SEXO
O sexo, isto é, a prática de relações sexuais, é uma actividade vulgar, banal, monótona, cansativa e frustrante. Dita esta frase bombástica, que tem como intuito prender a atenção do leitor logo de início, proponho agora uma questão muito mais modesta. Tomemos a cultura sexual, isto é, o conjunto de ideias, crenças, normas e valores dominantes sobre a sexualidade. Agora imaginemos que a maior parte dessa cultura não é verdadeira. Imaginemos que milhões de pessoas vivem completamente enganadas sobre a sua sexualidade, pois as crenças não têm fundamento, os valores são errados, os factos são mitos e as idéias geralmente aceites variam entre a pura fantasia e o autêntico disparate.Será possível que se verifique um logro desta astronômica dimensão? Eu acho que sim. E tenho uma explicação muito simples para este fenômeno. Por um lado, é difícil cada pessoa falar da sua sexualidade com os outros, facto que ocasiona informação a menos. Por outro lado, anda por aí muita informação deturpada, o que nos dá informação a mais.Efetivamente, o sexo é uma prática íntima, sobre a qual a maior parte das pessoas tem grandes reservas em falar. Acresce que as nossas relações sexuais são também as relações sexuais de outras pessoas, pelo que, ao falarmos da nossa sexualidade, estamos também a expor a intimidade dos nossos parceiros sexuais. Sejamos francos: quem é que anda por aí a falar abertamente da sua vida sexual?No outro extremo, temos o excesso de informação deturpada. Livros, revistas, filmes, anedotas e muitos outros veículos informativos descarregam diariamente para cima de nós todo um mundo fantasioso e irreal que se limita a explorar até à exaustão, muita vezes com intuitos meramente comerciais, o inusitado interesse que as pessoas em geral têm sobre o sexo. Fantasia e realidade confundem-se de forma indiscriminada. Este texto é um bom exemplo disso mesmo. No final da sua leitura, o leitor terá provavelmente alguma dificuldade em separar aquilo que ele tem de verdadeiro e de falso, aquilo que é a minha opinião pessoal e aquilo que é um exagero consciente da minha parte.
O interesse desmesurado que existe pelo sexo resulta de um círculo vicioso: o edifício informativo que a sociedade constrói cria nas pessoas uma ideia de que o sexo é uma coisa; na realidade, a sexualidade de cada um é muito diferente; as pessoas concluem então que existe um desfasamento entre a sua sexualidade real e a sexualidade dos outros; isso leva a que se procure mais informação sobre a suposta realidade sexual. Grande parte dos consumidores desta informação são os jovens, a maior parte das vezes com pouca ou nenhuma experiência sexual, que procuram aí dados vitais para a sua compreensão do mundo. É também assim que se adquirem as primeiras perspectivas erradas, que irão alimentar o futuro círculo vicioso da informação deturpada.Muitas donas de casa compram regularmente revistas de culinária repletas de sofisticadas realizações gastronómicas, mas o seu dia-a-dia é preenchido com febras fritas e esparguete cozido. Os respectivos maridos coleccionam revistas sobre automóveis, deleitam o olhar em fotografias de potentes bólides que custam milhões, têm ideias sonhadoras de um status económico distante, mas vêm-se obrigados a usar diariamente o ronceiro 1100 cc. já com 7 anos. Não será assim também no campo sexual? Não será ele também dominado por idêntico desfasamento entre a realidade sexual de cada um e a imagem que os outros transmitem?O sexo é uma coisa simples e natural. Quero dizer, é uma coisa da Natureza, é uma característica fundamental de todos os seres vivos. É assim nas macieiras, nos peixes e nos coelhos. Infelizmente o homem teve a péssima ideia de complicar desnecessariamente a sua vida sexual, tornando-a uma coisa artificial e complicada.
Uma das ideias mais erradas e simultaneamente mais difundidas é a dimensão do prazer que a actividade sexual acarreta. A intensidade do prazer sexual é um verdadeiro mito, em nome do qual muita gente continua a fazer disparates e a comprometer a sua vida. As pessoas inexperientes na prática sexual vivem na ilusão de que sexo é uma experiência avassaladora, transcendente, um assombro de deslumbramento e prodígio. Depois, a primeira vez que têm relações sexuais costuma ser uma decepção. É de bom tom as pessoas admitirem que a primeira vez não foi nada de extraordinário, ou até que foi mau. Só torna mais misterioso o encanto das vezes seguintes. Mas, em muitos casos, a quadragésima quinta vez não correu melhor do que a primeira. Mas isso ninguém está muito interessado em revelar. Até porque ninguém se lembra da quadragésima quinta. Nem da centésima vigésima sexta. Na realidade, se for feita uma avaliação sincera das coisas que mais prazer dão ao ser humano, o sexo ocupará, na maior parte dos casos, uma posição bastante modesta na lista de preferências.Um equívoco corrente é imaginar-se que o nível de prazer tem a ver com a intensidade de ruídos que alguns humanos emitem quando têm relações sexuais. Seguindo a regra de que em sexo é tudo ao contrário do que parece, podemos admitir que, muito provavelmente, uma prática mais ruidosa tenha sido difundida precisamente por pessoas que nunca tiveram grande prazer no acto sexual. Um elevado nível de ruído tem mais a ver com o esforço físico despendido do que com o prazer que se tem. Eu demorei anos a aperceber-me desse fenómeno, que é, afinal, muito simples. Fez-se luz no meu espírito uma tarde em que assistia a um jogo de futebol. Veio um jogador à linha lateral a arfar, cheio de sede, pedindo água. À medida que bebia sofregamente, continuava a resfolegar e a lançar urros próprios de um filme hardcore. Não podia ser contentamento pelo resultado, pois o homem perdia por dois a zero naquele momento. Aquilo era apenas resultado do esforço físico. A próxima vez que tiver relações sexuais, ou as vir, reais ou simuladas, no cinema, lembre-se que as macieiras são muito mais eficazes, os coelhos muito mais performantes, e todos eles fazem muito menos barulho.
Tal como este, existem muitos outros erros, mitos e ideias preconcebidas no mundo do sexo. Ligada à intensidade do prazer há uma velha questão: o tamanho conta? Que acha o leitor? Tem opinião formada? Que informação concreta tem sobre o assunto? Pouca, não é verdade? Pouca mas, ainda por cima, preconceituosa. Quer ver? Em que é que pensou quando eu falei no tamanho? No pénis?! Mas não, leitor, eu estava a referir-me ao tamanho dos órgãos sexuais em geral. Esqueceu-se que a mulher também tem a sua parte? Então se há mamas do tamanho de marmelos, de abóboras e de peras, não acha natural que haja vaginas do tamanho de caixas de fósforos e do tamanho de comboios? Por que motivo quando se fala na influência do tamanho, ninguém se lembra do tamanho da coisa feminina? Eis o facto preconcebido, a ideia estereotipada.O tamanho conta? Mas conta para quê? Para a satisfação sexual do respectivo parceiro, não foi isso que pensou? Pois é. Mais uma ideia preconcebida. Por que é que quando se fala na relação entre o tamanho do órgão a satisfação sexual, nunca ninguém pensa na satisfação sexual do seu proprietário mas sim na do parceiro? Que disparate!Mas passemos à questão da relação entre o tamanho do pénis e a satisfação sexual da mulher. Tem ou não influência? Esta é uma dúvida eterna que atormenta o mundo masculino, pois é muito difícil chegar-se a uma conclusão. Porquê? Porque é quase impossível alguém obter informação fidedigna sobre o assunto. Vou-vos contar o drama do senhor X. Enquanto jovem adolescente, nem ele nem nenhum dos seus amigos sabia dar resposta a essa questão obsessiva. Um dia resolveu perguntar ao pai. O pai respondeu-lhe que essa era uma dúvida para a qual, também ele, nunca tinha achado resposta. Passados uns tempos, o senhor X consultou um psicólogo e terapeuta sexual. Este disse-lhe que não, que o seu pénis era, de facto, pequeno, mas que o que interessava era o blá-blá, blá-blá-blá, etc-e-tal. Sabem aquela anedota do fulano que tinha complexos de inferioridade? Vai ao psiquiatra e este diz-lhe, o senhor escusa de ter complexos de inferioridade, pois é mesmo inferior! No caso do senhor X, o que é que acham que um psicólogo que é consultado e pago para dar apoio ao seu cliente lhe pode dizer? Uma resposta simpática e favorável, mesmo que não seja verdadeira, não é verdade? Efectivamente, o próprio psicólogo, sendo homem, também tinha a mesma dúvida. Passou-se algum tempo e o senhor X casou-se. Um dia, já ao fim de vinte anos de casamento e trinta de persistentes incertezas, encheu-se de coragem e colocou a questão à mulher. Esta respondeu-lhe, olha lá, então tu quiseste que eu fosse virgem até ao casamento, esperas que eu te tenha sido fiel estes anos todos e agora queres que eu seja uma especialista em pilas? O senhor X acabou por morrer levando a sua dúvida para o outro mundo.
Pilas, pirocas, pirilaus, pissas, mangalhos, marzápios, mocas, martelos, só para nos ficarmos por duas letras iniciais, não vê aqui o leitor a prova provada que, em matéria de sexo, anda toda a gente a evitar chamar as coisas pelo nome concreto e correcto? Há disparates monumentais, como não ser capaz de dizer mamas, nós que somos mamíferos e que nos fartámos de mamar nas ditas cujas!! Então, se todos temos este pudor em apenas nomear o nome da coisa, como é que conseguimos falar abertamente daquilo que se faz a coisar? Na realidade, em matéria de sexo, todos nós somos uns grandes fingidores.
Mas, dirão alguns, não existem estudos científicos sobre a matéria? Existem, de facto. Mas também aqui há que ter cuidado com a deturpação da informação. Em primeiro lugar, muitos dos factos atribuídos à investigação não resultaram, na realidade, de estudos sérios e científicos, mas apenas de invenções jornalísticas. Em segundo lugar, alguns estudos partem dos conceitos gerais pré-estabelecidos pela cultura dominante, logo, encerram em si a própria semente da desinformação. Há tempos observei os resultados de um inquérito feito em Portugal. Perguntava-se, por exemplo, sobre a frequência da actividade sexual. As hipóteses para escolha da resposta eram qualquer coisa como: (a) todos os dias; (b) 4 vezes por semana; (c) 2 ou 3 vezes por semana; (d) uma vez por semana; (e) menos de uma vez por semana. Ora bem, repare-se que a pergunta já transmite um juízo quantitativo, isto é, faz supor que o normal, a média, será ter relações sexuais várias vezes por semana.Perante uma pergunta destas, como responder correctamente? As pessoas costumam elaborar um registo de todas as vezes que fazem truca-truca? Claro que não! Então como é possível pensar-se que alguém consegue dar uma resposta a uma pergunta destas? Vejamos o que pode ter acontecido ao senhor Y. Ele analisou de memória os últimos tempos. Houve aquelas preenchidas noites durante as férias na praia, mas também aquele mês negro (ou melhor, em branco) em que a esposa teve uma das suas implacáveis birras de retaliação doméstica. Qual a média? Média? O sr. Y nem sequer foi bom aluno a Matemática! Talvez a resposta d, mas não, uma só vez por semana também é pouco. Bom, à cautela, até para não dar parte de fraco, para não pôr em perigo a sua própria auto-estima, arrisca uma resposta que lhe parece, se não a real, pelo menos a ideal, e põe a cruzinha no c, 2 ou 3 vezes por semana. Na realidade, uma observação científica rigorosa, teria mostrado que o sr. Y teve relações sexuais 98 vezes nos últimos 3 anos. Uma média de 2,7 vezes por mês e 0,6 vezes por semana. Em termos mais compreensíveis, é pouco mais do que uma vez de quinze em quinze dias. Quatro vezes menos do que a resposta dada. Eis a contribuição do sr. Y para mais um estudo científico.
O leitor decerto já ouviu falar em ejaculação precoce. Trata-se de um problema, uma disfunção masculina, não é verdade? Uma coisa também muito científica. No entanto, isso da ejaculação precoce sempre me intrigou. Vejamos. Por que motivo não chamam a essa coisa orgasmo imediato? Seria um conceito disparatado, não é verdade? Se orgasmo é prazer, onde é que está o problema de ter prazer agora em vez de daqui a um bocado?O problema da ejaculação precoce parece residir no período refractário. Aquela particularidade que o homem tem de, depois de esvaziado o porta-moedas, só poder voltar a fazer trocos depois de ir ao multibanco. Mas, com toda a moderna parafernália sexual mecânica que por aí se vende, como é que isto pode constituir problema? Nem no tempo do meu bisavô isso era problema. Consta que os antigos usavam sucedâneos naturais, como línguas e dedos. Se calhar, até produtos da horta... Bons tempos, esses. O dinheirão que eles pouparam em pilhas!Para terminar a questão da ejaculação precoce, o problema é, uma vez mais, exactamente o contrário daquele que normalmente se apresenta. Não há qualquer inconveniente em o homem ter orgasmos rápidos. Problema é uma mulher poder demorar várias horas, ou até meios dias, até atingir o orgasmo. A famosa curva de não-sei-quê bem nos avisa que a mulher tem um período de excitação preliminar longo. Mas, em vez de tratar isso como um caso doentio, a mentalidade dominante obriga o homem a arcar com a responsabilidade de resolver a questão. É uma seca! Em vez de ir direito aos finalmentes, o homem é obrigado a desfilar todo um imenso repertório aprendido nas mil imagens do Kama Sutra, nas seiscentas páginas do Fritz Khan e nos noventa minutos do Cuequinhas Húmidas 3, enquanto a mulher se detém naqueles salamaleques de madame afectada pela curva de não-sei-quê... (Ai o raio da curva que não me lembra o nome, se calhar não tem!).
O Cuequinhas Húmidas 3 está para a minha geração assim como os ficheiros informáticos MPEG estão para os jovens de hoje. São o protótipo da má informação. Claro que não é por isso que eles são vistos com reservas. Se nos computadores da biblioteca um grupo de alunos observar uma fotografia que mostra a forma como a artéria aorta se encaixa no ventrículo esquerdo, isso é curiosidade científica a aplaudir. Se o mesmo grupo de alunos observar uma fotografia que mostra como um pénis se encaixa numa vagina, isto é uma nojice obscena a proibir. Dá para entender?Contudo, existe mesmo muito má informação nos media actuais. No sentido em que veiculam as tais ideias erradas, parciais ou preconceituosas, que acabam por marcar pela negativa a nossa sexualidade. Os exemplos são inúmeros, mas eu acho um particular encanto às coisas mais pequenas e mais inofensivas. Por exemplo, já alguém viu no cinema ou nas fotografias, nos cromos ou nos calendários, na Internet ou nos documentários mais científicos, alguma imagem de um corpo humano com pêlos púbicos brancos? Como sabemos, o cabelo humano vai ficando branco com a idade, o que é uma característica dos dois sexos. O que mais se vê por aí são pêlos brancos nas cabeças e nos peitos, nos braços e nas pernas. Será que os pêlos púbicos não encanecem? A nossa desinformação sobre sexo atinge níveis impensáveis.Olhe lá, é espermatzóide, espermatezóide, espermatozóide, espermatsóide, espermatesóide ou espermatosóide? Leia outra vez, confira e decida-se. Agora considere novamente os mesmos seis nomes, mas desta vez sem o acento. Confuso, não é? E a quantidade de vezes que você já disse o nome daquelas celulazinhas sexuais! Para castigo, vá ao dicionário.
O sexo pode ser muito frustrante. Por estas e por muitas outras razões. Mas, na maior parte das vezes, tem a ver com as enormes diferenças que se verificam entre as características sexuais masculinas e femininas. O sexo é normalmente apresentado como um corolário natural de uma harmonia física e espiritual que existe entre o homem e a mulher. Erro crasso! Dificilmente ambos os sexos poderiam ser mais díspares. A mulher produz apenas um óvulo por mês. O homem pode renovar diariamente os milhares de... das tais celulazinhas... A gravidez, o desenvolvimento de um feto, só é possível ocorrer no organismo da mulher. Diferenças abissais estas, que condicionam drasticamente de forma diferenciadora uma infinidade de aspectos físicos, hormonais, psicológicos e comportamentais dos dois sexos. Aparentemente ninguém quer saber disso. É pena, pois é fundamental compreendermos essas diferenças, sabermos lidar com elas e estarmos preparados para enfrentar muitas das suas consequências. Mas esse é um assunto tão sério e tão importante, que já não cabe neste texto.