Quase ao amanhecer, ainda escuro, uma penitenciaria de elevado nível de segurança em uma grande cidade, abre suas portas para liberar um homem. O carcereiro que o acompanha faz seu dever com certo temor. Aquele sujeito lhe dava calafrios, as histórias que se contavam dele, mesmo naqueles corredores sombrios, eram as piores. Algo mais que uma dezena de presos haviam sido violentamente feridos por ele, de várias formas possíveis, e os próprios guardas o evitavam o quanto podiam.
Com certo alívio, o carcereiro libera afinal o homem. Os primeiros raios de sol batem sobre a cidade e se iniciam os ruídos dos automóveis, ao longe. Um braço tatuado, de músculos bem definidos, pega ao bolso um papel, um cartão de apresentação. Quando lê um nome feminino, seguido da profissão, “psicóloga”, dá um sorriso, envolto por uma barba cerrada, por fazer. Lambe os lábios como quem experimenta uma refeição saborosa. E segue seu caminho pela manhã marginal...
- Está tudo bem, minha amiga. Agradeço a preocupação, mas não haverá problema. Acabei de atender um sujeito, ele estava mais assustado que eu. Aposto que achava que eu poderia considerá-lo louco ou coisa assim. – Em uma sala pequena, de mobília simples, entra a luz pela janela do local, um prédio público. Ao mesmo tempo em que fala ao celular, uma jovem mulher tenta como pode ajeitar alguns objetos pela estante, buscando deixar o local mais apresentável.
- Amanita, não aprovo essa sua nova função. Ter de lidar com essas pessoas, esses ex-detentos. Isso pode ser perigoso para uma jovem bonita como você. – Retrucou a voz do outro lado da linha.
- Ayeska, você lida com isso sempre, senhorita advogada. Já disse, vai dar tudo certo. Eu só vou atender eles, garantir que estão com a “cabeça no lugar”, e pronto! Esse meio expediente como funcionária pública vai ajudar bastante nas finanças.
As duas amigas conversam mais um pouco e se despedem. Amana Matisse, mais chamada de Amanita entre seus conhecidos, era psicóloga formada fazia quase um ano. Agora se aventurava pela profissão governamental, um projeto público, onde prisioneiros libertos deveriam fazer seções de psicanálise para facilitar sua reinserção na sociedade. Amana havia recém conseguido o cargo, o que lhe foi de muita valia no sentido financeiro, já que acabara de se mudar de uma cidade pequena para a metrópole, incentivada por sua amiga Ayeska. Ainda tinha um nome a construir nessa nova empreitada, a cidade selvagem. Do alto dos seus vinte e seis anos, tinha energia e disposição de sobra para isso.
A sala recém inaugurada por ela, naquele mesmo dia, ainda cheirava a poeira de recinto fechado a muito tempo. A todo custo ela tentava amenizar o ambiente formal, deixá-lo mais agradável, aprazível. Tão logo terminara a conversa, equilibrava precariamente os saltos dos sapatos negros sobre uma cadeira, buscando ajeitar alguns quadros florais na parede, deixando bem a mostra suas pernas torneadas, cobertas até os joelhos pela saia clássica e elegante de tecido castanho. Seu corpo era muito atraente, esguio, mas curvilíneo.
- Eis uma vista interessante.
Amanita quase caiu da cadeira. Uma voz masculina forte, grave, brotava do nada, quase de maneira sobrenatural tomando a pequena sala. A psicóloga olhou rápido, seus cabelos castanhos caju, longos, soltos, fluídos, se movendo tal qual brisa no mar. Viu um homem alto ali parado, seu coração disparou. Nem sequer percebera ele entrar, nenhum ruído anterior aquela sua fala de trovão.
- C... Como? – diz ela, atônita, se apoiando na parede.
- A janela. Acho que têm a melhor vista desse prédio. Dá pra ver o sol entre os outros edifícios.
- Oh, sim, sim. – Ela confirma. Não tinha nem dado atenção a esse detalhe, devido a correria dos últimos dias.
- Quer ajuda? – Ele se aproxima, estendendo a mão para auxiliá-la a descer da cadeira. Agora ela o via melhor. Um homem de estatura imponente, devia ter seus 1,90m ou mais. Musculatura eminente, não do tipo que se ganha em academia, mas de um tipo mais rústico, mais bruto, mais selvagem. Em ambos os braços apareciam tatuagens. Círculos de símbolos, sinais cabalísticos, runas, etc.; pela lateral do pescoço se via subir uma tatuagem indefinida, pareciam vinhas e espinhos, que terminava próxima a orelha.
Sem dizer palavra, a psicóloga aceitou a mão oferecida e nela se apoiou para descer da cadeira, cuidando-se para a fenda da saia não lhe trair no movimento. Pousou ao chão com um ruído de estampido, o barulho dos saltos altos. Havia se arrependido a manhã inteira inteiro de ter escolhido aqueles sapatos tão altos para seu primeiro dia de trabalho, doloridos que estavam seus pés.
Ficou cara a cara com o indivíduo.
Seus olhos, cinzentos, em um tom que ela nunca havia visto. Seu cabelo estava raspado, mas já se podiam ver os fios negros crescendo por toda cabeça. Os lábios adequadamente carnudos, envoltos na barba aparada. Pode ver uma cicatriz profunda entre seu olho direito e seu nariz, que lhe atravessava o rosto, lateralmente, até quase o queixo, forte. Uma vez, em papo de amigas, comentaram sobre a atração das mulheres por certas cicatrizes, aquelas que lembravam masculinidade... aquela ali com certeza era uma delas.
Era um homem bonito. Transparecia uma reduza de alguma forma. Mais ainda. Transparecia um mistério. Seu porte físico era, poderia dizer, ameaçador, brutal. Mas seus olhos cinza, gélidos, de mármore, passavam uma mensagem que ela não conseguia decifrar. Algo velado. Algo oculto.
Os segundos que se olharam pareceram uma eternidade constrangedora. Ele exalava o aroma de uma colônia amadeirada, trajava calças jeans negras desbotadas, botinas negras, uma camisa branca, de um aspecto um tanto surrado, as mangas enroladas. Aquele conjunto tão simples parecia de repente, bastante sensual, naquele homem. Segurava em uma mão uma pasta.
Ele quebrou o silêncio.
- Dante. Dante Rimbaud. Creio que está me esperando?
- Ah, sim. Só um momento. – Ela se dirige até sua escrivaninha, meio atrapalhada para abrir e consultar sua agenda, confirmando assim aquele nome exótico, naquele horário marcado. Lhe apontou a poltrona na frente da mesa para que sentasse, e ela mesma se ajeitou no seu lugar. Ainda um tanto atordoada. Levemente assustada.
Ele lhe passou um documento legal, ao qual ela examinou e seguiu com uma argüição.
- Bem, senhor Dante. Vejo que está livre à dois dias, e ficou encarcerado dois anos. Como está indo nessas últimas horas?
- Amana. Que nome exótico. – Ele apontou-lhe o crachá.
Ela surpresa, retrucou automaticamente:
- É uma variação de Amanda, eu acho. Mas olha, o que vamos discutir é...
- Mas Amanita acaba sendo mais interessante. É mais carinhosamente infantil, de certa forma. – Ele deu um meio sorriso. Ela ficou vermelha e ainda mais atônita. Como ele sabia daquilo? Aquele homem era...
Ele apontou um papel sobre a mesa, virado pra ele. Dizia “Boa sorte Amanita, minha doçura. Beijos molhados de sua Ayeska”. E uma marca de batom no papel cartão branco. Amana o tinha esquecido ali.
A moça recolhe depressa o papel com um pedido de desculpas, um tanto atrapalhada.
- Foram boas vindas de uma amiga, só isso. Eu não devia largar essas coisas pessoais aqui. – Ela estava perdendo um pouco o prumo de seu trabalho, aparentando fraqueza, sabia.
- Boas vindas? Quer dizer que é nova na cidade? Sei... meio perdida, meio indefesa, não é? Que bom que existem amigas como essa para lhe acolher.
- Senhor Dante...
- Adorei Amanita. Sabia que esse é nome de um cogumelo alucinógeno? Chamativo, vermelho vivo... Quem o consome (fez certa pausa nesse momento), é levado para uma viagem que não dá mais vontade de voltar. Amanita muscaria, se não me engano.
Pouco a vontade com a direção da conversa, a moça de olhos verdes responde:
- Sim, eu já ouvi falar. Mas não é esse o foco da nossa conversa...
Uma vez mais ele a interrompe
- E você têm outra semelhança com isso. Seu perfume. É tão doce. Já está me fazendo viajar, a ter uns pensamentos...
A jovem mulher se irrita. Resolve retomar o controle da situação. Não podia deixar aquelas insinuações prosseguirem. Era uma profissional, e desde sempre sabia que talvez enfrentasse situações assim. Jogou os cabelos para trás num movimento suave. Correu seus olhos sobre o documento que ele havia entregado. Agora era a vez de ela o interromper.
- Senhor Dante, imagino sua preocupação com nomes. Vejo que não é seu nome de batismo esse que usa atualmente, não é? Alguma razão para essa mudança?
Ele se recosta na cadeira. Não dava para dizer se estava surpreso ou não pela informação, tão obscuros eram seus olhos e seus jeitos de se portar, mesmo para Amana, possuidora de uma capacidade inata para ler e interpretar emoções.
- Nada. Meu nome original é bastante sem graça.
- Agora pode me responder como têm se saído nesses dias recentes de liberdade? Desculpe-me, mas o senhor é o analisado aqui, não eu.
- Vou indo bem. Creio, a senhorita deve imaginar, a prisão em geral é uma merda. Mas foi até divertido enquanto durou. Mas aqui fora...- ele a olha, cima a baixo – é bem melhor.
Ela fecha discretamente os botões da camisa bege clara, que havia aberto em virtude do calor, cujo decote lhe expunha um pouquinho a mais do que queria, o colo.
- Entendo. Como era sua vida no cárcere? O que mais lhe ocupava o tempo?
Daí em diante, a conversa prosseguiu mais ou menos assim. Ele, jogando com as palavras. Ela, insistindo sobre o que ele queria dizer com ter sido “divertido”. Bem superficialmente, deduziu que ele costumeiramente praticava seu hobby. O que esse hobby era, ela sentiu um calafrio por imaginar, quando leu na sua ficha sobre a quantidade de pessoas a quem ele havia gravemente ferido na cadeia...
- Você é persistente, hein? Ex-detentos não gostam muito, pelo bem e pelo mal, de falar de suas vidas atrás das grades. Eu, na verdade, não dou a mínima para isso, haha.
- Então, por que protelou tanto para falar, Senhor Dante?
- Para ver até onde ia seu interesse. – Ele falou misterioso. E sorriu. – E por favor, chega de senhor. Serei muito mais transparente se for tratado apenas pelo nome, sem essas frescuragens de merda.
- Tudo bem, Dante. – Ela concordou. Trocaram mais palavras. Ele tinha um vocabulário bastante amplo, uma articulação culta, salvo alguns palavrões aqui e ali. Encerrado a conversa, ela lhe assinou um papel, e ele se retirou. Não sem antes dizer:
- Queria lhe ver de novo. Se possível, mais a vontade, Doutora. – Ele de novo dá seu sorriso.
Ela nem pensa no que responder, nem tempo dá para isso, ele sai e ela fecha a porta. Recosta-se sobre ela. Recupera seu fôlego, estremece toda. Um misto de medo, e de... tesa? Não podia ser.
A semana transcorreu tranqüila, sem maiores incidentes. Uma ou outra cantada no novo emprego, mas nada ameaçador. Nada que fizesse nem sombra àquele encontro. Na quinta-feira a noitinha, resolveu dar uma corrida pelo parque da cidade, grande, amplo, bem policiado, freqüentado por famílias. Meteu-se em uma calça de malha negra, uma regata esportiva, seus tênis brancos de corrida. E foi percorrendo as calçadas, aproveitando o clima ameno e o céu estrelado, ouvindo músicas de seu MP3 player.
Não ligou muito quando adentrou a uma área do parque mais isolada. As árvores formando uma cúpula fechada. Nem percebeu o som das famílias se afastando, o ambiente ficar silencioso. Vazio. Parou no meio da corrida para tomar fôlego. Só então se viu sozinha. Uma sensação de temor, que se iniciou leve, começou a aumentar. Quando tirou os fones, se assustou com o silêncio do lugar. Resolveu prosseguir corrida, sair daquele túnel arbóreo.
Mal deu mais alguns passos, e o viu. O coração disparou.
Temor... e outras coisas mais.
- Hey, que coincidência. Doutora Amana. Amanita. – Ele diz. Dante. Trajando um moletom escuro, sentando junto a uma árvore velha, um livro pousando ao seu lado. A imagem dele ali era surreal.
- O que você está fazendo aqui?
- Estava lendo.
- Mas a noite? Nesse escuro?
- Era tarde quando comecei. Acabei pegando no sono. Quer que eu a acompanhe? Esse trecho é meio escondido. Aconteceu muito de moças jovens e bonitas como você serem atacadas a noite, justamente aqui. E serem submetidas a barbaridades sem ninguém nem ouvir. – Ele se levantou. Alguns passos depois e já estava ao lado dela, com seu porte imponente.
Demorou um pouco para ela recobrar a voz.
- Claro, por que não?
Ele simplesmente se pôs a caminhar. Ela se emparelhou com o passo dele, buscando mostrar força.
- Não está me seguindo ou coisa assim?
- Por que acha isso? – Ele respondeu sorrindo.
Ela permaneceu quieta e ele desatinou a falar.
- Não vou mentir que te achei bonita demais desde quando te vi. Aliás, desde quando li seu nome. E quando vi suas pernas sobre a cadeira na sala. Daí te achei um tesão. – Ela mesma deu uma risada de leve diante dessas palavras. Ele completou – Quando eu falei aquilo da vista, nem era mesmo da janela que eu estava me referindo...
- Imaginei. Parei para ver melhor e a vista é uma droga. – Agora, os dois riem.
Prosseguem mais um tempo falando de coisas triviais. Ela percebe, bem mais calma, que saem do trecho encoberto e estão novamente envolvidos por famílias. Policiais conversam mais a um canto do parque.
- Amanita. Um serzinho dócil e assustadiço na cidade grande... Ainda se sentindo indefesa?
- Não tenho problemas com a cidade.
- Então, é porque não se importa, ou gosta, de sentir indefesa.
- Não foi isso que eu disse.
- Não... haha ...Pois é. Quando conversamos pela primeira vez, você fez tanto perguntas sobre a prisão. Queria saber como eu tinha me sentido lá, tanto. Diga a verdade, a idéia de ser prisioneira lhe agrada, não é? Tanto faz pra mim a reposta. Eu já te percebi pelo seu cheiro.
- Não gosto desse seu tom, Dante. Seja lá o que está querendo dizer ou fazer.
Ele a para pelo braço, e meio suave, mas de forte, a coloca contra uma árvore. Sente o cheiro dela feito animal. No pescoço, no rosto. Ele a beija, do nada. Ela, talvez para mais surpresa pessoal do que qualquer coisa, se permite ao ósculo. Primeiro de olhos abertos. Aqueles olhos verdes arregalados. Depois, de vez, deixa que língua dele lhe explore a boca, suas mãos lhe apertem os quadris. O beijo dele é ardente, caloroso, apaixonado. Meio agressivo até. Os lábio se roçam, ela se entrega. O abraça forte, e corresponde ao momento, sentindo seu corpo aquecer como nunca antes. Ele guia o momento. Amana quase sem fôlego, ele lhe libera a boca.
- Gosta de ser dominada, não é? Agora tenho certeza.
- Cala a boca, Dante.
- Bem, tenho que ir. Um trabalho noturno me espera. Nada contra a lei, lhe garanto. Caso queira me ver de novo, antes do nosso próximo encontro, eu arranjei um casebre bom no parque industrial da cidade. Queria ver você lá.... Para conversas mais sérias. – Ele passa a ela um papel com um endereço e vai correndo, embora. Ela sente que o mais sensato é jogar fora.
Coloca o papel no sutiã e prossegue sua corrida....
- Você perdeu o juízo. Só pode ser.
- Também acho.
Amana, de blusinha leve e saia de verão, conversa com uma bonita ruiva de traços delicados e vestido leve, de seda e botões a frente, sentada junto dela em uma mesinha ao ar livre de um bar imitando estilo francês. As duas amigas conversam e atraem o olhar de um ou outro transeunte masculino que por ali passa.
- Como foi perder seu profissionalismo logo no primeiro dia, com o primeiro “Bad Boy” que entra na sua sala? Amanita, que coisa...
- Ai, Ayeska, nem me diga. – Amana baixa a cabeça entre os braços, sobre a mesa. – O pior é que nem sei o nome de verdade dele.
- Quer que eu de um jeito de descobrir? Com os meus conhecidos da promotoria e afins, talvez não seja tão difícil. Agora vêm cá... Ele é mesmo bonitão?- Ayeska a toca no rosto de leve. Amana sente-se confortada por aquela mão angelical, e olha os olhos brilhantes da amiga. Responde a pergunta com um sorriso inocente.
Elas se despedem, após Ayeska fazê-la prometer que tomaria muito cuidado no que fosse fazer. Quem sabe, pedir que aquele caso fosse transferido e nunca mais ver o sujeito. Quando chegou em casa aquela noite, Amana pesquisou um pouco a rede. Viu que o sobrenome Rimbaud pertencia a um poeta, cuja única obra publicada quando vivo teria sido “Uma Temporada no Inferno”. Isso somado as ligações infernais as obras de Dante Alighieri dava o que pensar. Terminou olhando uma gravura, pintura do século XIX, inspirada na “Divina Comédia” do escritor italiano. A obra, intitulada “Os portais do Inferno, por Dante”, mostrava os condenados chegando ao inferno. Em uma parte dela, uma moça caída, nua, acorrentada, ao chão, é observada por um ser com capuz negro e despido, musculoso, que a aponta um tridente pontiagudo. Dormiu com aquela imagem na cabeça.
Depois daquele dia, Amana teve a impressão de ver Dante várias vezes. Pelo retrovisor do carro. Virando uma esquina. Através de uma janela embaçada pela chuva. Em nenhum momento teve certeza que era ou não era o homem.
Domingo. Próximo da meia noite. Uma casa de madeira, isolada em um terreno amplo e quase vazio, ladeada por fábricas paradas e silenciosas. Uma leve chuva cai, o vento múrmura lamentoso. Quase nenhuma iluminação no lugar.
Uma mão pequena bate porta. Amana, com um casaco comprido impermeável e botas no estilo montaria, está a frente da casa do endereço lhe passado. Demorou muito para encontrar o lugar. Estava tarde demais. E ela nunca se arriscara tanto na vida, pensara. Ainda mais quando via a solidão daquele ambiente. Totalmente longe de tudo. A porta se abriu.
- Amanita? Que hora você escolheu para uma visita. Entre depressa, esse lugar é bem perigoso, sua doida. – Dante, sem camisa, apenas com calças, deixando bem visível seu abdômen definido pelos exercícios na cadeia e pelo trabalho braçal intenso. E em sua pele, queimada pelo sol, mais tatuagens estranhas. Ele a recebe, e tranca a porta de madeira grossa. Passa a chave, um trinco pesado, a ainda uma barra de ferro. Ela olha aquilo com certo temor. Mas já tinha chego até ali. Ele vai até ela e pega do casaco, o pendurando em uma cadeira. Ela veste uma blusa de renda, romântica, delicada, alva, sutilmente decotada, e uma saia um pouco mais curta, preta, levemente rodada.
- Parece que você saiu de um conto de fadas.
- Eu estou aqui. Você disse conversas mais sérias. Eu quero ouvir. – Amanita diz resoluta.
- Só pra isso você veio?
- Também quero exorcizar alguns “demônios”. Interiores.
Em mais nada a dizer, ele a pega pela cintura, com sua força descomunal. Ele a leva até o outro cômodo, passando pela cozinha. Nenhuma porta separa as áreas internas da casa. Chegam a um quarto, onde ele a coloca sobre uma cama de casal, de lençóis simples, porém limpos. Com ela deitada, ele senta sobre o colchão e começa a retirar-lhe as botas molhadas, acariciando bastante a perna dela no processo.
- O que você quer comigo, afinal? Ela pergunta, deitada sobre a cama, uma mão a lhe tocar o próprio canto da boca.
- Quero lhe torturar. Prender-lhe. Fazer todo o tipo de coisa com seu corpo, indefeso, amarrado, acorrentado, amordaçado. Por que isso me dá o maior prazer, o maior tesão. E sei que em você também. – Depois que a livra das botas, ele beija os pés perfumados, bem tratados, dela.
- Como pode me dizer isso? Que quer me torturar?
- Seu corpo, tão delicado. Foi feito pra isso, pra receber marcas. Para estar amarrado de forma ultrajante. Eu quero fazer você descobrir o limite de sua dor. Amana, sou um bandido, um criminoso. Mas isso, eu só vou fazer com seu consentimento. Que você queira também. Eu não tomo mulheres a força. Mas também, se aceita o que eu tenho em mente, não pretendo deixar você escapar tão fácil.
Ela, de relance, se eleva na cama e o abraça, o beija. Novamente suas línguas se encontram. Ele lhe apalpa os seios duros, sente os mamilos rígidos pelo frio e pela excitação extrema. Ele lhe arranca a blusa de um movimento só, o sutiã ela mesma arrebenta na tentativa de desabotoar.
Ele fica de joelhos na frente dela, na cama, a pega pela cintura, a coloca em seu colo. Beija os seios, lambe as auréolas enquanto os segura forte com as mãos, ela geme forte, lhe abraça a cabeça. Grita baixinho quando ela da leves mordidas, mais sensuais que doloridas. Ele a joga na cama. Se olham nos olhos.
Dante arranca a saia da moça, e faz o mesmo com a calcinha no instante seguinte. Abre suas pernas, acariciando as cochas. Lambe os próprios dedos, penetrando a vagina da jovem lentamente, com dois deles, enquanto que outra mão lhe fricciona o clitóris com velocidade e força. Amana agarra nas grades da cama, lambe os lábios, geme alto. Ondas de calor sobem de seu baixo ventre, seu sexo, em direção ao cérebro, percorrendo a espinha. Não demora a atingir o primeiro orgasmo, a liberar os líquidos de sua vagina super lubrificada, como nunca antes.
- Ahhhh....Dante....
Mal tem tempo de se recuperar, os dentes e língua do homem invadem novamente seu sexo, mordendo, chupando, penetrando, sucessivamente em um ritmo louco. O corpo ainda trêmulo diante da primeira excitação, simplesmente explode em sensações diversas. Ela grita. Arranha fundo as costas dele. Ele nem liga e continua sua exploração. Até sentir o gosto dela, sorver-lhe da excitação, cujo segundo orgasmo gera fonte.
- Doce...
Ela exausta, ofegante, passa a mão pela cabeça, tentando organizar os pensamento já perdidos no mar de sensações. Ele nunca dá tempo. Passa beijar-lhe o corpo, subindo da barriga bem formada, para os seios, para o pescoço, para a boca de novo. Se posta sobre o corpo da garota, encaixa suas pernas nas dela. Guia-lhe as mãos delicadas para que baixem suas calças. Seu pênis ereto roça nas coxas da menina. Ela o sente, grosso, enorme, veias saltadas por toda sua extensão. Ela quer vê-lo, por isso se desvencilha dele, rasteja pela cama até ficar cara a cara com o membro rígido. Nunca tinha visto tão grande. Nunca tinha sentido tão grande, dentro de si, pensou. Ela o segura, o afaga. Perde os pudores, o beija. Ainda segurando em sua base, o coloca na boca. Dante está deitado de lado, com as mãos segurando forte as pernas dela.
Ela começa a provocar com a língua. Demora-se um tempo nesse ato, se deliciando com os gemidos dele. Dá umas leves mordidas, e sente-o apertar firme suas pernas, suas coxas. Suga-o, massageia-o com força. O leva até a garganta, várias, varias vezes. Ele goza, derramando o sêmen na boca. Um jorro que parece nunca acabar. Que lhe salta ao seios, colo, rosto. Ela limpa sua face, recolhendo aquilo que sobrou com os dedos, e, olhando para ela, às suas pernas, sorve do liquido consistentes.
Ele se excita de novo. Desta vez, sobe nas costas dela, deitada. Seu pênis avantajado lhe encosta na vagina, naquela posição. Ele passa um pouco sobre a entrada, enquanto suas mãos seguram as dela sobre a cama.
Logo Amana sente o órgão lhe entrando no corpo. As veias dilatando seu canal vaginal, cada vez mais. De inicio, dor. Depois, dor e prazer. Ela sente o membro dentro dela, bem fundo, lhe tomando conta do corpo. Ele lhe afaga os cabelos, segura-os firmes, mas sem puxar. E vai se movimentado, deixando-a louca. Muito rápido, atingindo suas coxas com seu corpo. Cada vez mais rápido, mais forte, mais brutal, quase.
Perto do orgasmo, lhe segura cintura. Novamente, libera seu sêmen nela, os dois atingindo um clímax quase que simultâneo. Tão forte lhe segurou que ficaram marcas de seus dedos na pele dela. Ele passa os dedos naquela mistura de líquidos, cheira, se inebria. Depois passa a mão lubrificada sobre a entrada do ânus da moça, o deixando molhado.
- Dante, não sei se agüento.
- Você não gosta de desafios?
Lentamente, ele, de joelhos atrás dela, semi-curvada, começa a lhe penetrar no orifício anal. Deixando seu membro escorregar naqueles líquidos. Amana sente uma dor maior agora, lenta, gradual. Busca relaxar o máximo possível. Faz força para acomodar o pênis ali. Parece-lhe que nunca termina a entrada... Tão logo ele atinge o fim, se demora mais um pouquinho ali dentro. Ela rebola, se meche, a dor já mais voltada ao prazer. Ela fica impressionada com a energia de Dante. Ele praticamente não parou desde o inicio. Nenhum outro parceiro sexual dela se aproximou disso.
Quando a sente pronta, Dante, novamente pegando a parceira de sexualidade pela cintura, em um movimento, se deita na cama e a faz fica sentada sobre ele. Ela entende o recado, e começa a mexer seu corpo, no próprio ritmo, naquela penetração anal. Ela goza. Ele novamente, eu seu clímax, ejacula. Ela se desencaixa, rindo, dolorida. Deita sobre seu corpo. Ficam mais uns quinze minutos se beijando, não apenas na boca, mas no corpo todo, como se o mundo fosse acabar dali a uns instantes.
São quase umas seis da manhã quando ela acorda apoiada sobre o peito dele, as pernas dela, sobre as dele. Ela o percebe acordado.
- Foi algo visceral, selvagem. A coisa mais louca que já fiz. – Ela diz, numa voz mansa.
- Eu sabia que com você seria assim. Tinha certeza.
- Mas achei que você ia pegar ainda mais pesado, quando falou em torturas.
- Por que você ainda não respondeu, se quer ou não, o que eu tenho para oferecer. O que fizemos agora foi sexo. Básico. Mas o êxtase da dor, do sadismo, nem chega perto. Já disse. Quero lhe fazer gritar. Quero lhe aplicar no corpo instrumentos terríveis, enquanto você, presa desconfortavelmente, nada vai poder fazer. Quero tomar sua mente.
- Você é um adepto do sadomasoquismo. É um mestre, um dominador. – Ela fala, tentando não pensar muito naquelas palavras mais fortes dele.
- Não. Não posso me considerar possuidor dessa denominação. Não tem a ver comigo. Acho que outras cabem melhor.
- Como o quê?
- Hmmm.... Açougueiro. É. Essa é mais adequada. – Dante falou, sério. E Amana percebeu isso. Ela estremeceu.
- Ou ainda, demônio. Que nem aqueles dos livros. Torturando as pecadoras da carne, hahah. – desta vez, ele riu e afagou os cabelos macios da garota.
- Dante, porque você foi preso.
Ele ficou sério.
- Amana, eu quero torturar seu corpo, eu quero fazer você fazer coisas que nunca deve ter pensado em ter feito. Coisas devassas. Mas não me atrevo a torturar sua mente, sua consciência, contando o que eu já fiz de ruim na vida. Aquilo pelo qual fui preso não é perto da metade do que eu já fiz.
Ela ficou calada por uns instantes. Não sabia o que dizer.
Ele se virou pra ela e a fitou nos olhos.
- E então? Eu tenho um lugar longe daqui. Lá têm umas coisas, e é bem isolado. Um abatedouro antigo, abandonado, fora da cidade. Eu guardo uns instrumentos, uns objetos. Quero te levar lá. E te tornar um animalzinho indefeso. Ah, claro que não vou te matar ou coisa assim. Nem brincando que eu tomaria do mundo uma coisinha linda que nem você. Mas te garanto, será uma experiência extrema. Eu sei que você esperou por isso desde sempre...
- Não sei Dante. É uma decisão muito difícil... O que você propõe, é algo muito além do que eu posso imaginar.
- Eu posso esperar você decidir. Só me diga, um dia, se sim, ou se não. Se não, ainda poderemos tomar um café juntos por aí, como amigos, e discutir, sei lá, sobre literatura. Eu te amo, mas do meu jeito torto.
Eles sorriram. Amana parou e falou.
- Dante, você percebeu que destruiu minhas roupas?
Depois de um pedido de desculpas, ela colocou as botas, o casaco por cima lhe escondendo a nudez, e foi se embora dali, indo ao seu carro (milagrosamente inteiro apesar de estar naquela região inóspita. Seria influência de um certo demônio?) torcendo que ninguém lhe percebesse despida no trajeto.
Um dia depois, já não o via nos cantos das ruas. Seguiu com sua vida normal. Ele não apareceu mais no escritório. Ela não foi mais a casa solitária.
Certa noite, saindo de uma conferência, Amanita atravessa um estacionamento de um edifício. Novamente, o vazio, o silêncio, quebrado apenas pelo barulho dos saltos. Tão logo ela chegou perto de seu veículo, de um pilar, nas sombras, brota a chama de um isqueiro. Dante. Novamente, surgindo do nada. Sem ruídos, sem avisos.
- Olá, Amanita. Minha Amanita alucinógena. Curioso pra saber, já que não nos falamos mais. O que decidiu?
Ali, desta vez sem medos, ela sorriu. Ele se surpreendeu, porque era um sorriso enigmático, daqueles que ele dava. Que não diz nem sim nem não. Que não podia ser lido. Ela tinha, afinal, aprendido uma coisa com ele.
Amana começou a mexer seus lábios para lhe responder. A chama do isqueiro foi murchando, enquanto ele, ansioso, a ouvia.
A escuridão envolveu o lugar, tão logo a chama do aparelho se apagou.....