Era o nosso último dia em Nova York, após aquelas duas semanas voltaríamos para a dura realidade. As crianças também sentiriam falta dos lugares que visitamos, mas era preciso voltar para a escola e deveremos chato por mais um ano. Quando chegamos ao aeroporto fomos recebidos pelos meus pais, minha filha, nossos irmãos. A família estava novamente reunida. Decidimos curtir a capital de São Paulo mais um dia.
- E ai Phelip? Tudo certinho? - perguntei já sabendo do incidente com o Ezequias.,
- Sim... claro... perfeito... porque?! - ele perguntou gaguejando.
- Nada. Espero que nada. - falei sorrindo.
- Sabe. Pensei muito em você durante essa viagem. - falei o abraçando enquanto caminhávamos em um parque da cidade.
- Mesmo? O que? - ele questionou.
- Bem. Sobre tudo... lembrei da primeira vez que te vi...
- Sim. Você ficou muito bravo... pensou que eu era um farsante.
- Não... foi antes disso... te vi no velório do Paulo. Nossa... juro que pensei que fosse ele. - disse o abraçando mais forte. - Você sempre será o
meu irmão mais lindo. Sabia? - perguntei o olhando.
- E você sempre será o meu herói... - falou Phelip vermelho de vergonha.
- Acho que deveríamos sair mais. Nas próximas férias vamos acampar... os Soares... eu... você... a Pri e o Bernardo. - disse sorrindo.
- Pode ser... poderíamos ir para a Amazônia. Nunca fui lá. Nossos parentes são do Pará né? - perguntou Phelip.
- Sim... temos sangue paraense. - falei sorrindo.
- Então está marcado... próxima férias... os irmãos Soares irão para o Pará. - falei o beijando na testa.
Na segunda-feira. Ahhhh segunda-feira. Voltamos a correria do dia a dia.
- Pai cadê a minha lancheira?! - perguntou Paulinho revirando algumas coisas na sala.
- Eu não acho a minha sapatilha. - reclamou Judith passando igual a um furacão na cozinha.
- Pai... pai... olha a minha camisa. - falou Pablo com a farda da escola manchada de tinta.
- Xiii... paiiii... o Toby rasgou o meu caderno!!! - gritou DJ espantando o cachorro do seu quarto.
- Adoro as segundas-feiras. - falei sorrindo para Dora.
- Eu estava com saudades dessa loucura. - falou ela também sorrindo.
- Amor. Preciso ir... tenho duas cirurgias hoje. - disse Mauricio me beijando e saindo rapidamente.
- Novidade.... Vamos!!! Quem não achou sapatilha, não procura mais. Quem não tem lancheira, não terá mais. Quem comeu o caderno vai ficar com dor de
barriga. E para você... tem outra farda no carro.... vamos! - falei. - E o senhor?! - perguntei olhando para o Patrick. - Não aconteceu nada?
- Não. - ele respondeu levantando os ombros.
Osvaldo havia participado de um concurso e seria auxiliar no hospital. Ele teria oportunidade de conhecer a rotina do local, mas não participaria de nenhuma cirurgia até se tornar residente. O rapaz estava eufórico para começar os trabalhos.
- Tenho medo tia. - ele disse enquanto dirigia o carro a caminho do hospital.
- De que?! - perguntou Alexis se maquiando.
- As pessoas vão pensar que você me deu a vaga.
- Deixa de tolice. Você passou no teste como todos os outros. Será um excelente profissional... lembre-se não existe profissional ruim... existe uma mente pequena. Pense grande e você terá exito.
- A senhora como sempre tem as palavras certas. Obrigado.
Fernanda e Phelip já haviam se formado na faculdade. Ele trabalhava durante todo o dia na empresa da família e ela conseguiu um trabalho como repórter no noticiário local.
- Quem diria? Você jornalista conceituada e eu administrador de sucesso. - comentou Phelip.
- Ainda bem. Tivemos sucesso em nossa vida profissional. E o Ezequias está melhor? - perguntou Fernanda enquanto tomava um suco.
- Sim. Infelizmente, ele não foi mais convidado para tocar na banda, pois, perdeu o teste de convocação.
- Ele terá outra oportunidade... e vocês dois quando vão casar? Eu soube que o Duarte está sério mesmo com o Rogério. - disse Fernanda.
- Sim. Fico feliz por ele, mas eu não quero casar por enquanto. Vou fazer 24 anos... sou muito jovem.
- O Pedro casou com 22 e ainda é feliz.
- Mas, somos pessoas diferentes. Sempre fomos.
- Xi... acho que é enrolação. O Ezequias é tudo... lindo... doce... um verdadeiro principe.
- Eu sei disso... eu to sabendo... mas, não quero apressar as coisas. Lembra como só fiz burrada com você e o Duarte. O Ezequias é especial. Quero dar tempo ao tempo com ele.
Jean e Vicius também se casaram. Eles passaram o mês todo na Irlanda na casa de Viola. Tempo suficiente para Jean decidir voltar para o Brasil.
- Não fala assim da minha mãe. - disse Vinicius.
- Mãe... mãe... aquilo éNem ouse falar nada! - gritou Vinicius.
- Olha. Não quero brigar. Ok. Vamos mesmo parar por aqui.
- Eu olhei no meu email e preciso começar a trabalhar na quinta-feira. Pior que eu nem contei a ninguém que estamos de volta. Com o Pedro viajando... e o coitado do Ezequias machucado. Preferi nem falar nada.
- Vamos fazer uma surpresa. Um jantar aqui em casa. O rapazinho lá... pode sentar né? Ele não machucou apenas a perna? - perguntou Jean.
- Acho que sim... vamos fazer sim um jantar e convidar alguns amigos próximos. - falou Vinicius.
No trabalho, eu me sentia eu. Sabe? Eu adorava ficar com a minha família, mas o tempo que eu tinha para mim era no trabalho. O hospital estava em uma ótima fase. Nossos comerciais eram os melhores e muitas pessoas assinavam o convênio.
- Pedro quero lhe parabenizar. Você sem duvidas é o diferencial deste local. - falou a Dra. Alexis na sala de reunião.
Mauricio olhou para mim e piscou.,
- Obrigado. Eu que preciso agradecer... afinal... minha equipe apenas chama a atenção do cliente e o belo atendimento que vocês médicos oferecem os mantém aqui. - falei tentando tirar o foco de mim.
- O próximo tópico da reunião é a nomeação do Dr. Mauricio Elias Soares como co-diretor regional de Neurociência. - falou Alexis.
- Bem... ainda não decidimos nada. - falou Mauricio vermelho.
- Não doutor... nas suas férias... decidimos sim. E foi unanime... você é o nosso novo co-diretor regional. - ela disse aplaudindo.
- O que isso quer dizer? - perguntou para Carlos que estava próximo a mim.
- Menos cirurgias, mais viagens e mais grana.
- Ótimo. tudo o que eu precisava. - resmunguei para mim mesmo.
Nos corredores do hospital. Encontro o Vinicius.
- Amigo?!
- E ai?! Nossa que lindo seu cabelo. - ele disse me abraçando.
- Foram os shampoos americanos... fazem um milagre. Mas, me diz... quando chegou?
- Hoje. Ei... trouxe alguns presentinhos, mas vim aqui para falar de um jantar que eu farei amanhã a noite só para os íntimos. Amigos gays... eu e o Jean decidimos uma coisa e gostaríamos de compartilhar com vocês.
- Claro... vamos sim.
- Ótimo... e avisa ao seu irmão e o namorado dele também...
- Claro... pode deixar.
- Ok... preciso ir no RH... para saber se eu volto a trabalhar na quarta. - falou Vinicius pegando o elevador.
O hospital estava movimentado naquele dia. Tanto no setor administrativo quanto no plantão dos médicos. No horário de almoço avisei ao Mauricio sobre o jantar na casa de Vinicius e também contei ao meu irmão. Chegamos em casa e praticamente desmaiamos em cima da cama. Nossa pareceu que eu dormi apenas cinco minutos quando o despertador tocou novamente.
- Bom dia. - disse Mauricio sem abrir os olhos.
- Bom dia. - respondi sem tirar minha mascara de beleza.
O dia foi menos puxado que o anterior. Fui em casa tomei banho, peguei uma roupa para o Mauricio, voltei ao hospital e fomos para a casa do Vinicius. Haviam muitos conhecidos nossos lá. A maioria era homossexual. Encontrei Phelip e Ezequias sentados no sofá.
- Oi... vocês viram o Vinicius?! - perguntei sentando ao lado deles.
- Não. Mas o Ezequias deve saber... - respondeu Phelip chateado.
- O que aconteceu? - perguntei.
- Teu irmão tá fazendo uma tempestade em copo d'água. - respondeu Ezequias.
- Porque? - questionou Mauricio.
- Todos os viados dessa festa estão dando em cima do Ezequias. - falou Phelip.
- Phelip... modos. - o repreendi com um tapa na cabeça.
- Eu já disse... não fiz nada. - reclamou Ezequias.
- Oi bebê. - falou um rapaz passando ao lado de Ezequias.
- Nossa que rostinho lindo. - reparou outro.
Olhei para o Mauricio e caí na gargalhada, mas meu sorriso transformou-se em triste quando olhei para o outro lado da sala. Lá estava ele, com um copo de vodka em uma mão e um cigarro na outra.
- Márcio. - falei.
- Onde? - perguntou Mauricio ficando de pé.
- Alí. - falei apontando para frente.
- Eu vi. Quer ir embora? - perguntou meu esposo.
- Eu... eu....
- Vamos? Não ficaremos aqui. - falou Phelip se levantando e ajudando Ezequias se levantar.
- Quem é Márcio? - questionou Ezequias.
- Um mostro. - respondeu Phelip.
- Como assim?!
- Ele... ele... foi... responsável pela morte do nosso irmão Paulo. - respondi.
- Então vamos. - falou Ezequias sendo ajudado por Mauricio e Phelip.
- Gente... espera. - falei fechando os punhos. - Vamos ficar... é a noite do Vinicius. Não quero atrapalhar... fora que eu já dei perdão a ele.
- Tem certeza? - perguntou Mauricio me abraçando.
- Sim... tenho sim... - falei.
- Me liga. - disse um jovem passando ao lado de Ezequias.
- Eu... eu... to com o meu namorado. - respondeu Ezequias.
- Que menino lindo... quer... se alistar na minha agência de modelos? - perguntou outro.
- Não... eu... não sou modelo... sou músico. - respondeu o jovem.
- Sério?! O que você canta? - perguntou uma mulher.
- MPB... Rock nacional e internacional... depende...
- Mostra pra gente. Aqui... tenho um violão. - disse um homem entregando o instrumento para Ezequias.
Timidamente. Ezequias começou a cantar a música "Pais e filhos". Todos gostaram da perfomance do rapaz... quer dizer... quase todo mundo.
- Ei maninho. Dia ruim também? - perguntei o abraçando.
- Sabe... olha só para ele... tão puro... inocente,... tenho medo de perder ele.
- Isso só vai acontecer se você permitir. - conclui. - Bem... preciso pegar um ar... uns chatos pararam o Mauricio para falar de política.
No lado externo fazia um tempo bom... uma forte brisa bateu em meu rosto e fechei os olhos.
- Que vento gostoso. - falou Márcio me assustando.
- Ahnnn!
- Calma... sou eu. - ele disse se aproximando.
- Oi. - falei fixando meu olhar em algum ponto reto.
- Pedro... eu sei que não voltaremos a ser amigos...
- Márcio. Nunca fomos amigos. Você fez da minha vida um inferno... em todos os sentidos... a última vez que eu fiquei em um jardim com você.... metade da escola soube que eu era gay. - falei tentando não me exceder.
- Eu sei... fui um idiota total... não só com você... ou com o Mauricio. Fiz coisas que não me arrependo e quero arrumar as coisas. - ele disse.
- As vezes... podemos tentar mudar, mas isso é sempre difícil. Espero que você consiga. - falei entrando na casa de Vinicius.
ici
A presença de Márcia me trazia dolorosas lembranças. Eu sabia que não seria fácil esquecer e viver em uma boa. Afinal de contas, o meio LGBT da minha cidade era pequeno.
- Gente... como sabemos... a nossa cidade ainda não possui uma parada gay oficial, ou seja, não temos como conscientizar as pessoas dessa forma. Por exemplo, quando as pessoas falam a palavra: gay. Eles pensam em pornografia, orgia, devassidão... - começou Vinicius.
- E queremos desmitificar isso... queremos fazer a primeira parada gay do municipio. - conclui Jean.
- Queremos aproveitar que a nossa geração tem médicos, advogados e publicitários de sucesso. Como o Mauricio e o Pedro. Eles estão há sete anos juntos, com cinco filhos e muitas vitórias. - falou Vinicius.
- São pessoas como eles que nos fazem ter orgulho de ser gay. - falou Jean.
- Bem... fico lisonjeado em ser lembrado... e a ideia é ótima. - disse Mauricio.
- É podemos trabalhar a ideia. - falei.
- Bem... primeiro faremos um evento bombante para divulgarmos a ideia para o resto da comunidade LGBT aqui da cidade. - falou Vinicius levantando o copo.
- Viva! - gritamos juntos.
- Olhei para o lado e vi Márcio levantando sua taça.
Respirei fundo e sabia que teria que vê-lo constantemente a apartir de agora.