Eu não podia deixar de mostrar meu assombro com o que vinha acontecendo. Olhava para a tela do computador e pensava em como dar um fim naquele conto com aquela situação desconfortável martelando minha mente. Conhecia a Paula e sabia que ela não era disso, não era dessas. Ainda que eu também soubesse de suas angústias e destemperos, o receio e a revolução que tais sentimentos causam muitas vezes devem ser reprimidos, para o bem da manutenção de algo maior. No caso dela, o matrimônio.
- Eu sei, Jacqueline. Você está certa. Isso não devia ser assim, meu casamento não foi de brincadeira, você, melhor que ninguém, sabe disso, assinou o livro da igreja como minha madrinha.
- Claro, Paula. Antes de mais nada, sou sua amiga e por isso mesmo que te dou esses conselhos. Mesmo que você não estivesse bem com seu marido, eu não aceitaria isso. Não é coisa de mulher direita, de mulher casada.
Paula consentia com minhas ponderações, mas no íntimo eu sabia que sua briga interna entre o que sentia e o que queria parar de sentir não se resolveria com pequenos exemplos de boa conduta, de dizer que quem entra num relacionamento contratual não deve trair. Não é mero ensinamento de etiqueta aprendido na escola, trata-se de ética cristã, solidificada em séculos.
- Ele me chamou pra sair de novo, Jacqueline. O problema não é o convite em si, porque do jeito que estou contando aqui parece que foi com poucas palavras. Mas é o jeito como ele faz, como ele me envolve. Tenho estado muito sozinha... ando meio carente.
Paula não completara dois anos de casada, mas de fato estivera poucos meses com o marido sob o mesmo teto. O trabalho do sujeito não permitia que ficasse sem viajar por mais de três semanas. Com longos períodos ausente, sua esposa tentava manter o núcleo familiar imaculado, sem saídas com o pessoal do trabalho, sem diversões extras. Ela é séria e vinha conseguindo. As tentações, Paula deixava por minha conta, que como uma psicóloga fervorosa, seguia demovendo os possíveis pensamentos volúveis da amiga.
- Você recusou, não é?
Um vácuo revelador bastou para que eu percebesse que minha missão protetora começava a falhar.
- Jac... não. Não fomos longe, fomos a um barzinho aqui perto de casa.
- E aí ele te levou em casa depois e ficou nisso, né?
- Mais ou menos isso... quando me trouxe em casa aconteceu. Eu juro que não queria, que virei o rosto, mas aconteceu, a gente se beijou...
* * *
Sei que o que fazia era errado. Que alguém, em algum período da História, estabeleceu que aquilo era algo que afrontava os mais elementares conceitos de boa conduta. Traição, sim, vil e rampeira. Mas, eu não estava disposta a servir como pára-raio de todos os males da humanidade. Comportamento inadequado, que grande balela! Ser humano é ser egoísta e perverso desde sempre, e, pra mim, durante aqueles minutos mais do que nunca.
Jardel se esmerava em me satisfazer e só isso bastava para que meu suposto arrependimento se transformasse em depravação, desejo por mais pecado, por mais sacanagem. O caminho trilhado por sua língua já era bem íntimo, cada vez mais indisciplinado e úmido. Por mim, eu ficava ali assim até meu marido voltar de mais uma de suas intermináveis viagens. Não, não... mentira. Eu pararia antes para poder chupar aquele pau também. Não poderia me refutar a retribuir-lhe o prazer. E quanto mais humilhação pro marido, mais o amante gosta. Vê-la chupando seu pau ajoelhada é o apogeu. Nesse caso, mais devasso ainda saber que ela é a melhor amiga da esposa.
O gozo fingia que vinha, mas era suspenso. Não poderia estragar a festa assim. Em nossa primeira vez, ele não suportou a pressão e ejaculou em minha boca. Fiquei puta! Não pelo fato em si, é claro, mas porque não soube esperar. Havia uma surpresa pra ele naquele dia, no dia em que terminaria meu livro de contos. Queria por trás, de quatro. E no fim ele ainda decidiria o que queria de mim afinal. Queria tudo? Só uma parte? E ele deixou a perder no prefácio oral. Agora era diferente, e ele tinha ciência plena. E mais que isso, ele tinha tempo.
Com ele eu gostava de virar puta mesmo. Não havia frescura. E esse sentimento rugia tão forte dentro de mim, que era difícil tentar explicar o que eu permitia. Quando ele entendeu que era tudo, largou de ingenuidade e passou a explorar com mais virilidade o que eu lhe estava ofertando. Esse era o nosso terceiro encontro e, certamente, estava sendo o mais integral, sem pudores, sem receios, sem culpa.
Sedenta, pedia rouca que me invadisse, que fizesse o que eu queria e o que ele desejava, o que sempre quis. Minha buceta o comprimia como se aquele pau fosse mais íntimo do que o do Gilson. E era mesmo, pau grosso e quente, estúpido e faminto. Como era bom aquilo, aquele gosto de ser puta, vadia, vagabunda. Os xingamentos eram mais suaves do que as sensações que faziam meu corpo convulsionar em orgasmos. Um, dois, diversos. Não me prendia em contagem, só queria rola, rola de todas as formas.
Jardel entendia e prendia o gozo para um grand finale ainda mais emocionante. Dilatado ao extremo, com uma cabeçorra quase rachando de tão inchada de sangue concentrado, virou-me de quatro. Anal com meu marido era raro, coisa de mulher certinha, com um comportamento adequado ao ambiente familiar. Diferente do que estava acontecendo agora, que eu queria mesmo ser estragada pelo marido da Paula. A Paula do meu conto que agora ganhava vida legítima, vida como uma chifruda, a mais meiga chifruda.
Seu cuzinho é muito mais tesudo que o da Paula, revelou Jardel enquanto encontrava sua liberdade sodomita. Nem meu marido faz assim..., entreguei. Todas aquelas variáveis envolvidas tornavam meu prazer anal ainda mais forte.
* * *
A tarde caía acinzentada, fria e chuvosa, pedindo um fondue com um bom vinho. Uma transa gostosa e demorada logo após e a noite estaria selada com chave-de-ouro. Tudo estaria perfeito nestas condições, exceto por Paula e seu problema que não me saía da cabeça. Aquilo me intrigava mais do que a situação em si, pois o problema era dela, ainda que eu fosse sua melhor amiga. Eu estava afetada e não queria aceitar. Se não fosse isso, o que explicaria meu pensamento fantasiar de forma tão despudorada enquanto estava com meu marido? Por que o esposo da minha amiga aparecia na minha mente como flashes? Não só aparecia como se situava, jogava conosco o jogo da sedução. Chupar dois paus é coisa que pouca prostituta faz, e eu ali, com aqueles relances diabólicos na cabeça quando estava apenas fazendo amor com o homem da minha vida.
- Oi, Jac. Tudo bem?
- Oi, Paula, tudo bem.
- Como está o seu trabalho com o seu livro de contos eróticos?
- Ótimo. Mentiram pra mim dizendo que eu sabia escrever e eu acreditei. Agora estou fechando o último conto e aí vou enviá-lo para revisão. Acho que antes do fim do ano está publicado. Por sinal, esse último está muito quente e psicótico.
- Qual o título?
- Comportamento inadequado. Uma história de amor que não deveria existir, e que, por existir, acaba adquirindo um contorno imprório. E quanto mais errado, mais orgânico se torna. É provisório, mas acho que está muito pertinente.
- Isso é tudo o que eu não queria ter.
- Como assim, Paula?
- Não sei bem como definir, Jac, mas acho que não ando bem... emocionalmente, eu quero dizer. Tenho tido um comportamento parecido com esse do título da sua história. Amando uma pessoa... a pessoa errada. Ou eu que sou a errada, sei lá. Você já sabe do que estou falando.
As conversas com a Paula, quando adentravam por esse pântano lascivo, ficavam cada vez mais perigosas.
- O que foi, Paula?
Eu sentia que estava absorvendo os problemas da amiga. Para livrá-la deles eu estava quase vivendo-os.
- Saí com ele novamente. E dessa vez rolou mais que beijos.
Ou então, eu estaria com inveja. Sim, esse era o motivo real que eu queria tampar para não assumir. A puta da minha amiga fodia descaradamente com um amigo enquanto o marido viajava a trabalho e eu, naquela de ditar moral e regras de comportamento, sentia, no fundo, uma escrota vontade de estar fazendo o mesmo.
- Você está brincando, Paula.
- Não, Jacqueline, nós transamos e o pior é que gostei. Gostei demais.
* * *
O passeio de suas mãos por meu corpo não era só provocante. Era uma sensação que misturava completo engano ao mais sublime tesão. Essa era a raiz da entrega. Ele sabia disso. Também partilhava essa fuga do cotidiano, mantinha esse comportamento condenado pelos hipócritas. Quem não trai não sabe o que é o orgasmo genuíno, o verdadeiro encontro com a natureza humana. Mete, isso, mete no meu cuzinho... ele é só seu, você sabe. Só meu? E do seu marido, ele também é?. Não, seu bobo, só você come, ai... só você... aquele corno vive só da minha promessa... e nem sabe que pra você já é realidade! Jardel urrava com as minhas palavras. Entravam em seus ouvidos como uma sinfonia doce que, aliada ao entra-e-sai, formavam a pólvora de seu gozo.
Vadia! Você fode melhor que a Paula! Melhor que qualquer uma que já enrabei!. A Paula rebola como eu?. Não!. Dá o rabo com esse gosto!. Não! Tenho que implorar... ela é dondoca... você é vadia!. E que tipo de comportamento você gosta?. O errado, o mais errado possível!. Filho da puta! Você não vale nada! Isso, mete mais no meu rabo, esfola... isso é o que você quer, não é?. É, vadia! Galha no corno do teu marido..., ...e galha na donzelinha da tua esposa!. Nossos gritos se completavam quase como estrofes satânicas, versos malditos que harmonizavam entre si, mas queimavam a ética dos bons costumes. A hipocrisia humana ia sendo reduzida a mera fudelança de cú naqueles instantes intermináveis, doces para nós, amargos para quem amávamos.
Ficamos deitados ainda algum tempo refletindo nas nossas atitudes adolescentes, tão gostosas quanto inconseqüentes. Era isso que queríamos? Não, não era. Infelizmente, eu poderia dizer que estávamos bem. Jardel ainda se superava e matinha sua interpretação estapafúrdia comigo, que entendia e jogava o mesmo jogo. Mostrava interesse em meus assuntos particulares para tentar me convencer de que o que mantínhamos era mais que sexo. Era um grande cafajeste, sem dúvida.
- Como vai o livro que você está escrevendo?
Bem lembrado. Não poderia esquecer de reinventar um nome para a protagonista. Acho que Pâmela substituiria bem.
* * *
- Gostou demais?! Que isso, Pâmela?
Silêncio.
- Gostei, vou dizer que não? Minto pra todo mundo, menos pra você. Sei que você não vai me chamar de puta, que vai entender meu problema.
- Foi rápido, só para matar a vontade, né? desejava imensamente que menos coisas tivessem ocorrido. Eu me corroía de ciúmes, de inveja, de vontade de dar também. Porra! Que merda é a vida. Uma putinha dondoca que não conhece nada de nada e já arruma um amante. E eu escrevendo contos eróticos para excitar os outros.
- Fizemos oral. Senti o que nunca sentira antes. Foi mágico. Chupei o pau dele... deu um arrepio quando aconteceu isso. Nunca tinha feito isso em outro homem. Ele vibrou, não me deixava parar.
- Ah, essa não, Pâmela... você chupou o pau do cara??! Nunca se faz isso com uma amante! Uma coisa tão íntima...
Decepção. Quando a mulher se predispõe a isso, é o fim. Como ela
iria olhar novamente para seu marido?
- Você é uma amiga muito pura, Jacqueline. Vou parar de contar as merdas que tenho feito. Estou envergonhada. Acho que não dá para falar sobre isso com ninguém, muito menos contigo. Estou péssima... aquela não era eu. Esse não é meu comportamento.
- Comportamento inadequado, Pâmela. Isso não combina contigo. Isso é só um título de um conto, um conto erótico. Coisa feia. Você é casada! Pense nisso, ou é pedir muito?
- Sei disso... mas não resisti. Acho que por isso mesmo. Por ter tido esse comportamento adequado por toda minha adolescência, namoro na sala, comportada... acho que me libertei. Preciso de tempo.
Eu estava incrédula. Não havia o que dizer. Eu não tinha mais o que fazer e estava misturando os mundos, o meu e o dela. Cada uma vive a sua vida. Olhei para a tela do computador e vi o cursor piscando na última linha. Acho que poderia finalizar esse conto, o último do livro.
- Vou ter que deligar, Jac. O Jardel acabou de chegar e não sei como vou encontrar coragem para encará-lo.
* * *
Ficou bom. Só não poderia me esquecer de trocar esse nome também.