Olá. Espero que esse conto esteja mexendo, nem que seja minimamente com a cabeça de vocês. A ideia é justamente fazer pensar. As vezes perdemos oportunidades por nos importar demais com opiniões alheias ou por não pensar nas várias possibilidades de lidar com um problema.
Sobre os comentários, gosto bastante de ler opiniões e críticas. Quando disse ser algo de diferente do que eu já fiz, me referia ao enredo "menos real", ao tamanho do texto e até à frequência das postagens. E o que não tiver claro, vai ficando com as sequências postadas. Espero que acima de tudo, estejam gostando.Bom, vamos ao conto né? Boa leitura...
- Na verdade, Carlos, eu motivo de eu vir é que eu tô tendo problemas na escola.
- Que tipo de problemas?
- Tive brigas já e estou com muito ódio de um professor. Mas isso nem é o pior.
- E o que é pior?
- Acho que sou viado.
- Vamos falar mais sobre isso.
- Claro. Eu quero me curar disso. Minha mãe me pressiona e meu pai já até me espancou. Mas eu não consigo deixar de ser assim.
Nesse primeiro encontro, apenas nos conhecemos e eu pude conhecer o início de um dos maiores desafios da minha breve carreira. Lucas, apesar de seu jeito cativante, estava com uma raiva de si mesmo e daqueles que o “lembravam” da sua essência homossexual.
Nossos encontros ficaram marcados semanalmente, mas sua história não saía um dia sequer da minha cabeça.
No que diz respeito ao meu relacionamento com Murilo, o profissionalismo estava passando longe. Quando nos encontrávamos entre um atendimento e outro, não havia sequer um cumprimento de nenhuma das partes. Se ele era orgulhoso, eu era três vezes mais. Ficamos nisso por dias, até que ele resolveu ceder ao final da semana, enquanto fechávamos a clínica e fazíamos um balanço semanal:
- Carlos, a gente tem que conversar direito.
- Sobre?
- Sobre esse clima ruim.
- Clima? Ah, você tá falando sobre aquilo que rolou e do seu pedido pra nos afastarmos? Achei que tivesse tudo bem claro.
- Eu não consigo continuar com isso. Você é meu melhor amigo cara. Você sabe de coisas sobre mim que nem eu mesmo sei.
- Mas você não pensou nisso quando jogou na minha cara que não queria mais papo fora daqui.
- Eu me arrependo de ter dito isso.
- Murilo, na verdade eu me arrependo de ter feito aquilo que a gente fez.
Sua expressão passou de compaixão para tristeza. E eu mentia descaradamente. Por mais que as consequências tivessem sido pesadas, em momento nenhum eu havia me deixado abater por um arrependimento, muito pelo contrário, era até saudosista com relação ao nosso momento de maior intimidade. Mas ele continuou:
- Eu imagino que deve ter sido ruim pra você mesmo...
Será que ele queria dizer que foi bom pra ele? Continuou:
- Mas Carlos, eu preciso de você aqui.
- Eu tô descumprindo meus compromissos?
- Claro que não. Você tem feito o que é preciso.
- E o que mais você quer Murilo?
- Quero isso.
Foi muito rápido. Seu beijo conseguiu quebrar todo o clima ruim da conversa e incendiar o local. Eu nunca havia sido beijado, como fui beijado por ele.
Essa situação durou minutos incontáveis e a cada momento eu tinha certeza que estava sentindo mais do que um mero tesão por ele. Podia ser um monte de coisa, mas eu começava a ficar preso a esse sentimento, até que o beijo acabou:
- Era isso que você precisava pra voltar a ser meu amigo?
Que banho de água fria!
Eu pensando que ele queria algo a mais com aquele beijo, enquanto ele só queria conseguir minha “amizade” de volta.
Afinal, quanto valia essa amizade?
- Murilo, eu vou embora. Me faça um favor: não olha mais na minha cara.
Peguei minhas coisas e fui muito rápido pra casa, aliás, tinha intenção de ir pra casa, mas fui pra um shopping próximo. Pode parecer sem sentido, mas andar no shopping ouvindo conversas sem sentido me faria bem, me faria esquecer.
Andei bastante, até quase o shopping fechar quando avistei na vitrine um tênis que eu achei muito bonito. Entrei na loja e fui experimentar. Na hora de pagar, encontrei Lucas, meu paciente que ainda me intrigava, tomando um sorvete com amigos.
A me ver, Lucas me chamou e eu decidi atendê-lo. Foi-se a época onde os terapeutas sequer poderiam ter contato com os pacientes fora do consultoria, nem psicanalistas fazem mais isso. Fui ao seu encontro e, apesar da minha pouca idade, consegui me sentir como um tiozão, quando fui apresentado aos seus quatro amigos adolescentes como o “Dr. Psicólogo” dele.
Eles conversavam bastante e ouvi até alguns elogios, quando decidi também tomar um sorvete com eles. Lucas, muito educado, sequer mencionava sobre minha profissão. Parecíamos amigos, companheiros de infância, e mesmo com a diferença de idade (a diferença maior era de pensamentos mesmo) o papo fluía bem legal.
Ufa, consegui esquecer aquele maldito beijo!
Pensei assim durante o papo, mas o shopping estava fechando, era hora de ir embora.
Os amigos de Lucas moravam mais longe, enquanto eu e ele morávamos perto, possibilitando sua companhia em minha caminhada.
- Carlos, você não se incomoda de ficar andando comigo?
- Creio que não. Deveria?
- Sei lá. Me acho muito criança e sempre achei que meu terapeuta não poderia nem sorrir pra mim.
Sorrimos juntos e no caminho contei sobre a minha visão sobre a psicologia, dizendo que eu não era diferente dele, apenas tinha uma outra visão da vida e que a nossa proximidade só iria melhorar o tratamento, já que era importante tal intimidade (também conhecida como transferência).
Contudo, fomos ficando cada vez mais próximos, no sentido corporal da palavra, e o papo rolava durante muito tempo. Paramos no portão da minha casa e ficamos conversando por mais vários minutos.
- Carlos, apesar de jovem você é bem inteligente né?
- Obrigado, mas inteligência não depende da idade.
- Ser metido também não.
Rimos juntos e ele resolveu se despedir:
- Então, sua companhia é muito boa doutor, mas preciso ir.
- Realmente, está tarde pra criança estar na rua. Dorme com os anjinhos tá?
- Bobão.
Ele me deu um abraço que, confesso, me excitou! Não consegui controlar a decepção quando o abraço terminou e ele se foi. Fiquei ainda olhando aquele garoto caminhar lentamente, com toda malandragem adolescente que tive que perder com o objetivo de me tornar um profissional de sucesso.
Enquanto ainda suspirava pelo que senti naquele abraço, senti um braço me puxando com uma força bem exagerada:
- Que palhaçada é essa de encontro com paciente?
- Murilo, me solta.
- Fala agora.
Me soltei com raiva e disse, olhando bem fundo nos seus olhos:
- Que porra é essa? Quem você tá achando que é? Vai pra uma balada pegar uma piranha que você ganha mais, ao invés de ficar cuidando da minha vida.
- Eu não saio daqui enquanto você não explicar isso.
- Isso o quê, Murilo? Você tá bancando o idiota.
- Idiota tá sendo você Carlos. Onde já se viu? Um psicólogo que se diz tão correto, correndo atrás de um paciente adolescente.
- Acho melhor calar a sua boca Murilo.
- Você tá se achando né? Só ver um adolescente carente que vai atrás dele pra entregar carinho.
Não aguentei segurar e deferi o soco mais forte que já dei em alguém. Sua expressão doeu em mim, mas o soco doeu nele. Como sua pele é bem branca, a marca ficou evidente bem rápido e só nesse instante percebi quantas pessoas havia naquela rua observando nossa conversa. Eram vários os olhares que nos crucificavam, já entendendo quais sentimentos estariam envolvidos naquela bagunça.
A repercussão daquele soco ainda renderia bastante. Fui caminhando para o jardim, na tentativa de deixar a curiosidade dos vizinhos na rua e Murilo me seguiu.
Mais uma vez segurou meu braço e continuou:
- Você não devia ter feito isso.
- Foi você quem pediu isso Murilo.
- Eu não vou deixar você estragar sua carreira por um caso patético com um paciente.
- Eu não me lembro de ter pedido um conselho.
- Você precisa me ouvir Carlos.
- Preciso? Sou obrigado?
- É obrigado sim. Só você que não entendeu ainda.
- O que eu não entendi? Me explica Murilo.
- Que eu te amo seu idiota.
CONTINUA...