Estava com pressa. Como sempre,corria de um colégio pra outro. Olhei aflito para o relógio e calculei mentalmente quantos sinais e engarrafamentos . Atravessava a rua quando aquele sorriso congelou o tempo e iluminou tudo à minha volta.
- Eduardo, há quanto tempo...
E junto com o sorriso ganhei um abraço. Abraço carinhoso, afetuoso. Um abraço que revelava saudade, amizade, alegria de reencontro. Retribuí, meio sem jeito, com aquela cara de " conheço essa menina, mas não sei de onde "...
Esqueci de falar, era uma menina, uma moça muito bonita a proprietária do abraço com que fui presenteado. Ela logo percebeu o meu sorriso atrapalhado. O fato é que passo muito por estas situações constrangedoras: encontrar pessoas que me comprimentam com a maior alegria e intimidade e eu lá, sem saber nome, de onde conheço, quem é, nada! Um sofrimento que coloco na conta da minha péssima memória e nos quase 15 mil alunos que já tive ao longo de mais de dois anos de magistério e tantas outras atividades em que estive ao lado deste Povo de Deus, disperso pelo mundo inteiro...
Mas se meu sorriso era amarelo, o da menina era só luz. E foi sorrindo que ela disse: - Lembra de mim, Isabela...
Dissipou-se a nuvem. Isabela ...fora minha aluna no Loyola Pampulha, 1980. Estava na 8a. série. Isabela fora um daqueles alunos que ultrapassavam a fronteira das formalidades da sala de aula para invadir o precioso território da amizade. Felizmente, foram muitos ao longo desses anos. Ela marcou por muitos motivos. O principal deles é que me havia me procurado, após uma aula, para conversar. Isabela era alguém que trazia uma história pessoal marcada pela tristeza. Tinha vivido uma situação de extremo sofrimento. Tudo isso passou pela minha lembrança numa fração de segundo e ela percebeu que eu me lembrara, pois mais luz brilhou no seu sorriso.
E aí...veio a tragédia, olhei novamente o relógio, mergulhei na agônica paranóia do tempo, respondi um "oi, tudo bom?", dei um "tchau" formal e apressado e, sem dizer mais nem uma palavra, acabei de atravessar a rua correndo, peguei o carro e me deixei envolver pela loucura do trânsito, do tempo, da vida...
Nunca mais vi isabela e não sei se o destino me dará outra chance de encontrá-la para dizer que ela estava linda, que era fantástico ver seu sorriso, perguntar-lhe como ia a vida, ouvir suas histórias e, quem sabe, lhe contar as minhas, perder tempo com aquilo que realmente vale a pena. Elas importam, somente o encontro com elas tem algum sentido nesta loucura em que transformamos o nosso cotidiano pois cada uma delas traz em si uma centelha de Deus, da sua ternura sem medida.
Jesus sempre teve tempo para perder, principalmente com os pequeninos, os injustiçados e desprezados, com os que sofrem as dores impostas pelo mundo. Jesus perderia a tarde toda com Isabela, o dia todo se fosse preciso.
Eu perdi o encontro e tento me salvar neste texto...Quem sabe, nessas brincadeiras que a vida faz, Isabela um dia possa lê-lo e saber do meu arrependimento, da minha pressa estúpida para chegar a lugar algum, da minha insensibilidade momentânea que tento compensar nessas mal digitadas linhas.
Foi bom reencontrá-la, Isabela, mas pode estar certa de que você sempre esteve presente nas minhas lembranças de professor apaixonado pela pessoa humana, matéria prima preciosa do meu trabalho, presente inesquecível que o Pai colocou em meu caminho num gesto de especial ternura e afeição.
Na minha caminhada pela vida, seu sorriso fugaz há de ficar sempre, oásis no meu deserto, iluminando os cantos mais obscuros dos meus afetos.