Sobre a mesa de aço no necrotério do hospital Necker de Paris jazia inanimado um corpo feminino. Aquela era uma das poucas salas do lugar que não havia sido transformada em escombros com as bombas V2 alemãs que cozinhavam a cidade numa nuvem de fogo e poeira durante a madrugada. Os longos cabelos loiros da outrora oficial da Gestapo se espalhavam na superfície gelada da mesa cobertos pelo lençol branco.
O silêncio foi quebrado pelo ranger da porta quando dois homens entraram na sala. Um deles ex-agente da OSS, terno escuro e cabelos castanhos sobre a testa que o davam aparência jovem demais para o serviço secreto; o outro um general francês baixo e corpulento trajando paletó verde musgo e boina militar. O primeiro levantou o lençol revelando o corpo imóvel e ainda quente da garota, olhando para o militar esperando que este dissesse algo.
- Aqui está, é a garota que vocês procuravam – disse o americano.
- Ela é bem mais bonita do que nas fotos de arquivo. Quero dizer, era. – respondeu o general, que continuou:
- Conseguiu arrancar alguma coisa da vadia antes, Sr. Hunt?
O espião estrangeiro lançou um olhar reprovador ao interlocutor, como que exigindo mais decoro diante da situação, pareceu pensar muito antes de responder, passou a palma da mão direita da testa até a boca da garota, cerrando as pálpebras ainda abertas e escondendo as pupilas verdes dos olhos, completando:
- Sim general. Ela disse tudo. Há tempos eu não fazia isso, mas o bom e velho poder de persuasão americano ainda funciona.
- Gostaria de me contar como foi?
- Vou tentar...desde o começo...
PARIS, JUNHO DE 1944 – ALGUM TEMPO ANTES
Naquela tarde uma mulher me esperava em uma das mesas na calçada do Delaville Café. Pelo movimento das pessoas que bebiam no Boulevard Bonne Nouvelle nem parecia que a Europa estava mergulhada em uma guerra. Ela sempre chegava um pouco antes, eu sempre um pouco depois.
Era ela, Denise, meu amor perdido.
Fazia muito tempo que não a via, mas certos hábitos jamais se alteram. Vi que ela folheava algumas fotos, acomodada na mesa para dois abaixo do guarda sol aberto. Como de costume, ela sempre trazia algo para ler caso eu demorasse mais do que o razoável. Nas imagens que ela olhava absorta, vi depois, aparecia um grupo de soldados alemães carregando uma grande caixa de chumbo, comandados por uma garota loira vestindo a farda da gestapo.
Denise estava em Paris como analista da OSS, fornecendo apoio logístico às tropas aliadas que em breve invadiriam a França e a libertariam do exército nazista. Ela, depois que rompemos, decidiu dedicar-se exclusivamente ao seu trabalho e aceitou a missão atrás das linhas inimigas que muitos homens não aceitariam.
- Você continua bonita, Denise. – eu disse me apresentando.
- Graças a Deus.
Rimos e o gelo se quebrou. Era uma brincadeira particular nossa. Denise era atéia. Nunca acreditou em Deus, e em certo momento também deixou de acreditar em mim. Foi aí que nosso romance começou a terminar. Reencontros com amores passados servem para nos mostrar como, por exemplo, uma intimidade construída em anos pode se dissolver instantaneamente com o rompimento. Você trata com uma cerimônia meticulosa alguém com quem há certo tempo tinha a mais absoluta liberdade. Ela então me passou as fotos que olhava e começou a narrar:
- Foram tiradas na semana passada, e desconfiamos que o que esteja no caixote seja uma bomba nuclear. Já ouviu falar no que seja uma dessas?
- É aquela que nós estamos tentando desenvolver no projeto Manhattan, certo?
- Exatamente, só que Hitler foi mais rápido e construiu a dele antes. As fotos foram tiradas no porto de Hamburgo. Acreditamos que a carga já tenha saído da Alemanha e...
- Bonita a loirinha sociopata, quem é? – eu perguntei interrompendo.
- Você não muda mesmo, hein Matthew?
- Depois que até você falhou tentando isso, acho que o universo desistiu de mim.
Denise pareceu ignorar o comentário, engolindo a seco e reprimindo como isso a machucava por dentro. Continuou:
- ...Bom, se você deixar eu continuar, a loira é Michelle Von Bellick, Tenente da SS e responsável por todos os atentados a bomba em Paris, Orléans e Le Havre. Conseguimos capturá-la ontem na fronteira da Alsácia. Agora precisamos de você para interrogá-la e descobrir onde está a arma daquela caixa. Acreditamos que será usada no próximo atentado orquestrado pelo grupo dela...
- Quando você diz “interrogá-la”, na verdade quer dizer que eu devo arrancar sangue da menina a ponto de ela entregar até a cor de calcinha preferida da bisavó dela, certo?
- Olha, Matthew, você foi o melhor agente que já tivemos, e eu não te pediria isso se não fosse muito sério. A próxima bomba pode explodir a qualquer momento. Estamos correndo contra o tempo.
- Eu lamento, Denise. Isso não é mais problema meu.
- É uma bomba atômica, Matt. É problema de todo mundo. Nesse momento pode estar indo para Nova York, Londres, ou estar aqui mesmo em Paris embaixo dos nossos pés.
- Nesse caso, que Deus te ajude de novo. Boa sorte.
Terminei a frase já me levantando da mesa e deixando Denise sozinha, pela última vez. Não imaginava que minha caminhada seria interrompida cinco passos depois pelo estrondo ensurdecedor da bomba que explodiu no café e me jogou para frente, aquecendo o ar de forma a transformar a rua numa filial do inferno. Levantei-me ainda atordoado enquanto caíam do céu pedaços de madeira, concreto e de corpos humanos. Nem sinal de Denise, nem sinal da mesa, nem sinal de que aquilo há alguns instantes havia sido um café. Ela simplesmente havia evaporado, se desintegrado com a explosão.
Não me lembro se foi exatamente nesse momento que eu tomei a minha decisão. Só me lembro da sensação de ausência. A mesma ausência que eu já havia experimentado quando Denise e eu seguimos caminhos diferentes, mas que desta vez era definitiva. A perspectiva de que eu nunca mais a teria nos meus braços pela primeira vez veio-me à mente. Quando a dor torturadora da ausência amadurece dentro de você, ela se transforma em ódio. Talvez tenha sido sim, de fato, neste momento, que eu tomei aquela decisão.
PRISÃO MILITAR DE LAENNEC – ARREDORES DE PARIS
Olhei nos olhos verdes da garota loira tentando penetrá-la. Silêncio apreensivo é a melhor forma de se apresentar nessas situações. Com o uniforme branco de prisioneira e os braços atados atrás das costas ela não parecia mais tão altiva como quando vestia o uniforme acinzentado da SS. Não me importava mais a guerra ou as bombas. Eu só queria espancá-la. Deixar cada centímetro de sua pele marcada até a palavra dor ter um novo significado para ela. Sem propósito, sem piedade e como se não houvesse amanhã. De certa forma, para ela não haveria mesmo.
Ao meu lado, Helga, a carcereira francesa: negra, robusta e com os seios enormes, sendo estes praticamente a única coisa que lhe dava um ar feminino. Segurava um cacetete com a mão direita e o batia sucessivamente na palma da mão esquerda, como que ansiando por usá-lo logo.
- A prisioneira já passou pela revista íntima, Helga?
Os olhos verdes de Michelle brilharam assustados. Helga então sorriu e respondeu:
- Eu só estava esperando o senhor pedir, Sr. Hunt.
- Então vamos começar.
A algoz avançou sobre a prisioneira arrancando-lhe as calças. As prisioneiras eram proibidas de vestir peças íntimas. Michelle se debatia e gritava. Helga teve que asfixiá-la com o cacetete para quebrar sua resistência. Rasgou a camiseta da garota loira durante o confronto, que ainda balbuciava:
- Verdammt American! Nimm deine hände weg mich!
Michelle, agora nua e caída aos pés de Helga respirava fundo, tentando recuperar o fôlego e dizendo para tirarmos as mãos dela.
- Quanto está a temperatura lá fora, Helga? – perguntei.
- Uns cinco graus, senhor! Por que?
- Leve-a para o pátio. Estou tendo algumas idéias e acho que nossa hóspede não se importaria em sofrer a revista íntima na frente de trezentos soldados franceses sedentos de sangue alemão.
- Com prazer, senhor!
Helga levantou Michelle pelos cabelos, que tentou resistir mas foi atingida pela ponta do cacetete no abdômen, voltando a cair e novamente sendo içada pela carcereira, em seguida conduzida pelo braço ao longo do corredor até o pátio interno do prédio. A loira foi colocada de joelhos no chão. Helga empurrou com o pé seu dorso para frente obrigando-a a ficar com o rosto no solo enlameado pela chuva e na posição mais humilhante para a revista. Acendi um cigarro e dei uma longa tragada enquanto a carcereira colocava luvas hospitalares para começar o procedimento.
- Espere, Helga! Traga a mangueira usada para dar banho nos cães, e confira se a água está bem gelada.
- É para já, senhor!
Michelle tremia a mandíbula com o frio, mas ainda me olhava desafiadora. Ela era uma garota realmente bonita, pena que estávamos agora em lados opostos. Na verdade ela estava. Eu, como sempre, só estava do meu próprio lado. Helga então chegou com a mangueira testando algumas gotas em sua mão e cerrando os dentes com a sensação.
- Gelada a ponto de cortar a pele, senhor!
- Ótimo. Faça uma lavagem interna na prisioneira antes de começar a revistá-la.
A francesa assimilou facilmente a ordem. Girou a válvula fazendo a água extremamente gelada fluir e posicionou-se atrás do corpo de Michelle. Penetrou o ânus da garota com seu dedo médio dilatando-o. Em seguida encaixou a ponta da mangueira no orifício e deixou a água invadir os intestinos da ex-orgulhosa e arrogante militar alemã. Soldados e expectadores curiosos agora paravam nos alpendres ao redor observando os gritos da loira que ecoavam pelo pátio:
- Parem, por favor! Minha barriga está doendo! Tirem isso de mim, por favor!
- Então você fala a minha língua, vadia? Bom saber, isso vai facilitar muito a nossa relação. – respondi.
Após alguns segundos Helga retirou a mangueira e Michelle, que derrotada e humilhada expeliu a água gemendo enquanto discretas lágrimas rolavam de seus olhos.
Olhei mais uma vez para Michelle. Reconheço pela expressão de uma mulher quando ela está se sentindo completamente desconcertada e exposta. Enquanto Helga se ocupava agora com o dedo médio invadindo a vagina de Michelle e o indicador explorando seu ânus simultaneamente, a loira abaixou os olhos até a minha cintura e notou o volume dentro de minhas calças. Foi um momento rápido, mas o primeiro que sugeriu uma leve cumplicidade dela comigo. Ela percebeu a sensação que aquela cena me causava.
Michelle vez ou outra deixava escapar algum gemido dos lábios entreabertos e dos dentes que rangiam de frio enquanto Helga a fodia prazerosamente com os dedos. Comecei a acariciar meu pau, ainda não revelado para Michelle, por cima da calça, e sob seu olhar atento.
- O cacetete agora, Helga!
- Com prazer, senhor! – respondeu a carcereira sorrindo maliciosamente.
Após instantes de esforço para conseguir penetrá-la, a francesa violou a vagina da garota loira com o bastão negro de borracha, socando-o até o fundo e retirando-o todo, para depois deflorá-la novamente da mesma forma.
Eu mal me agüentava de tesão. Minha vontade era de avançar sobre Michelle e possuí-la ali mesmo. Descarregar meu ódio em estocadas violentas e jatos de esperma em todos os buracos daquela vadia. Mas ainda não era a hora certa. Quem sabe quando ela já estivesse totalmente entregue. Seria delicioso vê-la implorar pelo meu pênis, ser dominada pelo inimigo como uma nação invadida e subjugada que ao invés de reagir só consegue se deleitar com os abusos do invasor.
Ela agora gemia ofegantemente. Pronunciava palavras no seu idioma impossíveis de se compreender. Até que seu corpo a traiu. A primeira muralha de sua resistência havia sido quebrada: a barricada do orgulho. Quando o espírito cai é questão de tempo até que o corpo siga o mesmo caminho. Ela esguichou seu gozo liberando toda a sua lubrificação interna ao chão e molhando o porrete de Helga, que sorria maravilhada com o resultado de seu trabalho.
- A cadela gozou, senhor!
Fui até a frente de Michelle, deixando meus sapatos em frente ao seu rosto ainda colado ao chão.
- Será que o Führer ficaria orgulhoso vendo uma de suas oficias gozar como uma cachorra na frente do exército francês, loirinha?
Ela não respondeu. Suas forças pareciam concentrar-se todas em conter o choro e não demonstrar fraqueza. Ainda com meus pés próximos ao rosto de Michelle eu disse:
- Está pronta para me dizer onde está o conteúdo do caixote que o seu grupo carregava na semana passada? E onde será o próximo atentado que você planejou?
- Gehen ScheiBe, American! – ela gritou tentando se mostrar indomável. Apenas achei graça de sua reação. Só ia prolongar a brincadeira.
Nesse momento um mensageiro chamou Helga e cochichou algo em seu ouvido. Ela pareceu perplexa ao receber a mensagem e caminhou de volta até mim em passos firmes e rápidos.
- Senhor, uma nova bomba explodiu. Dessa vez em La Defénse.
A prisioneira, que estava até então desfalecida no chão, esboçou um discreto riso olhando para mim:
- Você pode fazer o que quiser comigo, mas não pode impedir o que vai acontecer em breve. Tudo até agora foram amostras pequenas disso.
Tive vontade de socar seu rosto até transformá-lo numa massa disforme de sangue e carne, mas me mantive frio. Eu tinha que pensar em qual seria meu próximo passo para atormentar e instigar corpo e alma de Michelle, até deixá-la desnorteada e desorientada, sem nenhuma convicção no que fazia.
Helga, amarre-a na base da torre do telégrafo. E depois a molhe um pouco mais com a mangueira. Quem sabe a chuva e a brisa da madrugada refresquem as idéias de nossa hóspede.
A negra de seios fartos atou então a prisioneira como se esta estivesse crucificada. Nua. Braços e pernas esticados e presos por tiras de couro cru nas armações de metal da torre. A boca preenchida por um pedaço de pano preso por uma corda que dava a volta em sua nuca. Uma mordaça que funcionou a contento.
- Não a solte daí a não ser por ordem minha, entendeu?
- Perfeitamente, Sr. Hunt!
Retornei ao meu quarto. Pensei em dormir um pouco, mas não imaginei que seria tão difícil tirar Michelle do pensamento. “Ela é a assassina de Denise, merece isso” – eu tentava me convencer. “Não há tempo para dormir, o tempo está correndo”.
Levantei-me e voltei na madrugada ao pátio que estava vazio, exceto por Michelle ainda presa. Sua pele estava pálida e o contorno dos lábios arroxeados. Resolvi soltá-la e continuar meu trabalho antes que uma nova bomba explodisse em algum lugar da cidade. Dei-lhe alguns leves tapas no rosto para que acordasse. Ela me olhou sem expressão nenhuma. Carreguei-a quase desmaiada até a enfermaria. O médico, após alguns exames rápidos, diagnosticou-a com um princípio de infecção no pulmão. Disse que ela precisava urgente de antibióticos, ou a situação poderia piorar. “quanto pior para ela, melhor para mim” – pensei.
- Não dê o remédio para ela ainda, doutor. Vamos ver o quanto ela agüenta. Se ela quiser mesmo, vai implorar por ele.
- Você é louco garoto, essa menina pode morrer...
- Obrigado, doutor. Seu trabalho termina aqui. Vá tomar um café agora. Amanhã o dia vai ser longo.
O médico se retirou da sala resmungando em voz baixa. Já o meu trabalho com Michelle continuaria ali mesmo...