“— Eu te amo!
— Porque você me ama?
— Eu te amo porque você é meu. Eu te amo porque você precisa de amor. Eu te amo porque quando você me olha eu me sinto um herói. Sempre foi assim. Eu te amo porque quando eu te toco, eu me sinto mais homem do que qualquer outro.
— Eu também te amo...
— Porque que você também me ama?
— Eu te amo por que... Quando eu te toco, eu faço você se sentir mais homem do que qualquer outro. Eu te amo porque nunca poderão nos acusar de amor. Eu te amo porque pra entender o nosso amor ia ser preciso virar o mundo de cabeça pra baixo. Eu te amo porque você poderia amar qualquer outra pessoa, mas mesmo assim você me ama. Só a mim.”
Os olhos de Paulo e Diogo que estavam fixados na tela da TV se cruzaram. Era inevitável a emoção, e então se aproximaram, tocando seus lábios, se beijando, tendo um a boca do outro. Encostaram a testa uma na outra, acariciando seus rostos, olhando olhos nos olhos e sorrindo. Até que a expressão de Paulo mudou e a TV desligou. Diogo se afastou, viu Paulo com o controle na mão e com uma cara pensativa.
— O que foi?
— Você nunca me disse eu te amo... — disse pensando.
Diogo ficou constrangido e forçou uma risada.
— É claro que eu já disse!
— Não! Já me disse “eu estou apaixonado”, “gosto muito de você”, mas...
— Ok, eu nunca disse! — suspirou — É difícil pra mim...
— Pelo fantasma do Gabriel...
— Que jamais se colocará entre nós! Eu me relacionei com o Biel desde criança, mas também tive outros relacionamentos, e eu nunca pude dizer “eu te amo” a não ser pra ele. Há uma banalização enorme dessa palavra que eu jamais farei parte. Alguns dizem por constrangimento mesmo nem sentindo, outros sentem e dizem, mas não é amor, porque num dia ama e no outro esse amor desaparece ou morre. O amor não acaba. O amor é substituído às vezes pelo ódio, mas... É algo sério, que nunca acaba, mesmo que você tenha que arranjar uma outra forma de amar.
Diogo sentiu-se leve, mas preocupado. E Paulo acabou com seu ar enigmático, sorrindo.
— Eu te amo ainda mais por isso. E eu farei que você me ame para que nós possamos ser eternos. — os dois sorriram — Agora vamos dormir, porque amanha vamos acampar...
— Mas e o filme?
— Você continua amanhã! Mas fazendo o nosso filme, dizendo que me ama e o porquê.
Paulo riu e pulou em cima de Diogo, o apertando, distribuindo beijos no corpo dele, e fazendo cócegas.
— Meu lindo... Hum... Gostoso... Hum... Hum... Cheiroso.
Os dois se agarraram e beijaram-se, dormindo agarrados por toda a noite. Pela manhã, Diogo e Paulo foram para o camping que planejara, deixando a casa livre para o novo casal: Wander e Jeff.
— Eles já foram... — disse Jeff triste.
— Em compensação... A casa é toda nossa! — Wander puxou Jeff, o enchendo de beijos, mas por não obter êxito, o largou. — Enfim, eu tenho um convite pra você.
— Não! Não jantarei em luzes de vela ou calçarei o sapatinho da Cinderela.
— Bobo! Na verdade você vai ficar bobo com o pedido, mas é que eu preciso que você me acompanhe até a igreja.
— Aham, senta lá Cláudia... Já até fui. Meu cu pra você!
— Obrigado, seu cu é gracioso. E não tem nada demais! Olha, eu tenho um orientador espiritual, ele sabe de toda a minha luta, peleja, tudo que eu passo com essa doen... Enfim, ele pediu que eu fosse lá e amanhã estou super atarefado, mas você tem carro. Oh, nem precisa entrar lá...
— Oh God, é muita Claudia pra pouca cadeira. Se eu entrar lá, vou ser julgado!
— Ninguém vai ter julgar! Claro que colabora muito se você manter apenas sua fala e andar gay, e ignorar as gírias espalhafatosas!
Jeff repreendeu Wander com um olhar, que sorriu, o abraçando e beijando. Jeff sabia que era verdade o dito, então estranhamente persuadido, resolveu encarar uma mudança radical.
Radical também definia bem o que Paulo e Diogo passaram. Após passar por uma trilha bem complicada, eles chegaram, montando as barracas e descansando um pouco. Quando já entardecia, os dois resolveram curtir do lado de fora.
— Ai, ar puro! — exclamou Diogo abrindo os braços.
— Não precisa fingir, ta? Percebi que você odiou desde quando você sorria forçado na trilha!
Diogo e Paulo riram, se abraçando. Um rapaz que estava na frente e nem percebera a presença de Diogo e Paulo continuava um papo com o amigo.
— To dizendo rapá, a mulher do drogado é igual ele. Pior, é drogada e puta. A sem vergonha toda noite faz mó escândalo. Quando o velho morrer, aposto que ela vai junto. A vagaba não vai sobreviver sem uns bons tapas.
Paulo olhou com raiva e saiu, entrando rapidamente na barraca. Diogo o seguiu, preocupado.
— Que foi?
— As pessoas costumam conhecer tudo sobre a outra. Mas o manual não vem a arvore genealógica.
— Fala!
Paulo suspirou, olhando para fora com raiva e fechando zíper da barraca.
— A puta drogada é a minha mãe — Diogo olhou surpreso — Por isso eu escolhi vir pra cá, pois meus pais moram logo ali. Me desculpa por não ter contado....
Diogo acenou positivamente e Paulo começou a se emocionar.
— Na pré-adolescência é difícil enganar seu jeito de ser. Por conta disso, meu pai me batia todos os dias. Ele é um drogado, alcoólatra, usa todas as drogas possíveis, e minha mãe seguia o mesmo caminho que ele, mas parou quando eu tinha uns 5 anos. Com 15 anos eu fugi de casa. E desde que eu descobri que eles estavam aqui, todo ano eu venho pra cá conferir se o velho morreu e minha mãe pode ser finalmente livre. Já que eu não consigo sequer olhar pra ela.
Paulo começou a chorar e Diogo o abraçou, beijando sua testa. Então, sentiu o quanto aquele homem agora garoto em seus braços, precisava de amor.
Os dias transcorreram normais. Diogo detestava toda a vida no camping, mesmo que só por uma semana, e Paulo sentia isso, mas também sentia o desejo de poder falar com a mãe ou mudar as coisas. E a aflição de Paulo machucava Diogo.
Um dia, enquanto Paulo dormia, Diogo entrou no mato procurando a tal casa dos pais de Paulo. Então, encontrou um casebre com madeira velha, e pela janela viu um homem com a aparência muito desgastada, mas que devia ter 50 anos, e lembrava um pouco a Paulo. Viu também esse homem gritando e empurrando com toda a violência a mesa contra uma mulher, essa tinha aparência mais desgastada ainda. Quando o rude homem saiu, Diogo se escondeu entre as árvores, e ao notar sua saída, caminhou até a casa. Notou a porta entreaberta, e empurrou, encontrando seus olhos nos os olhos de alguém carregado de sofrimento.
— Oi — disse suavemente Diogo seguido de um sorriso.
Diogo entrou e eles se apresentaram. Ela se chamava Sônia e Diogo contou toda a sua história com Paulo, e ela, a sua com o marido Roberto, enchendo seus olhos sofridos d’água.
— Eu cheguei aqui pra acampar, porque um cara havia nos ameaçados, e nós acabamos nos escondendo aqui. Já a fuga de casa aconteceu quando eu tinha uns 13 anos, pequetita, o Roberto tinha 19 e fomos juntos. Juntos com as drogas, bebidas, coisas ilegais. Era tudo amor e aventura, até que começaram as agressões. Na primeira vez, eu jurei sair de casa e ele prometeu que não faria mais. Mas ele percebeu que havia me tirado de todos, e eu só tinha ele. Então, eu apanhava sozinha e nos drogávamos juntos. Mas graças a Deus, a fuga do meu filho foi um acerto e não um erro como a minha. E como ta meu menino? Saudável? Forte?
— Ele ta ótimo. — sorriu Diogo.
— A vida é tão sábia, né? As mães se entristecem quando descobrem que o filho é gay. Mas eu passei por tantas coisas, fiquei tão longe do meu garotinho, que ser gay é um mero detalhe. Uma diferença que me motiva a sorrir, pois sei que ele está bem e ao lado de alguém especial.
— Obrigado. A senhora é muito especial também. E não merece viver nessa situação precária, com alguém que não lhe dá o mínimo de...
— Por favor, não. Eu to adorando sua companhia depois de anos solitária, mas eu amo muito meu marido apesar de tudo. E também fiz muitas coisas erradas, e sou digna de todo o castigo que a vida reservou pra mim.
— A senhora acha que é tudo um propósito? Destino, karma, e que não há como mudar?!
Sônia assentiu com a cabeça e Diogo ia protestar, mas Sônia somente repousou suas enrugadas mãos de Diogo, sorrindo, e ele entendeu que precisava ficar calado.
Já o novo personagem de Jeff requeria muita atenção. Para tornar-se mais viril, ele tingiu os fios azuis de preto, abandonou as maquiagens, e engrossou a voz, mas não teve jeito. Ao encontrar com o orientador de Wander, acabou dando sua desmunhecada básica. Mesmo assim, Wander fez outros convites para Jeff, pois gostava da companhia do namorado, mesmo que para os outros fossem apenas irmãos postiços. Juntos, visitavam padres, sacristãos, paroquianos. Uns percebiam a “diferença” em Jeff e afastavam. Outros zombavam subliminarmente. E muitos abriam a Bíblia em Coríntios ou Levítico.
No quinto dia de camping, enquanto todos dormiam, começara a ouvir barulho de uma mulher gritando. De fundo também barulho de coisas sendo jogadas, a voz de um homem praguejando e muito choro. Evidentemente todos saíram da barraca, incluindo Diogo e Paulo, assustados.
— Relaxa, relaxa! Não se assustem! É a performance da mulher do bandido — disse um cara às gargalhadas.
Paulo se preparou pra avançar no cara, mas Diogo o impediu, o segurando.
— Calma! Bater nele não adianta. A gente precisa ajudar a sua mãe.
Paulo soltou-se dos braços de Diogo e entrou correndo na mata, sendo seguido por Diogo. Ao chegaram à casa de Sônia, viram uma cena aterrorizante. Todos os móveis estavam quebrados, Sônia escorada ensangüentada na quina da parede, e Roberto de pé, ofegante, com um pedaço de pau.
— Covarde! — gritou Paulo fazendo Roberto virar-se, largando o pau. — Sai daqui mãe! Leva ela daqui, Diogo. Anda!
Diogo ficou sem saber, pois se preocupava em deixar Paulo a sós com o pai, mas entrou na casa e pegou Sônia — que se debatia não querendo ir — a carregando no colo. Diogo saiu e Paulo entrou, olhando com ira para Roberto, que começava a reconhecê-lo.
— Calma ai! Eu to te reconhecendo... A bichona. Com cara de homem, mas tem o mesmo cheiro de viado! Então minhas surras deram efeitos, ao menos o moleque aparenta ser homenzinho!
Paulo olhou para cima.
— Deus, eu te peço perdão e não permissão. — disse voltando a olhar com ódio para Roberto — Porque hoje, seu covarde sem-vergonha, eu vou te ensinar o que é ser um homem.
Paulo avançou em cima de Roberto, dando um soco em sua barriga, e o fazendo bater com a cabeça na parede. Roberto tentou revidar, mas Paulo o jogou no chão, subiu em cima dele e socava com ódio a cara do pai, que percebera o quanto é ruim não ter forças pra reagir.
Paralelo a isso, ocorria mais um evento religioso que os supostos amicíssimos Jeff e Wander participavam. Mas uma piada mal digerida foi o estopim para Jeff.
— Minha santa Lady Gaga! —exclamou Jeff, levantando-se, assustando a todos inclusive Wander — Que deselegante! Contar uma piada sem oferecer os meus bons drink da Europa, Espanha?! Colegas, o que foi aquela novela? A bee finalmente saiu do closet uó e...
Wander se levantou e puxou Jeff pra fora, não o deixando nem terminar, o levando para casa.
— A senhora vai ficar aqui! — determinou Diogo, cuidando dos ferimentos de Sônia no camping, mas preocupado com Paulo.
— Você não entende. Eu preciso saber como ele...
Sônia cortou a fala ao ver Paulo chegando. Imediatamente, ela correu para os braços do filho, o abraçando.
— Meu filho, meu filho, você ta bem? — se afastou para olhá-lo e viu sangue em suas mãos — De quem é esse sangue?! Você...
— Eu só dei o que ele merecia...
— Você matou ele?! — gritou Diogo
— Não. — Diogo suspirou aliviado — Só fiz o que ele faz com a minha mãe.
— Eu vou lá ver como ele ta...
— Mãe, não! A senhora vai ficar aqui! — a voz de Paulo começou a ficar embargada — Amanhã, quando amanhecer, a gente vai empacotar as nossas coisas, vamos pegar a trilha e sumir daqui. Eu, você, e o Diogo sem mais mágoas. Nós vamos recuperar todo o tempo perdido, mamãe, eu juro. E a gente vai ser uma família, eu prometo...
Paulo começou a chorar e pegou nas mãos de sua mãe, que também estava emocionada.
— Ok. Mas eu só preciso saber como ele ta, filho, eu amo seu pai.
— Que porra de amor é esse?! — gritou, largando a mão de sua mãe com força — Esse desgraçado te espanca há anos, você é alvo de gozações de que é uma vagabunda...
— Paulo, por fav..
— Não se meta, Diogo! — Paulo manteve o olhar para mãe — Você não é capaz de amar. Não tem amor próprio. Não ama a mim, não ama a ele, não ama a ninguém, porque você não se ama. E eu não vou ficar ao lado de uma pessoa sem amor. Quer ir, vá! Mas se você for, você não terá mais a chance de encontrar alguém que te ame.
Sônia caiu no choro, acenando negativamente e correu para mata. Paulo deu um grito de dor, entrando na barraca, seguido de Diogo. Ele somente o abraçava.
— Ela tem a maldita alta dose de remorso como eu tinha com a Suzana! Mas eu me livrei, ela conse...
— Calma, meu amor, calma.
Paulo se afastou e limpou as lágrimas
— Obrigado por estar sempre ao meu lado. Eu te amo muito.
Essa era hora. Ia ter que dizer. Mas agora Diogo sentia que podia dizer com toda a verdade.
— Eu também te...
— Não! — interrompeu Paulo, colocando a mão na frente da boca de Diogo — Somente me abraça e me faz sentir todo o seu amor.
Diogo abraçou Paulo, e constataram o amor que sentiam pelo outro. E o amor entre Jeff e Wander parecia ter prazo de validade.
— Eles podem fumar, beber, apostar em jogos... Mas aceitar um gay, meu amor? Jamais!
— Você não tinha o direito...
— De me manifestar contra hipocrisia? Cansei do meu personagem, e do seu, a bicha encubada que teme a santa sagrada igreja!
— E os ataques voltaram!
— Porque a cegueira acabou! — determinou.
Wander olhou com medo.
— Ok, me desculpa. É que eu achei que você tivesse curtindo, por isso fiz novos convites. Você mesmo dizia que aperfeiçoava seu talento pra ator.
— Hello, a vida não é um palco de teatro! E não sirvo pra fazer o personagem da bicha que agüenta ser julgado por não conseguir ser machinho, ou ouvir piadas infames sobre homossexuais, judeus....
— São piadas!
— A piada é que nós somos de mundos opostos! — rebateu irritado começando a chorar. — E a verdade é que você só queria me converter em um deles, me arrastando pro seu mundo.
Wander pegou Jeff pelos braços, com força e raiva.
— Escuta aqui, seu... Moleque! Eu te amo! E o meu amor nos une até que sejamos de galáxias opostas! — disse Wander começando a chorar.
— É... Eu também te amo. — Jeff encostou sua testa na de Wander e uma lágrima caiu de seus olhos — Mas a gente vai ter que acabar.
“Eu te amo”. Palavra que vem de um sentimento verdadeiro que todos podem sentir. Preservar realmente faria durar um amor? Uns sentem e logo dizem, mas logo acaba.
— Adeus — disse Wander limpando as lágrimas e saindo do apartamento de Jeff.
Muitos amam ao extremo, e trás a infelicidade.
— Você ta bem? — perguntou Sônia preocupada, ao ver Roberto caído no chão, recebendo um sonoro tapa no rosto.
Você pode olhar para o lado e dizer sem medo ao seu companheiro....
— Eu te amo — disse Diogo sorrindo, apoiando sua cabeça no ombro de Paulo, e os dois sentados no ônibus, com a chuva caindo lá fora.
PS: Diálogo inicial, que Paulo e Diogo assistem na TV, é do filme “Do Começo Ao Fim”.