carne

Um conto erótico de tidal
Categoria: Heterossexual
Contém 2987 palavras
Data: 07/09/2008 04:28:40

Sinto essa manhã como se fosse um fim de tarde. Pode parecer ridículo, mas é essa a impressão que eu tenho. E andar de manhã cedo, pés na areia, deixando que a água fria queime o que restou deles, é como um gozo em refluxo. Uma vez trepei com um cara que me explicou essa do gozo em refluxo. Ele disse que às vezes se masturbava tanto durante o dia, que lá terceira ou quarta vez, o gozo vinha, mas seco, azedo, quase sem lubrificação e esperma, e se ele se desconcentrasse do objeto de desejo fantasioso a que se apegava mentalmente, seja por um barulho externo distante, ou pela gota da torneira do banheiro que perturbava na louça da pia, ele rompia automaticamente a conexão com o gozo, e a ejaculação voltava, quase num grito de dor e horror, em refluxo uretra dentro. Assim era essa minha manhã. Ainda não passava das seis, mas eu já estava morta. E já estava morta desde que habitava o saco do meu pai. Meu corpo despencava sobre ele mesmo, os excessos do pior pó que eu já cheirei na vida, meu rosto era uma lama pastosa e neutra de rímel e lápis de olho preto mac e o mini leeloo preto estava ensopado de suor, absolut e vômito diluído em chanel 5. Não sabia onde havia colocado os sapatos. Tirei os jimmy choo em algum ponto da praia para descer o calçadão e andar na areia. Não tenho mais como achá-los, não quero mais saber, que se foda, não vou voltar os cinco passos que já dei. Desabo. E agora sou um bife de carne a parmegianna mal passado e ainda com vísceras no meio do posto 9. Rio. Ipanema. Faz frio. É inverno. A água me cobre, rasga. Começo a tremer. Sinto, súbito, uma paz violenta. O corpo acalma. Relaxa. Abro os braços. Viajo. Lembro da primeira vez que fui dedada. A primeira vez que vi um pau. Meu vizinho. Embaixo da cama. Era alguma espécie de brincadeira idiota. Esconde-esconde talvez. Eu, embaixo da cama. Ele me seguiu. Ficou atrás de mim. Respirava forte em cima da minha nuca. Apertava e empurrava com fúria seus quadris nos meus. Eu gostava. Não sabia, mas gostava. Eu sentia que alguma coisa estava acontecendo com ele, porque ele tremia. Ele colocou a minha mão em cima de uma coisa que eu via acontecer. Era o seu pau que subia. Eu achei aquilo tudo mágico, trágico, impressionantemente úmido. Por dentro da sua calça eu pude tocar uma coisa cilíndrica e rugosa. Eu sentia os nervos, as veias e o ralos cabelos do seu pau. Eu apertei com força. Era como um sorvete congelado que de tão frio, queimava a mão. Para cima e para baixo, ele disse. Eu fiz, e ao subir, senti um declive. Quando cheguei nesse declive tinha algo viscosos lá, uma espécie de cuspe, uma língua salivante que prenunciava o vômito. Ele fungou bem no meio do meu ouvido. O estômago gelou. Eu não conseguia ver o seu rosto. Ele estava atrás de mim. O declive. Era a cabeça. A cabeça do pau. O pau dele. Grande, fino, torto. Apertei. Imediatamente ele enfiou a mão por dentro da minha calcinha de algodão e atingiu certeiro, rude e estúpido, a entrada da minha vagina lisa, gorda e rosa. Ele enfiou três dedos na minha boceta e dois dedos no cu. Eu senti uma dor imensa. Acho que chorei. Ele movia em círculos, sem jeito os dedos lá dentro. Eu sentia sua baba no meu pescoço. Me deu vontade de roer as unhas. Precisava roer, era preciso, eu tinha que fazer isso. E roí. Enquanto ele me fodia com seus dedos e uma de minhas mãos estava em sua pica, eu roia avidamente os dedos da outra. Roí até sentir o gosto de sangue na boca. Foder. Outra palavra magistral. Repito. Foder. Palavras, sempre as palavras. Palavras são lindas. Palavras fazem tanta falta. De súbito, ele empurrou minha cabeça para baixo, arriou as calças, e sem que eu tivesse chance alguma de revidar, ele enfiou o pênis inteiro na minha boca. Atingiu a epiglote. Palato em carne viva. Engasguei. Tossi. Mordi. Ele arfava e a respiração aumentava cada vez mais. Então ele golfou bem dentro da minha garganta. E seu pau tremia entre meus lábios, língua, dente e coração. Sangue, porra, saliva e suor. E eu pude ver seu rosto, de soslaio, rápido e cruel. Era um rosto de demência. Uma de suas mãos, agora massageava o próprio saco, a outra, hirta, cheirava a cu. O meu cu. Estava nervosa. Chorava. Senti um cheiro de merda. Eu peidei. E pude perceber que estava toda suja de bosta. Estava toda cagada, uma merda rala, fina e fedida derramava-se sobre as minhas pernas. E eu só tinha vontade de roer as unhas. Não parava de roer as unhas. Queria roer as unhas dele. Como louca, desci ainda mais no seu corpo atingindo seus pés. Estavam sujos, negros de terra, mas assim mesmo atolei os dentes em sua unha mindinha. Ele gritou, me chutou e disse: “Sua putinha cagona carniceira de merda. Você devia morrer. Agora todo mundo vai saber que você é uma vagabundazinha melada. Todo mundo vai saber que você come cocô, engole porra e foi fodida pela minha pica. Todo mundo vai saber que você é uma escrotinha. Todo mundo vai saber”. Então tive medo. Implorei. Pedi que não. Fiquei à mercê dele. Estava disposta a tudo. A imagem. Sempre a imagem. Ele disse que ficaria calado se eu o obedecesse. Eu aceitei. Então virei a sua prostituta. Só sua. Daquele dia em diante eram tantas as vezes que ele me usava com seus dedos e bocas que, do delírio da descoberta da primeira vez ao completo escarro das sucessivas outras vezes, eu comecei a gostar. E quando comecei a entender as coisas melhor, e quando comecei a crescer mais um pouco, deixei que ele enfiasse o pau com toda força e vontade dentro do meu cu. Nunca na boceta. Só no cu. Ele não merecia a minha boceta. Não mereceria nunca. E eu comecei a não ter mais medo dele. Só tédio. Um dia eu cheguei e disse: “Chega. Com você chega”. Ele me ameaçou. E eu disse que ele podia contar pra quem quisesse que eu não me importava mais. Não tinha mais medo. Quase não existia mais a imagem, o sentido de ser deixava simplesmente de existir. Pouco a pouco. E se fosse o caso, negaria tudo. Tudo. E se ninguém acreditasse diria que ele havia tentado me agarrar a força, mas que era tão incompetente que seu pau não havia funcionado. Ele ficou com medo. Eu ainda era menor. Ele já não mais. A vaidade é uma fraqueza enojante. Então foi o fim. Fim. Qual o sentido do fim? Eu comecei a fazer o que eu fazia com ele com todos os outros que eu conhecia. E fiz com que ele soubesse de tudo. Fastio. Até o dia em que resolvi dar. Dei pela primeira vez na vida pro porteiro do meu prédio. Já faz um tempo. Um nordestino baiano, pernambucano ou sei lá o que com uma barbicha de cafetão. Ele era forte, muito forte. Tinha uma cara de ângulos convexos que mexia com tudo. Ele me dava medo. Não conseguia sair do prédio sem reparar no enorme volume de carne que existia no meio das suas pernas. Não consegui deixar de perceber o furor do seu braço marcando a borda da camisa. E sua bunda. Queria meter a língua no seu cu. Queria apertar as nádegas enquanto ele fodesse a minha goela. Toda vez que eu aparecia ele olhava dentro de mim, e involuntariamente apertava o pau, com a mão cheia, a mão grande de longos dedos e unhas sujas. Apertava o aquele volume em todo o seu diâmetro, ia para cima e para baixo, fazendo com que a calça ficasse marcada e insuportavelmente inquietante. Tinha a cabeça raspada, como um skinhead. Era violento, brusco, tétrico. Uma cicatriz que atravessava a face, o nariz e a boca. A boca. A boca era um pedaço de carne cru, vermelho e gorduroso posto à venda. Ele sabia, eu sabia. Eu via o movimento da sua boca, o enrolar da sua língua. Eu queria urinar sobre o seu corpo, lamber, roer as suas unhas. E um dia, à noite, como sempre, ao voltar pra casa, eu cheguei no prédio e entrei no elevador. Ele me seguiu. Fechou a porta, apertou o número do meu andar e disse: “Eu só quero que você olhe”. E libertou o pênis daquele apertado uniforme marrom, apenas desabotoando a calça. Sua força era tanta que o próprio pau empurrou e abriu o zíper com violência. Raspado, isento de pelos. Grosso, grande e levemente curvado para cima. Livre. Eu nunca me senti tão livre e aflita como naquele momento. Liberdade. Então ele cuspiu na própria mão e esfregou-a na cabeça do seu pau. Começou a bater com força e vontade. E batia mais rápido e cada vez mais forte. E os andares subindo, chegando cada vez mais. Uniforme, elevador, proletariado nortista, tudo tão fetiche, tudo tão burguesamente completo, como um imenso filme pornô-chique americano mal produzido. Isso que é muito mais do que essa pornografia imunda da existência em seu coito mais contido de agonia e fim. É só olhar para dentro de você e perguntar como foi o seu dia, e tudo o que você vai encontrar é pornografia reprimida. Lixo interior controverso, inteligência inteligenticista fútil, inútil e devassa. O elevador subia. Alguém poderia pará-lo a qualquer momento, alguém poderia entrar, algo poderia acontecer em questão de segundos. Mas ele não continuava. Ficava ali, fodendo a própria mão e olhando bem dentro da minha pupila, com uma cara de selva, de infame. As veias do braço expostas, a jugular saltando, a boca contorcendo, o saco de um lado para o outro, um surdo som de carne exposta, de pele na pele, poros se abrindo. Ele não emitia som. Só respirava. Com vontade. Uma respiração líquida. As narinas dilatando-se, quase sugando uma a outra. A força que fazia, a liberdade em repudio e repressão. Eu podia ver as entradas marcadas de músculos da sua barriga. Eu podia ver dentro dele. Aquela coisa que queria explodir de revolta, de ânsia. A vontade de deixar de ser bicho para ser homem, a vontade de respeito, de inclusão, de metal. A vontade de um país. E queria explodir, romper, conter. Ele se vingava em mim. Me foderia, sim, me foderia, porque para esse tipo de coisa ele era bom. O nordestino de merda. Uma terra de bosta. Contingente de sebo. Ele servia só para isso. Para sustentar e foder todo um país, toda uma boa trepada de uma garotinha zona sul e seus ideaizinhos que não passavam das próprias paredes do seu quarto de tão tacanhos e insuficientes, que pode ser puta à vontade e a hora que quiser porque agora existia camisinha e o preservativo era a sua limpeza moral e ética-coisas sem conceito e/ou sentido nesse mundo de imagens cínicas e virtualmente manipuláveis; além do que os pais não ficariam sabendo, ninguém ficaria sabendo e se soubessem seria apenas um desvio, uma fraqueza ou simplesmente uma mentira. Uma terra de mentira. Uma masturbação angustiada. Auto-punição flagelativa. Auto-sabotagem. Mas nada me faria ser menos puta e ele, menos nordestino. Ele, esse cárcere privado, o mito, a vergonha do sotaque transformado, a reinauguração, a reinvenção de si, a renegação e vergonha da terra que deixou pra trás, esse passado de bosta, inútil, feio, e ao mesmo tempo tão querido, tão incompreendido, completamente vivido e inexplicavelmente aconchegante. Sua mãe, o rosto da sua mãe. E ele ali, na sua vingança de si, para mim, esfregando na minha cara a minha vontade, a minha culpa. E disse: “Abaixe e apare. Você precisa engolir e conter tudo”. E eu o fiz. E a cabeça rosa-roxa do seu pênis expeliu um jato lascitante de um creme regional típico, uma comida caseira e tipicamente cultural de sua terra: o pavor. O grito. A infâmia. E eu engoli toda aquela infâmia sem pestanejar. Gargarejava. Era como se respirasse pela traquéia toda a sua porra, a sua vida, o seu fim, o naco escatológico de liberdade. Agora ele estava preso dentro de mim, até que eu o expelisse na urina ou pelo cu, e mesmo assim sua proteína faria para sempre parte da composição celular do meu organismo. Não tinha mais dúvidas. Estava entregue. Era aquele o momento. Ele era o merecedor. Então eu disse: “Eu preciso que você me foda. Agora. Não me respeite. Finja que eu sou um outro país”. A porta do elevador abriu. Meu andar. Ele com o pau para fora, um membro que se recusava a abaixar. Eu não desci. O elevador ficou parado. E ele ordenou: “Tire a roupa toda. Fique nua. Você só existe nua, enquanto coisa que se compra, vende, pinta e se transforma”. Obedeci. A porta do elevador aberta. Qualquer um poderia passar pelo corredor. Qualquer um poderia ver. Eu era uma enorme terra estrangeira. Eu estava nua, virginal, americana, pura, indefesa, completamente norte-americana. Tão pura, tão inocente, ó deus, como eu sou feliz, uma mulher de bacon e ovos fritos com coca-cola. E de unhas feitas. Não roídas. Unhas já contidas. Estética. Então ele me bateu. No rosto, na face, de mão aberta. Me fez agachar e de pênis duro e melado, fodeu a minha boca. Levantou-me, bruto, ágil e me fez montar em seu pescoço, sugando a minha boceta em movimentos tão experientes, concisos e ríspido que eu sentia a sucção dentro do meu próprio útero, aquilo que gera o asfalto que invade a mata, aquilo que expele toda tentativa já previamente fadada ao pessimismo do fracasso. Esperança controversa. E ele afiava seu dente/presa de ódio bem fundo na minha língua vaginal. E fez isso com vontade, e com tanto gosto que me fez contorcer, gemer, sem medo gemer, gritar, uivar, que me importava que os outros vissem, que me importa que olhem, que ouçam, que importa o que pensem, eu quero mais é que todos participem comigo, eu quero mais é que todos mostrem a que vieram e deixem suas plásticas vidinhas baratas e compradas a prestação com juros dentro de suas casas de sapê e tijolos virarem mito. Eu era o nada. E cravava as unhas dentro e fundo de suas largas costas sardentas. Elas jorravam sangue. Explodi bem dentro da sua boca e da sua língua bifurcada, ácida e gutural. E o meu gozo pingou no chão. E dali nasceria uma constituição. Estava entregue, quase dormente. Mas ele queria mais. E rasgou a própria camisa. O peito largo, imenso e costurado. Um herói. Meu mito. Estava segura. Ele me salvaria de tudo. Ele me resgataria da angústia, dessa fome. E sugou os meus seios, sangrando as pontas de ambos, de tanto morder. Sussurou rouco toda a sua peste no meu ouvido. Bateu na minha bunda, contorceu o meu corpo, apertava-o com posse. Meteu no meu cu. E sem que eu percebesse ou sentisse, rompeu a pele que me fazia tão segura e pura. E socou, de todas as formas, com todas as qualidades de movimento. Me fazia. Não falava, não fala mais, não gemia, só respirava, só dominava, e suava, suava muito, feito porco, fazia calor, muito calor, parecia que ia desintegra-se. Sua bunda contraindo-se a cada estocada, seu escroto roçando e invadindo o meio das minhas pernas. Então gozou de novo, forte fundo e reto. Eu senti a larga potência do líquido entrando na minha corrente sanguínea, como um néctar fedido, amargo e venenoso. Tudo passou a ser tão divertido, tão intenso, tão engraçado, quase uma pornochanchada. Cachaça com rapadura, produto nacional. Agora sim, eu estava pronta para mudar o mundo, pronta para a revolução. E me jogou ao chão. Vestiu a camisa, levantou as calças e foi embora. Saiu do elevador. Sumiu no corretor. E eu fiquei ali, nua, só, úmida, saciada. Não sei por quanto tempo. Simplesmente não sei. Só sei que nasci de novo. Me vesti. Fui pra casa. Me sentia livre. Positivismo temporário. Liberdade. Essa outra coisa quase já sem conceito. Essa coisa que talvez que desde sempre tem menos conceito do que todas as outras coisas. Abro o olho. Rio. Ipanema. Posto 9. O frio passou. Sol alto. E eu aqui, jogada na areia feito um pedaço de carne de segunda, uma moela exposta no óleo e sal. Me sinto o cúmulo do pensamento over pornô chique. A filha bastarda de Anais Nin. Meu grelo pulsa. O fim. Você é aquilo que você come. Você é quem ama, e por isso você não é nada. Aquilo que se é confunde-se com o que se pode e o que se tem de ser. E ter. Amor. O que é isso. Essa coisa fede. Isso que é sempre dito e escrito. O amor. Tudo na vida já foi escrito. Muito pouca coisa foi vivida. Amar é difícil. É contagioso. É seco. Amar é perder, tolher, apodrecer. Amar não é medir. É anular, petrificar, fazer de veias expostas uma marionete de circo. O amor é horror. É um corte de medo, é como uma gota de porra dentro e fundo na sua pupila. É como quando a sua boca é feita de ânus por uma imundície qualquer que cospe dentro da sua garganta. Isso é o amor. Essa redução, esse físico, essa coisa. O amor se transformou nisso. Em lixo, metal, vidro, plástico, fumaça, prédio, patologia clínica. Levanto. Vou em direção à rua. Chamo um taxi. Vou pra casa. No trajeto, a minha buceta baba: dentro dela, os quatro dedos da mão direita do motorista. Pelo retrovisor central observo meu próprio rosto, e aquela típica expressão bufólica de “ah, como eu adoro uma foda baixa renda”. Eu tenho pena do amor. Eu tenho muita pena.

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