Fiquei um tempo parada do lado de fora, tentando racionalizar o ocorrido. Eu seria novamente fêmea de alguém? Não que eu não quisesse, mas uma coisa era me deitar com um completo estranho num dia qualquer e misturar meu suor com o dele enquanto coloco para fora a devassa das minhas fantasias. Outra completamente diferente seria ter um romance de verão com um amigo e todos os demais, que sempre me vêem, ficarem sabendo disso. Não... Não era uma boa idéia.
Tudo bem que já não era uma boa idéia estarem vendo o meu útero, se eu tivesse um, naquele vestido, mas deixá-los na dúvida ainda era melhor do que dar a certeza. Fiquei pensando nisso e tomando vinho com as meninas que já estavam prontas, enquanto aguardávamos as restantes e víamos os rapazes jogarem pôquer. Embora todos me vissem como um rapaz, naquele momento seria desconfortável estar entre eles.
Uma vez na balada, desde o começo eu teria que ter cuidado. Ali não entenderiam muito bem o fato de eu não ser precisamente igual às outras meninas presentes, então tive que caprichar na pose sobre o salto alto e liberar a patricinha que eu represei nos últimos meses. Os meninos a princípio se focaram no público geral, verificando seus possíveis alvos e como todos ali faziam isso, eu acabava notando vários olhares maliciosos e desconhecidos sobre mim, o que gerava risadinhas entre as meninas do meu grupinho, com as quais eu dançava animadamente. Elas estavam acostumadas a isso. Eu não.
Comprei minhas próprias bebidas e dancei como nunca antes. A cada música que passava, só queria ser desejada e olhada, por mais que esnobasse que ousava se aproximar. A bem da verdade, parece-me que todas ali faziam isto, embora minhas motivações fossem um pouco diferentes. Meu problema seria ficar falada entre os que me conheciam! É... Eu não era tão diferente assim, afinal. Uma menininha conservadora e moralista, que adoraria se entregar a algum canalha que vencesse a barreira por nós imposta.
Já eram tantas da manhã e eu estava um pouco altinha, até com dificuldade para me equilibrar no salto. Fui buscar outra margerita, quando tropecei. Ia direto ao chão, se não houvesse um herói para me amparar em seus braços. O mesmo que me beijou mais cedo e agora me beijava novamente. A festa para mim, no entanto, havia acabado. Meu pé torceu e meu tornozelo latejava. Sentei em seu colo por um tempo, em um dos diversos bancos da balada, mas não conseguiria mais andar direito. Estava indefesa, com a mão em seu peito e ele com a mão em minha coxa. Como não poderia deixar de ser, outros beijos se seguiram, até que sem qualquer despedida, ele me levou de volta para casa. Fomos embora como dois namoradinhos, recebendo a mão dele repousada em minha cintura.
Já no sofá da sala, eu perguntava se ele não tinha medo de ficar com fama de viado, mas ele se recusava a responder. Não achava que era gay, apenas estava louco de tesão por mim. Embora eu discordasse, achei a discussão filosófica demais para aquele momento e deixei que ele cuidasse de mim, tanto terapeuticamente, quanto libidinosamente. A princípio, por medo que inflamasse, recebi uma compressa, mas pouco depois, em meio a brincadeiras, deixávamos um percorrer o corpo do outro em carícias e afagos. Abri a calça dele e comecei a beijar sobre sua cueca, mas a posição não era fácil. Meu pé voltou a dar fisgadas e voltei a beijar sua boca.
Não havia clima para a transa que estávamos ensaiando. Ainda tentamos algumas vezes, tanto que acabei sem calcinha, mesmo sem levantar o vestido, mas não conseguia me concentrar. Pedi para ele apenas me abraçar, naquela noite em que eu de fato fui sua, mas não como o planejado. Acabei adormecendo com a cabeça sobre seu peito e ele com uma mão sobre minhas costas e outra em meus cabelos, nos quais me ninava com um cafuné. O estranho foi acordar com a casa inteira de volta e todos agindo como se nada tivesse acontecido, mas eu sabia que quem chegou, me viu em seus braços e se me viam de vestido, viam também minha calcinha no chão.
Era o último dia de viagem e logo as malas estariam prontas. Eu já voltara a ser um menino como ninguém tocou no assunto, também não toquei, criando uma espécie de tabu na casa. Para piorar o gelo, todos pareciam me dirigir um olhar inquisidor, exceto o de cumplicidade constrangida do co-autor do crime inconfessável. Pior, era algo que todos achavam que tinha ocorrido e que de fato deveria ocorrer, mas por ironia do destino, não ocorreu. Em breve nós mataríamos este desejo, mas acabou não sendo dessa vez.