Nasci em Fortaleza (CE) em meados dos anos 70. Primogênito de três filhos, todos do sexo masculino, de uma família bem humilde e tipicamente brasileira (dessas em que reina a alegria e o bom humor em qualquer situação – boa ou ruim), desde a infância, tive consciência de que era gay. E o entendimento do que seria isto, me foi transmitido pelos que comigo conviviam (familiares, vizinhos, colegas de escola etc.) que não perdiam uma oportunidade de me tratar por “viado”, “baitolinha”, “mulherzinha”, “mariquinha” ou outros desses simpáticos adjetivos (?). Porém, não me sentia diferente das outras crianças. Simplesmente não atentava para essas coisas.
O “diferente” em mim – e que só bastante tempo depois tive consciência – estava em características relacionadas mais para a personalidade, para a maneira de ser, do que propriamente para questões sexuais. Ou seja: a organização e o capricho em tarefas realizadas, a preocupação com detalhes, o apego àquilo que me pertencia, o gosto e a dedicação nos estudos etc. E isso, com o passar dos anos, foi se tornando mais evidente e determinou muita coisa em minha vida.
Apesar de ter tudo favorável ao futuro sem perspectivas, ao caminho ruim, ao fracasso... sei lá... tornei-me uma pessoa de personalidade forte (sem perder a sensibilidade, o romantismo), persistente, lutador, um cara de iniciativa e “independente” (não esperava por ninguém para buscar o que queria, e nem avisava. Ia em busca e quando viam, já tinha conseguido) e foi assim que entrei na faculdade, fiz especialização, mestrado e doutorado, e, antes mesmo do doutoramento, já era professor da universidade em que estudei).
Aos 17 anos, antes que me perguntassem, sentei com meus pais e disse que era homossexual. Claro... foi um choque. Mas esse choque resultou do fato de eu revelar, ou melhor, confirmar o que dentro deles já era uma verdade. E mais: fui muito honesto com eles, pois até esse dia ainda não tinha acontecido nenhuma relação sexual entre mim e outro homem. Relação sexual mesmo. Completa: sexo oral, sexo anal... O que havia acontecido era, no máximo, alguns toques (e poucas vezes!). Mas a partir desse dia, estava livre (psicologicamente) para realizar todas as minhas vontades. E aqui começa minha história.
Como havia certa dificuldade de relacionar-me afetivamente com alguém, principalmente, por falta de um espaço particular, tratei de alugar um pequeno apartamento – que estava mais para um quitinete – e que estava localizado num lugar bem estratégico, pois ficava entre a casa de meus pais e o lugar onde trabalhava e estudava. No entanto, tratava-se de uma região “perigosa”, entre duas perigosas favelas – ambas comandadas por um indivíduo chamado Matosão (muito temido, muito respeitado, muito conhecido por seus crimes – geralmente, assalto seguido de morte – e mais ainda, pela crueldade com que deixava os corpos de suas vítimas). Essas informações eu tinha através de minha mãe, que vivia preocupada e me fazia mil recomendações. Eu, na verdade, não me importava muito, pois passava quase todo o dia fora de casa, e ao chegar – como era cedo – não sentia nenhum perigo. Se o visse, nem saberia que se tratava do sujeito, pois não tinha a menor idéia de como ele era, a não ser o fato de que ele usava cabelos compridos. Nada mais.
Mas a vida preparou um encontro entre mim e ele.
Era o dia de meu aniversário. Terminadas as aulas, alguns alunos e colegas professores prepararam um pequena comemoração nas dependências da própria faculdade. A última aula terminou às 22h, e ficamos até umas 23:30h por lá. Depois disto, chamei um mototaxista que me levou até bem próximo de minha casa. Bem próximo porque antes de completar o trajeto, o pneu de sua moto furou, me obrigando a continuar caminhando. Nada demais, pois havia algumas pessoas pela rua – o que me dava tranqüilidade.
À medida que passava pelas pessoas, ia cumprimentando... ma notava algo esquisito em seus olhares. Enfim, chegava em casa. Bem próximo ao portão, sentado, havia um rapaz, de cabeça baixa – a quem também dei um “boa noite”, mas obtive como resposta um “Entre, calado, sem fazer alarme!”. Ao levantar a cabeça, eis o que vejo: os cabelos compridos. Gelei. Minha primeira reação foi olhar para traz onde as pessoas estavam. Incrível... os levar meu olhar até elas, suas cabeças iam ficando baixas. Não tive saída, especialmente quando vi em sua mão um revólver, que brilhava tanto, a ponto de impedir que meus olhos ficassem direcionados a ele.
Calmamente e já me despedindo do mundo, abri o portão e ele entrou antes de mim. Calado. Aliás, calados nós dois. Subimos as escadas, ele sempre à minha frente – como se já conhecesse bem o caminho. Parou em frente à porta do meu apartamento e estendeu a mão, solicitando as chaves. Abriu a porta e desta vez entrei primeiro.
A situação, devo reconhecer, era muito estranha. Não havia uma atmosfera de perigo. Até parecia que nos conhecíamos.
Virei em sua direção e, quebrando o silêncio, perguntei:
- Bem... estamos aqui. Posso saber agora o que você quer?
- Calma... ta com tanta pressa assim de conhecer Papai do Céu?
Nesse momento me faltou o chão. Ele continuou...
- Não oferece nem um copo d’água pras visitas?
- Mas parece que a visita aqui sou eu...
- Ah... e gosta de uma piadinha... Tudo bem... Você aceita um copo d’água? Pode ser seu último!
- Quero sim... Posso fazer uma pergunta?
- Faça! Hoje tô bonzinho... mas porque estou sem os companheiros. Com eles, fico cruel...
- Você é o Matosão?
- Já ouviu por aí minha fama, é? Que você sabe sobre mim?
- Não muito, mas o suficiente para saber que daqui só restará minha alma...
Ele riu e se aproximando de mim... olho no olho... disse:
- Mas há coisas que os faladores não sabem. Até porque as vítimas não tiveram oportunidade de falar...
- Ah é? O que por exemplo?
- Vou te contar uma coisa... depois respondo sua pergunta.
Sentou-se na ponta de minha cama e continuou:
- Sou do sertão da Paraíba. De um povoado que acho que nem tem no mapa. Meu pai era um matador. Ganhava pra tirar a vida dos outros. Ninguém em casa falava sobre isso. Um dia, andando por uma estrada barrenta ele perguntou se eu sabia como ele arranjava dinheiro. Disse que sabia... e junto com o som da minha voz gritou um som de tiro. Um não, muitos. Do susto, corri pra dentro de um cercado. E de lá, nunca mais ninguém teve notícia de mim. Sabe de onde a gente vinha? Do comércio. Ele tinha ido comprar uma viola. Ele me disse que sempre tinha sonhado em ter aquilo. Veja só. Realizou o sonho, e foi-se.
- Poxa...
- Pois é... e a vida me trouxe pra cá. E me colocou na bandidagem também.
- Ta. Agora responde...
- Pois é. Assim como aconteceu com meu pai, eu sempre me prometi uma coisa. Antes de tirar uma vida, realizo qualquer coisa que a pessoa quiser. Só não pode ser ficar vivo ou entrar em contato com alguém. Se eu não realizar, não mato.
- Então... até hoje você sempre realizou tudo... porque matou todo mundo.
- Certo. E tenho palavra. Vai pensando...
- Posso tomar um banho. Parece que você não está com pressa mesmo...
- Esse é seu desejo? Um banho?
Rimos os dois. Eu falei:
- Claro que não... ora! Preciso pensar... o que queria realizar antes de partir. Não é fácil!
- Ta. Vai lá. Posso ligar a TV?
- Ainda pergunta?
E fui. Não conseguia acreditar naquilo... Não estava normal! Não era pra ser assim... Seria uma brincadeira? Não. [...] O que pedir? Já tinha realizado, dentro do possível, tudo o que queria. Só o que nunca tive oportunidade de experimentar foi uma relação em que eu fosse ativo. Mas isso seria impossível. Era capaz de minha morte ser mais horrível que as anteriores. O que pedir? O que pedir? Terminei. Ia abrindo a porta do banheiro quando escutei ele perguntar:
- Você é viado?
- Oi?
- Viado... você é? Só tem DVD de viado aqui.
- Sou.
- Ih... vai pedir pra dá o cú! Já matei um que quis isso. Meu chegado foi que comeu ele. Só como mulher...
- Não. Na verdade pensei noutra coisa.
- O que?
- Antes preciso contar uma história...
Rimos juntos novamente.
- Conta.
- Desde sempre sei que sou gay.
- Desde criança? Já dava o carretel? Fazia troca-troca...
- Não assim. Sabia que não era com meninas que ia namorar. Mas não me via diferente dos meninos, sabe? Apenas, já rapaz, quando começavam a se reunir para ir à praça paquerar, ou se reuniam para contar o que fizeram etc., eu não participava. Ia pra casa, estudar, ler, arrumar minhas coisas...
- E a garotada não tirava onda?
- No início, sim. Depois, acho que se acostumaram. Até me chamavam, mas eu não ia. Pois bem... quando achei que era hora, falei para meus pais e para as pessoas mais próximas de mim.
- Vixe... Aí foi fôda!
- Ih! E como foi. Mas minhas qualidades falaram mais alto. Estudava bastante. Logo entrei pra faculdade... e fui em frente. Quando pude, saí de casa.
- Legal.
- Mas minha vida sexual não foi muito bem aproveitada.
- Por que, cara? Trabalhando, morando só...
- Por dois motivos: primeiro por trabalhar e estudar muito. Assim, os relacionamentos ficavam em segundo plano. E depois... bem... depois porque eu escolhia muito. Sabe? Para mim, o cara tinha que ter jeito de homem. Aí só apareciam os que queriam transar e pronto. Com entendidos... eu não ficava.
- Ai melou! Se o cara não é gay, só vai querer comer mesmo... e ganhar um trocado!
- Pois é. Tive poucas experiências. E, todas elas, como passivo.
- Dando, não é?
- Isso. Ai vem meu desejo: queria, antes de morrer, sentir o que é comer um homem.
- Eita, cassete! Puta que pariu... por essa eu não esperava!
- Bem... você pediu pra eu pensar... tai. Mas não precisa se irritar.
- Não... não é isso, mas...
Ele levantou e foi caminhando em direção à porta. Silêncio absoluto. Aproveitei para me vestir. O silêncio continuava. Ele voltou em minha direção:
- Égua cara. Não tem outra coisa não?
- Bem, só me vem isso em mente.
- E como ia ser isso? Porra! Logo hoje que estou na atividade só? Caralho! Como é que é isso, bicho? A tua pomba no meu cu... eu igual uma vadia?
- Não precisa ser assim tão... tão seco. A gente pode até criar um clima, bebe algo... você pode até me comer também... mas eu tenho que meter.
- Arre... cassete!
- Depois... ninguém vai saber mesmo. Eu vou morrer depois. Fica um segredo só teu.
- Caralho! O que tem pra beber aí?
- Cerveja.
- Pega lá... vou jogar uma água! Pensar... Acho que é melhor te liberar! Mas também é foda! A coisa vai se espalhar... e eu!?
Eu não estava acreditando! Não podia ser real aquilo! Preparei tudo, levei para próximo da cama. Quando olhei para a porta do banheiro ele estava em pé, com o cabelo preso, totalmente nu... e com o pau duríssimo! Olhei... fiquei paralisado... ele disse:
- Se é pra fazer... vamos fazer direito, certo? Gostou do instrumento do negão aqui?
- E como! Toma uma cerva!
Entreguei e ele deitou na cama. Então falou:
- Gosto de trepar na penumbra... apaga as luzes e deixa só a do banheiro acesa... com a porta quase fechada.
- Tá certo. – Eu estava em êxtase.
Quando voltei, disse:
- Tomara que esta seja completamente diferente das outras.
- Vai ser, porra! Tu vai me enrabar!
- Não assim. Queria que você esquecesse que sou um homem e se comportasse como se estivesse com uma mulher.
Mal acabei de falar, ele me puxou pra perto dele e me deu um beijo. Mas um beijo tão cheio de desejo! Tão cheio de gula! E perguntou, sussurrando, com a boca bem próxima à minha:
- Comecei bem?
Nem cheguei a responder... ele voltou a me beijar... e foi lambendo meu pescoço, minha orelha, até chegar nos peitos. Passou a língua e disse:
- Aqui é diferente...
Eu ri. Ele ficou ali por um tempo e eu o puxei, para começar um delicioso boquete. Que pomba! Ele gemia e balbuciava algumas palavras que eu não entendia direito. Chupei... chupei... chupei o saco. Ele estava louco! De repente, empurrou minha cabeça e disse:
- Pára... pára um pouco. To perto de gozar! Caralho... nunca pensei que fosse sentir isso com um macho.
Rimos. Ele, para minha surpresa, me puxou e colocou minha cabeça sobre seu peito. E com a voz macia perguntou:
- Tá gostando?
- Muito. Depois disso... qualquer coisa vale!
- Pega mais uma cerva pra nós!
Fui e voltei com uma apenas. Ele falou:
- Bundinha empinadinha, heim! Quem olha você vestido nem nota!
- Fiquei assustado com seu pau!
- Gostoso?
- Gostoso? Mais que isso: lindo, limpinho... e bem avantajado!
Rimos. Ele tomou um gole e disse:
- Ainda bem que o teu não é como o meu! Mas não fica muito atrás não heim! Quer um pouco?
- Quero!
Essa foi a hora mais surpreendente. Ele tomou um gole de cerveja e me deu um beijo passando para a minha boca. Não me segurei. Olhei no fundo dos olhos dele e uma lágrima rolou pelo meu rosto. Ele segurou minha cabeça e passou a língua em meu rosto, lambendo a lágrima. Quase morri antes da hora. Tocou meu queixo, aproximou seu rosto do meu, fez um movimento com seu nariz encostado ao meu, movendo-o de horizontalmente. Olhou fundo nos meu olhos ainda molhados e com a voz quase inaudível, disse:
- Vamos continuar? Onde paramos?
Recomecei a chupar seu pau, seu saco e calmamente, fui levantando suas pernas, iniciando umas linguadas em eu cuzinho. Não houve resistência. Pedi que ele ficasse de quatro e fui avançando mais. De repente escuto ele falar, sussurrando:
- Vai, aproveita agora e mete. Devagar!
Não perdi tempo. Passei um pouco de lubrificante, coloquei a camisinha e, delicadamente, fui entrando naquele corpo.
- Ai... calma! É a primeira vez, heim!...
Esperei um pouco. Meti mais. Peguei seu pau e comecei a punhetá-lo. Comecei bem lentamente... e fui acelerando e penetrando cada vez mais fundo. Depois de algum tempo, pedi:
- Fica de frente.
Ele ficou e comecei a comê-lo, beijá-lo, lamber seu suor. Metia com certa força. Ele começava a ajudar, como querendo mais e mais. Eu estava eufórico. Ele fechava os olhos e gemia. Então, ele anunciou:
- Estou quase gozando.
Eu então acelerei mais... e mais... e beijei sua boca. De repente, gozamos os dois. Nos apertamos com muita força... como se não quiséssemos nos perder. Depois de uns instantes, tirei a camisinha, e caí exausto sobre ele. Nossas respirações eram fortes. Nossos corações estavam numa aceleração sem igual. Nossas bocas se encontraram e foi mais um delicioso beijo. Em seguida, ficamos deitamos, abraçados, eu a sua frente. Quietos ficamos por um bom tempo. Ele se aproximou do meu ouvido e disse:
- Você me deu um prazer que eu nunca tinha sentido... e não foi por me comer. Foi inacreditável. Certa hora cheguei a ter medo. Parecia que eu tava voando... só ouvia nossa respiração. Uma vontade de não terminar nunca!
- Você também me fez sentir realizado. Completo. Era isso que eu sempre buscava. Pena que só tive um pouco antes da morte... mas, valeu ter vivido até aqui.
- O que?
Ele me virou.
- Você acabou de me dar... de me mostrar o que é a vida. E você acha que vou te dar a morte em troca? Cara... Escuta...Você me quer? Você quer viver comigo? Mudo completamente por você! Faço o que você quiser... Quer?
Silêncio.
- Quero. Mas muda mesmo?
- Vou te provar... Nesta madrugada, nesse nosso sexo quem morreu foi o Matosão. Morreu afogado naquelas lágrimas...
Chorei... Ele também.
E, realmente, ele tem cumprido. Inicialmente nossa relação ficou em segredo. Com o tempo tornou-se pública. Minha mãe chegou a ter depressão. Não foi fácil! Todos me chamavam de louco.
Hoje, seis anos depois, quem está aqui, do meu lado, é o senhor José Alves Matos, no quarto período do Curso de Bacharelado em Direito, meu companheiro e grande amor... e genro querido de minha mãe. E tem mais... iniciamos um processo de adoção. Tudo indica que teremos mais esse sucesso.
Parece mentira? Pois é a pura realidade... e estamos nós aqui para provar!