Continuação da série Reuniões e você somente o entenderá na íntegra se ler os anterioresREUNIÕES, SOB O LUAR DO SERTÃO - Os tios
Voltar à Fazenda Nossa Senhora é voltar no passado. Desde que combinamos a viagem venho tendo sonhos gostosos do meu tempo de criança. Revi o papai correndo atrás de mim depois que viu eu sair furtivamente do celeiro, pensando que eu voltara a mexer nos ninhos das galinhas – se ele soubesse da verdade, por certo a surra seria maior. E o celeiro ainda existe!
(Impressões iniciais de Manoel)
Nat e os tios do sul
2º Dia
Roberto Carlos encantou a todos com sua voz melodiosa em dueto com Das Virgens. Cantaram modinhas antigas que encheu de saudades as lembranças dos adultos que, aos poucos, foram descontraindo e acompanharam os dois formando um coral de vozes desencontradas.
Ataliba voltou com um fogareiro onde assou costeleta de porco, asinhas de frango, pedaços de carne que foi consumido como tira-gosto da caipirinha que eu e Cíntia preparávamos.
As meninas bebericavam e escutavam as músicas sorrindo das patacoadas dos tios cantores. O tio Manoel era o mais animado e regia o coral dos Vie com gestos espalhafatosos.
Tio Manoel foi o primeiro a sair da fazenda indo estudar em Teresina e morar na casa de um tio avô por parte de mãe. Antes de terminar o científico sumiu de casa, após uma discursão com o tio e, de carona em um avião da FAB, foi bater no Rio de Janeiro onde morava uma prima do vovô que visitara a fazenda e o convidara para ir e estudar na Cidade Maravilhosa. Por lá ficou até se formar. Foi atraído pela beleza da líder estudantil Nininha embrenhando-se na política contrária à Revolução. Andou preso no quartel do exército depois de um comício e passeata que movimentou a comunidade universitária. Passou sumido quase uma semana e somente reapareceu devido protestos, sob o comando ativo de Nininha, que comoveu a imprensa e a sociedade carioca. Depois desse episódio começaram a namorar e casaram em uma cerimônia bastante movimentada na Candelária da qual participaram os principais líderes estudantis, políticos e autoridades ligadas à educação. É engenheiro elétrico e trabalha em Furnas e mora em um condomínio na Barra.
Já haviam entornado três litros de cachaça transformada em caipirinha e todos cantavam, aos berros, e dançavam no terreiro. Mamãe também entrara na dança e se divertia como nunca havíamos visto.
Nezinho chegou com outra viola e a festa se completou. A tia Carmem, já um pouco embriagada, incentivava o marido a se soltar e brincar com todos.
Tio João é uma pessoa não chegada a muita algazarra. Sisudo, só sorria de leve em raras ocasiões. Também militou na política estudantil em Minas Gerais, filho de um rico fazendeiro é administrador de empresas. Nunca foi muito notado nos movimentos estudantis, mas tinha seu espaço criado por suas colocações sóbrias e ponderadas. Criava as filhas dentro de preceitos rígidos que o fazia atritar-se freqüentemente com a esposa, principalmente com a liberdade que permitia ao caçula.
A cachaça adocicada da caipirinha foi drenando aos poucos e, inicialmente com timidez, foi entrando na festa para espanto das filhas. Cantava e dançava rodopiando com a mulher e sorria com uma freqüência anormal ao seu estilo de vida.
Ataliba não deixou faltar tira-gosto em momento algum, Cíntia com ajuda de Silvia se encarregavam de manter os copos abastecidos.
Aos poucos as meninas foram se entregando ao cansaço pegando no sono ali mesmo onde estavam. Larissa em uma rede, Isabelle em outra e Flávia no chão restando nos três encarregados da bebida.
Tio Júlio é o penúltimo filho e com a morte do pai, largou os estudos para assumir a fazenda. Casou ainda novo com a filha de uma moradora, muito trabalhador conseguiu reerguer a propriedade mantendo todas as construções que o pai deixara. Assumiu o sobrinho como filho.
Chamo as meninas para a casa pequena, logo adormeceram. Volto e digo aos tios que iria se recolher, pois as primas estavam dormindo pelos cantos. Chamo Cíntia e vendo Silvia adormecida na rede, carrego-a nos braços com cuidado para não acordá-la.
Coloco a prima na rede, ela desperta e sento no chão enquanto Cíntia tira a roupa e veste a calcinha folgada que usava para dormir, Silvia deitada na rede nada disse.
Conversamos até que o galo começou a cantar. Silvia deitou-se na rede e Cíntia na cama. Levanto, beijo o rosto da prima e um leve beijo nos lábios de Cíntia.
- Boa noite amorzinho, durma bem – vou para o canto na cozinha ao lado da geladeira, onde estendera o colchonete em busca do calor do motor para abrandar o frio que fazia à noite.
Antes entro no quarto grande para ver ser as garotas estavam bem. Larissa deitada na rede dormia sem haver tirado a roupa, na cama de casal Isabelle vestindo uma camisola transparente estava abraçada ao travesseiro tendo a seu lado Flávia só de calcinha dormindo com as pernas abertas e os olhos cobertos por seus braços cruzados em eu rosto. Caminho pisando leve, fecho a janela, cubro os corpos de Flávia e Isabelle sabendo que a noite seria fria. Volto e faço o mesmo com Larissa em quem dou leve beijo na testa.
Escovo os dentes no banheiro me atiro na improvisada cama.
3º Dia
As garotas dormiram até tarde, mas cedo levantei e tomei o banho matinal sem não antes despertar Cíntia, quem levo comigo ao banheiro.
Saímos devagar para não incomodar as hospedes dorminhocas e tomamos café na casa grande.
- Vixe Maria – espantou-se a negra Izidora entrarmos pela cozinha. – Nem depois daquela farra toda vocês aproveitam pra durmí inté mais tarde?
- Que é isso, vovozinha –beijo sua cabeça ainda totalmente negra. – Temos que cair na lida cedo pra poder oferecer melhor descanso pro pessoal.
Saímos em busca das montarias. Selo Sarita e Cíntia o Garboso e empreendemos forte galope em direção aos currais, onde já estavam o tio Julio – com uma cara de ressaca, e Ataliba.
- Pensei que vocês iriam dormir até mais tarde – falou o tio quando apeamos.
- Qual nada, seu Julio – retrucou Ataliba. – Pode cair o mundo mas esses daí não deixam a lida por coisa alguma – concluiu voltando a tirar leite das vacas.
Cada um sabia suas tarefas e, após uma beijoquinha, dirigimos para nossos postos.
Trabalham em silêncio o tempo todo até perto das nove horas, quando retornam para casa.
Mamãe e tia Nadir ajudavam as cozinheiras e as tias continuavam dormindo, tomam bênçãos e passam direto para o poço onde se banham.
- Meninos! Vistam já suas roupas. – falou mamãe zangada que seguira sem que percebêssemos. – Não vêem que temos visitas!
- Deixa disso Maria, por que eles têm que mudar o jeito de ser? – acudiu a tia. – O pessoal não vai maldar com tu...
- Mas Nadir, assim podem pensar coisas... – ainda tentou falar.
- Não vão pensar nada! Vamos, vem terminar de catar o arroz e deixa os meninos em paz – puxou a cunhada pelo braço.
Tio Julio que assistira a tudo, resolve intervir.
- Mana eu acho que essa conversa já está ficando chata! O que eles estão fazendo de mais?
- Mas Julio, e o pessoal!...
- Já conversamos sobre isso um milhão de vezes. Vamos parar por aqui que não quero mais saber de tuas carolices nessa casa – falou sério encerrando o assunto virando na direção do casal que assistiu a conversa sem nada retrucar.
- E vocês dois já deviam ter aprendido que Maria é uma mulher cheia de preconceitos. Seria bom se evitassem essa cena, pelo menos por enquanto. Não vejo porque vocês tenham que se modificar, mas para evitar confusão, passem a vestir pelo menos à parte debaixo.
Voltou para a cozinha pisando forte e dando por encerrado o assunto. Acabrunhados pelo ocorrido nos envolvemos com toalhas e fomos para a casa pequena. Todas ainda dormiam. Cíntia entrou no quarto para trocar-se e entro no quarto grande para buscar roupas.