TINHA QUE SER VOCÊ - 17: O PREOCUPADO E O ESPÍRITO LIVRE

Um conto erótico de Escrevo Amor
Categoria: Gay
Contém 2024 palavras
Data: 27/03/2024 03:00:43

CAPÍTULO 17: O PREOCUPADO E O ESPÍRITO LIVRE

NARRADOR: JOÃO

— Porquê você está sorrindo? — José questionou indignado, enquanto esperávamos um laudo dos bombeiros.

— O Hector é um fofo. Ele disse que me ama, com certeza deve estar surtando agora. — ressaltei, pois conhecia o meu namorado. — Mas depois resolvo esse B.O. Por que o surto?

— Os bombeiros estão dificultando a entrega do laudo. Eu estou surtando sim. Você não vai surtar comigo?

— Ei, — peguei no ombro dele. — calma, por favor. Eu vou resolver isso.

A vida é louca, né? Puta merda. Pouco a pouco, a minha rotina deu uma volta de 360 graus. Primeiro, levei um chifre público, que viralizou nas redes sociais. Em seguida, descobri que era adotado e vinha de uma família podre de rica, além de desestruturada. Agora, o atentado. O fogo consumiu tudo e precisávamos descobrir a verdade. O desafio? A burocracia municipal.

O escritório dos bombeiros era uma paisagem de tédio e lentidão. As engrenagens do sistema moíam como se desfrutassem cada momento de minha agonia. O laudo do incêndio era o bilhete dourado para a reconstrução de nossas vidas, mas parecia que cada papel estava envolto em um problema diferente.

Eu encarei os funcionários, seus rostos eram indiferentes. O tempo passava devagar, e a paciência que eu mal conseguia segurar começou a se esvair. Tentei manter a calma, respirar fundo, mas a ansiedade pulsava cada vez mais alto.

Naquele escritório abafado, onde a luz fluorescente ecoava a frieza das atitudes, percebi que teríamos que lutar para receber os documentos. Meus pais, abalados por mais uma tragédia, estavam à minha volta, suas expressões refletindo o mesmo desespero que consumia meu peito.

— Com licença, senhor. — chamei a atenção do atendente.

— O que foi moleque? — ele questionou sem tirar os olhos do computador. Porém, o reflexo dos seus óculos o denunciou. Ele estava jogando paciência. Quem joga paciência em pleno século 21?

Moleque? Ele me chamou de moleque? Eu era o porta-voz da família. Cada minuto de espera era como uma gota d'água no copo da minha paciência. As vozes murmurantes ao meu redor começaram a se misturar, a ansiedade se transformando em um zumbido ensurdecedor.

— Com licença, senhor! — vociferei de uma maneira que assustou toda a minha família. — Eu preciso dos documentos do caso— coloquei a senha em cima da mesa. — Não quero daqui uns minutos. Eu quero agora. O senhor, por favor, pode pausar o seu jogo e passar os documentos, por favor.

— Esquentadinho ele. — brincou o homem, pegando o documento que foi impresso do outro lado da sala.

Finalmente, após o que pareceu uma eternidade, o laudo do incêndio foi colocado diante de mim. Agarrei o papel como se fosse a chave de um tesouro secreto. Fomos para a Prefeitura do Rio de Janeiro. A Nataly já estava na frente do prédio. Ela virou uma espécie de advogada pessoal e resolvia todos os entraves jurídicos da família Guimarães.

Depois de um chá de cadeira de uns 20 minutos, a responsável pelo setor de estruturação da prefeitura nos atendeu. A Nataly explicou os fatos e mostrou algumas imagens, principalmente, das garrafas encontradas no local. No meio da conversa, ela soltou a informação de ouro: "Éramos os netos de Fernando Telles, o amigo pessoal do atual prefeito e de qualquer um que vá assumir o poder".

Pronto. Qualquer tipo de entrave existente se dissipou como fumaça. Finalmente, recebemos a permissão do município para iniciar uma obra no terreno.

— Ótimo. — soltou José esticando os braços para cima. — E agora?

— Agora é botar a mão na massa. — afirmei. — Eu sei que a situação parece difícil, quase impossível, mas o importante é que estamos bem.

— Diz por ti. Eu só quero voltar para casa. — afirmou José.

— Calma, filho. — pediu meu pai. — A gente precisa conversar com algum pedreiro. Infelizmente, eu não tenho mais idade para assentar laje.

— Um problema por vez. — disse a mamãe. — Graças a Deus, a família Telles nos deu um teto. Posso começar a vender bolos na rua e...

— Não, mãe. Digo, a gente pode dar um jeito. Eu posso fazer um empréstimo. Vou falar com o meu chefe, não sei.

— Gente, — Nataly chamou a nossa atenção. — desculpa me intrometer, mas vocês são filhos do casal mais rico do Rio de Janeiro. Tenho certeza que podem conversar com eles. Nesses momentos, eu gosto de ser prática. Os Telles podem facilitar essa construção. — olhando para o relógio. — Eu preciso ir. Vou levar os documentos para fazer cópias oficiais. Com licença.

— Ela tem razão. — José disse e percebi que os meus pais ficaram incomodados.

— Eu não quero dar trabalho para os seus pais. — falou mamãe, cruzando os braços e senti uma ponta de ciúmes vindo dela.

— Eles podem ajudar, querida. Seria melhor do que emprestar de banco. Os meninos mal chegaram na vida adulta. Emprestar de banco é ruim. — ponderou meu pai, abraçando a mamãe a beijando no rosto.

A ideia de pedir dinheiro para Jayme e Patrícia era algo que me deixava desconfortável. Afinal, ainda não sentia aquela ligação de pais e filhos. Porém, a vida é cheia de reviravoltas, e a perspectiva de construir um novo lar nos forçou a ultrapassar as barreiras.

A conversa com os dois foi um campo minado de emoções contidas. O passado, a dor e o presente se entrelaçam enquanto tentamos articular uma conversa de negócios. Jayme, surpreendentemente, foi quem rompeu o silêncio.

— Vocês são meus filhos, e não hesitarei em ajudá-los. — disse Jayme, com uma expressão que misturava culpa e determinação.

Ele não apenas ofereceu ajuda financeira, mas também comprou uma casa em um condomínio fechado, um lugar mais seguro para nos abrigar. A princípio, rejeitamos a oferta, resistindo à ideia de depender daquela família. No entanto, Jayme argumentou que a segurança era uma prioridade, e aquela casa seria um refúgio contra qualquer atentado.

— Eu também acho uma ótima ideia. — uma voz masculina ecoou pela sala e todos viramos para trás. Era o seu Fernando Telles, ou melhor, o vovô.

O Sr. Fernando Telles, meu avô, é um daqueles homens que parecem desafiar o tempo. Seu porte elegante e imponente faz jus à sua história, marcada por sucessos e conquistas. Mesmo com os cabelos grisalhos, ele carrega consigo uma aura de vitalidade que faz inveja a muitos jovens.

Como o Hector me falou diversas vezes, o Fernando é um homem de negócios, um empreendedor de sucesso que construiu seu próprio império com dedicação e visão. Ele usava um terno impecável. Cada peça em seu corpo parecia ter sido feita sob medida.

— Caramba, o senhor é inteiraço. — José conseguiu resumir todos os meus pensamentos em uma única frase.

— José. — ralhei com meu irmão. — Modos, pô.

— Tudo bem. — ele se aproximou e Jayme foi a seu encontro.

— Pai, esse são os seus netos, João e José. — Jayme nos apresentou. Então, ficamos de pé e cumprimentamos o Sr. Fernando.

— Posso te chamar de Vovô? Vô? Que tal coroa?

— Pelo amor de Deus, José. Para, por favor. — revirei os olhos e mudei a minha atenção para o seu Fernando. — Desculpa.

— Você é o preocupado, né? — o Fernando apontou para mim. — Lembra o meu irmão, Fábio. Que Deus o tenha. — andando até o bar localizado na sala e servindo um copo de whisky para si. — O doidinho ali é o espírito livre. — apontando para José, que deu uma risadinha.

— Bote livre nisso. — murmurei, cruzando os braços.

— Já viu a casa no condomínio do Moacyr? — ele perguntou para Jayme, antes de dar um gole na bebida.

— Sim, pai. Vou levá-los amanhã.

— E os pais deles?

— Eles foram com o motorista resolver algumas pendências da casa antiga. Devem voltar até o jantar. — explicou Patrícia, colocando as mãos no meu ombro.

— Viu isso. — José cochichou para mim. — Ele nem fez careta quando bebeu.

— O que você tem hoje? — perguntei e vi os meus pais rindo. Ótimo, agora viramos atração para ricos.

— Não se preocupe, garotos. Vocês são família agora. Eu sei que é muita coisa para processar. — ele se aproximou e me deu um abraço. Em seguida, abraçou o José. — Eu amo vocês.

— Obrigado. — disse José, que já estava me tirando o pouco de paciência que restava em mim.

— Eu juro que vamos pagar cada centavo. Obrigado. — agradeci.

— Quase 1 bilhão de reais. Esse é o meu patrimônio. — Fernando nos disse, enquanto colocava o copo em cima da mesa do minibar. — Eu não estou sendo arrogante, é apenas um fato. E vocês dois são meus herdeiros por direito. Vocês são da família Telles, querendo ou não. — com uma mão ele pegou no meu ombro e com a outra no ombro de José. — Jayme, por favor, coloque-os como estagiários da empresa. Eu sei que o João faz faculdade de Ciência da Computação, certo?

— Isso, senhor. — confirmei.

— O José pode trabalhar no setor administrativo, mas é bom pensar em uma carreira rapaz. — aconselhou.

Um furacão. Essa é a palavra certa para definir o Sr. Fernando Telles. Um homem intenso e apaixonado. Tenho certeza que vi os seus olhos marejados. Talvez por causa da emoção de reencontrar os netos, mas como o próprio Hector me adiantou, conversa sentimental não é a praia do meu avô.

Voltamos a conversar com Jayme e Patrícia, que fizeram uma proposta inesperada. Pediram que incluíssemos o sobrenome Telles em nossas certidões de nascimento. Aquela sugestão ressoou como um eco através do silêncio da sala. Colocar o sobrenome do Fernando Telles em nossos documentos significava aceitar uma parte da herança, por mais complicada que fosse, principalmente, pelo fato de Viviane Telles nos querer mortos.

— Eu topo se você topar. — o José cochichou perto de mim.

— Você ouviu o que o seu Fernando falou, né? Teremos melhores oportunidades com o sobrenome Telles. — expliquei em seu ouvido.

— Será que isso é coisa de gêmeos? — perguntou Patrícia sorrindo.

Entre hesitações e suspiros, decidimos aceitar a oferta de Jayme, não apenas por causa da herança ou poder, mas também porque reconhecemos a importância da segurança para o seu José e a Dona Esther, eles foram anjos e não merecem passar por mais dificuldades. Aceitar o sobrenome Telles foi um passo adiante, uma forma de homenagear os pais que tanto sofreram ao perder seus filhos.

Depois de um tempo, os meus pais chegaram com o motorista da família Telles. Pedi para o José adiantar o assunto com eles, enquanto tratava de mais um problema com o Jayme e a Patrícia, a saúde mental do meu irmão gêmeo. Expliquei os traumas que ele adquiriu durante o incêndio e pedi que colocassem o meu irmão para continuar a terapia, já que o projeto do bairro quase não contava com sessões.

— Claro, — concordou Patrícia. — eu percebi que o José estava diferente. Mais apagadinho do que o normal.

— Filho. — Jayme pegou no meu ombro. — Eu fico muito orgulhoso de vocês. Sabe, lá atrás, quando a gente chorava a saudade do filho, eu pedia a Deus para que ele fosse um homem do bem. E aconteceu que tive duas bênçãos. O José teve muita sorte de te ter como irmão.

— Eu que tenho sorte. Vocês não tem noção de quantas vezes o José salvou a minha vida. Sempre me defendendo das pessoas que praticavam bullying comigo. Se eu cheguei onde cheguei foi por causa dele. — afirmei, sorrindo e abraçando os meus pais biológicos. — Agora, com licença, eu vou falar com eles. — pedi, indo em direção ao quarto, mas percebi um emocionado José próximo a escada. — Você ouviu, né?

— Tudo. — ele me abraçou. — Eu te amo tanto.

— Eu que te amo. — assegurei, enquanto recebi o melhor abraço do mundo. — Por favor, volte para a terapia. Quero o meu irmão comigo de novo.

— Tudo bem. Você tem razão. Eu preciso enfrentar os meus problemas. — ele concordou se afastando de mim. — Só que não tenho ideia do que vou fazer para agradar o coroa. Até umas semanas atrás, o exército era a minha única opção de futuro.

— Pois é, espírito livre. — brinquei com o José, enquanto subíamos a escada, lado a lado. — Vamos para mais um capítulo dessa loucura que se tornou a nossa vida.

— Sabe, João. Às vezes, eu acho que você é adotado. — ele soltou me dando um pescotapa.

— Nem te conto, — mostrei a língua para ele. — nós somos.

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