Começou com uma briga numa noite de quinta-feira. Eu tinha chegado atrasado do plantão, como sempre, morto de fome, como sempre. Me joguei na cama de sapato e tudo e pedi que ela me fizesse uma pipoca. Ela se negou, alegando igual cansaço do trabalho tanto fora como dentro de casa. Foi o que faltava pra fechar uma semana de conversas monossilábicas e olhares atravessados _ o que faltava pra eu falar um monte e sair batendo a porta. Cerca de meia hora depois, num bar de solteiros perto de casa, eu conferia uma bela loira de vestido preto que entrava sozinha; esquadrinhou o lugar como se procurasse alguém, conferiu o celular e veio espremendo o quadril curvilíneo ao longo do estreito corredor central, da porta até logo atrás da minha mesa.
_ Viu que ela olhou pra mim? _ perguntei pro Fred, um dos meus dois únicos amigos solteiros, que naquela noite praticamente arrastei pra fora de casa.
_ Vi. Olhou pra você como quem olha pra um poste _ resmungou contrariado.
Ignorando o comentário, espiei por cima do ombro a loira numa conversa com dois garçons, que em segundos começaram a juntar mesas pro que me pareceu uma happy hour improvisada. Larguei a tulipa pela metade e como quem não quer nada tomei o rumo do banheiro, passando perto o suficiente pra bisbilhotar a conversa.
_ Doze, certo? _ perguntava um dos garçons. _ Então agora só faltam duas cadeiras.
_ Minha mesa tem duas sobrando _ ofereci prontamente.
_ Obrigada. _ Ela se virou na direção da minha voz, só então me descobrindo ali. _ Você é educado...
_ ...Victor.
_ Ah?
_ Meu nome. E o seu?
Ela deu risada da minha apresentação oportunista.
_ Luciana.
_ Prazer, Lu. Posso te fazer companhia enquanto seus amigos não chegam?
_ Tudo bem. Só que eles não devem demorar muito.
Não muito, mas o suficiente pra nos conhecermos pelo menos um pouco. Contei que era ginecologista e obstetra, morava em Ipanema e dava plantão numa clínica ali mesmo, em Copa. Ela disse que cursava o último período de Direito e também morava pertinho, no Leme. Trocamos telefones. Sexta-feira, no fim de meia hora de conversa por celular, marcamos um chopp pra sábado à noite, quando eu supostamente estaria no plantão. Perfeito. Nenhuma das duas ia desconfiar de nada.
Como esperado, saí pro encontro sem levantar suspeitas. Nem tinha dado oito horas e Luciana já me esperava no bar, em jeans escuros e bata lilás, cabelos lisos e compridos presos num rabo de cavalo. Sempre pontual. Bebemos, comemos e conversamos com toda a parcimônia dos primeiros encontros, mas não demorou muito pra começarem os beijos e a mão boba e a vontade de sair dali direto pra um quarto. Pensando no custo do motel, o pão-duro aqui perguntou na lata se ela morava sozinha, o que negou dizendo ainda viver com os pais. Devolveu a pergunta e inventei que dividia o apartamento com um amigo. Não ia dar pra evitar a despesa nem tão pesada assim. Eu conhecia um lugar razoavelmente confortável e não muito caro no Lido, pra onde seguimos de táxi, aos beijos e amassos no banco traseiro. Entramos na suíte no mesmo ritmo, suas mãos na parte de trás da minha cabeça e as minhas na sua cintura, mas a meio caminho da cama ela parou com cara de quem acaba de se lembrar de algo importante.
_ Que foi?
_ Tem camisinha?
_ Vou pedir pra recepção.
Enquanto o atendente não vinha, esvaziei os bolsos e aproveitei pra conferir o celular. A patroa preocupava mais que o chefe, mas Luciana não sabia disso.
_ Falta pouco pro plantão?
_ Na verdade, eu já devia estar lá. É que geralmente não tem muito serviço, então costumo chegar atrasado. _ Abri minha camisa e me deitei do lado dela. _ Tecnicamente, eles estão me pagando pra estar aqui, nesse motel.
Ela deu um sorriso algo malicioso, pôs a mão no meu peito nu e tratou de preencher nossa espera com beijos rasos, só pra tapear a fome, como um tira-gosto antes da refeição. Enfim de posse do pacote de preservativos, terminei de tirar a camisa e me joguei de volta na cama. Agora sim.
Deixei Luciana só de bata e calcinha, me aninhei entre suas pernas e desci um dedo entre os grandes lábios, primeiro por cima e depois por baixo do tecido. Sua mão foi mais rápida que a minha em puxar a peça de lado, abrindo caminho pra uma siririca ou um banho de língua, mas eu queria deixar aquela bucetinha lisa e cheirosa ainda mais molhada do que já viera dos nossos amassos no táxi. Abri os grandes lábios, linguei devagar o caminho entre a fenda e o grelinho e comecei a mexê-lo pra lá e pra cá na ponta da língua, só atiçando, sentindo-o durinho. Ela suspirou, se remexeu num semi-rebolado e abriu mais as pernas, sinal pra que eu finalmente pusesse minha boca em ação, bem de leve e nos pontos certos (modéstia à parte, conheço o corpo feminino como ninguém). Por uns bons dez minutos, lambi e chupei de tudo que é jeito, com os lábios, com a língua, por fora, por dentro, devagar, rápido, enquanto Luciana gemia baixinho e empurrava o quadril contra minha boca num vaivém frenético. Quando gemeu mais alto, aumentei a pressão no grelo e enfiei o indicador e o médio pra dedadas cada vez mais rápidas e profundas. Não ia parar enquanto ela não desse aquela tremidinha deliciosa na minha boca, o que não levou nem mais um minuto.
Só depois de tudo foi que tirei sua calcinha. Coisa inesquecível a visão da loira só de bata, pernas entreabertas, buceta meio pra fora do que se podia fantasiar como um vestido escandalosamente curto, olhos pregados nos contornos do meu pau pronto pra saltar das calças. Perguntei se queria agora e ela não disse nada; simplesmente escorregou pra baixo e desembrulhou por conta própria a guloseima que eu oferecia. Sugou cada bola pra dentro da boca, subiu a língua pelo mastro, contornou a ponta e desceu pelo outro lado. Devagar, saboreando, passava meu caralho na língua, nos lábios, na face, tudo sem deixar de me encarar com aquele olhar safado de quem gosta e sabe o que está fazendo. Abocanhou a cabeça, amparou-a na língua e começou um sobe-desce curto e lânguido, sugando com pressão, dando lambidinhas no nervo sensível, punhetando no mesmo ritmo o que a boca ainda não engolia. Daí em diante foi de olhos fechados. Enquanto ela viajava na chupeta, eu assistia hipnotizado os lábios subirem e descerem cada vez mais, sobe e desce até a metade, sobe e desce até 2/3, sobe e desce até as bolas. Puta que pariu, meu pau inteiro mergulhado no calor e pressão daquela boca gulosa. Lá vinha um gozo precoce, voluntarioso e atabalhoado, perigosamente próximo de acabar com a festa antes da hora, quando Luciana teve o bom senso de dar o boquete por encerrado. Como se não bastasse o tesão daquela garganta profunda, a loira me segurou pelos cabelos, me deu um beijo todo intenso e molhado, me olhou nos olhos e com voz de comando disse “me come”. Lógico que obedeci na hora.
De papai-mamãe, comecei um vaivém por fora, na maior parte do tempo só roçando, com raras e leves estocadas até a metade da cabeça. Na terceira ou quarta, ela se remexeu e espalmou uma mão proibitiva na minha coxa, me olhando sério.
_ Põe a camisinha.
Eu tinha concordado em pedir um pacote à recepção, mas a verdade é que detesto camisinha. Em casa, a regra era bareback. Estava acostumado assim.
_ Daqui a pouco _ prometi sem interromper o esfrega, de novo só por fora. Não ia adiantar. Num minuto, aquilo mais que nunca beirava a penetração, com metidas frequentes e profundas, a maioria bem além da cabeça.
_ Ei. A camisinha.
_ Vamos ficar assim parados, então. Está tão gostoso.
Só que eu não estava parado. Avançava quase imperceptivelmente, torcendo pra ela desistir da proteção. Poderia levar uma eternidade, mas eu não queria pôr tudo a perder; pra ser sincero, estava até gostando do suspense. Cada centímetro meu afundando naquela carne quente e molhada era uma conquista e uma injeção de adrenalina. Quando enfim entrou tudo e comecei a mexer devagar, a sensação era quase de euforia. Delícia.
_ Você é doido.
_ Calma, não vou gozar dentro.
Isso pareceu relaxar Luciana. Mais cinco minutos daquela foda contida e capitulava: suspirou, me enlaçou com as pernas e fixou o olhar no espelho do teto, de onde me assistiu meter por um bom tempo até deitar a cabeça com um "ahhh" extasiado que jogou por terra o pouco controle que me restava. Agarrei seu quadril por baixo e entrei com tudo. Ela estreitou a chave de perna, impôs seu próprio ritmo num rebolado alucinante e levou à minha boca dois dedos que chupei sem pressa, salivando pra ela tocar uma siririca gostosa. Sua outra mão provocava arrepios na minha nuca, mas àquela altura qualquer parte minha responderia ao seu toque com o mesmo desembaraço. Meu corpo ficava cada vez mais sensível e meu raciocínio cada vez mais lento. Eu estava perdido de tesão, naquele estado em que qualquer coisa sexy que a outra pessoa faz te descontrola. E o que me descontrolou foi ela gemendo, me agarrando, deliciosamente contraindo tudo por dentro num segundo orgasmo, como se me chupasse com aquela sua outra boca. Quando vi, a porra subia e era tarde demais pra segurar.
Eu gozei dentro. Gozei dentro, e agora?
Por vários instantes, só se ouvia o aparelho de ar-condicionado. Devagar, sorrateiramente, escorreguei pro lado e sondei Luciana, cuja expressão parecia de um temor igual ou maior que o meu.
_ Você disse que não ia...
_ Eu sei. Foi sem querer. Desculpa.
_ Meu Deus!
_ A gente passa na farmácia e compra uma pílula do dia seguinte. _ Pra variar, nós fazemos a bagunça e elas é que se viram pra arrumar.
_ Dizem que essa pílula é um tormento. _ Fez careta. _ A namorada do meu irmão usou e passou o dia enjoada.
_ É, às vezes é. Mas a gente não pode arriscar. Não posso bancar outro filho agora.
_ Outro? Então você é separado?
_ Ainda não...
Ela quase pulou da cama. Num movimento sincronizado, como se ensaiados, alcançamos o que havia de tecido à mão e nos cobrimos, ela com sua bata e eu com o lençol.
_ Meu Deus! Casado? Por que não me disse antes?
_ Você não perguntou.
_ Devia ter dito de qualquer jeito, né? Além disso, você não está de aliança! Foi desacompanhado a um bar de solteiros! E inventou que morava com um amigo!
Verdade, mas nessas horas a gente sempre tenta se justificar. Mandei logo a desculpa 001, "casamento-não-vai-bem", aproveitando pra contar a última briga e resmungar sobre Giovanna. Devo ter ficado uns dez minutos falando.
_ Viu? Uma pipoca, e ela não quis fazer _ concluí. _ Era só colocar no microondas. Não custava nada.
_ Se não custava nada, então por que você mesmo não podia fazer?
Choque. Ela estava defendendo a mulher e o pior é que eu não tinha contra-argumento. Me limitei a bufar e revirar os olhos, como se pudesse travestir de desdém aquele verdadeiro apagão mental.
_ Por essa eu não esperava. Você é ótima. Se eu não fosse casado, ia pedir pra namorar.
_ E é claro que eu ia aceitar na hora, vindo de um cara tão legal...
Com isso ela foi pro chuveiro, não me deixando opção senão me vestir e pedir à recepção pra encerrar. Enquanto a conta não chegava, me chamou a atenção na cabeceira da cama um folder sobre os riscos das várias DSTs, que passei o tempo lendo como se já não soubesse tudo aquilo de cor. Eu, um ginecologista, arriscando levar uma doença venérea pra minha esposa.
O atendente entrou e saiu, eu dei uma última conferida nos pertences e Luciana não terminava o banho. Além de puto com ela, eu estava cada vez mais preocupado com a eficácia da pílula, que se pra começar já não é 100%, ainda vai decrescendo conforme a demora na administração.
_ Oi? Você está pronta... Ahn... Desculpa, qual é seu nome mesmo? _ provoquei. Não demorou meio minuto pra ela sair enrolada numa toalha branca e caminhar a passos largos até o outro lado da cama, onde estavam suas roupas.
_ Tudo bem. Faz sentido a confusão, já que você ganha a vida tocando as partes íntimas de uma fila de mulheres. E ficando em quartos de motel...
Sem mais, como se eu nem estivesse ali, se vestiu, penteou os cabelos e terminou de se arrumar. Ainda tivemos que correr as redondezas atrás de uma farmácia aberta e uma lanchonete pra matar a fome e forrar o estômago pra pílula. O imbróglio só foi se resolver por volta da meia-noite, hora em que eu já não tinha mais cara e muito menos disposição de ir pro plantão. Pela quarta vez no mês, arrastei Fred pra um pé-sujo da Atlântica, onde narrei em detalhes no que dera aquela noite de quinta. À medida que as garrafas de cerveja eram esvaziadas e meu relato avançava madrugada adentro, eu ia perdendo a coordenação e o resto da serenidade.
_ A piranha faz sexo casual e depois quer me julgar... _ me lembro de ter resmungado durante o monólogo, pontuando a frase com as reticências necessárias pra que Fred inserisse ali qualquer comentário de apoio com o selo inconfundível da máfia mais antiga do mundo, mas ele só ouvia. Insisti: _ Não é um absurdo?
_ Olha... _ ele enfim começou em tom cuidadoso. _ Mesmo que sexo casual fosse errado, no mínimo você fez igual. Além disso, ela não estava traindo e nem mentindo pra ninguém, e você sim.
_ Meu Deus, Fred! Está do lado de quem?
_ Só estou tentando ser honesto. Estou dizendo o que penso, porque é isso que os amigos fazem.
Mas não era isso que eu queria ouvir. Depois de mais alguns minutos de cerveja tépida e silêncio gelado, paguei a conta e fui espairecer minha amargura no calçadão, em muda cumplicidade com as almas penadas que costumam assombrar a Atlântica das onze às cinco. Que semana. Em três dias, conseguira me desentender com minha esposa, uma mulher que nem podia chamar de minha amante e meu melhor amigo _ que, depois eu ia admitir, tinha toda a razão _, sem falar no medo de uma cria fora do casamento pra me tirar o sono.
E o tempo ia provar que não perdi o sono à toa. Meus temores se confirmaram cerca de um mês depois, com a notícia da gravidez da Luciana. Eu podia pedir um teste de DNA só pra garantir, mas algo em mim simplesmente sabia que o filho era meu. Mais um Victorzinho no mundo. Claro que minha esposa não demorou a descobrir tudo e pedir o divórcio.
A partir dali, nem conversas monossilábicas, nem olhares atravessados. A empregada se recusava a lavar minhas roupas, de forma que minhas camisas se acumulavam no cesto de roupa suja _ vai ver minha sorte foi não terem virado pano de chão _, e nem meu filho de quatro anos andava me dando muita confiança. Eu me sentia o fantasma de um acidente tão trágico quanto ridiculamente previsível vagando por aquela casa. Os próximos dois meses foram dedicados a arranjar apartamento, e os próximos sete a tentar convencer de todo jeito Giovanna a me aceitar de volta, com flores, presentes, cartas e muita chantagem emocional. Certa noite de segunda, uma mensagem de texto de não mais que duas linhas trouxe a recompensa pela minha insistência. "Eu volto", ela dizia, "mas é bom você saber que as coisas não serão como antes". Sem dar muita atenção àquilo que me pareceu típico drama de mulher, respondi da boca pra fora tudo que achava que ela queria ouvir, pronto pra repetir cada erro na primeira oportunidade. Só que eu logo ia descobrir o significado real de "as coisas não serão como antes". Chegando do plantão de sábado, dia em que nosso filho dormia na casa dos avós, encontrei a surpresa na nossa cama: mais de 1,80m, peito cabeludo e um pau de intimidar mesmo em estado de repouso. Era Rui, o técnico do computador. Do lado dele estava minha esposa, também nua e nem um pouco abalada pela visão do meu queixo na soleira do quarto.
_ Amor, você chegou cedo. _ Giovanna sorriu, acariciando os cabelos do homem com a mão esquerda sem aliança. _ Traz uma cerveja pra gente?