Era inverno.
Eu esperava pacientemente pelas dez horas, flertando as manchetes na banca de revista. Por um motivo que não consigo lembrar, minha terapeuta não pode me atender na sexta feira. Havia me pedido que fosse no sábado pela manhã, se eu não me incomodasse. Concordei. Não iria criar caso por conta disso.
Eu o percebi assim que chegou, colocando-se entre um mexerico de novela e um atentado na Síria. Não se tratava, exatamente, de um homem bonito. Mas era, sem dúvida, o exemplar masculino mais charmoso que eu já tivera a oportunidade de observar. Com exceção de um cachecol xadrez de verde jogado com displicência ao redor do pescoço, vestia-se todo de preto. Calças justas, suéter de gola alta, jaqueta de couro.
O rosto era exótico. De formato quadrado, com leve amassado no queixo. Boca generosa e pele morena, sugestivas de uma ascendência africana. Cabelos rigorosamente lisos e muito pretos; olhos levemente amendoados indicativos, talvez, de uma mistura asiática. Nariz reto, quase grego, responsável por uma altivez aristocrática.
Ao rosto diferente se seguia um corpo sedutor. Embora não fosse muito alto, mal chegava a um metro e oitenta, a musculatura era evidentemente esculpida com rigorosa disciplina. Empertigado, com uma postura impecável, ele lembrava, e muito, um toureiro espanhol.
Para os padrões racistas do século XIX, o sujeito não seria “nada”. Não passaria de um mestiço. Um mulato de sangue sujo. Mas para a clarividência da era de aquários, o homem era uma perfeição.
Meu deslumbramento era evidente. No entanto, aquilo não lhe causou qualquer incômodo. Ao contrário, voltou o corpo na minha direção, de modo que eu pudesse ter uma visão frontal dele, simplesmente se oferecendo ao meu deleite.
O percorri de alto a baixo com os olhos cheios de gula. Mas estava tão interessada nos contornos atraentes da sua geografia que não me atentei para o fato de que a recíproca era verdadeira. Ele também me escrutinava.
Quando os olhos negros se encontraram com os meus, uma descarga de adrenalina correu meu corpo: eu poderia ler o mundo naqueles olhos. Ele me queria. E eu a ele. Não eram necessárias palavras para se saber daquilo.
Senti uma súbita falta de ar. Precisei respirar fundo para oxigenar meus pulmões. Porém, a intensidade daqueles olhos, me queimando, me perguntando, na verdade me exigindo, me deixaram tonta. Segurei-me por um momento no aparador de revistas. O que eu deveria fazer?
Não pensei. Olhei para o prédio de escritórios, onde ficava o consultório da Walquíria. Onde eu deveria estar dali cinco minutos. Olhei de volta para ele. E relanceei os olhos, mais uma vez, para o prédio. Não havia obviedade nenhuma no convite mudo que lhe joguei. Dependeria exclusivamente da sua sensibilidade se iria entendê-lo ou não. Dei-lhe as costas e caminhei devagar. Tenho certeza de que não rebolei como uma vadia, mas parei alguns segundos e olhei para trás. Ele me seguia.
Caminhava com indolência, quase como um felino. Mas vinha atrás de mim não como um cachorro vira latas que segue a pista de uma refeição. A situação, se possível fosse, parecia bem outra. Embora eu estivesse à sua frente e tivesse indicado o prédio, na verdade era eu quem o seguia.
A clareza daquilo ficou evidente quando paramos, lado a lado, diante do elevador. Quando a porta se abriu, ele foi o primeiro a entrar. Posicionou-se no fundo, com as costas apoiadas na parede. Eu entrei logo depois. Imediatamente fui seguida por uma profusão impensável de gente, especialmente se considerarmos que era uma manhã de sábado. Foi a turba que me empurrou para ele.
Por alguns segundos ficamos frente a frente. Meus olhos se perderamdentro dos dele. Demorou a desviar o olhar para a minha boca. Eu entreabri os lábios. Se ele me beijasse ali mesmo, naquele elevador cheio de gente me espremendo, eu teria correspondido. Mas não me beijou. Mesmo assim, apesar de os seus lábios não terem se encontrado com os meus, minha sensação era de que sua saliva impregnava minha boca.
Suas mãos pousaram na minha cintura. Girou-me devagar, deixando-me de costas para ele. Com a mesma delicadeza, me puxou de volta, prensando minha bunda contra seu ventre.
Eu engasguei. Um pau duro encostava-se levemente nos meus quadris, como a perguntar se podia continuar. Fiquei hirta, sem reação. Mas três outras pessoas entraram no elevador quando a porta já estava se fechando, me forçando a dar outro passo para trás. Desta vez, encaixei a bunda na rola que, educadamente, me prestava continência.
Nossos companheiros se precipitaram para os botões indicativos dos andares. Ele fez o mesmo. Apertou o décimo quinto, o último andar. Eu ergui a mão e apertei o botão do sexto, onde ficava o consultório da minha terapeuta. Quando fiz isso, meus dedos roçaram levemente nos seus. Outra vez, uma descarga de adrenalina me varreu o corpo.
Abaixei a cabeça. Apesar da reação ao seu toque, minha indicação era clara: eu iria descer no sexto andar. Mas fui ambígua o suficiente para ele entender que precisava me convencer a subir. Rocei meus quadris nele. Apenas isso. Ele entendeu. Suas mãos puxaram-me para trás. Agora, prensada com mais força contra um volume chocante de pica, ele a forçou delicada e compassadamente em meu rabo.
Eu queria rir. A situação era comum, óbvio. Quantas mulheres não eram fragorosamente bolinadas em elevadores lotados? Contra ou a favor da própria vontade... Como eu mesma naquele momento?! No entanto, a publicidade velada daquele ato, somada à deliciosa excitação que me invadia, mais o temor de ser flagrada num evidente atentado ao pudor, tudo isso funcionou como um coquetel molotov na minha libido.
Correspondi aos movimentos dele. Com uma intensidade que não sabia de que era capaz, respondi à sua pressão, esfregando a bunda no seu pau. Para a esquerda. Para a direita. Para cima. Para baixo.
Ninguém se dava conta do que fazíamos. Eu olhava para as pessoas, mas seus rostos permaneciam erguidos para o alto. Olhos fixos no marcador dos andares. O transe hipnótico representado pela sequência dos números, só era cortado quanto o elevador chegava ao andar solicitado. Ao baque surdo e à campainha suave, os olhos subitamente voltavam à vida, escapavam das bocas suspiros de alívio e as pessoas saíam do elevador tão rápido quanto haviam entrado.
Quando o elevador chegou ao sexto andar precisei fazer a minha escolha. Sair. Deixá-lo. Ir ao encontro da Walquíria e narrar para ela, em detalhes, a minha sarração com um estranho delicioso, no elevador do prédio. Ou ficar. Ir ao décimo quinto. Seguir com ele. Para a lua. Para o céu. Ou para o inferno.
Ele se afastou de mim. Chegou a levar as próprias mãos às costas, numa atitude clara de que deixava a escolha em minhas mãos.
Eu tinha segundos para decidir. Ninguém saía do elevador. Alguns olhos se voltaram, correndo em torno, na expectativa de descobrir quem havia solicitado o andar. Ou se a pessoa não havia se dado conta.
Fingi que não era comigo. E fiz a minha escolha.
Reaproximei nossos corpos. Deliberadamente, me encostei inteira nele. Bunda, costas, coxas, cabeça. Até minha mão. Estendi a mão direita para trás e apertei a curva da sua bunda.
Ele respondeu de imediato. Enlaçou-me com os braços musculosos. Cruzou as mãos abaixo dos meus seios e desceu os lábios na direção do meu pescoço. Depositou um beijo delicado, molhado, macio e morno em minha pele. Eu me senti queimar.
A porta do elevador se fechou. A caixa voltou a subir.
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