O cenário em nosso redor era catastrófico. Tudo havia sido derrubado, quebrado, jogado ao chão... Alguns corpos estavam ainda sagrando o suficiente para fazer uma poça de sangue má terra. Louis soluçava pálido, chorando baixinho em estado de choque. Eu já me acostumei a ver este tipo de coisa, apenas o suficiente para ter calma, mas ele estava em pânico.
-- Lo-Lorenzo... - ele se virou assustado, para mim.
-- Ei, calma... To aqui... Não se preocupe... - disse abraçando-o com força.
-- Me leve daqui... Eu quero sair daqui... - ele continuava a chorar baixinho.
-- Vem... - disse pegando a mão dele. Nos dirigimos ao cavalo dele que parecia mais composto.
Coloquei ele na sela sem antes dar um beijo e dizer "vai ficar tudo bem". Saímos de lá disparados em direção a vila... Aquilo foi uma sucessão de erros meus, por que se não tivesse comunicado as autoridades eles provavelmente estariam vivos. Eu havia pensado que eles os assustariam e eles fugiriam e não que seriam mortos... Já era por volta da sete da noite, quando chegamos lá. Paramos na mesma estalagem em que nos hospedamos antes.
Louis estava ainda em estado de choque. Presenciar o assassinato de alguém pode ser muito mais traumático do que imaginam... Comemos em silêncio, com eu observando as reações dele. Mas também pensava bastante nos outros que haviam sobrevivido ao massacre. O que aconteceu com eles? Sobreviveram, fugiram, ou o quê?
-- PEGARAM!!! A SANTA IGREJA DESCOBRIU DOIS SODOMITAS E CONVIDAM O POVO PARA A PRAÇA !!! - entrou um homem gritando com entusiasmo enquanto os hospedeiros jantavam. Todos nós arregalamos os olhos e paramos de comer assustados. Louis empalideceu ainda mais, ficando em um tom que lembrava gelo das montanhas. Todos em nossa volta se levantaram e foram correndo sair... Levantei-me do o fedelho e sem dizer nenhuma palavra.
Caminhamos com o povo vendo-os erguer tochas e exclamando animados "Graças a Deus!". No meio da praça da vila, havia duas colunas de madeira com duas pessoas amarradas nelas, sem camisa vestindo apenas uma calça... Seus corpos estavam cobertos de hematomas e cortes profundos sugerindo que foram torturados. Mas apesar disso eu e o Louis sabíamos muito bem quem era eles: Vítor e Paolo.
-- Meu bom povo de Deus... Nesta noite, temos aqui um exemplo claro de como o adversário da cruz quer acabar com o nosso mundo. - disse o padre alto para todos ouvirem. - Esses dois... Fora, seduzidos pelo o diabo a praticarem crimes de extrema violência com a nossa natureza divina. Eles fizeram atrocidades completamente cegos do que é certo.
O povo ficava cada vez mais animado.
-- E como todos nós sabemos, é mais do que certo, exterminar toda essa escória... Esses vermes parasitas que apodrecem a nossa fé cristã, com os seus atos pecaminosos que vão a favor do inimigo. Por isso, aqui nesta noite, vamos executar em nome de nosso Senhor, esses dois invertidos amaldiçoados que devem pagar pelo o que fizeram. - disse o padre que levantou ainda mais a excitação do povo.
Ele pegou de uma pequena fogueira uma estaca de ferro, com a ponta em forma de crucifixo que emanava um brilho laranja, sugerindo que estavam quase em fundição.
-- Marcaremos em vossos corações, o sacrifício que o cordeiro do Senhor fez em vão para salvarem-vos. - ele falou se aproximando de Vítor e se aproximou com o ferro no peitoral esquerdo e pressionou.
-- AAAAAAHHHHHHHHHHHHH... POR FAVOR... PARA! AAAAAAAHHHHHH - disse ele se contorcendo de dor. De lá de onde eu estava, era possível ouvir o estalido de pele sendo queimada. Quando o padre retirou, uma cruz em carne viva ficou no peito Vítor. Ele fez isso agora com Paolo que deu um grito que ecoou por todos nós, como se descesse um gelo em nossa coluna provocando arrepios. Louis se acabava em um choro em soluços.
-- E por fim. O fogo que queima é o mesmo que purifica... Que o Senhor tenha misericórdia de vossas almas imundas. - ele pegou uma tocha e ateou fogo no monte de lenha seca que estavam nos pés dos dois. As labaredas de fogo começaram a subir e junto com eles os gritos dos dois. Aquela cena me fez relembrar do que aconteceu com a minha família inteira... E me trouxe ainda mais lembranças vagas e dolorosas.
O cheiro de carne humana queimando começava a varrer entre todos nós, enquanto a pele de duas pessoas como eu e o Louis, derretia junto com os seus gritos e sua própria vida. E por fim depois de longos minutos de dor e agonia, o grito dos dois cessou para sempre... O povo em nossa volta comemorou vitorioso diante da derrota dos sodomitas. Eu e o fedelho ficávamos ambos em silêncio, pois sabíamos muito bem o que pensar.
Aos poucos as pessoas foram indo embora. Voltamos calados para a estalagem... Subimos as escadas, mas antes criei coragem e falei.
-- Amor se quiser... Posso dormir com você...
Ele ficou paralisado por uns momentos e por fim disse.
-- Não. Vá para os seus aposentos... E fique lá. - ele disse entrando no quarto e trancando a porta.
Fui para o meu quarto, pensando na trágica história de Paolo e Vítor. Os dois eram felizes... Possuíam um olhar meigo um com o outro, olhar de gente apaixonada. Vítor disse para mim ainda mais cedo neste dia que se dependesse daria a vida por Paolo, por que nada poderia ser chamado de vida caso ele não existisse mais. Agora a cinza dos dois jazem no meio de uma praça, acusados de crimes porque... Se amavam.
Antes eu achava mais do que justo fazerem isso. Achava uma abominação, um homem se deitar com o outro, sendo que havia tantas belas mulheres no mundo para apreciar... E agora? Era mais do que certo que eu amava o fedelho. Amava tanto que esse amor esmagava toda a minha moralidade e destruía todas as barreiras de antigos preconceitos. Louis era essencial. Como água ou ar...
Mas até em mim aquela cena atingiu como um soco. Aquilo era um prenúncio de um futuro? Iria acontecer o mesmo comigo e com o fedelho caso descobrissem a nossa condição? As vezes penso mesmo se tenho coragem para continuar... Mas pior seria fugir de tudo isso como se nada tivesse acontecido, aí sim isso seria ruim. De qualquer modo não dormi a noite inteira, ficando em claro, pensando em encontrar a solução para o insolúvel.
De manhãzinha cedo, acordei, fiz as minhas higienes, e desci pronto para acordar Louis. Para minha surpresa, ele estava acordado, vestido de preto, mas o rosto extremamente pálido com leves olheiras em um tom de lavanda. Como não tinha ninguém acordado ainda, fui lá e dei um beijo nele. Ele correspondeu, mas era estranho... Era um beijo gelado... Frio.
-- Está melhor agora? - perguntei analisando o rosto dele.
-- Não sei... Eu não sei, de verdade.
-- Eu vou preparar os cavalos para partimos... - eu disse.
-- Não será necessário. Eu consegui duas passagens em um navio que desembocará perto o suficiente de Florença. - ele falou se olhando no espelho, apertando as bochechas até elas ficarem rosadas.
-- Mas assim... Chegaremos mais rápido lá. - disse confuso.
-- Oui, por isto mesmo... Espero que ma monsieur tenha um excelente plano para me salvar. - ele disse sorrindo de leve.
-- Bem, é... - disse engolindo o seco.
-- Certo. Agora vamos ir embora daqui, o mais rápido o possível. - ele disse se levantando.
Saímos de lá, e ainda era cedo... A neblina cobria o chão como uma fumaça gelada, e o céu eram em um tom cinzento escuro, deixando tudo de aspecto mais frio e esbranquiçado. Louis parou na praça, vendo aquelas duas pilhas de cinzas... Ele foi andando em direção a ela, e eu o segui com cautela. Ele se ajoelhou lá e ficou um minuto em silencio. E depois tirou um anel de ouro que ele tinha em seu dedo e deixou lá... Eu não entendi nada.
-- Espero que onde quer vocês dois estejam... Vivam o felizes para sempre... - ele disse abatido. - Vamos... Eu nunca mais quero pisar nesse lugar abominável!
E saímos de lá. Alugamos uma carruagem que nos transportaria até o porto onde estava o navio... No caminho da viajem ficamos os dois calados. Louis estava mudado. Ele evitava qualquer contato físico meu, como se estivesse com medo de mim.
-- Louis, eu preciso chegar a um ponto conclusivo. - disse rígido.
-- Fale – murmurou.
-- Tu me ama? Seja claro Louis...
-- Ora, que pergunta tola... É claro... – ele disse olhando para os lados.
-- Olha para mim. – falei inflexível.
-- Enzo, olha se for para começar alguma discursão sem respaldo... – ele começou a falar.
-- Eu estou perguntando isso agora, por que partir do momento em que nós dois fugíssemos... Não poderá voltar para trás... Nem para a sua família nem os seus amigos... – disse.
Ele ficou encolhido no canto em silencio.
-- Entenda que terá de assumir riscos... – falei.
-- Por que você não me deixa em paz?! Eu só tenho 16 anos, para de me cobrar tanto!!! – ele disse irritado.
-- E EU TENHO 20!!! EU SÓ QUERO TER CERTEZA DE QUE É CERTO EU ARRISCAR A MINHA VIDA POR UMA CRIANÇA MIMADA!!! – gritei.
-- Como pode? Lembre-se que foi monsieur que me beijou... Foi monsieur que entrou no meu quarto naquele dia, e ficou comigo na banheira... Se estamos aqui agora, a culpa é toda sua! – ele disse choroso.
-- Minha culpa? Minha culpa? Eu devia ter te matado na primeira noite em que passei em sua casa... – disse perdendo a cabeça.
-- Como é que é? – ele disse pálido.
Engoli o seco... Tinha falado coisas demais.
-- Na primeira noite em que passei em sua casa, eu entrei nos seus aposentos... Para te matar. – disse em um tom arrependido.
-- Por que? – ele arregalou os olhos.
-- Por que a mulher que está te esperando para casar lá em Florença... Ela era minha amante. – disse abaixando os olhos.
-- O-O Q-QU-QUÊ?
-- Eu e ela era, éramos um apaixonado pelo o outro. E eu iria te matar, para ela não se casar... – falei.
-- Céus... – ele ficou imóvel.
-- Olha, eu te peço perdão por ter falado aquilo... Eu só estou estressado por tudo o que ocorreu... – disse segurando as mãos dele. Mas ele as tirou das minhas.
-- Ama ainda ela? – ele arqueou uma sobrancelha. Uma coisa que eu havia reparado em Louis era que quando ele se sentia ameaçado ou enfurecido, ele arqueava a sobrancelha em um tom arrogante. Comigo geralmente, apertava os pulsos com força e respirava fundo fazendo o meu peitoral crescer... Era uma forma de ameaça... Instinto talvez, sei lá.
-- Não... Eu acho que não. – eu disse sincero.
-- Acha que não? – ele riu irônico.
-- Cecilia foi uma das pessoas mais importantes da minha vida... Não dá para esquecer alguém de uma forma ou de outra.
-- Então me responda. Se pudesse escolher com quem ficaria... Sua resposta seria qual? – ele disse inflexível.
Aquilo me pegou de surpresa. Escolher... Entre os dois?! Como eu poderia comparar duas pessoas tão diferentes como Cecilia e Louis? Cecilia era doce, meiga, sensível, amorosa, gentil, o tipo de pessoa que você queria ter por perto... E Louis... Bem Louis era caprichoso, mimado, vaidoso, fútil, egoísta, mesquinho, falso, ganancioso, exatamente o tipo de pessoa que você não quer ser amigo e muito menos inimigo... Mas ele exercia um poder sobre mim que eu não sabia dimensionar. Cecilia era como um raio de sol em plena manhã. Louis era uma força da natureza, como uma avalanche, terremoto, furacão, que me virava a cabeça, e provocava as reações extremas em mim.
-- Isso não é questão de escolha Louis. – falei.
-- Como não? – ele disse. Mas depois suspirou e continuou. – Quer saber Enzo. Essa conversa já deu por hoje. Chega, eu estou farto de ouvir abobrinhas e coisas que pouco valem a mim. – ele disse virando o rosto com a sobrancelha arqueada.
-- Sabe qual é o seu problema? É que você é egoísta demais para fazer um sacrifício por alguém que ama. Só pensa em si mesmo... Em seu próprio bem e nada além disso. Eu duvido que um dia fará alguma coisa para o bem dos outros. – falei olhando para a janela.
Ele virou a cabeça para mim e disse.
-- Por que deveria colocar os outros na frente dos meus interesses se é da natureza humana machucar o amado? – ele disse sem nenhum humor. – Por que sei que um dia, monsieur irá me magoar?
-- Quem te garante isso? Eu dei a minha palavra a você que iriamos ficar juntos de uma maneira ou de outra. Sabe por quê? – disse me aproximando dele, segurando com as mãos os lados da face dele.
-- Por quê?
-- É que eu tinha tudo para odiar você... Para te matar, mesmo tendo todas as oportunidades para isso... Mas eu amo você. Te amo por completo, exatamente por serem quem és... Amo os seus defeitos por que eles te fazem ainda mais humano... Amo essa sua vontade de ser livre mesmo sabendo que isso nunca acontecerá, por que sabe que sempre vai ter alguém pra tentar lhe prender. – disse olhando nos olhos verdes dele. E o beijei. Um beijo rápido, mas o suficiente para reacender aquele incêndio que era nós dois.
Depois de algum tempo chegamos no porto. Era um local onde tinha alguns navios que antes serviam para ir à rota de seda, mas que agora eram utilizados para transporte. Subimos no navio, ambos os dois mais felizes depois das ultimas horas complicadas.
-- Lorenzo? – disse uma voz que reconhecia muito bem.
Virei me para trás, e o vi chegando até nós.
CONTINUAEu queria também aproveitar a oportunidade e dizer que todos esses capítulos estão sendo escritos pelo notas do iPad e por isso eles não possuem revisão ortográfica. Desculpa pelo inconveniente. Bem pessoal, eu quero dizer aqui, que apesar dos capítulos terem um enredo um pouco fraco eu peço paciência... Eu já tenho traçado o fim do Louis e do Lorenzo a muito tempo, e isso envolve uma série de coisas que a cada capitulo tem coisas que interligam para o final. Mas o assunto em que eu quero tocar com esse conto é sobre o caráter em si das pessoas e o que elas fazem por amor ou ódio em suas ultimas consequências. Muito obrigado a todos, e deixem o seu comentário, que é por eles que eu fico com mais vontade de escrever.
bernardodelavoglio123@hotmail.com