Bom, aviso que minha história é um tanto incomum, acho até que daria um livro, ou uma novela, sei lá. Me chamo Pedro, e a lembrança que tenho de minha infância é: minha mãe, que se chamava Sara, linda, vaidosa, e sem vocação pra ser dona de casa, sempre ocupada com eventos sociais na cidadezinha onde nasci... Papai, um homem igualmente vaidoso, extremamente preocupado com os empreendimentos de agricultura e pecuária das suas propriedades... Mesmo em meio a essa correria, eram muito carinhosos e atenciosos comigo, e eu os amava e respeitava.
Conforme eu ia crescendo, ia admirando mais meu pai. Se chamava Toni, e havia estudado na cidade grande. Decidiu continuar morando no interior por ser amante da vida no campo. Cuidava muito de sua saúde e sempre que podia, colocava shorts e regata, e saía caminhar pela fazenda, ou fazer exercícios com pesos de braço. Moreno, alto, forte, peito definido, braços bonitos, pernas peludas, cabelos lisos, com uma franjinha caída na testa, castanhos, assim como os olhos... Meu pai chamava a atenção por onde passava. Era um exemplo de homem, e eu desejava ser como ele quando crescesse. Papai tinha adoração pela minha mãe, mesmo ela tendo um gênio forte. Nunca ouvi falar que meu pai tivesse romances fora do casamento.
Quando completei 14 anos, comecei a notar que sentia tesão por garotos. Claro que não aceitei essa idéia de primeira... Isso foi há muito tempo, e, principalmente no interior, a gente cresce sendo ensinado que ser gay é errado. Meus pais pareciam não notar nada, o que tornou tudo mais "cômodo".
Sempre fui muito próximo de meu pai... Ele costumava me carregar no colo, e o que foi diferenciando em nossa relação com o passar dos anos, é que antes ele me colocava no colo pra brincar e contar histórias, depois era pra conversar sobre assuntos mais cabeça, ou pra apertar meus cravos e espinhas. Eu gostava muito da proximidade que aquele contato nos dava...
Com 16 anos, eu já havia ficado com algumas garotas, mas sempre dava um jeito de não passar de um beijinhos. Não tinha vontade nenhuma de transar com mulher, nem que fosse pra manter as aparências. Por sorte eu tinha vários amigos e amigas que notavam o que se passava comigo, mas não questionavam, como a marioria das pessoas do colégio onde estudei. Às vezes meu pai notava que eu não estava bem, e me perguntava o que se passava, se eu não estaria triste por causa de alguma garota. Eu sempre desconversava.
Foi quando algo trágico caiu sobre nossas cabeças: minha mãe tinha um tipo fatal de câncer no cérebro. Fiquei arrasado! Meu pai não parava de chorar e minha mãe ficou muito abatida... Logo ela, linda e espalhafatosa, com uma doença dessas! Os médicos deram duas possibilidades: uma era ela fazer quimioterapia e outros tratamentos dolorosos, que talvez aumentassem o seu tempo de vida. Outro era apenas ir tomando remédios fortes, que aliviariam suas dores. Assim, ela evitaria hospitais, mas teria uma qualidade de vida um pouco melhor, ainda mais vivendo no campo. Decidida, minha mãe escolheu a segunda opção. Meu pai fez de tudo para convencê-la de se tratar, mas minha mãe dizia que não queria perder sua beleza, nem a chance de passar em casa o tempo de vida que lhe restava:
- Quero morrer na minha casa! - dizia ela, mantendo seu temperamento forte.
Foi o ano mais difícil de nossas vidas... Em casa, era um entra e sai de parentes, amigos, médico e enfermeira... Nos últimos meses de vida da minha mãe, meu pai não trabalhava, não saía, não fazia mais nada que não fosse estar ao seu lado... Era final de novembro, e fazia um tremendo calor, quando minha mãe piorou de vez. Houve um dia, em que ela definhava e insistia em conversar comigo:
- Pedro... Precisamos conversar... Quero te contar uma coisa...
Mas meu pai evitou a tal conversa, dizendo que ela estava delirando... Dias depois ela faleceu. Eu só chorava e não participei do velório, que foi em casa mesmo. Só saí do meu quarto na hora do enterro. Meu pai estava acabado, ao lado do caixão... Uma irmã dele, tia Rita, me abraçou forte e disse que cuidaria de nós por uns dias. Na hora do enterro, o céu ficou totalmente nublado e escuro... Assim que pegamos a estrada pra voltar pra fazenda, começou a chover forte. Tia Rita dirigia, meu pai ao seu lado não dizia nada... Logo chegamos. A chuva se estendeu até a hora do jantar. Tia Rita preparou uma sopa. Eu estava faminto, pois não comido nada desde o dia anterior. Meu pai não quis comer...
- Toni, come nem que seja um pouco. - insistia tia Rita.
- Obrigado Rita, mas eu continuo sem fome...
- Pai... Tá gostoso, come um pouquinho, vai... - também insisti.
- Não estou com fome, Pedro! - pela primeira vez na vida, meu pai foi grosso comigo...
Minha tia também ficou supresa:
- Toni... O menino só...
- Não estou com fome - interrompeu ele - e não estou com vontade de ouvir vocês também! - disse ele gritando e saindo da mesa de jantar.
Fiquei me sentindo ainda pior. Ele se trancou em seu escritório. Nervosa, tia Rita disse que não era pra eu me importar e que eu devia procurar entendê-lo. Além da morte da minha mãe, eu sentia algo estranho no ar, que parecia estar incomodando meu pai. Logo, eu e minha tia nos deitamos. Não consegui dormir, e no meio da madrugada, levantei assustado, pois voltou a chover, e mais forte. Resolvi procurar meu pai. Ele não estava em seu quarto... Fui até o escritório, e lá estava ele sentado em sua cadeira, chorando baixo... Parecia mais conformado, porém se mostrou extremamente irritado quando notou minha presença:
- Isso não é hora de estar acordado Pedro... Vai pra cama!
- Eu não consigo dormir por causa da chuva papai...
- Mesmo que você não durma, vai pra cama!
- E por que você não vai também papai?
- Eu não te devo explicações! - gritou - Me deixa sozinho!
Magoado, comecei a chorar:
- Pai, você nunca me tratou assim! O que tá acontecendo?
Ele ficou com um semblante num misto de perturbado com remorso:
- Tenta me entender Pedro... Eu perdi a única mulher que eu amava! A única que eu amei a vida inteira... Eu... Eu fiquei sozinho!
Era comovente ver um homem daquele tamanho tão arrasado! Me aproximei dele com uma vontade enorme de abraçá-lo:
- Você não tá sozinho... Eu sou seu filho, lembra?
- Você não é meu filho! - Toni disse ao berros e sem rodeios...
- Como assim?! - fiquei em choque!
- É isso mesmo... Eu não sou seu pai!
- Você tá dizendo isso porque tá triste e com raiva da vida... - voltei a chorar - Isso não é verdade!
- É a verdade! - Toni falava chorando de raiva, num desabafo - Você sempre soube que quando eu casei com sua mãe ela já tava grávida, não?!
- Sim, grávida de você, papai!
- Grávida de outro... De outro que não amou ela nem a metade do que eu amei! E eu a amei tanto, tanto, que te assumi de olhos fechados!
- Chega!! - foi minha vez de gritar - Não quero mais ouvir!
Chovia forte ainda. Subi a escada de casa correndo, me deitei na cama, me enrolei numa colcha e chorei até pegar no sono, implorando a Deus que aquilo fosse um pesadelo. Acordei com a cabeça doendo... O sol raiava... Levantei e ao sair do quarto, me deparei com Toni dormindo sentado no chão do corredor, encostado na parede. Ele acordou e ao me ver, se levantou e começou a se desculpar comigo... Nos abraçamos chorando, e mais calmos, sentamos em minha cama e conversamos. Então Toni me contou que sempre foi apaixonado pela minha mãe, mas que a princípio, ela gostava de um outro cara, chamado Artur, que não levava ela a sério. Então, Toni pediu ela em namoro, e por alguns meses, tudo correu bem. Até que o tal Artur estalou os dedos, e minha mãe terminou com o Toni pra ficar com ele. Foi aí que ela engravidou de mim e o Artur deu no pé. Nobre, o Toni procurou minha mãe e disse que ainda gostava dela e que me assumiria, desde que ela nunca mais quisesse nada com o meu pai biológico. Então minha mãe acabou se casando e se apaixonando pelo Toni. O Artur acabou falecendo num acidente, e nunca mais ninguém tocou no assunto, até o dia que minha mãe, já muito doente, queria me contar a verdade. Demorei alguns minutos pra assimilar tanta informação...
- Me perdoa, Pedro! Não sei o que deu em mim ontem... Prometo nunca mais te tratar daquele jeito... Eu te amo! - disse Toni, arrependido e afável, como costumava ser antes.
Emocionado, eu o abracei:
- Claro que eu te perdôo... papai! Posso continuar te chamando assim né?
- Claro meu filho... Claro!
Então Toni me abraçou apertado, de um jeito tão gostoso... Agradeci demoradamente por ter me dado um sobrenome e por ter cuidado de mim. Naquele momento, algo mudou... Nunca mais eu consegui vê-lo apenas como pai, mas também como um protetor... um amigo.
Nos dia seguintes, minha tia Rita voltou pra casa, tranquila em ver que estávamos bem e convivendo com aquela nova realidade, a qual decidimos continuar mantendo em segredo. Em dezembro, tivemos agradáveis surpresas... Apesar de tudo o que passei, consegui passar numa boa faculdade na cidade grande. Logo, meu pai estava ocupado com o trabalho novamente... e voltou também a malhar. Chegou a me ensinar vários exercícios durante as férias. Passamos a nos aproximar mais, a nos descobrir como pessoas, sem o peso de sermos pai e filho, o que era maravilhoso.
Em fevereiro, completei 18 anos e parti pra cidade grande! Nunca vou esquecer do abraço demorado que dei no Toni antes de partir... nem da dor que sentia em me afastar daquele homem. Naquele momento tive certeza: eu gostava mais do que devia do meu pai de criação... Tinha um verdadeiro misto de sentimentos e desejos por ele, que me deixavam confuso, e a distância ia me ajudar a esclarecer as coisas na minha cabeça.
Me apaixonei pelo meu curso e minha turma na faculdade! Passei a fazer academia e a sair com caras... Porém não tinha coragem de chegar aos finalmentes com ninguém. Ficava só nos beijos e chupação... Em dois meses, meu corpo já tinha dado uma mudada. Eu, até então magrelo, branco e peludo, começava a ter um corpo um pouco mais definido... Me depilei, deixando somente os pêlos da perna, fiz minha sombrancelha e passei a usar cremes em toda minha pele. Eu me sentia mais bonito e confiante, e jurei pra mim mesmo nunca mais deixar que me discriminassem por ser gay. Sempre que podia, falava com o Toni no telefone. Ouvir sua voz me acalmava e me estimulava a evoluir mais como pessoa! Cheguei a conclusão de que eu era totalmente apaixonado por ele! Isso talvez explicasse porque não conseguia transar com outros caras...
Na Páscoa fui pra minha cidade pela primeira vez após ter ido pra facul. Quase desmaiei ao rever o Toni! Ele estava lindo, forte, recuperado... nem parecia ter seus 46 anos! Ao abraçá-lo, percebi que ele havia tingido os cabelos:
- Escondendo os cabelinhos brancos é?
- Claro - e deu uma risada descontraída - ultimamente tava aparecendo um monte!
- Vaidoso como sempre né?
- E com orgulho! Mas você também... Tá forte, tá mais bonito! A cidade grande tá te fazendo muito bem Pedro!
E continuamos nosso papo... Meu coração batia mais forte a cada movimento, a cada sorriso, a cada gesto que o Toni tinha para comigo. Caramba, eu estava mesmo amando o meu pai! Bom, ele não era meu pai... ainda bem! Porém resolvi continuar mantendo aquilo, assim como minha homossexualidade, em segredo.
Depois daquilo, só voltei pra casa pra passar as férias de inverno. Diante de todos, Toni e eu éramos pai e filho felizes. Dentro de casa, éramos como dois amigos, dois cúmplices... Falávamos de tudo com liberdade, menos da minha vida afetiva, claro. Da minha parte, eu o amava e desejava cada vez mais! Que macho gostoso! Quando fazíamos exercícios juntos, eu ficava louco em ver aquele corpo peludo em ação... Mesmo nos dias mais frios, ele suava horrores! Chegando em casa, tirava a camisa e eu podia admirar seu peitoral suado... Seu cabelo também ficava molhando, grudando na testa! Minha vontade era de secá-lo, de abraçá-lo, beijá-lo... Eu batia punhetas diárias pensando naquele homem! Bom, aproveitei as férias e tirei minha carteira de motorista e Toni me surpreendeu me dando um carro de presente.
- Assim que você sentir confiança, pode pegar a estrada pra ir e voltar pra cá, ok? Disse ele, com um sorriso lindo e sincero. Agradeci radiante! Voltei pra faculdade e, entrei de cabeça nos estudos e nos exercícios físicos. Nos feriados seguintes, acabei não indo pra casa... Eu morria de saudades do Toni, porém de que adiantava estar perto dele, se não tinha coragem de confessar o que sentia? Me resignei a idéia de que terminaria aquele ano virgem!
De novembro até dezembro, notei que o Toni se mostrava mais alegre nos telefonemas que trocávamos, porém se negava a me dizer o porquê... Que surpresa não tive ao chegar em casa e descobrir que ele estava namorando uma moça 20 anos mais nova que ele! Todos na cidade estavam comentando... Tive uma antipatia à primeira vista pela Nadine. Não só por ciúmes, mas porque tava na cara que ela queria só o dinheiro do Toni. Ele percebeu, e às vésperas do Natal, tivemos um papo sério.
- Sei que você deve estranhar quem em apenas 1 ano eu tenha me apaixonado de novo...
- Eu estranho, mas o problema não é bem esse papai...
- Você também vai me criticar por ser velho pra ela?
- Ah papai, me poupe! Você tá super em forma e poderia pegar gente mais nova que ela se quisesse!
Sim, aproveitei pra dar uma indireta! Ele riu e continuou falando:
- Dessa parte eu gostei... Qual o problema então, Pedro?
- A Nadine tá de olho no seu dinheiro pai! Será que só você não percebe?
- O pai dela também tem dinheiro Pedro! - respondeu ofendido.
- Tá certo papai, não quero continuar essa conversa.
Resolvi passar o Natal e a virada na praia com uns amigos da facul. O Toni me deu o maior sermão, mas não tinha volta! Eu não ia ficar vendo o homem dos meus sonhos se enroscar numa piriguete interesseira em pleno final de ano!
Na primeira semana de janeiro, recebi um telefonema todo choroso do meu papai... Voltei pra minha cidadezinha, pois, como era de se esperar, ele e a Nadine tinham terminado. Toni me contou que resolveu testá-la inventando uma história de que estava quebrado, e a garota sumiu. Era de manhã, estávamos em seu escritório. Ele em pé tomando uma dose de whisky encostado em sua mesa, e eu sentado numa cadeira, apenas admirando aquele monumento choramingando:
- Ainda bem que eu te ouvi Pedro...
- Ainda bem! Mas não fica assim papai...
- Assim como? arrasado?
Rimos. Toni continuou a se lamentar:
- Sei que eu me precipitei... E acho que no fundo eu sempre soube que uma mulher como ela não ia gostar de mim de verdade...
- Uma mulher como ela? Ai papai, aquilo é uma vagabunda, ela nunca vai gostar de ninguém!
- E eu não sei? Mas era linda, jovem, cheia de vida... e gostosa!
Eu era obrigado a concordar, a tal Nadine era uma gata mesmo:
- Tá papai, mas não precisa se menosprezar...
- Ah não? Ninguém vai querer um velho como eu Pedro...
Ele estava começando a ficar alterado pela bebida, por isso o drama. Foi então que me enchi de coragem e me aproveitei da situação:
- Tenho certeza que muita gente adoraria estar com "um velho" como você... papai...
Toni sorriu pra mim e fez uma cara de interrogação:
- Ah é? Você acha isso mesmo?
Me levantei, me aproximei dele e toquei seu rosto:
- Claro pai! Você é lindo, sarado e muito atraente!
Ele riu sem graça e disse:
- Você diz isso só porque é meu filho!
Me afastei, mas continuei me insinuando:
- Não... Digo isso como homem mesmo!
Toni arregalou os olhos pra cima de mim, mas não disse nada. Saí do escritório e resolvi sair de carro... Marquei meu primeiro ponto com aquele homem! Eu não tinha certeza de ter chances com Toni, mas intuitivamente, eu sentia que havia deixado ele com a pulga atrás da orelha!
CONTINUA...