Chega de CEO - Capítulo Quinze

Da série Chega de CEO
Um conto erótico de M.K. Mander
Categoria: Gay
Contém 4539 palavras
Data: 11/03/2024 02:06:02

CAPÍTULO QUINZE

“NINGUÉM AGUENTA MAIS METRÔ LOTADO”

Não sabia se o Thomas havia adivinhado que eu estava passando por problemas ou se realmente sentia saudades e queria me agradar, só sei que, quando cheguei ao meu apartamento na noite da terça-feira, um arranjo de flores imenso estava enfeitando a mesa de cabeceira ao lado da minha cama. Segundo mamãe, o presente exagerado tinha chegado mais cedo e o porteiro a entregou assim que ela retornou do trabalho.

Foi com um sorriso bobo no rosto que cheirei e senti a maciez das pétalas coloridas, ciente do quanto me sentia perdido também em relação a ele, porém num sentido bastante positivo. A cada segundo eu me via mais apaixonado e a distância apenas aumentava a vontade de vê-lo outra vez.

Por incrível que pareça, as minhas dúvidas a respeito do trabalho não se estendiam para Thomas de modo algum. Eu já havia ultrapassado a fase de negar o que sentia e de escolher ficar sozinho em vez de tentar ser feliz, sendo assim, pelo menos em um âmbito da minha existência me encontrava satisfeito, realizado e animado.

Não havia nenhum bilhete acompanhando o arranjo, fato que estranhei consideravelmente, porque Thomas vinha mostrando ser um homem cheio de palavras bonitas, mas ainda assim fiquei contente e tratei de enviar uma mensagem agradecendo:

Bruno:

Amei as flores, são lindas! Obrigado por colorir a minha noite.

Cheguei cansado e abri um sorriso quando as vi

Saudades <3

Ele não estava online, provavelmente ainda trabalhava e só deveria me ligar mais tarde, como de costume. Larguei o celular sobre o colchão e fui tomar um banho demorado, tentando não pensar muito no dia difícil que tive na InterOrsini. Depois da reunião com a Martha resolvi me trancar em minha sala, porém precisei almoçar no refeitório para conferir se Elisa estava bem mesmo e a situação toda foi bem chata.

As pessoas me olharam na maior cara de pau. Muitas não conseguiram controlar a curiosidade e nem as perguntas que deveriam estar rodopiando as suas mentes: “o que esse gordinho está fazendo com Thomas Orsini?” e “o que ele viu nela?”.

Eu poderia responder aos questionamentos de diversas formas, mas jamais teria o poder de evitá-los e isso era um fator que me deixava chateado. Não havia nada que eu pudesse fazer além de manter a cabeça erguida. O problema todo era que me sentir constantemente avaliado funcionava como um gatilho para mim, então pensar a respeito do meu horário de pausa me trouxe uma crise de choro debaixo do chuveiro.

A boa notícia era que Elisa estava aparentemente bem, ao menos parecia controlada e garantiu que estava usando aquele tempo para pensar. Não havia sinal do hematoma, embora eu achasse que ela tinha escondido algumas marcas com maquiagem, e fez milhões de perguntas sobre a minha viagem. Tivemos uma conversa meio curta, já que eu não queria chamar ainda mais atenção para mim ou mesmo arriscar sermos ouvidos por algum funcionário, e combinamos de jantar fora na noite seguinte.

No entanto, o marido dela ainda não sabia do bebê e esse simples fato já era motivo de muita preocupação de minha parte.

Quando saí do banho, com os olhos vermelhos de tanto chorar, percebi que Thomas me ligava através de uma chamada de vídeo. Dei uma olhada rápida no espelho e foi o suficiente para que decidisse não atender. Eu estava em péssimas condições e com certeza ele se preocuparia, faria perguntas e eu não saberia lidar com isso estando tão mal daquele jeito. Precisava arranjar uma maneira de me fortalecer antes de encarar tudo aquilo.

Foi por isso que resolvi mandar uma mensagem:

Bruno:

Estou exausto, Thom

Mais feio que briga de foice

Amanhã prometo estar belo para uma chamada de vídeo

Thomas Orsini:

Bruno, atenda

Fiz uma careta. Que merda de tom imperativo era aquele? Alguma coisa estava errada e, ainda que me sentisse incomodado com a forma como praticamente me dava uma ordem, fiquei nervoso por achar que alguma coisa ruim tivesse acontecido. Foi no impulso que acabei atendendo à nova ligação que ele fez logo em seguida.

A imagem de Thomas tomou conta do meu celular e não evitei soltar um pequeno suspiro. Ele estava sem camisa, despenteado e sentado no sofá, com uma carranca estampada na expressão séria. A minha câmera abriu e precisei lidar com o doido de olheiras profundas, olhos vermelhos, cara inchada e cabelos molhados sem pentear. Uma derrota.

Mas Thomas pareceu ignorar tudo e resmungou:

— Quem foi que te mandou flores?

Abri bem os olhos. Como assim?

— Ué?! — soltei um berro meio esganiçado. — Não foi você?

— Não — resmungou, prendendo os lábios. A mandíbula bem desenhada estava fechada, rígida, complementando o seu visual carrancudo que infelizmente só o deixava mais lindo ainda. — Não fui eu.

Dei de ombros, visualizando as flores, que emanavam um cheiro delicioso em todo o meu quarto. Passei alguns segundos travado, sem saber o que dizer ou fazer. Se aquele arranjo não foi dado pelo Thomas, então não fazia ideia de quem era o remetente. Até porque não havia bilhete algum.

— E-Eu... N-Não... — gaguejei, tentando me situar. Prendi os lábios e tomei coragem para olhá-lo através da tela. Thomas Orsini não estava nem um pouco feliz. Se estivéssemos em um desenho certamente haveria fumaça saindo de seus ouvidos. — Não sei de quem foi, então. Não tem nenhuma mensagem, só me entregaram.

Ele continuou com os lábios presos. Demorou-se um pouco me encarando, depois soltou em um resmungo:

— Aquele cara te procurou? O tal de A.P.?

— Que A.P.?

— Sei lá, amigo pau, não sei a sigla, ele te procurou? — sua impaciência ficou evidente.

— P.A.? — a minha careta se intensificou. Comecei a ficar bastante nervoso com tudo aquilo. O homem estava desconfiado de mim? Porra! — Thomas, eu bloqueei o Márcio naquela mesma noite do restaurante. Não há a mínima condição de ser dele.

— Então de quem foi, Bruno?

Eu o encarei com firmeza, mas estava tão cansado, tão emocionalmente esgotado, que os meus olhos marejaram de novo, na frente dele, sem qualquer aviso. Antes que pudesse me conter, uma lágrima escorreu, acompanhada de outras.

— Eu não sei! — choraminguei de um jeito bem audível.

— Por que está chorando? — ele amansou a voz consideravelmente. Sua expressão mudou da água para o vinho e pude identificar preocupação nela. — O que está acontecendo, Bu? Seus olhos estão vermelhos, o que está me escondendo?

— Nada — dei de ombros mais uma vez. — Só... — suspirei, tentando encontrar fôlego para confessar: — As pessoas estão me olhando na empresa. Eu... — enxuguei algumas lágrimas com as costas das mãos, porém outras surgiram e não adiantou de nada. O meu rosto se distorceu pelo choro e comecei a soluçar.

Não consegui falar mais nada.

— Bu... Não fica assim, olha pra mim... — Ergui a cabeça na direção da tela, porém continuei chorando. — Não se deixe abalar por isso, por favor. As pessoas estão curiosas, e é natural, mas vai passar.

— Eu não sei — soltei mais um soluço. — Não sei se vai passar.

— Tenha calma.

— E também não sei quem me mandou essa merda, acredite em mim, pelo amor de Deus! — apontei para o arranjo, em meio aos soluços e a um choro nada digno.

— Ei... — voltei a encará-lo. Sua expressão era de quem sofria junto comigo. — Eu acredito. Não se preocupe, eu acredito.

— Mas não estava acreditando! — falei, com a voz esganiçada. — Até eu começar a chorar feito besta!

— Bu, eu estou longe, trabalhei o dia inteiro exaustivamente, não durmo direito desde que você retornou ao Brasil, alguém te mandou flores e não fui eu... — Thomas acariciava as têmporas, bastante tenso com a conversa. — Me dá um desconto, por favor. Só queria estar do seu lado agora, te dando apoio e carinho.

— Eu também! — mais um soluço me escapou.

Passamos alguns segundos em silêncio. Creio que Thomas me deu um pequeno espaço para que eu me recompusesse, portanto fiz o possível para limpar o rosto e reunir um pouquinho de dignidade. Eu não era muito de chorar, mas estava sensível. Um pouco mais controlado, deitei-me na cama, com o celular em mãos, e continuei olhando aquele homem lindo na tela.

De repente, sorri.

— Descobri que você é virginiano — murmurei, relembrando as pesquisas que fiz a respeito da data de seu aniversário. Elizabeth às vezes me mandava mensagens aleatórias me pedindo para escolher a cor da decoração, a marca do vinho, o tecido do guardanapo... Eu nunca sabia responder direito, mas fingia entender bem do assunto. A festa dele seria de arromba, como diria a minha mãe. — Eu já desconfiava! Todo certinho, engomadinho e metódico.

Thomas soltou um riso bonito.

— A minha mãe está enchendo o meu saco com essa festa — revirou os olhos e soltou o ar dos pulmões. — Não me diga que está enchendo o seu também!

— Ah, até que estou gostando de escolher o sabor dos docinhos. Ontem eu finalmente descobri a diferença entre trufa e bombom — soltei uma risada e Thomas me acompanhou.

— Eu nem sabia que tinha diferença.

— Nem eu. Mas Elizabeth Orsini sabe de tudo — continuamos rindo.

— E ainda não sei o que te dar de aniversário.

Thomas fez uma careta cheia de malícia.

— Tem certeza que não sabe?

— Isso não vale. Quero algo que seja diferente... Que esteja longe de seu alcance, o que é praticamente impossível, mas ainda não desisti.

— Não precisa me dar nada, lindo. Você já é meu presente, o melhor. — Abri um sorriso bobo e ele piscou um olho para mim. O meu coração, instantaneamente, se agitou dentro da caixa torácica. Meu Deus, aquele homem mexia demais comigo. — Gosto de te ver assim, alegre, sorrindo.

Soltei um suspiro profundo.

— Vou tentar melhorar.

Thomas assentiu, mas logo voltou à seriedade.

— Alguém fez ou disse alguma coisa inapropriada? Preciso que me avise, Bu. Não quero ninguém te desrespeitando dentro da InterOrsini.

— São só olhares, Thomas. Apenas eles já me enlouquecem, mas vou tentar segurar a barra. Não se preocupe comigo — eu estava arrependido por ter desabado na frente dele. Não queria que se desconcentrasse de seu serviço por causa de minhas inseguranças.

— A partir de amanhã terá um segurança te acompanhando — definiu, assim, sem mais nem menos. Seu semblante ainda se mantinha bem sério, sinal de que não estava brincando. — Era uma das coisas que eu tinha para te falar hoje.

— O quê? Nem pensar — bufei. — Por quê?

Thomas umedeceu os lábios antes de dizer:

— Quanto mais penso em você aí, vulnerável, mais incomodado fico. Eu me sentiria melhor se alguém o acompanhasse. E me incomoda também você pegando condução todos os dias. Amanhã cedo Lineu te aguardará na porta de seu prédio. Para onde quiser ir, basta acioná-lo que ele ficará à sua disposição. — Eu balançava a cabeça em negativa conforme Thomas falava e, quando concluiu, continuei balançando. — Bruno, você precisa concordar comigo. Pelo menos até eu retornar.

— Não precisa disso tudo. Eu... Quero viver minha vida normalmente, Thomas.

— Vai continuar vivendo normalmente, porém com alguns cuidados.

Soltei um suspiro ainda mais profundo e fiquei o encarando. Thomas sustentou o meu olhar ao máximo, até que falei:

— Só se me garantir que essa merda toda não é por se sentir inseguro e querer gente me vigiando vinte e quatro horas apenas para que se certifique de que não estou saindo com terceiros ou aprontando algo que você não concorde.

Ele abriu bem os olhos, surpreso. Pareceu refletir bastante sobre o que eu disse e, enfim, deu de ombros.

— Certo, sem o segurança — murmurou e no mesmo instante compreendi o que ele tinha tentado fazer comigo. Me controlar. Ainda bem que eu estava esperto e assim permaneceria. E ainda bem também que Thomas havia reconhecido depressa que não era justo. Enquanto nosso diálogo fluísse daquela forma, poderia dar certo. — Mas com o Lineu. Não tem cabimento você pegando metrô tarde da noite.

— Sempre peguei o metrô, Thom, mas tudo bem. Com o Lineu. — Eu não estava exatamente triste por ter um motorista à minha disposição. Que atire a primeira pedra quem ainda aguenta um segundo sequer de metrô lotado de gente fedida no fim do expediente. Eu não aguentava mais, não.

— Agora tente descansar e durma bem — ele voltou a sorrir, amansando a voz de novo. — E me desculpe.

— Pelo quê? — murmurei, sorrindo também. Coloquei o celular do lado do meu rosto, de forma que o observava estando já aninhado na cama.

— Por tudo. Principalmente por não estar contigo agora.

— Mas vai estar em breve.

— Não vejo a hora.

— Eu também. Boa noite, Thom.

— Boa noite, Bu.

Nós desconectamos a ligação e fiquei me sentindo tão bem que arrisquei fechar os olhos. Ainda precisava jantar, mas o cansaço era maior e me deixei ficar tranquilamente, imaginando que estava nos braços do meu homem.

Já estava quase dormindo quando ouvi o som do interfone. Mamãe atendeu na cozinha e pareceu meio eufórica ao conversar com alguém, por isso resolvi me levantar para conferir do que se tratava. Vesti o pijama rapidamente e, quando a encontrei, ela estava com os olhos esbugalhados e andava de um lado para o outro.

— O que houve, mãe? Quem era?

— Sua amiga está subindo. Achei que você estivesse dormindo, filho.

Fiz uma careta do tamanho do mundo.

— Minha amiga? Que amiga?

— Aquela sua amiga do trabalho, Elisa, estava lá embaixo procurando por você — dona Délia passou as mãos pelos cabelos soltos. — Seu Zé disse que ela estava chorando e parecia machucada. Liberei a entrada dela.

Sem me dar tempo para formular uma frase, a campainha tocou e corri para abrir a porta, completamente aflita. A imagem da Elisa descabelada, com alguns hematomas nos braços e um novo no rosto me fez congelar da cabeça aos pés. Sua face estava tomada pelas lágrimas e ela avançou para me abraçar. Eu a recebi, quase sem reação, mas já pensando em várias maneiras de arrancar um determinado pau para fora.

Aquele bandido nunca mais encostaria um dedo na minha amiga, foi o que prometi para mim mesmo naquele instante.

**********************

Elisa estava em estado de choque, chorando e tremendo descontroladamente, sem conseguir falar e mal ficava de pé sozinha. Eu a arrastei para o sofá enquanto mamãe, muito preocupada, avisava que prepararia um chá de camomila. Ela era daquele tipo de mãe que achava que um chá resolveria tudo. Já eu, sabia que ninguém além da polícia solucionaria a terrível questão. Só que não podia levá-la até a delegacia enquanto minha amiga estivesse daquele jeito.

A coitada chorou e chorou, agarrada aos meus braços como se fosse uma criança indefesa. Deixei que ela despejasse todas as suas dores sem fazer qualquer pergunta. Tem horas que é melhor não dizer nada e apenas oferecer um ombro amigo. Contudo, eu estava com tanta raiva que foi difícil não procurar pelo sujeito para fazer justiça com as próprias mãos. A minha vontade era de pegar um cabo de vassoura e distribuir pauladas nele.

Mamãe chegou com o chá e se sentou do outro lado de Elisa, que pegou a xícara com a mão trêmula e deu um pequeno gole. Apesar de tudo, parecia estar se acalmando. Continuei a olhando em detalhes, repassando os estragos em seu corpo e ansioso para que, enfim, dissesse que nunca mais olharia na cara do criminoso. Por outro lado, já estava certo de que faria uma denúncia caso Elisa não quisesse. Calado eu nunca mais ficaria. O silêncio é cúmplice do algoz sempre.

— Eu estou tão envergonhada! — a minha amiga choramingou após mais um gole, caindo no choro outra vez. Eu a puxei novamente para os meus braços e dona Délia murmurou:

— Não precisa sentir vergonha, querida. Estamos aqui para te ajudar. O que foi que aconteceu?

A minha mãe não sabia daquela história porque eu não contei para ninguém. Estava muito arrependido. Devia ter gritado a situação para os quatro cantos. E se, em vez de machucada, Elisa estivesse morta? Eu nunca mais me perdoaria.

— O marido dela — expliquei com a voz enrijecida, duro feito uma rocha. — Violência doméstica — resumi, dando de ombros enquanto mamãe abria a boca, surpresa.

— Neste caso temos que procurar uma delegacia — dona Délia falou, já se erguendo. Pegou as chaves do seu carro, que estavam sobre a mesinha de centro.

Olhei para Elisa, conferindo se faria alguma objeção, porém ela apenas chorava.

— Nós vamos desta vez, não vamos? — questionei, aflito. Coloquei uma mecha do seu cabelo para trás da orelha e ela soltou um suspiro profundo.

— Não é a primeira vez? — mamãe perguntou, horrorizada.

Apenas balancei a cabeça em negativa. Se havia alguém que deveria estar com vergonha era eu. Em vez de fazer alguma coisa por ela, fui embora do país e, quando retornei, demorei demais para tomar qualquer atitude.

— Nós vamos — Elisa definiu, encarando-me significativamente. — Eu não aguento mais isso. Você tinha razão, Bru, ele não vai parar... — e voltou a soluçar. — Como fui idiota!

— Não se martirize, querida — mamãe se aproximou e afagou os seus cabelos. — O importante é que agora isso tudo terá fim. Não vamos te deixar sozinha.

Assenti, emocionado de verdade com a resolução da Elisa e o apoio de minha mãe. Nós a ajudamos a se levantar e, em silêncio, partimos para a Delegacia da Mulher mais próxima. Sabíamos que não seria uma noite fácil, mas, de repente, nos mostramos prontos para encarar o mundo.

Fiquei muito orgulhoso da minha amiga por ter confessado tudo o que podia à delegada que estava de plantão naquela noite. Graças aos céus, fomos muito bem atendidos. Eu a acompanhei durante a abertura do Boletim de Ocorrência e, na narrativa dela, descobri mais coisas do que gostaria. O homem era ainda pior do que imaginava. Fazia uma pressão psicológica enorme, administrava toda a vida dela, inclusive o seu dinheiro, impedia-a de sair sozinha e já a tinha agredido de maneira mais leve muitas vezes, puxando os cabelos e dando beliscões.

Não deixei de notar que Elisa havia ocultado a gravidez, porém não comentei nada. Permaneci em silêncio enquanto ela narrava uma quantidade absurda de fatos que me fizeram compreender que eu tinha sido um péssimo amigo. Como não sabia de tantas coisas terríveis? Tudo bem que detestava o marido dela e já tinha notado boa parte da violência psicológica, inclusive dei vários conselhos, mas aquilo era triste demais.

Por fim, a delegada imprimiu o documento, aprumou-se na cadeira e perguntou:

— Você tem onde ficar?

Elisa olhou para mim, com uma expressão de menor abandonado. Pensei em perguntar sobre a casa dos seus pais, mas me contive. Se fosse seguro ela com certeza iria para lá e não teria me olhado daquela forma. Aliás, sequer teria me procurado como primeira opção.

— Sim, ela ficará comigo. — Embora mamãe tivesse ficado do lado de fora, sabia que não faria qualquer oposição a isso.

— Muito bem — a delegada pareceu satisfeita, entrelaçando os dedos sobre a sua mesa cheia de papéis. — O B.O. será encaminhado para um juiz e dentro de 48h serão tomadas as medidas protetivas urgenciais.

— 48? — eu me exaltei, frustrada. — Isso tudo? Que medidas são essas?

— O juiz vai definir. Geralmente é uma medida restritiva de aproximação, ele não vai poder chegar nem perto dela.

— E quando vão prendê-lo, afinal de contas? — questionei, ainda muito transtornado com a demora daquela merda.

A delegada fechou a cara, visivelmente insatisfeita.

— Ele ainda será investigado e julgado. Se for réu primário, vai responder em liberdade, provavelmente.

— Em liberdade? — Vi quando Elisa engoliu em seco. Seus olhos estavam enormes de tão abertos e assustados.

— Mas será preso se tentar alguma aproximação — a delegada completou. — Ou se tiver antecedentes, depende muito do processo.

— Ele não tem antecedentes. Não que eu saiba — Elisa comentou, virando o rosto para me olhar. Senti dentro do meu âmago todo o pavor que ela nutria diante de uma notícia tão ruim.

Jurava que o bandido seria preso ainda naquela noite! Mas também, o que estava esperando? Muitas mulheres ficavam em silêncio por causa da impunidade e não era à toa. Haviam construído aquele tipo de delegacia apenas para as proteger e, mesmo assim, nada estava 100% certo.

Eu já me sentia completamente impotente, imagina a Elisa?

— Acredite em mim, antes era bem pior — a delegada disse, olhando para a saída da porta para ver se não tinha mais ninguém por perto da sala além dela e da escrivã. — Já está tarde e a senhorita está muito machucada. Vou solicitar que seja levada a um hospital e só amanhã pela manhã seja feita a avaliação no IML. Lá serão realizados os exames periciais.

Elisa e eu assentimos, mas já estávamos nos sentindo derrotados.

— E se eu quiser fazer um aborto? — minha amiga comentou e todos a olhamos, espantados.

A delegada balançou a cabeça em negativa.

— Você foi estuprada? — questionou de uma maneira meio mecânica, como se tivesse acostumada a perguntar aquilo. Eu estava muito horrorizada, com vontade real de vomitar.

— Não — Elisa arquejou. Estava dobrando os dedos na barra da blusa que vestia. — Não.

A delegada olhou de soslaio para a escrivã e depois se voltou para nós, balançando a cabeça em negativa.

— Não tem como fazer isso legalmente. Ainda que a gente recorresse, demoraria tempo demais — disse em tom baixo. — Me desculpe. Imagino o que deva estar sentindo agora.

A minha amiga, de repente, deixou-se desabar num choro incontido. Eu queria gritar, sair correndo, bater em todo mundo que tentasse me impedir de procurar o desgraçado e acabar com a vida dele, mas o que fiz foi abraçar a Elisa com força.

— A perícia certamente vai descobrir sobre a gravidez, mas não vou colocar no B.O. — a delegada prosseguiu, realmente triste com a situação. Ao menos ela me parecia uma mulher bastante empática para lidar com outras mulheres. — Combinado?

— Combinado — eu que respondi no lugar da Elisa, que ainda chorava copiosamente.

A delegada ainda ofereceu uma viatura para levá-la ao hospital, mas como estávamos no carro da minha mãe, não a utilizamos. Pegamos a cópia do Boletim de Ocorrência e seguimos, cabisbaixos, rumo ao estacionamento da delegacia. Pensei que Elisa se oporia em ser atendida, mas ela me deu a sua bolsa e disse que na carteira tinha o plano de saúde pago pela empresa. A coitada não estava em condições nem de raciocinar.

Chegamos ao hospital pouco tempo depois e a minha amiga foi encaminhada a uma enfermaria. Eu fiquei na sala de espera e logo mamãe disse que procuraria alguma máquina de café. Frustrado, arrasado e me sentindo uma merda, peguei o meu celular e fiquei vendo as notificações.

Foi quando vi que Thomas ainda estava online. Já passava da meianoite.

Bruno:

Eu odeio a gente, os homens.

Thomas Orsini:

Até eu?

Bruno:

Você eu só tolero

Thomas Orsini:

O que aconteceu?

Achei que estivesse dormindo faz tempo

Soltei um longo suspiro e mandei uma foto do corredor do hospital.

Bruno:

Neste exato momento, socorrendo uma amiga vítima de violência

doméstica

Thomas Orsini:

Meu Deus, Bu

Está tudo bem?

Precisa de alguma coisa?

Bruno:

Na verdade, preciso

Ela é sua funcionária

Thom, eu acho que ela não vai se recuperar tão cedo

Não é uma questão apenas de condição física, mas a coisa está braba e estou com medo

O marido dela não vai ser preso

Ela não tem onde ficar e ainda por cima está grávida

Vou receber ela lá em casa durante um tempo indeterminado

Eu nem sei quanto ela tem na conta, já que era o cara que ficava com o dinheiro dela

Thomas Orsini:

Diga qual é o hospital

Enviarei Lineu para pegar vocês

Bruno:

Ela está sendo atendida agora

Não precisa, viemos no carro de minha mãe

Thomas Orsini:

Vou encaminhá-la para o melhor hospital da cidade

E depois vocês dois podem ficar na minha casa

Até decidirmos o que fazer

Maria pode receber vocês

Bruno:

Thomas, não exagera

Ela pode ficar comigo lá em casa de boa

Eu só precisava que você verificasse as férias dela

Porque uma porcaria de atestado não vai resolver

Thomas Orsini:

Sim, com certeza não vai

Mas agora eu que estou com medo

Se ele resolver procurá-la e sobrar pra você?

Bruno:

Querido, se eu ver esse homem na minha frente

É pra você ter pena dele e não de mim

Thomas Orsini:

Falo sério, Bruno

Bruno:

Eu também.

Thomas Orsini:

Por favor, diga qual é o hospital e me deixe cuidar de vocês

Se não quer que eu faça por você, permita que eu faça pela sua amiga

Afinal, ela é minha funcionária

Preciso do nome completo dela também

As palavras dele me fizeram cair no choro. Eu estava muito sensibilizado e não conseguia me livrar daquele nó no meu estômago. Dona Délia se aproximou a tempo de me ver chorando e ficou muito preocupada, então eu lhe entreguei o celular e ela leu as últimas mensagens do Thomas.

— Filho, talvez seja melhor fazer o que ele falou — ela me devolveu o aparelho e me puxou para si, alisando os meus cabelos. — Eu também estou com medo. Claro que ela pode ficar lá em casa o quanto quiser, mas se esse cara descobrir que ela está com você e resolver te procurar para tirar satisfação? E se tentar invadir o nosso apartamento? Não sabemos do que ele capaz. Ou melhor, sabemos bem, olha como está a coitada da Elisa! — apontou para o corredor onde a minha amiga tinha seguido acompanhada de uma enfermeira.

— Não acha que é exagero? — choraminguei, balançando a cabeça. — Eu quero acreditar que tudo isso é pior nas nossas cabeças e não na realidade.

— Meu bem, talvez você tenha razão, estamos nervosos e assustados para pensar direito. Mas se ele quer ajudar, por que não aceitar a ajuda? — a minha mãe continuou me olhando, mesmo depois que me afastei de seus braços. — Se você falou o que estava acontecendo para ele é por que confia, não?

Assenti, soltando um arquejo. Depois de alguns segundos refletindo, finalmente enviei o nome do hospital e o da Elisa para o meu namorado.

Thomas Orsini:

Obrigado, lindo

Vou fazer algumas ligações

Eu te retorno daqui a pouco

Bruno:

Obrigada ☹

Thomas Orsini:

Imagina

É o mínimo que posso fazer, Bu

Em poucos minutos muita coisa aconteceu. Elisa foi liberada do hospital, pois só fez alguns curativos e tomou remédio para dor. Não tinha por que ser internada ou permanecer por mais tempo.

Lineu veio nos buscar no meu apartamento, não no hospital, como queria o Thomas. Separei algumas roupas e itens de higiene numa mochila. A minha amiga tinha saído de casa apenas com o que estava vestindo e a bolsa com documentos e cartões. Nada além. Claro que não voltaríamos para buscar nada na residência dela, por isso reuni também algumas peças de mamãe.

Segundo Thomas, Maria, a cuidadora da Bia, iria nos receber na casa dele aquela noite e, na manhã seguinte, a cozinheira e a faxineira apareceriam. Um dos seus seguranças particulares, que ficou no Brasil, já tinha sido acionado e estava a caminho. Eu permaneci meio aéreo, sem querer pensar muito ou pestanejar diante do que considerava exagerado.

Só estava seguindo o roteiro e tentando acolher a Elisa, que ainda parecia arrasada, mas em outro estágio: o do completo silêncio. Pensei nas tantas mulheres que não possuíam nenhum suporte, como graças a Deus minha amiga possuía, e a revolta me tomou por completo.

As coisas não podiam ficar assim.

Siga a Casa dos Contos no Instagram!

Este conto recebeu 6 estrelas.
Incentive Ka Mander a escrever mais dando estrelas.
Cadastre-se gratuitamente ou faça login para prestigiar e incentivar o autor dando estrelas.

Comentários

Foto de perfil genérica

Fiquei viciado na história!! Posta mais, por favor!!

0 0