Pessoal,
Boa noite! Como já era de se esperar, estou publicando o meu primeiro conto aqui na CDC.
Espero que gostem, será uma série, e vai demorar um pouco até que tenha relação sexual, a intenção maior não é escrever um pornô, mas uma história entre duas pessoas, cujo o pronto central são investigações policiais.
Abraços, boa leitura e espero que gostem.
Capítulo I – Quando os olhos veem mais que imagens…
Tem dias que somente acordar parece um pesadelo.
Hoje foi um desses dias para mim. Desculpe-me a grosseria, meu nome é Andrew Richard Schneider Trindade, conhecido pelos amigos como Andy ou profissionalmente como Dr. Schneider. Realmente, esqueci-me de mencionar que sou PhD em Antropologia Forense pela University of Central Lancashire, em Preston. Voltei ao Brasil assim que terminei minha pós-graduação, vindo morar em minha cidade natal, Belo Horizonte, capital de Minas Gerais.
Tecnicamente, sou de família de posses, meus pais moram na clássica região da Pampulha, na orla da Lagoa que leva o mesmo nome. Minha mãe é professora da Universidade Federal de Minas Gerais, ela é Doutora em Artes Plásticas e Psicologia, meu pai é fazendeiro no interior de Minas, eles se separaram assim que eu nasci. Minha mãe se casou novamente cerca de sete anos depois, meu padrasto tem uma exportadora de pedras semipreciosas.
Sempre fui mimado, mas isso não fez de mim uma pessoa que é escrava do dinheiro, mas sim uma pessoa que sabe valorizar cada centavo do que tem e ganha. Aprendi com as minhas viagens a valorizar pessoas que têm de trabalhar para garantir seu sustento e valores como humildade, perseverança, esperança, honestidade e amizade se tornaram imprescindíveis na minha vida, ainda que, para a maioria, eu seja um doutorzinho filhinho de papai metido à sabe-tudo.
Tenho vinte e cinco anos, 1,70m, cerca de 55kg, não sei bem ao certo, não me preocupo com esse tipo de coisa, apesar de não ser gordo e gostar de correr pela manhã. Tenho a pele clara, não sou branco, mas pela aversão ao sol que tenho, minha pele é bastante clara, meus olhos são negros, meus traços normais, andrógenos, confesso, mas não sou afeminado. Meus cabelos são pretos, lisos e eu os mantenho repicados até o pescoço, para dar um pouco de volume, o que não funciona. Toda a minha família sabe da minha orientação sexual, ainda que eu nunca tenha me envolvido com ninguém. Não acredito nisso que as pessoas chamam de amor e ninguém nunca me atraiu de verdade, acho. Ou talvez eu tenha me furtado de qualquer envolvimento por medo de sofrer, ou medo de me permitir amar alguém.
Aos desavisados de plantão, o amor é uma invenção moderna, disseminada pelo romance pitoresco entre Romeu e Julieta. Até aquele momento, os casamentos eram todos arranjados, e queiram ou não, eles davam certo. Concordo que as mulheres se sujeitavam a muita coisa, mas dentro de seus padrões culturais, tudo aquilo era normal e aceitável. Pesquisas demonstram que não havia problema nenhum a elas em serem traídas e coisas do tipo. Não estou defendendo ou fazendo apologia àquele tipo de arranjo cultural, mas condená-los é anular a diversidade cultural daquela época. Então, baseado em aspectos como esse – tenho vários outros, mas citá-los tornaria o texto mais chato que ele já é, deixarei para depois – eu não acredito em sentimentos, pois todos eles são apreendidos e aprendidos por nós no decorrer de nossos dias, além de várias sensações serem acarretadas por transmutações hormonais.
Ah! Mudei de assunto e esqueci-me do que estava falando no início do texto. Tenho essa mania, dispersar-me dentro de meus próprios devaneios. Como ia dizendo, tem dia que acordamos sem vontade nenhuma para acordar. Hoje eu acordei assim, não sei ao certo o motivo, uma manhã linda, dia vinte e sete de outubro de dois mil e onze, uma quinta-feira. Estava indo em direção à Pontifícia Universidade Católica, onde leciono Antropologia Cultural, quando recebi um telefone de não fazia ideia quem.
_Bom dia, Sr. Schneider? – a voz grave chegava a arrepiar-me o corpo, mesmo que pelo telefone.
_Bom dia! – sempre muito educado com quem me era, respondi com uma for calma. – Sim, é o Dr. Schneider quem fala, quem gostaria? – era uma ligação com identificação confidencial, não tenho desses problemas em não responder ao telefone ou não atendê-lo quando a ligação é de origem incógnita.
_Aqui é o Sr. Rodrigues, sou chefe do COT da Polícia Federal, estamos com um corpo carbonizado e temos informação que você é o mais capacitado antropólogo forense de nosso país. – a voz continuava forte, ele era a certeza de que tudo seguia padrões e nada que lhe era confiado lhe era perdido. São poucas pessoa que eu já conheci que eram assim. Na verdade eu nunca vi esse senhor Rodrigues, não tive essa oportunidade. Não que estivesse interessado nele, afinal, só havia ouvido sua voz e gostado. Nunca me apaixonaria por alguém instantaneamente, não faz meu tipo. Como disse, essa coisa de amar, se apaixonar, não passa de hormônios.
_Sim, eu sou o melhor antropólogo forense do Brasil, sim. – Eu disse com um leve sorriso no rosto, não era falta de modéstia, era a constatação de algo real. – Isso não é muito difícil, não devemos somar vinte ao todo, não é uma profissão comumente divulgada em nosso país, tanto que temos apenas um programa de Mestrado e Doutorado com uma de suas linhas de pesquisa voltada para a Bioantropologia, e isso lá no Pará.
_Interessante, senhor, mas isso não me interessa muito. – ele disse seco, se as pessoas diziam que eu era grosso, eles precisavam conhecer o senhor Rodrigues. Acho que, como dizem os mais velhos e populares, ele era grosso como uma porta.
_Doutor. – respondi na mesma sequidão com que ele havia dito. – para você eu sou doutor. – se ele era grosso e achava que poderia tratar as pessoas de qualquer jeito por ser um Policial Federal, eu também o poderia fazer, afinal, por titulação, eu sou muito mais coisa que ele, se bem que eu não fazia, como ainda não faço, a menor ideia de qual era a titulação daquele homem, apesar de medir sim, as pessoas pela quantidade de certificados que lhes preenchem a parede.
_Tudo bem, dou-tor. – o sentir raspar a garganta enquanto pronunciava, sílaba a sílaba, a palavra doutor. Aquilo me fez querer rir, mas mantive meu silêncio enquanto esperava o que ele tinha a me dizer. – Continuando, a Nação precisa de seus conhecimentos, precisamos que venha imediatamente fazer a biópsia no corpo.
_Autópsia, o senhor quis dizer. – eu disse, gosto de corrigir as pessoas, mesmo que em detalhes, isso as irrita e eu gosto de ser irritante.
_Se você vai fazer uma biópsia em si mesmo, pode ser uma autópsia. – dessa vez eu comecei a rir, não aguentei, a gargalhada foi alta e após um instante de silêncio ele inquiriu-me seriamente. – Qual foi a graça?
_É autópsia por ser numa mesma espécie, a biópsia é quando nós, seres humanos, fazemos em outras espécies, quando a biópsia é num ser humano, chamamos autópsia. Foi só por isso que ri, desculpe-me, foi involuntário. – eu tenho mania de explicar tudo ou, ao menos, tentar explicar todas as coisas. – Mas de qualquer forma, eu posso ajudá-los sim. – meu dia tinha até mudado, afinal, não é sempre que um antropólogo é chamado para fazer uma autópsia aqui no Brasil. – minha última aula termina 16h30, é no IML?
_Na verdade é aqui em Brasília, tem um jato te esperando no aeroporto da Pampulha, um policial irá te buscar, ele está te esperando na porta da PUC, num Hilux Preto, o nome dele é Tony, agente Tony. – ele despejou tudo sem cerimônia alguma, dizia todas as coisas como se fossem ordens e eu ali, escutando enquanto o táxi passava pela Via Expressa, quase chegando ao bairro Coração Eucarístico.
_Eu não posso ir agora, tenho que dar minhas aulas. – Eu disse ríspido, interrompendo-o.
_Já deixamos uma professora substituta, ela é mestra e doutora em Antropologia Cultural pela Federal do Rio de Janeiro, o departamento de Ciências Sociais já está ciente da substituição e dos motivos, assim como a reitoria da Universidade. – Ele não era um amador, isso era fato. Já havia preparado tudo, até mesmo trago uma substituta. Realmente, não tinha muito que dizer contra, protestos seriam com pouco argumento, inclusive iam contra minha forma de encarar o mundo, as pessoas dominam conhecimentos diferentes e a diversidade só permite que os alunos aprendam mais, ainda que eu tenha certeza que essa colega de profissão não tem metade da minha inteligência, nem tampouco do meu conhecimento, mas de todo, eu estava entusiasmado com a possibilidade de fazer uma autópsia para sair da monotonia que a minha vida tinha se tornado depois que voltei do exterior.
_Tudo bem, eu seguirei com… - Havia me esquecido o nome do tal policial, tenho um sério problema com nomes, a não ser que a pessoa tenha escrito uma obra científica ou um artigo numa revista conceituada, preferencialmente em inglês. É o problema do campo científico, o capital científico, segundo Bourdieu, é maior dependendo de onde, quando e como o conhecimento é gerado e divulgado. – Com… qual é mesmo o nome do tal policial?
_Tony, doutor. – novamente o senhor Rodrigues havia prolongado o arraste do erre ao pronunciar a palavra doutor. – Espero que chegue logo e que o que dizem de você seja verdade, temos pressa em descobrir quem é a vítima, pois as suspeitas apontam para uma pessoa muito importante, e qual a causa da morte, claro. Até mais ver, doutor Schneider.
_Até mais, Sr. Rodrigues. – Desliguei o celular, enquanto via o sinal se abrir e o taxista olhar no retrovisor antes de virar a esquina, subindo em direção à portaria principal da PUC. Foquei em observar se veria um Hilux preto enfrente à portaria. Antes que paire a dúvida e me perguntem a razão do táxi se sou de família com posses e professor universitário, é que não sei dirigir e não tenho a menor pretensão em aprendê-lo, acho trânsito, extremamente, estressante. Gosto mesmo de ir tranquilo observando a paisagem, também não leio em movimento, tenho enjoo. E nem moro muito longe do meu trabalho, moro no Sion, na zona Sul de Belo Horizonte, enquanto o Coração Eucarístico é na zona Oeste.
O táxi havia estacionado, já lhe havia pagado a viagem, estava olhando de um lado a outro, procurando algum policial. Sinceramente, eu nunca havia visto um policial federal, então procurava um homem um pouco mais alto que eu – até porque alguém mais baixo é um anão, né? – com um uniforme preto, só minha vinha isso, um boné também preto, uma calça e coturno, também pretos. Coisa até meio fetichista mesmo, sou um pouco sem noção quando o negócio é fantasia.
Nessa de procurar um policial clichê, numa mistura entre roupagem de policial militar com civil não me fez perceber a chegada de um homem alto, na verdade um homenzarrão. Ele tem entre 1,90 a 1,95m, muito alto, em especial comparado aos meus humildes 1,70m, o corpo era todo definido, aqueles corpos grandes de ratos de academia que tem um enorme – e digo enorme mesmo, academia não é tudo, já esclareço – auxilio da genética. De todo, sua massa – massa e peso são coisas diferentes. – deveria ser de 110kg, era muito alto, uma pele clara, mas bronzeada, os cabelos loiros curtos arrepiados, olhos verdes, rosto forte, maxilar bem estruturado, rosto fortemente marcado, uma mancha clara marcava a extensão da barba bem feita, o corpo massivo protegido por um… terno. Sim, em quantos milhões de anos eu poderia imaginar um policial de terno, elegante, sim, mas improvável a meu ver.
Fui despertado daquela visão quando a voz, que mais parecia um trovão, chamou pelo meu nome. – Dr. Schneider?!
_Sim, eu mesmo. – respondi ainda atônito, tinha que convir, aquele homem à minha frente era, simplesmente, o maior e melhor exemplar de homo sapiens sapiens que eu já havia visto em minha frente, poderia “dar” tudo para examiná-lo. Eu estava meio atordoado, fiquei um pouco sem reação, mas tinha que voltar a ter domínio sobre meus pensamentos. – O senhor deve ser o Agente Tony, certo? – disse, tentando parecer seguro de mim mesmo, esperava que isso lhe passasse despercebido.
_Sim, me chamo Antônio, na verdade. – Devo ter feito algo errado, me senti como um tolo, ele estava tentando tranquilizar-me, talvez pelo fato de eu ainda estar segurando a sua mão, se é que aquilo era mesmo uma mão. Duas ou três mãos minhas caberiam dentro da dele? Pergunta idiota eu estava me fazendo enquanto deveria pensar em algo que não me fizesse parecer um idiota, afinal isso eu não sou. – Mas os meus amigos me chamam de Tony, então pode me chamar só de Tony, nem Antônio, nem agente, só Tony. Afinal vamos trabalhar juntos. – ele me disse isso abrindo um sorriso lindo, mas o que naquele homem não era lindo. Ah, não! Eu não estava apaixonado por alguém que acabara de conhecer, né? Isso era impossível. “Hormônio, são só os hormônios”, dizia, mentalmente, a mim mesmo.
_Meu nome é Andrew, pode me chamar só de Andy. – Não pode ser! Fiquei rubro ao dizer meu apelido para ele, eu sentia as maçãs do meu rosto se enrubescerem enquanto o sangue se acumulava naquelas regiões, sinal de que eu estava envergonhado, só por dizer pro policial que ele poderia me chamar da forma como todas as pessoas amigas me chamam. Tudo bem. Ele não é meu amigo, mas era retribuição de gentileza. Não acredito, odeio ser branco!
_Então vamos, An-dy! – Ele disse vagarosamente cada sílaba, como o senhor Rodrigues havia feito todas as vezes que pronunciava a palavra doutor, mas ao invés de sarcasmo eu sentia certo cuidado na voz do Tony. – Temos que chegar logo em Brasília e espero que você seja tão bom quanto dizem por aí.
Saí de meus devaneios e olhei para o homenzarrão que se dirigia ao carro negro, eu o segui, sem dizer nada, ainda estava constrangido com as coisas que eu tinha dito e feito numa manhã que tinha tudo para ser péssima, mas na qual eu acabara de conhecer o amor da minha vida. Coisa macabra, eu dizendo algo que corrobora com a ideia de que o amor existe. O que os hormônios não nos fazem, até pensarmos que necessitamos de alguém para viver, mas isso eu demoraria muito para perceber, afinal de contas, há situações em que os olhos veem mais que imagens, eles veem corações e almas…