eu ainda não era. Quando o Neil e o René regressaram com os suprimentos médicos que roubaram do hospital eu entrei em ação. Tive que retirar o projétil da perna do Henri com ele se agitando, pois não tinha como anestesiá-lo. Foi a morfina que o ajudou a suportar a dor precariamente. Por sorte nenhum vaso sanguíneo importante foi lesado e o debridamento da ferida e sua posterior sutura foram suficientes para controlar a hemorragia. O problema agora passava a ser uma possível infecção da ferida, já que eles só conseguiram me trazer quatro frascos de antibiótico. Tínhamos que torcer e contar com a sorte. As duas primeiras noites foram as piores, assim que o efeito da morfina passava, o Henri começava a se agitar. Não arredei pé do lado dele, ainda não me considerava seguro o bastante para deixar a evolução de um paciente sem o estar monitorando.

- Vá descansar um pouco, eu cuido dele! – Disse o René, quando me tirou de um cochilo.

- Eu estou bem! Não quero sair de perto dele! – devolvi, esfregando os olhos cansados.

- Foi ótimo o que fez por ele! – afirmou o Neil, visivelmente contente por haver me integrado ao grupo.

- Só vou ter certeza quando ele se levantar e começar a andar por aí! – devolvi.

O tiro havia atingido a parte superior da coxa do Henri, para extrair o projétil precisei despi-lo da cintura para baixo. Durante o procedimento não tive cabeça para prestar atenção no tamanho daquele pênis grosso que ele tinha entre as pernas peludas, mas agora quando refazia diariamente o curativo e inspecionava a cicatrização da ferida, a visão daquela tora de carne colossal e do sacão flácido me produzia calores que incendiavam minha pele. Desde a adolescência essa parte anatômica dos homens exercia verdadeiro fascínio sobre mim, um desejo de tocá-la, de tatear entre o tufo denso de pelos pubianos, de saborear seus fluídos e, falando por si só, meu cuzinho a desejava tão intensamente dentro dele que se contorcia em espasmos. Ao final da primeira semana o Henri apresentava uma melhora significativa, há três dias acordara no meio da noite faminto, o que era um bom sinal. Ele me observava calado fazendo a troca do curativo, reclamava um pouco quando era preciso mudar de posição, mas ao terminar, ele pegava na minha mão e a cobria com um beijo.

- Está voltando a ficar safado, sinal de que logo estará recuperado. – afirmei, no dia em que após o beijo, ele levou minha mão até seu falo.

- Me recuperaria bem mais rápido se você me fizesse um boquete! Ando tão carente! – exclamou, com uma expressão licenciosa naquela cara desavergonhada.

- Vou torcer esse sacão e aplicar um torniquete nele se continuar falando sacanagem! Não pense que sou uma enfermeira que se deixa seduzir por moribundos malandros e tarados. – sentenciei, o que o fez rir.

- Mas é bem mais gostoso do que muitas delas! – devolveu o patife.

Aqueles homens cheios de energia, no vigor da idade, tendo que viver como nômades carecendo de companhias femininas, se excitavam com facilidade a um leve toque, a um simples roçar de pele, à visão de uma nudez parcial. Como só havia a Sabine de mulher no grupo, e ela era uma garota exuberante, todos de certa forma cobiçavam seus atributos, muito embora ela fosse uma pessoa fria que não deixava seus sentimentos transparecerem. Eu achava que ela agia assim para se precaver de sofrimentos, se fazia de durona e insensível quando era preciso atirar em alguém ou não verter uma lágrima quando presenciava mulheres e crianças sendo alvejadas pelas tropas inimigas. De qualquer maneira, ela atiçava a libido dos rapazes. No entanto, não demorei a perceber que ela não era a única, que meu corpo também os excitava e lhes provocava ereções. Daí a naturalidade com a qual me abraçavam, me falavam sacanagens, me faziam propostas libidinosas como a que o Henri acabara de fazer. Eu era muito acanhado para esse tipo de assunto, e era completamente virgem aos 25 anos, o que os deixava ainda mais propensos a me tirar desse estado.

A terceira incursão para dar cabo do general Schröeder aconteceria naquela noite durante a festa de recepção. O tenente ajudante de ordens tinha forjado dois convites para que eu e a Sabine pudéssemos entrar no luxuoso Hotel Europa em cujos salões se daria a recepção para um seleto número de oficias graduados e suas esposas ou amantes. A Sabine estava esplendida no vestido longo cujo decote nas costas chegava quase até sua cintura. Metido num uniforme de major da SS surrupiado na semana anterior da sala de seu verdadeiro proprietário dentro do quartel general por uma criada encarregada de levar alguns uniformes de oficiais até uma lavanderia, eu estava à altura do cargo e da companhia que me acompanharia até a festa, segundo meus parceiros de grupo.

- Os dois estão um tesão! Eu passaria uma noite de sonho fodendo com vocês dois! – sentenciou o Pierre.

Poucas semanas depois de haver entrado no grupo, eu flagrei o René e a Sabine transando enquanto aguardavam a chegada de um mensageiro com informações, sob um viaduto numa ruela estreita e mal iluminada do 6º Arrondissement próxima ao Jardim de Luxemburgo, para uma ação vinda diretamente de um dos líderes, Georges Vallet, no núcleo do FTP-Francs-Tireurs et Partisans. O René com seu tronco largo e vigoroso mantinha a Sabine segura pelas nádegas enquanto a espremia contra as pedras do paredão do viaduto e estocava freneticamente sua verga na vagina dela, chupando um de seus seios que saltara para fora da blusa. Ela suspirava e o deixava socar suas entranhas, afagando sua cabeleira. Eu estanquei a marcha assim que os avistei e me mantive escondido atrás de uma coluna vigiando para verificar se o mensageiro não havia sido seguido. Se eu suspeitasse de alguém no encalço dele, deveria matá-lo com a pistola automática 1935A que trazia debaixo do sobretudo e que há pouco tinha aprendido a manejar depois das aulas que o Neil me deu; uma vez que essas informações em mãos inimigas seriam um completo desastre para a Resistência e da sobrevivência dos membros do grupo. Desde então, eu suspeitava de uma ligação entre os dois, que não podia ser chamada de amorosa, mas que ia além dos interesses patrióticos do grupo, embora não houvesse um pacto de fidelidade entre eles, uma vez que o René sempre dava um jeito de se enfiar num canto reservado dos bares que frequentávamos para foder alguma garota que se mostrasse interessada em seu corpão viril. Comigo ele também tentou numa ocasião em que eu havia acabado de sair do banho e me enxugava, quando ele se aproximou por trás, arrancou a toalha das minhas mãos e se esfregou na minha bunda, sussurrando sacanagens junto ao meu ouvido enquanto beijava e lambia a pele da minha nuca.

- Deixa eu entrar nessa bunda, Niklas! Estou com as bolas estourando de tão abarrotadas! – fui salvo pela entrada abrupta do Pierre no banheiro, que se limitou a caçoar do que presenciou. Eu sabia das conversas que rolavam entre os rapazes do grupo acerca do meu corpo, da minha bunda e da minha virgindade, mas fingia não saber. Eram tempos difíceis, áridos para jovens no auge de seu vigor sexual, e isso me levava a ser compreensivo com eles e conformado com as minhas próprias carências.

Eu estava mais tenso do que a Sabine quando entregamos nossos convites forjados ao sargento que revistava e liberava o acesso dos convidados ao salão do Hotel Europa aos pés da suntuosa escadaria que levava ao andar superior. Fui apalpado da cabeça aos pés por um cabo jovem que se deteve mais demoradamente sobre a minha bunda, metendo devassamente a mão grande entre as bandas dela enquanto me encarava como se eu fosse um criminoso ou uma puta que estava ali para ser aliciada. Também nisso a Sabine me pareceu mais descontraída, quando o soldado que a revistou apalpou seus seios. Ela estava focada na nossa missão, e a frieza era essencial para tudo dar certo. Circulamos pelos salões como um casal apaixonado, trocamos alguns beijos rápidos e eu percorri carinhoso o pescoço longo dela com as costas dos dedos. Os demais convidados nos encaravam com um misto de inveja e satisfação; sem dúvida, éramos o casal mais atraente da festa. Quando tivemos a certeza de havermos despertado a atenção, nos separamos. Ela circulou sozinha com uma taça de champanhe na mão, próximo à rodinha onde o general Schröeder confabulava com outros oficiais do alto escalão. O general logo a notou, o velho babão deve ter sentido um resquício de tesão em seus testículos murchos e secos e no que lhe restou do pinto sob as dobras da barriga opulenta. Bastaram uns segundos para ele a abordar com um sorriso abobalhado e presunçoso, caiu na armadilha feito um pato. Era a minha hora de agir. Entrei numa sala que servia de apoio aos salões, conforme nos explicou o tenente ajudante de ordens, e onde ele na noite anterior havia facilitado a entrada do Neil e do René que camuflaram em duas ânforas de porcelana os explosivos com seus devidos mecanismos que eu precisava terminar de montar acionando o cronômetro que levaria tudo pelos ares, após eu os levar até o salão onde acontecia a recepção. Na outra ânfora se encontravam duas pistolas, uma para mim e outra para a Sabine, caso precisássemos nos proteger durante a fuga.

O general havia levado a Sabine para uma reentrância do salão ladeada por duas colunas de mármore e na qual uma lareira acesa debaixo de uma enorme tela retratando cavalos selvagens correndo num campo cheio de colinas dominava a parede. Acenei discretamente para ela, era o sinal de que tudo corria bem, uma carga de explosivos do tamanho de uma caixa de joias deixei camuflada sobre um aparador onde os garçons vinham montar as bandejas com as quais circulavam pelo salão e a outra depositei ao lado da reentrância ao lado da coluna onde o general estivera conversando com os outros oficiais. Era a deixa para a Sabine se afastar dele com a desculpa de retocar a maquiagem no banheiro. Nos cruzamos no meio do salão no topo da escadaria que levava para a saída, quando lhe entrei a pistola que ela enfiou ligeira na pequena bolsa que trazia. Já estávamos no terceiro degrau da escada em fuga quando a primeira explosão aconteceu, bem ao lado do general Schröeder. O corpo balofo dele foi atirado a uns quatro metros de distância, enquanto outros três oficiais não tiveram a mesma sorte e foram estraçalhados pela explosão. O caos se instalou, soldados corriam para todos os lados procurando proteger os superiores, gritos histéricos das mulheres correndo desesperadas sem rumo para longe do local da explosão só as conduziram na direção da segunda que deixou mais vítimas espalhadas pelo chão e pioraram o cenário de terror e pânico. Numa rápida olhada para trás, vimos que o general rastejava no chão sem um dos braços, o desgraçado ainda estava vivo. A Sabine voltou a subir os três degraus correu para trás da coluna de mármore e disparou duas vezes contra a cabeça dele, espalhando os miolos numa pasta sanguinolenta. Começava a me faltar o ar, a visão daqueles corpos destroçados destoava do juramento de Hipócrates que eu deveria fazer dentro de poucos meses. Assim que a Sabine voltou para junto de mim, fomos detidos por um oficial que queria impedir a nossa fuga, apontando sua Luger para a cabeça dela. Ele a viu atirando no general.

- Aqui, prendam esses dois! – gritou ele, embora os comandados não o atendessem no meio de toda aquela balburdia.

A Sabine não podia se mexer para tirar a pistola da bolsa, levaria o tiro na cabeça antes disso. Eu enfiei a mão sob o smoking e disparei três vezes, os tiros o alvejaram na parte superior do tórax, dos pequenos furos em seu uniforme começaram a escorrer filetes de sangue, ele contraiu o rosto, arregalou os olhos e tombou pesado para o lado dos degraus rolando escada abaixo até o patamar que a dividia em dois lances. A Sabine e eu corremos em direção à saída e ganhamos a rua molhada por uma chuva fina até alcançarmos a primeira esquina, o Neil nos aguardava ao volante de um Peugeot 202 soltando fumaça pelo escapamento. Ao chegarmos no apartamento da Rue des Poitevens no 6º Arrondissement que servia de esconderijo para o grupo eu ainda estava em choque, matei mais um.

- O Niklas foi fenomenal! Íamos ser presos, mas ele foi ligeiro e o oficial que nos deu voz de prisão com a arma apontada para a minha cabeça, nem soube de onde vieram os disparos que o fulminou. – comemorava a Sabine, relatando o episódio.

- Bom garoto! – elogiou o Neil ao vir me abraçar junto com o Henri. – Está perdendo o medo aos poucos! Já não treme mais ao segurar uma pistola nas mãos, não é rapaz? – acrescentou satisfeito. Eu não conseguia articular nada, minha garganta estava seca, meu coração batia descompassado no peito e aquela sensação de sufocar não me deixava.

- Sou um assassino! – consegui balbuciar, procurando uma cadeira para me sentar.

- Não, Niklas, não é! Foi preciso, você sabia! – afirmou a Sabine, vindo colocar as mãos sobre os meus ombros. – Eles são assassinos! Assassinos de inocentes, de velhos e mulheres, de crianças, você presenciou a crueldade com que atiram nessas pessoas. Você só está ajudando a erradicar esses seguidores fanáticos de um ditador sanguinário e louco. – procurava me consolar.

- Estou matando pessoas quando só queria poder curá-las e salvá-las! Virei um assassino! – continuei a murmurar, pois lutava com um conflito interno com o qual jamais sonhei.

- Traga uma dose de uísque para ele, está em choque! – pediu o Neil, quando se sentou na cadeira ao meu lado e apertou meu ombro com sua mão pesada e forte. – Olhe para mim, Niklas, olhe! Você não fez nada de errado, não se culpe! Estamos no meio de uma guerra, se você não atirar contra o seu inimigo ele o fará contra você, entenda isso! Nós não podemos ficar parados esperando para que nos devastem, temos que reagir, temos que salvar a nós mesmos e a quem mais pudermos. Isso não nos torna assassinos, mas pessoas em seu legitimo direito de se defenderem. Vem cá, me dê um abraço! Você é uma boa pessoa, Niklas! É justamente por ser uma boa pessoa e com um coração sensível que isso está te abalando tanto. Eu estarei aqui com você, todos estamos aqui com você, não se deixe abalar! – nem mesmo o calor daqueles braços musculosos conseguiam extrair aquela compunção que esmagava meu peito.

Eu só queria voltar a ser aquele jovem estudante de medicina que vivia feliz e despreocupado no país que amava. Não queria ser afetado pela política do Partido Nacional-Socialista liderado por um depravado criminoso que defendia uma ideologia racista radical, nacionalismo e rejeição a democracia e ao marxismo, e por seus seguidores que perpetravam as mais ignóbeis ações que um ser humano podia fazer. Eu não queria ter tirado a vida de um colega de turma que comungava dessa ideologia, eu não queria estar fugindo, eu não queria ter sido obrigado a deixar meu país, eu não queria me juntar a focos rebeldes estrangeiros, eu não queria ter matado aquele oficial. Eu queria voltar a ter paz, só isso, mais nada.

Cerca de um mês depois, o grupo estava escondido numa fazenda de um líder e colaborador local de um núcleo da Resistência, Marcel, em Val-de-Scie, para se preparar para um bloqueio às tropas alemãs depois que membros da inteligência conseguiram interceptar uma ordem para o deslocamento de tropas que iria emboscar embarcações dos Aliados que planejavam invadir a Normandia por Dieppe numa grande operação para a retomada do controle sobre a região. Grupos da Resistência local estavam bastante desfalcados tanto de homens quanto de armamento. De qualquer forma, o objetivo era impedir que as forças alemãs bem superiores e mais bem equipadas impedissem o desembarque das tropas Aliadas. Um reforço das tropas alemãs havia chegado por terra dias antes do ataque das tropas Aliadas, o que indicava que eles tinham informações sobre a ação militar. Nenhuma das células da Resistência estava conseguindo uma comunicação segura com os Aliados, para informá-los da ação. Enquanto as tropas alemãs por terra iam se posicionando e causando destruição e mortes pelos vilarejos em que passavam, continuávamos de pés e mãos atadas, sem poder agir para não denunciar nossa presença. Ao passarem pela fazenda, precisamos ficar escondidos num bosque durante três dias, sob condições precárias. Ao regressarmos, parte das edificações da fazenda haviam sido incendiadas após serem atingidas por disparos de tanques. Parte do grupo seguia todos os dias até Dieppe para alertar a população, enquanto outros ficavam no esconderijo na fazenda.

Até então, eu nunca havia ficado sozinho com o Neil, uma vez que ele participava de quase todas as ações. Uma entorse no ombro durante uma missão recente o obrigou a ficar na retaguarda. Estávamos no outono, os finais de tarde eram marcados pela escuridão precoce, ventos frios do Mar do Norte que se afunilavam no Canal da Mancha deixavam as noites geladas. Ele descansou a maior parte do dia, o ombro lesado o impedia de fazer muita coisa. Preparei o almoço e ele se esticou, quando terminamos a refeição, sobre a cama de um dos quartos em que as janelas ainda estavam intactas não permitindo a entrada do ar gelado. Desde o momento em que outros partiram, ele me observava de um modo diferente, não sei bem explicar como. Abasteci a lareira com mais alguns troncos rachados de lenha, e vasculhei no que restou da estante por um livro para me distrair. Ele surgiu pouco depois e deitou a cabeça no meu colo esticando as pernas no sofá diante da lareira.

- Como está o ombro, ainda dói muito?

- Um pouco, mas está bem melhor do que ontem, graças a você!

- Antes de você deitar essa noite vou reaplicar o emplasto, isso vai acelerar a recuperação. – devolvi. Ele não tirava os olhos de mim. – O que foi, por que está me olhando desse jeito?

- Você me dá tesão! Estou duro! – respondeu, só então notei sua ereção.

- Bem, isso nunca me ensinaram na faculdade como curar! – retruquei sem graça.

- Isso não se aprende na faculdade, se aprende praticando! – devolveu licencioso. – Começando por isto! – emendou, levando minha até o pauzão duro. Será que ele sabe o quanto mexe comigo, questionei-me, acariciando suavemente aquele volume que pulsava sob a minha mão.

Ele desabotoou a calça e abriu a braguilha, estava sem a cueca e o caralhão encontrou sozinho o caminho para a saída, surgindo com a cabeçorra lustrosa e úmida pela abertura da calça. Toquei-a sutilmente com as pontas dos dedos, ele me observava sem piscar.

- É lindo, como você! – exclamei, sentindo meu rosto se afoguear.

- Pode ser todo seu, se quiser! – retrucou ele, lambendo sensualmente os lábios.

- Eu te quero desde o primeiro momento que te vi! – devolvi com franqueza.

- Senti o mesmo em relação a você! Venho me controlando há meses, mas não vejo porque adiar mais o que ambos desejam. – fiquei surpreso com a afirmação dele, talvez tivesse me mostrado menos tímido se soubesse disso antes, uma vez que estava louco para sentir aquele macho dentro de mim.

Para me instigar, o Neil passou as pontas dos dedos sobre a glande melada de pré-gozo e as deslizou sobre os meus lábios, seu sabor e aroma másculos penetraram minhas narinas. Me inclinei e, segurando o falo pesado e grosso, o abocanhei com suavidade. Ele gemeu forte quando meus lábios se fecharam ao redor da cabeçorra. Chupei-o demoradamente, tateando com a boca por toda extensão da pica que endureceu por completo como se fosse uma estaca. Minha mão acariciava e ordenhava seu sacão peludo, extraindo grunhidos roucos que vinham do fundo de seu peito distendido.

- Gosto que me chupem assim, Niklas, delicada e demoradamente. Nem todos querem chupar a caceta de um macho, mas você com essa boca aveludada é um verdadeiro sonho. – sentenciou ele.

Eu lambia o pré-gozo movendo a ponta da língua sobre a uretra dele e, quando me afastava um pouco, formava-se um fio translúcido entre a minha língua e a cabeça do pauzão dele. Embasbacado, ele não desviava o olhar da minha boca trabalhando seu falo, e seus dedos grossos escorriam entre os meus cabelos, enquanto ele erguia as ancas metendo a verga na minha garganta. Em dado momento ele urrou forte, por um tris o gozo não lhe escapou sem controle, mas ele se recompôs e decidiu que havia chegado a hora de explorar meu cuzinho. Me inclinando de lado, ele afastou as bandas da bunda fazendo surgir um rego profundo e lisinho no qual a rosquinha diminuta e rosada piscava no mesmo ritmo acelerado da minha respiração. Ele meteu a cara entre as nádegas carnudas, fazendo com que sua barba cerrada pinicasse a pele sensível deixando-a marcada de pontinhos avermelhados. Senti os dentes afundando na minha carne, ora numa nádega ora na outra, cada vez mais próximos do reguinho apartado. Gemi incontrolado, tomado por um tesão insano, eu nunca havia sentido um macho me desejando tão lasciva e obstinadamente; por si só, isso já consistia num prazer único. Quando o Neil lambeu minhas preguinhas eu gani, sentia-o querendo me devorar, querendo predar meu pequeno ânus imaculado e eu estava pronto para me entregar a ele de corpo e alma.

- Me penetra Neil! – pedi num gemido sensual, arrebitando a bunda.

Ele montou em mim, beijou meu ombro enquanto pincelava o caralhão melado sobre a minha rosquinha. Eu não parava de sussurrar o nome dele, atiçando-o, convidando-o a enfurnar seu membro distendido e rijo no meu cuzinho abrasado.

- Niklas, seu puto safado, está me matando de tanto tesão! Quero te foder, te arrombar, inseminar esse rabão tesudo. – grunhiu ele entre dentes, num rosnado abafado.

- Fode, arromba, insemina, faz o que você tiver vontade, Neil, sou todo seu! – balbuciei em êxtase.

Ele meteu, abrupto e com força, numa estocada única que estirou minhas preguinhas, trespassou meus esfíncteres dilacerando meu ânus exíguo e virgem. Meu grito ecoou pelos confins da tarde nebulosa e fria, acendendo nossos corpos atados. Toda sua enormidade se fez sentir quando ele se empurrou todo para dentro de mim, me preenchendo com seu caralhão intrépido e pulsátil. Ele me apertava com tanta força em seus braços que parecia querer me esmagar, beijos e chupões percorriam a pele do meu pescoço que eu franqueava à sua tara crescente. As estocadas profundas, que faziam o cacetão submergir completamente no meu cuzinho deixando apenas o sacão acochado entre as nádegas, tinham sua cadência própria no começo, mas à medida que nossos tesões se sincronizavam, elas foram adquirindo o mesmo ritmo dos nossos arfares excitados. Eu tinha a sensação de que ele ia me rachar ao meio tão fundo o pauzão cindia minhas entranhas. Os grunhidos dele me excitavam, faziam com que eu fosse me abrindo como uma flor que desabrocha, enquanto ele mergulhava com tudo nessa abertura estreita e macia. Subitamente o Neil puxou o cacetão para fora do meu cuzinho deixando uma cratera vazia e insaciada, me colocou na posição de frango assado, apoiando minhas pernas sobre seus ombros e, deixando-se cair sobre mim, enfiou o pauzão novamente até o talo na minha fendinha apertada. Ganindo eu o enlacei, crispei os dedos em suas costas largas e, ao sentir as primeiras estocadas, comecei a gozar, deixando a porra fluir em jatos libertadores. Eu nunca tinha sido abalado por uma emoção tão forte e, comovido, beijei a boca dele com todo o carinho e ternura que nunca antes tinha entregue a alguém. O Neil enfiou a língua na minha boca, seu corpo se retesou e, num estremecimento forte junto com um urro, se despejou todo no meu cuzinho, ejaculando sua virilidade como um presente nas minhas entranhas acolhedoras. Fazia mais de um quarto de hora que havíamos gozado, mas continuávamos engatados, os músculos do meu ânus apertavam o caralhão dele que não tinha pressa de amolecer. Ele percorria o contorno do meu rosto com as pontas dos dedos, me encarando satisfeito e saciado, eu tateava entre os pelos da barba dele fascinado com sua masculinidade que agora encharcava minhas vísceras. Um medo súbito de o perder devido aquela guerra estúpida que nenhum dos dois queria, me fez abraçá-lo com força num quase desespero.

- Cuide bem de sua vida, Neil, por favor! – murmurei ao deitar a cabeça no peito dele.

- Por que, minha vida é valiosa para você? – questionou

- Sim! Sua vida é muito valiosa para mim, Neil! – respondi levantando o rosto e fitando-o dentro dos olhos, e sentindo o esperma denso que ele acabara de ejacular no meu cuzinho escorrendo devagar sobre a mucosa anal. Ele trouxe meu rosto para perto e me beijou sensual e vagarosamente.

- Quero que saiba que a sua vida é imprescindível para mim, Niklas, sempre foi! Se você reclamava de eu não te deixar participar de muitas missões, era porque eu temia ficar sem você e talvez nunca chegar a fazer o que acabamos de fazer. – revelou ele.

A incursão dos Aliados em Dieppe foi um verdadeiro massacre. As informações sigilosas entre células da Resistência francesa e do comando dos Aliados na Grã-Bretanha tinham sido interceptadas ou foram repassadas por algum traidor. A França estava cheia de traidores, aliás, o conflito todo estava permeado de traidores de ambos os lados. As pessoas se vendiam por pouco. Uma promessa de não seguir nos comboios ferroviários lotados de pessoas arrancadas de suas casas apenas com alguns pertences e as roupas do corpo para os chamados ″Campos de Trabalho″ que, até então quase ninguém sabia serem campos de extermínio montados pela política de Himmler para se livrar da enorme quantidade de prisioneiros, levava judeus a delatarem os esconderijos de seus próprios correligionários, sem o menor remorso. Pais entregavam os próprios filhos e filhos delatavam os próprios pais conforme sua ideologia pró, ou contra o regime nazista. Vizinhos ou companheiros de longa data, parentes ou apenas conhecidos não hesitavam em delatar-se mutuamente quando viam nisso alguma vantagem, mesmo que apenas prometida em promessas vãs que jamais seriam cumpridas. O que havia de mais sórdido no ser humano florescia como um campo de girassóis no verão. No dia programado para o desembarque das tropas Aliadas, a Luftwaffe coalhou os céus com aviões de ataque Henschel Hs129 e caças Messerschmitt Bf109 num ataque surpresa, deixando embarcações Aliadas à deriva, centenas de corpos boiando na água tingida de vermelho na linha de arrebentação das ondas, e a faixa de praia pedregosa de Dieppe repleta de corpos de soldados. Alguns poucos membros da Resistência não tinham conseguido mais do que explodir dois tanques e aniquilar algumas dúzias de soldados que montaram uma linha da retaguarda dos ataques, caso as tropas Aliadas conseguissem transpor a praia, entre eles estavam o René, a Sabine e o Henri já recuperado do tiro que levou na perna.

Quando soubemos que as informações sigilosas haviam vazado, o Neil quis se juntar ao nosso grupo e aos demais membros da Resistência, mesmo com aquele ombro ainda lesado, eu o acompanhei, embora ele tivesse insistido para eu continuar escondido na fazenda em Val-de-Scie.

- De jeito nenhum! Eu vou com você, seu ombro não está recuperado, o que pretende, detoná-lo de vez? – retruquei, ante a imposição dele para eu ficar no esconderijo.

- Posso atirar, e isso já é de grande ajuda para o grupo! E você fica, nem que eu tenha que te amarrar a uma cadeira. – devolveu ele, preparando-se para partir.

- Eu também posso atirar, e posso ser mais útil por lá se alguém se ferir do que amarrado numa cadeira aqui. – revidei, juntando meus apetrechos médicos na maleta e me apossando de uma metralhadora para acompanhá-lo.

- O que você tem de gostoso e carinhoso tem de teimoso, Niklas! Se tivesse mais tempo te dava uma surra agora, mas vai precisar ficar para depois. – sentenciou ele.

- Eu dirijo, você precisa poupar esse ombro! – determinei, ao assumir o volante do Citroën Traction Avant, sem lhe dar chance de contestar.

- Arre! Fucking pesky bastard! – rosnou ele com seu sotaque britânico.

- Fucking bossy! – revidei, ele riu.

O tiroteio ainda pipocava quando chegamos aos campos cultivados onde os membros da Resistência enfrentavam o que restou de uma pequena tropa alemã de retaguarda após a explosão dos tanques e de algumas granadas e do fogo contínuo das metralhadoras. Praticamente sem munição, os soldados alemães se viram obrigados a recuar embarcando às pressas em dois caminhões que seguiam atrás de um jipe do oficial no comando. Uma granada lançada pelo Marcel, fez o último caminhão voar pelos ares. O que seguia a frente teve a lona que cobria a carroceria toda perfurada pelos tiros de metralhadora. Outra granada lançada por outro integrante da Resistência explodiu com o jipe, destroçando o motorista na hora e lançando o corpo do oficial alguns metros de altura antes de cair entre os sulcos recém arados do campo. Quando o silêncio voltou, só era interrompido pelo grasnar de cormorões voando em círculos sobre a área devastada. Eu seguia ligeiramente atrás quando parte do grupo se dirigiu à praia, descendo pela encosta escarpada, mas logo o René voltou e me impediu de prosseguir, bloqueando minha passagem com seu corpão.

- Volte! Isso aqui não é para você! – avisou

- Por quê? Pode haver alguém ferido, vou ver se precisam de ajuda. – retruquei.

- Não, não pode! Neil, não o deixe descer até a praia! – disse, dirigindo-se ao Neil que regressava desolado.

- Não ouviu? Volte, vamos sair daqui! – ordenou ríspido, também bloqueando minha passagem.

- O que deu em vocês? Verificaram como estão os feridos? Como vamos tirá-los daqui? – questionei impaciente.

Não dei mais do que alguns passos, o Henri e a Sabine voltavam por uma estreita trilha entre a grama baixa, mas pude vislumbrar a praia repleta de corpos, alguns não passavam de pedaços. Uma vertigem me fez despencar nos braços do René que enfiou meu rosto contra seu peito.

- Não há mais nada que se possa fazer, Niklas! – disse ele, amparando meu estarrecimento.

- Eu não mandei você ficar na fazenda? Você não devia ter visto isso! Cacete de sujeitinho teimoso! – rosnou o Neil, também me abraçando.

- Não me tratem como se eu fosse uma criança! Estou farto de vocês me pouparem de tudo! – despejei irado, me soltando dos braços deles. Mas, ao voltar a encarar novamente o cenário que se descortinava na praia, tive engulhos e me sentei sobre uma pedra mais alta. Nunca imaginei me encontrar diante de uma carnificina como aquela, bruta, desnecessária. O estudo anatômico dos cadáveres na faculdade de medicina nunca me impressionou, eles estavam ali com um propósito, formar futuros médicos que teriam como cuidar dos corpos dos vivos.

- Vem, vamos sair daqui! Eu não queria que você tivesse visto isso, nem que precisasse passar pelo que está passando. – disse o René.

- Quando isso vai acabar? Quando, René? – indaguei, chorando desolado no ombro dele. Ele voltou a me apertar em seus braços, mas isso não respondia a minha pergunta.

Quando passamos pelos destroços do caminhão e do jipe alemães que as granadas lançadas pelo Marcel destruíram, notamos uma movimentação entre os arbustos que beiravam a estrada. Assim que descemos dos carros avistamos o oficial que comandou a tropa alemã tentando se esconder enquanto rastejava bastante ferido. A Sabine foi a primeira a chegar perto dele, eu estava três passos atrás. O oficial com patente de tenente era bastante jovem, devia ter a minha idade e certamente tinha sido promovido ao oficialato recentemente. Ele estava muito ferido, embora no primeiro relance eu não conseguisse avaliar o quanto, uma vez que a explosão havia queimado parte de seu uniforme que estava empapado de sangue. Ele segurava ambas as mãos sobre o abdômen de onde provinham provavelmente as dores mais fortes. Ele nos encarou apavorado, sabia que havia chegado o seu fim. Era um garotão grande e forte, apesar do olhar arregalado e cheio de pavor, ele exibia coragem diante da morte iminente. Seus olhos tinham o mesmo tom azul forte que os meus, e a expressão em seu rosto pareceu se desanuviar quando me viu. A Sabine sacou a pistola da jaqueta e a apontou para a cabeça dele, que imediatamente fechou os olhos esperando pelo tiro que arrebentaria seus miolos.

- O que está fazendo? – perguntei, desferindo um soco no braço dela, antes que disparasse. – Ele não tem como se defender. – acrescentei, quando ela recolheu a pistola do chão depois que meu soco a fez escapar de sua mão.

- Eu é que pergunto o que você está fazendo! Só vou lhe abreviar o sofrimento dando um tiro de misericórdia. Ele vai morrer mesmo! – respondeu ela, com aquele mesmo brilho vingativo no olhar de quando estourou a cabeça do general Schröeder.

- O que está acontecendo aqui? – perguntou o René assim que se aproximou de nós e viu o oficial moribundo se contorcendo nos arbustos

- Está acontecendo que a Sabine quer assassinar esse homem! – respondi de pronto. – Assassinar um homem indefeso por pura e cruel vingança! – emendei. – Não vou permitir que ela e nem ninguém o matem, nós vamos levá-lo conosco e eu vou tratar desses ferimentos. Não podemos simplesmente abandoná-lo a própria sorte nesse lugar ermo. Eu vou cuidar dele!

- Você não pode estar falando sério, seu imbecil! Você acabou de ver o que eles fizeram lá na praia, há centenas de corpos lá e você quer poupar a vida desse alemão desgraçado. – sentenciou a Sabine, tomada de revolta.

- Estamos em guerra, há baixas de ambos os lados durante os confrontos, mas o que você está querendo fazer aqui tem outro nome, é assassinato. – revidei furioso. – Você pode ser uma assassina fria e calculista, mas não vai matar esse homem indefeso na minha frente, ou eu mesmo atiro em você! – berrei, atraindo os demais membros do grupo para a discussão.

- É um risco levarmos ele conosco, Niklas! E no estado em que se encontra talvez não sobreviva. – ponderou o René.

- Tudo o que fazemos é um risco! Só saberemos se ele tem uma chance de sobreviver se cuidarmos dele, e é isso que eu vou fazer, não me importa a opinião de ninguém! – revidei com firmeza. – Alguém me ajude a colocá-lo na caminhonete, não podemos perder mais tempo se quisermos salvar a vida desse homem.

- Vocês vão concordar com esse absurdo? Vão colocar suas próprias vidas em risco tentando salvar a desse nazista? Jamais deveríamos ter trazido o Niklas para o grupo, é um alemão, vai estar sempre ao lado deles. – sentenciou a Sabine, tomada de raiva por mim.

- Foi você quem o trouxe para o grupo e ele sempre se mostrou leal e companheiro! – exclamou o Henri.

- O Henri está certo, Sabine. Não temos porque duvidar do Niklas, ele só tem nos ajudado, e muito, apesar da pouca experiência. – afirmou o René.

- Bem, façam como quiserem! Mas, não se surpreendam quando ele tomar o partido deles e nos deixar na mão quando tiver a chance. – argumentou ela.

- É mais fácil você nos trair enquanto uma judia ressentida e vingativa do que eu que, tenho sim simpatia pela minha pátria e meu povo, mas não compactuou com a ideologia desse verme que está disseminando o terror e o ódio por toda Europa. – a cada episódio o caráter daquela mulher se mostrava menos confiável e mais cruel.

Levamos o oficial conosco, o que a deixou furiosa por seus argumentos não terem prevalecido. Ele tinha uma extensa queimadura no abdômen, de segundo grau em alguns pontos, além de estilhaços da granada fincados pelo tronco, costas e pernas. Durante a limpeza dos ferimentos e a remoção do uniforme esgarçado, descobri que se chamava Kurt. Débil, já sem forças, ele segurou minha mão enquanto eu limpava as feridas com a máxima delicadeza para não lhe aumentar as dores, me encarou com os olhos úmidos e balbuciou um – Obrigado – que não passava de um suspiro. Eu lhe sorri, passei a mão pelo rosto dele e lhe assegurei que tudo ia ficar bem, embora não tivesse certeza alguma disso.

- Vou precisar de ajuda, ele está muito ferido. Tenho que remover esses estilhaços mais profundos com uma cirurgia, e eu nunca operei alguém sem a supervisão de um professor. – afirmei ao grupo que aguardava ansioso o desenrolar dos cuidados com o oficial.

- Teria sido melhor para ele se eu tivesse estourado a cabeça dele, nem saberia o que aconteceu; do que servir de cobaia para esse pretenso médico. – sentenciou a Sabine.

- Vou me lembrar disso no futuro, Sabine! No dia em que estiver numa situação semelhante, pode deixar que eu mesmo me encarregarei de estourar seus miolos para que não sofra. – devolvi revoltado.

- Não é hora de desavenças entre nós! – exclamou o Marcel. – Do que precisa, Niklas?

- Será que não há um médico ou uma enfermeira em Val-de-Scie com mais experiência do que eu? Também preciso de material médico, o que tenho aqui é pouco para esse caso. – respondi.

- Há um velho médico no vilarejo, há tempos ele não exerce a profissão, vive constantemente bêbado depois que mataram sua esposa. Também há uma enfermeira, ela ainda trabalha no hospital depois que as mais jovens deixaram Val-de-Scie durante a invasão alemã. Posso ver se estão em condições de te ajudar. – afirmou o Marcel

- Por favor, Marcel, faça isso, o mais rápido possível, o estado dele é muito grave. – devolvi. Todos me encararam sem que eu pudesse adivinhar o que se passava em suas mentes. Porém, todos sabiam que eu tinha me afeiçoado ao jovem oficial e que daria tudo de mim para salvar a vida dele. O que viria depois, caso ele sobrevivesse e se recuperasse plenamente, ainda era uma incógnita.

Com a ajuda do velho médico, cujas mãos tremiam devido a abstinência e assessorados pela sexagenária enfermeira, além de uma coragem que não sabia existir em mim, operei o garotão na precariedade do que dispunha. Ao final da cirurgia ele continuava vivo, respirava com dificuldade e tinha um pulso quase imperceptível. Quem precisou inspirar fundo para conseguir todo o ar do qual meus pulmões precisavam fui eu. Todo meu corpo estava tenso, a musculatura contraída mais dura do que uma pedra. Eu consegui, pensei comigo mesmo, não sabia se chorava ou se sorria. Eu só sabia que tinha feito o que minha consciência e meu coração determinaram, e isso recompensou toda aquela batalha.

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Comentários

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Que super história, kherr! Esses seus contos históricos são muito bons!

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Obrigado Jota! Na História tem muita história!!! KKKKKK ... fui lá buscar inspiração. Abração, meu querido!

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Além de um show de conto com uma foda deliciosa de primeira vez ainda temos uma mostra de aula de história. Definitivamente você se supera a cada conto. Beijos

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Valeu, Roberto! Super obrigado e outro beijão para você!

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Maravilhoso! Para quem gosta de história, como eu, um conto desse é a junção dos prazeres! Kkkkk

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Obrigado JowSP! Tem mais pela frente, dá para preencher os horários em que não estiver pulando o Carnaval.....KKKKKK....Abração, meu querido!

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