Vinha todas as tardes, perto do escurecer, tocando aquele troço feito de arame e madeira. Talac-tac-talac-tac-talac-tac.
Vovó! Vovó!, o moço das balas! eu gritava. Ela me dava uma moedinha e eu corria para a porta da vila, esperando ele subir a ladeira. Uma espera angustiante. Todo mundo comprava e ele demorava a chegar até quase na porta da vila onde eu morava. Nunca ia até lá embaixo. Um dia fui, e vovó me bateu tanto que eu nunca mais desobedeci.
Vovó, que me amava muito, ensinou-me a obedecer.
A moedinha não dava para o algodão doce nem para o saco cheio de balas. Apenas para um saquinho, com seis, ou para uma chupetinha, daquelas vermelhas, espetadas em palitos de madeira. Só no final do mês, quando ela recebia, me dava um pouquinho mais. Aí dava para um sacão de balas, o algodão doce e algumas chupetinhas.
Fora desse dia gracioso, Oi, menina boazinha! Eu me enchia de orgulho por ele me chamar de menina boazinha. Oi, moço, hoje só quero seis balinhas. No outro dia, para variar, eu comprava uma ou duas chupetinhas.
Assim, anos a fio.
Vovó se foi.
Mas o moço das balas, não. Passava todos os dias. E eu o esperava. Tanto porque ainda gostava daquelas balinhas de coco, que se dissolviam na boca, do algodão e da chupetinha, quanto porque minha alma também já dissolvia em outros pensamentos e vontades.
Eu já me transformara, agora era a moça boazinha.
Nem tão boazinha assim. Mas ele talvez não soubesse.
Oi, moça boazinha, balinhas? Hoje, não, obrigada. Nem um saquinho? Não, não tenho dinheiro. Toma, então, duas balinhas para não ficar com água na boca. Não posso aceitar, moço, dizia sabendo que não devia, mas que iria aceitar. Porque mocinhas, boazinhas ou não, pressentem certos perigos têm o poder de levá-las a certas incertezas, pois se a coisa parece perigosa também parece que não é, na base do muito pelo contrário.
Você tá cada vez mais bonita, você tá cada vez mais linda, e quando chegava perto, dizia baixinho que deus não dava asa a cobras, o que eu não entendia direito, no certo da certeza, mas imaginava. E, se ficava vermelha e sorria, é porque eu compreendia muito bem, pois, se deus não dava asa a cobras, dava-as à minha imaginação.
E não era imaginação aquilo que eu via e me fascinava, pois, sentada no degrau da entrada da vila, ficava na altura certa de ver. Sabia que aquilo não era uma cobra e nem possuía asas, mas inchava, crescia e ficava dura, e agora, sim, era imaginação, porque eu nunca tinha aquele inchar, crescer e endurecer, só o de alguns outros, nenhum tão grande.
Nem preto
O que mexia comigo por dentro, porque tinha ar de proibido e um cheiro de indecência que eu já gostava: cheiro de pica.
Que vovó, onde estiver, me perdoe.
Eu era boazinha mas indecente, e cínica, porque dentro daquela calça branca, branquíssima, aquele inchado, que não era uma cobra, mas parecia, porque vida tinha, e talvez também falasse, já que eu podia ouvir seus gritos pedindo ajuda para sair, e eu querendo ajudar, mas cobras assustam, dão medo, ainda mais aquela, que devia ser preta como um carvão, o que me dava mais medo ainda, e tesão, porque eu só conhecera brancas, e claro, não eram cobras, embora também tivessem cabeça.
E se um dia a gente olha um pouquinho, no outro quer olhar mais, no outro mais ainda, porque a imaginação não pára, parece que tem fome e o poder de minar a vergonha, e a gente olha mais, e quer ver, e quer pegar, e quer sentir, e que chupar, mas não pode dizer que quer, porque não fica bem para uma mocinha boazinha nem dizer nem fazer essas coisas.
Mas se deus não dá asa cobra, é bem verdade que escreve certo por linhas tortas.
E o diabo assina em baixo.
A cara da bondade é esquisita.
Eu já tava agoniada. E agonia eu não suporto. Mas gosto. Me dá coragem. E foi com a cara mais inocente do mundo, bondosa, que perguntei, logo depois que meus olhos se encheram com o volume que a cobra preta fazia na calça branca.
Moço, porque deus não asa a cobra?
Moça boazinha, não sei, não. É só um jeito de falar sobre o nosso penar. Penar? É, o nosso sofrer. O senhor sofre, moço? E como, moça boazinha, e como!.
Eu tenho pena do senhor, juro.
No olhar dele, o brilho do desejo. Mas também o receio. Uma moça boazinha, mas branca, e uma cobra preta eram coisas que não se combinavam aos olhos dos outros. Dava polícia, no mínimo. Certo mesmo era linchamento.
Quem tem cu tem medo.
O melhor medo do mundo.
Tenho que ir moça boazinha, tenho que ir. E me deu um algodão doce. Não posso aceitar, não tenho dinheiro. Ele riu. Depois você me paga.
E depois, do mesmo jeito bondoso e conforme a muda conversa entre meus olhos e a cobra dentro da calça, inchada e dura, um saquinho de balas; depois, um sacão; e depois outro algodão doce, duas chupetinhas, três.
E a divida só aumentando.
Não tenho dinheiro, moço.
Paga depois, moça boazinha.
E todo dia: deus num dá asa a cobra, moça boazinha, né mesmo? E eu pensando no sofrimento dele, e sofrendo também, não porque fosse boazinha. Nunquinha. Era porque tava sofrendo por desejar. E desejar daquele jeito era sofrer. Quem diz que não? Para parar de sofrer eu tinha que ser boazinha para ele parar de sofrer também.
E eu ainda tava devendo. Não devia dever, eu sabia, mas tava devendo. E tinha que pagar. Não bastava ser boazinha, tinha que ser honesta. Sábias lições de minha saudosa Vovó.
Mas como? Isto, Vovó não ensinou. Nem precisava, a gente descobre.
Ah, Vovó, que deus a tenha.
E cobra sofre, moço?
Muito, um sofrer medonho, moça boazinha, chega a doer.
E num tem como ela parar de sofrer?
Claro que tinha. Bastava eu ser boazinha. E honesta.
No final da ladeira, um recuo e uma marcenaria desativada. Só podia ser lá, aonde ninguém ia. Moço, vai ali, ó, e me espera.
Já tinha ido lá muitas vezes.
Entrei em casa, esperei um pouquinho, babando entre as pernas. Cheguei no portão da vila e expiei. ninguém. Corri pra lá.
Aqui!, ele disse.
Tava num canto meio escondido, encostado na parede.
E eu tremendo que nem vara verde, doida para ser boazinha.
Não havia o que dizer, só o que fazer. E bem feito.
Passei primeiro ponta do indicador, depois alisei.
Entorpecida, apertei.
Tira ele para fora, pediu, no auge da agonia. Me agachei e procurei o fecho. Não tinha. Calça de elástico na cintura.
Abaixa a calça, pediu, ajudando.
A coisa saltou.
Fiquei olhando, sem coragem de pegar, paralisada pelo fascínio, pela comichão intensa nos seios e entre as pernas, e por um pavor que desafiava minha razão, se é que ainda havia alguma: ao pensar naquilo entrando em mim, só pensei numa coisa: ou aquilo ia me matar de prazer ou me matava, mesmo.
Usei as duas mãos.
Ainda sobrou carne.
Puxei para trás devagar. A cabeça vermelho-escuro surgiu.
O cheiro.
A saliva começou a sobrar.
Lambi.
Lambidas longas, nele todo, sentindo o cheiro.
Cheiro, gosto de pica, de pica suada. De resto de mijo. Nojo gostoso, de dar vertigens em mocinhas boazinhas, como eu.
Esqueci de mim.
Olhei nos olhos dele antes de começar a chupar. Chupar a cobra preta de cabeça vermelha.
Não faz isso, moça-boazinha, não faz isso, não me olha assim, não faz...
Coitado, não agüentou.
E quase me afogou com seu leite abundante e branquinho, grosso.
É tão bom ser boazinha!
Ele também o foi.
Me deu três saquinhos de bala, um algodão doce e duas chupetinhas.
Logo depois, em casa, e juro que não foi imaginação, me acabei nos meus dedos, sentindo a mistura do gosto das balinhas com o da porra dele, que ainda ardia na minha garganta.
Depois, o algodão doce.
Guardei as chupetinhas para mais tarde. Na hora de dormir.
Chupetinha com gosto de buceta, com o meu gosto, com o meu melado... Enfiei mesmo, lambuzei e chupei.
E me bebi até me esgotar gozando.
Merecia ser boazinha comigo mesma.