Não me agrado disso e sei que compreenderá e respeitará meu espaço. Não quero ter que trancar meu quarto quando sair, jamais nessa casa isso ocorreu, nunca foi necessário. Apelo ao seu bom senso e sei que isso não se repetirá. Sei que posso confiar em você com relação a essa conversa. Ouça, teremos que conviver por mais certo tempo e não quero ter que me indispor mais com você. Não precisamos nos gostar mas necessitamos nos desentender, não é?
Mais uma coisa, retire suas malas do meu quarto, deve haver espaço no que ocupam, é o melhor da casa e o mais amplo também, eu vou tomar meu banho e quando eu voltar não quero encontrar mais nada seu aqui nem você. Eu me fiz entender?”
“Claro Claudinho, desculpa aí” ele respondeu ao que completei “Meu nome é Cláudio Santiago, não se dirija a mim no diminutivo, não sou seu amigo, nem desejo ser, não há a necessidade de sermos íntimos tampouco desejo isso” eu me virei e fui tomar banho.
Durante o banho o que Guto havia me dito ocupou meus pensamentos, estou sofrendo por ele. Será que ele ainda gosta de Luíza? Será que há chance para os dois? Devo dizer algo, tenho medo de atropelar e terminar por prejudicar. Que droga, queria saber o que fazer.
Quando voltei não havia mais nada que não fosse meu no meu quarto e os dois computadores estavam desligados. Não gosto de falar assim com as pessoas, mas acho que agi na medida exata, procurei não ser duro demais e não humilhá-lo pelo fato de ele precisar, momentaneamente, de estar hospedado na casa dos meus pais, mas precisava ter tido essa conversa franca com ele.
Um sorriso de lírio enchia sua boca e seus dentes eram como um colar de pérolas preciosas. Jamais me cansarei de sentir o seu perfume misturado ao cheiro natural da sua pele. Seu cabelo espelhava a luz do postezinho antigo - pastiche bem sei, mas que graciosamente a rua iluminava com sua esguia elegância funcional.
Quando se ama, ama-se também o suor que ensopa a roupa de quem se gosta e que depois seca. Aprende-se a gostar do sabor da boca do outro, bem como do abraço que àquela hora, me cingia a cintura. Tonto eu, por um gole a mais, equilibrei-me sobre os calcanhares firmando um horizonte imaginário que teimava entortar para a direita.
Caminhei um pouco trôpego, contando as pedras no chão. Quais mãos engenhosas as teriam combinado nesse mosaico que ora formavam? O som das risadas de Marcello era como borboletas que me faziam cócegas nos ouvidos. “Eu amo quando você fica de pilequinho, Coelhinho. Porque não admite que esta tontinho e me deixar carregar você?” Marcello me perguntava rindo, mas eu, receoso de parecer sob o efeito do vinho influído, respondia que não sabia do que falava ele.
Que tonto eu fui, não é? Custava reconhecer que eu já estava alto? hihihi Mais risos eu ouvia e mais eu me empertigava em minha pose, precariamente sóbria. Ainda bem que Marcello faz questão de vinho de boa qualidade, ao menos o porre valera a pena e meu fígado não reclamaria como a cabeça também não na manhã seguinte. hihihi
Houve um momento em que quase tropecei e disparei contra ele numa gargalhada de quem se entrega por não mais poder a fraqueza esconder enquanto lhe dizia: “Marcello empurrar não vale!” Outra sonora e deliciosa gargalhada de Marcello inundou a rua e se misturou a luz leitosa dos lampiões.
“São momentos assim que me fazem ter certeza que você nasceu pra mim, Só você consegue me fazer sentir essa felicidade nas coisas mais simples, caminhar de madrugada na rua só contigo, meu anjo, só você me faz provar prazeres desses” O beijo que se seguiu foi assistido pela coruja que velava nosso caminho e por uma senhora insone, talvez tão notívaga quantos nós que da sua janela, antiga, em seu olhar mais antigo ainda, nos guardava a mira.
O que terá pensado? A vista turva e suas rugas tantas contavam histórias de um mundo que só naquele lugar existe. Amo Goiás e suas ruazinhas empedradas, o casario velho, simples como as pessoas que lá habitam, a atmosfera envolvente e o odor que brota da mata e que abraça a cidade. Cheiro de terra e dos perfumes dos doces muitos que ao andar pela cidade posso sentir.
A velha senhora sorriu, acenou a cabeça em cumprimento, respeitosa reverência de quem, sob o peso dos anos, aprendeu que o amor é amor, seja como for. Ela se recolheu, fechando, suavemente, sua janela em respeito a esses dois ébrios enamorados ambos entregues à inconsequência e desmesura do momento.
Talvez não fossemos os primeiros homens que ela tenha visto trocar um beijo, é possível que ela entendesse melhor que qualquer um a força de se querer os lábios de quem se gosta. Quanto ela terá amado, ou antes, o quão terá sido amada?
Quantas paixões terão nascido e morrido naquele velho coração. Com certeza, por sua reação à cena que a outros escandalizaria, ela, nesta altura de sua vida, havia aprendido que o amor é muito maior do que se pode mensurar e tão grande que ele não cabe em convenções frívolas que se possam supor como socialmente aceitáveis.
Ps: Ébrio: Que está embriagado; BÊBADO
Marcello havia se sentado ao meu lado e me abraçava simplesmente, simplesmente como dois moleques descansando depois de uma pelada, como dois meninos que não têm nada para fazer estávamos parados, simplesmente respirando, desacelerados de toda pressa que se imagine pensar, simplesmente.
O relógio havia perdido sua função, as voltas que os ponteiros davam um sobre o outro ali, naquela rua, àquela hora da madrugada, eram de uma ridícula precisão e sentido algum fazia. Havíamos nos entregado aos elementos e como bichos, sentíamos o vento que no seu frescor caboclo nos contava que se faria dia em poucas horas.
Por uma conspiração estranha dessas que o acaso nos brinda em dias de absoluta irresponsabilidade feliz, desde que saíramos da praça onde, sentados, havíamos tomado duas garrafas de chardonnays após o jantar tardio, o destino nos havia conduzido até a calçada oposta à Casa da Ponte e quando me dei conta disso foi como encontrar os braços de uma amiga querida que faz tempo não encontrava cujo peito quente nos recorda coisas boas que só os amigos íntimos nos fazem lembrar.
Cônscio de onde estava e diante do que estava, fui transportado aos dias da minha infância, quando de cabelo partido, metido nas roupas de domingo, em pé ao lado da poltrona onde meu pai se sentava após o almoço; corrigindo a todo tempo a forma como eu pronunciava as vogais, minha mãe, ciosa do seu dever, me fazia recitar poemas. Eu tinha seis anos então e jamais me esquecerei deste, meu preferido, que de mim saltou como que em uma prece urgente que os devotos dirigem aos santos envoltos pelo cheiro das velas que ardem nos altares antigos inundados por colunas de incenso.
Ana Lins dos Guimarães Peixoto Bretas - Coralina.
“Senhor, fazei com que eu aceite
minha pobreza tal como sempre foi.
Que não sinta o que não tenho.
Não lamente o que podia ter
e se perdeu por caminhos errados
e nunca mais voltou.
Dai, Senhor, que minha humildade
seja como a chuva desejada
caindo mansa,
longa noite escura
numa terra sedenta
e num telhado velho.
Que eu possa agradecer a Vós,
minha cama estreita,
minhas coisinhas pobres,
minha casa de chão,
pedras e tábuas remontadas.
E ter sempre um feixe de lenha
debaixo do meu fogão de taipa,
e acender, eu mesma,
o fogo alegre da minha casa
na manhã de um novo dia que começa.”
Marcello, que com certo ar de espanto, olhos rasos d`água, me ouviu recitar com os olhos fechados, disse: “Que lindo meu amor, é uma oração?” “Bem poderia ser, pois é de profundo agradecimento do Criador, e de uma resignação prudente diante de fatos da vida que são imutáveis, mas ao mesmo tempo de um esmero precioso ao tratar somente do que importa – a humildade que ambicionada por tantos só faz casa entre os puros.
É um poema da senhora Ana Lins dos Guimarães Peixoto Bretas, ela morou nessa casa em frente, mas você deve conhecê-la por Cora” disse a ele. “Coralina?” Ele perguntou muito mais entendendo que questionado. “Sim” confirmei num sorriso. “É lindo!” Marcello disse e seu abraço de menino. “Na minha casa, mais cantávamos que líamos, típico de famílias de imigrantes italianos, nada muito sofisticado” ele completou rindo.
“A beleza reside nos olhos que quem vê, ouve e sente e só com o requinte das almas cristalinas é que se pode ser tocado pela delicadeza tênue de poemas que falam de coisas igualmente simples” Eu disse a ele o fazendo entender que penso que o que de realmente sofisticado existe são os sentimentos desprovidos de pretensão qual seja, que se ocupam tão simplesmente de sentir e que são tocados pelo belo que em tudo que há viceja. Ele me respondeu com um beijo na minha cabeça e mais uma vez me enlaçou num abraço demorado que se enchia e esvaziava em suspiros muitos.
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Valeu gente! Coelhinho está precisando contar para o Cachorrão sobre esse cunhado lesado de folgado né?!? Eu também jurava que o Guto sentia algo pelo Cláudio, ainda bem QU não (Ah Guto posso te fazer feliz , melhor que os dois kkkk). Relaxem e gozem vou postar tudo, mas tudo ao seu tempo. E esse povo que fica adiantando as coisas do conto podem parar, assim as outras pessoas vão querer o conto é não vão ler aqui e meu esforço será quase em vão. Se ficarem de caozada a porrada come!!!