Turma, mais uma parte aqui. De verdade, espero que estejam gostando. Fico muito feliz com as críticas, pois me orientam sobre o que eu quero passar com a história, se está sendo recebido por quem está lendo. Entendi a comparação com a autora como um elogio, afinal sou fã dela em vários aspectos. Mantenho o que tenho dito sobre a história ser diferente do que já fiz e por isso não tenho compromisso com a verdade. A ideia é inovar, ao menos pra mim, e fugir do habitual da casa. Espero que essa mensagem esteja sendo captada. Obrigado por tudo e... boa leitura.
Fui levado até a outra sala:
- Olá Carlos. Como está?
- Fisicamente bem doutor. Recebeu meu recado?
- Recado? Não. Vim porque seu habeas corpus saiu. Você está livre!
Nossa! Minha cabeça girou. Que felicidade. Não passaria a noite naquele lugar.
Era questão de horas pra eu resolver tudo e mostrar para o mundo que eu era inocente.
Mostrar pro Murilo do que eu sou capaz com aqueles que me traem!
Sai da delegacia e peguei um taxi pra casa. Lá, meus pais me receberam com muita emoção e melhor: sem julgamentos. Tomei um banho demorado e fui me deitar. Minha mãe, cheia de cuidados, ficou conversando comigo por um bom tempo sem sequer fazer menção ao ocorrido e nem aos envolvidos.
Dormi tranquilamente como nunca pensei que conseguiria depois de tudo.
Um novo dia chegou e acordei cedo. Meu cérebro só conseguia estar ligado no suicídio de Lucas. Aquela imagem não saia da minha cabeça e todas as consequências desse ato me perseguiam.
Depois de tomar café e ficar sozinho em casa, comecei a mapear as ações de Lucas antes do autoextermínio e percebi uma sequência lógica. Primeiro, Lucas dormiu na minha casa e aparentemente estava tranquilo, até que Murilo chegou e tivemos uma discussão pela proximidade de Lucas comigo. No outro dia, Murilo e Lucas brigam novamente na clínica e dessa vez eu não ouvi a sequência de xingamentos que deve ter ocorrido. No mesmo dia, porém a noite, eu resolvo dar um gelo em Lucas e um dia após ele mata o padrasto e depois se mata.
Era estranho perceber que Murilo participou disso. Por que ele estaria se esquivando? Por que ele pensaria que eu matei o Lucas, sendo que eu não tinha nenhum interesse em sua morte?
Murilo era um peça chave disso tudo e maior do que o meu rancor, havia um senso de justiça que não me deixaria quieto enquanto não entendesse seu envolvimento com essa história trágica.
Outra coisa ficava na minha cabeça: o diário de Lucas. E só havia um lugar pra que eu fosse procurar: na casa dele!
Eu sei que foi loucura, mas quando dei por mim já estava em frente à sua casa, num bairro relativamente pobre de BH, batendo palmas e aguardando alguém aparecer. Eis que surge a mãe dele, já armada de palavras pra me humilhar.
Gritando, antes de se aproximar, ela proferiu:
- O que você tá fazendo aqui assassino? Essa justiça brasileira é uma merda mesmo. Já deixaram o assassino do meu filho solto.
Esperei que ela se aproximasse e disse em tom baixo e calmo:
- Minha senhora, nós dois sabemos que eu não matei o Lucas. Eu vim aqui pra resolver umas coisas e não vou sair daqui antes de encontrar o que eu quero.
- E se eu chamar a polícia?
- Faça isso. Eu volto pra delegacia, mas você vai ter que explicar porquê aceitava que seu próprio filho fosse molestado pelo padrasto.
Seu olhar de susto me deu ainda mais força. Eu havia jogado com ela e ganhei. Aquela mulher sabia dos abusos que Lucas sofria e permitia tudo. Que monstro!
- O que você quer?
Seu tom de voz já demonstrava medo. Ela percebeu que eu era mais perigo do que ela imagina. Talvez por isso sua insistência em me culpar pela morte do filho. Quanto mais longe dela, menos podres eu iria descobrir. Mas não adiantou.
- Eu vim buscar uma coisa que era do Lucas. Eu sei onde tá. Me dá licença.
Com toda minha cara de pau, entrei naquela pequena casa e fui em busca do diário. Encontrei seu quarto repleto de fotos sorridentes, nada que refletia de verdade a vida daquele adolescente que era molestado pelo próprio padrasto, com o consentimento da mãe asquerosa.
Comecei a mexer em algumas gavetas e nada.
Achava folhas com escritos diversos, mas tudo muito abstrato. Nada que servisse de comprovação dos abusos ou algo pior.
Por fim, encontrei, em cima de um armário, o diário.
Minha salvação estava ali.
Foi isso que eu pensei quando peguei aquele caderno e olhei para a porta com determinação e meu olhar se encontrou com um olhar vingativo daquela mulher.
Ao abrir aquele pequeno caderno percebi que aquilo era mais sórdido do que eu pensava. As páginas iniciais estavam intactas, ou seja, as partes onde ele descrevia seu encantamento com o tratamento, que o encorajava e dava forças. Em outras partes, dizia da sua afeição por mim, da seu carinho por mim e até de uma paixão que o fazia bem... Mas, a seguir, quatro páginas arrancadas!
Olhei pra aquela mulher que ainda me vigiava:
- Isso é obra sua né? Por que arrancou essa parte?
- Doutorzinho, não vai ser fácil você sair dessa.
- Isso foi uma armadilha? Que espécie de mãe é você que joga com a vida do filho?
- Se você soubesse do que eu passava com esse garoto você ia me entender...
Eu não consegui me segurar e fui de encontro a ela. Segurando seus ombros com força:
- Eu nunca vou conseguir entender uma louca como você.
- Tá falando como doutor?
- Tô falando como ser humano. Coisa que você não é.
Ela me encarou com ódio, percebendo que a máscara havia caído. Soltei seus ombros e, tomando distância, disse:
- Já encontrou o que queria? Vai embora de uma vez...
- Eu vou embora, mas essa história não acabou.
- Não acabou mesmo doutorzinho. Você vai ser julgado pela morte do meu filho.
- E talvez pela sua morte também... Você não sabe do que eu sou capaz.
- Que medo!
Seu tom irônico quase me fez voltar pra acertar minhas contas com ela, mas minha educação e minha situação com a justiça me fizeram pensar duas vezes.
Tinha muita coisa a ser descoberta, mas eu não tinha medo!
Meu segundo passo foi ir até a clínica. Afinal, eu ainda era dono de metade de tudo aquilo.
Por mais que Murilo não quisesse me ver ali, e eu não queria mais vê-lo também, um contrato permitia que eu circulasse naquele lugar já que eu era dono de 50%. Então, dane-se Murilo!
Cheguei à clínica de táxi e vi um carro da polícia civil na porta. Só imaginava que aquela mulher maldita havia chamado a polícia quando saí de sua casa e eu iria ser preso novamente, mas decidi arriscar. Não era hora de fugir e nem tinha pra onde.
Entrei pela porta da frente e vi dois policiais lá da delegacia. Eles se mantiveram sérios, mas sem nenhuma proximidade relevante de mim.
Olhando mais pro lado, vi Luciano (Barros) lavando as mãos ao, provavelmente, ter saído do banheiro.
Olhei pra ele e ele também me olhou e senti uma cumplicidade que eu não havia sentido com ninguém desde o episódio da morte de Lucas.
Rapidamente, seu olhar focou em outro ponto e ele veio em minha direção. Esperava um cumprimento decente, ao menos pra confirmar a sensação de segurança que eu sentia quando ele se aproximava, mas me enganei.
Ele apenas acenou com a cabeça, como quando se faz ao encontrar um conhecido na rua, e se juntou aos dois colegas.
Minha curiosidade era ainda maior e eu não resisti em me aproximar dele e perguntar:
- Luciano, vocês por acaso estão me procurando?
Ele colocou uma expressão séria no rosto e disse:
- Eu sou Barros, lembra?
- Claro, desculpa.
Fiquei muito sem graça, pois eu parecia um bobo e ele me desprezando...
- Mas não, não estamos te procurando. O delegado pediu que o Murilo, seu colega de trabalho e amigo, prestasse depoimento e viemos buscá-lo.
- Claro. Eu só preciso conversar com ele um minuto. Tudo bem?
- Sim. Ele está arrumando algo na sala dele. Estamos aguardando aqui.
Todas as respostas foram em tom sério e eu resolvi ir atrás de Murilo. Precisava ser direto com ele e seria bom falarmos a sós.
Me aproximei da sua sala e percebi que ele não estava sozinho ao ouvir vozes femininas. Aliás, vozes conhecidas. Era Adriana.
Cheguei mais perto da porta entre aberta e não pude deixar de ouvir:
- A gente vai resolver isso Murilo...
- Eu sei que vamos, somos mais fortes. E aquela mulher tem mais a perder.
- Só temos que ficar espertos diante do delegado. É difícil chegar na história real, mas não é impossível. Você sabe disso.
- Claro. Essa coisa podia acabar logo e tudo voltar ao normal.
- Murilo, nada vai voltar ao normal. E a melhor saída é o Carlos condenado. A gente tem que continuar mantendo a história. Vá lá e continue com tudo que planejamos.
Como assim? Eu não entendia nada daquele papo!
A única coisa que estava clara pra mim era que Murilo e Adriana não estavam do meu lado.
Pelo contrário. Eles haviam se unido pra encobrir alguma coisa e me usar de laranja nessa história toda.
Mas o que seria? Eu não conseguia pensar em algo que ligasse Lucas, sua mãe, Murilo e Adriana...
O papo continuou:
- O próximo passo é tirar o Carlos dessa clínica né Murilo?
- Mas metade disso tudo é dele.
- Não vai ser mais. Nossa clínica não pude ficar manchada com um psicólogo assassino.
Nessa hora eu não aguentei e entrei na sala, falando o mais alto que pude:
- Bela amiga você hein Adriana... Que você era oportunista eu desconfiava, mas vagabunda eu falsa é uma novidade pra mim.
CONTINUA...