Bom... estou curtindo muito contar mais essa história. Tem sido difícil pra mim, mas é um desafio que me propus e espero estar fazendo vocês se aproximarem dele assim como eu. E tudo está só começando. Valeu e boa leitura...
- Você precisa me ouvir Carlos.
- Preciso? Sou obrigado?
- É obrigado sim. Só você que não entendeu ainda.
- O que eu não entendi? Me explica Murilo.
- Que eu te amo seu idiota.
Nem consegui digerir suas palavras. Não conseguia reagir. Aliás, não sabia se deveria dizer que eu também sentia isso, se falaria qualquer merda pra cortar o clima ou se partiria para seus braços sem dizer nenhuma palavra.
Mas num instante, meus pensamentos se clarearam e decidi argumentar:
- E por que esperou todos esses dias pra me dizer? Por que se sentiu ameaçado? Imagino que o garanhão deve estar se corroendo ao ver um adolescente fazendo aquilo que você não tem coragem de fazer.
- O que esse menino tá fazendo que eu não possa fazer, Carlos? Tomar sorvete no shopping conversando sobre a escola?
Realmente isso eu não posso fazer.
- Você assumiria uma relação comigo, Murilo? Agora?
- Que tipo de relação?
- Aquela do tipo que não se pergunta muito e sim age!
Fiquei olhando atentamente e percebi vários de seus movimentos, menos o que eu queria. Sua cabeça coçou, seu rosto começou a suar, mas nenhuma palavra saiu de sua boca.
Só tive uma reação que foi abrir a portão que havia fechado a pouco e aguardar sua saída. As coisas estavam muito claras pra mim. Eu gostava dele, muito, mas não queria ser um caso escondido. Minha sexualidade não era um problema pra mim e jamais quis ser diferente disso. Mas para ele era como um fim.
Sua imagem de macho alfa não permitia que ele desenvolvesse uma relação com outro homem. Que pena... Pra ele.
Não ia ficar resmungando, definitivamente. Partiria pra outra, como sempre fiz.
E assim foi nas semanas seguintes. Comecei a sair mais, a curtir mais, a procurar mais e encontrava. Dava uns beijos aqui, outros ali, nada sério. Mas quem queria algo sério nesse momento? Eu não.
No lado profissional, Lucas relatava sua vida e já demonstrava mudanças que o beneficiaram, o que me dava a certeza de estar no caminho certo.
Murilo, com sua imagem intacta, sempre andava na companhia de várias mulheres. Como se quisesse esfregá-las na minha cara, sempre que possível atendia ou fazia ligações da clínica, nos horários de intervalo e eu não tinha outra escapatória a não ser ouvir histórias de seus breves relacionamentos.
Confesso que me incomodava, mas meu foco agora era outro. Era balada e trabalho. As duas coisas bem feitas.
Certo dia, Lucas chegou agitado e decidiu desabafar como há muitos dias não havia feito:
- Carlos, eu preciso falar uma coisa que está me sufocando.
- Você sabe que você pode falar sobre tudo não é Lucas?
- Sei, por isso vou contar. Aquela coisa de ser viado tá voltando. Tava conseguindo controlar, mas está difícil e não to vendo outra solução.
- Fale mais sobre isso.
- Carlos, está tudo um inferno. Meu padrasto está me assediando de um jeito que não estou conseguindo controlar. Nunca fui com a cara dele, mas de uns tempos pra cá ele tem sido educado, sensível e até apaixonante, mas eu sei o que ele quer. Eu tô virando um monstro.
- Mas qual a sua reação com relação a isso?
- Eu fico na minha, já pensei em contar pra minha mãe, mas não consigo, tenho medo. Ele já foi violento com ela e pode fazer mais coisas. E não estou aguentando mais.
- Lucas, qual solução você imagina para essa situação?
- Eu não consigo te dizer. É uma solução fraca, mas é a única que eu vejo possível.
Decidi não insistir. Já havia entendido que Lucas é quem começa um assunto. Sempre que tentava perguntar algo que ele não quisesse responder, sua reação era mais abrupta, nada agressiva comigo, mas pouco receptivo na continuidade do tratamento. Eu não poderia colocar isso em risco. Continuamos a conversar sobre outras coisas, mas não havia esquecido suas revelações.
Nosso horário acabou e ele se foi. Sua alegria não estava mais presente e isso me preocupava. Um enigma se formava na minha cabeça e eu precisava de uma supervisão, uma ajuda de outro psicólogo para desvendar isso. Murilo seria esse supervisor.
Desde que abrimos a clínica, sempre discutíamos alguns casos mais complexos. Com o tempo, isso foi diminuindo até pela experiência que vínhamos adquirindo, mas eu precisava novamente.
Marcamos para o dia seguinte. Fechamos a clínica e eu repassei tudo que ouvi e algumas de minhas impressões. Murilo parecia pouco atento ao papo e assim que eu acabei de dizer ele foi empático:
- Acho que esse garoto tem um potencial de agressividade muito grande. Já pensou nisso?
Agressividade? Aff. Murilo realmente não queria me ajudar.
Rapidamente ele saiu, observando minha irritação com seu comentário tosco. Lucas nunca tinha sido agressivo comigo, nem com seus familiares. O que se passava com ele era o típico problema da sexualidade na adolescência e era minha função ajudá-lo.
Decidi procurar outros conselhos com uma grande amiga da faculdade. Adriana!
Ela era muito competente e atendia até perto da nossa clínica. Tinha conseguido grandes clientes e já estudava para dar aulas na faculdade que estudamos. Linda, conseguia convencer facilmente do seu potencial, não só pela beleza, mas pelas palavras sábias.
Combinamos tudo e nos encontramos a noite na minha casa.
- Então Drica... Tô com um caso meio complicado. Parece clichê, mas tenho medo do que o garoto pode fazer contra si mesmo.
Relatei tudo e ela planejava uma resposta para minhas indagações, quando meu celular tocou. Era ele. Lucas.
- Oi Lucas.
- Carlos, tô precisando desabafar agora.
- Mas está tarde Lucas. Aliás, já era hora de você estar dormindo, tem aula amanhã né?
Tentei brincar com a situação para amenizar seu tom de voz dramático.
- É sério. Se eu não conversar com você agora eu vou tomar uma atitude fatal.
Narrei rapidamente sua frase para Drica que me aconselhou encontrá-lo. Marcamos no shopping. Iria sim como psicólogo, mas não poderia abrir a clínica quase meia noite apenas por causa do Lucas.
Cheguei à praça de alimentação e o avistei de longe. Parecia aflito, impaciente.
- Oi Lucas.
- Carlos, preciso da sua ajuda. Fiz uma merda enorme.
- O que você fez? Senta aqui.
Nos sentamos mais distante das pessoas, ainda na praça de alimentação, mas sem curiosos.
- Eu não consegui segurar. Eu transei com meu padrasto. Sou um nojento.
Ele começou a chorar e aí sim curiosos se aproximaram. Sua expressão se assemelhava com alguém sentindo fortes dores.
E era isso mesmo que ele sentia. Fortes dores psicológicas, imaginando a reação da mãe diante dessa traição.
Alí não era o lugar e eu precisei pensar rápido:
- Lucas, vamos agora pra minha casa e lá você me conta tudo que aconteceu com mais calma, tá?
- Não. Minha mãe deve tá preocupada e você não precisa de um garoto chato te atrapalhando a noite.
- É meu dever. Anda, vamos.
O segurei com determinada força para impedir uma possível fuga e o coloquei no carro. Em cinco minutos estávamos na minha casa, vazia após a saída da minha mãe, e ele iniciava o desabafo.
- Ele chegou em casa do trabalho, bêbado. Sua fala era meio enrolada. Eu tava no meu quarto fazendo o dever e ele entrou rápido dizendo que ia me fazer mulherzinha, que sabia que eu o queria.
Eu escutava tentando passar tranquilidade, mas estava com certo medo do que de fato iria render essa história.
- Ele foi se aproximando e me pegando. No começo eu negava, pedi pra ele parar várias vezes, só vinha a imagem da minha mãe na cabeça. Nossa relação não é boa, mas eu não queria atrapalhar a vida dela, destruir o casamento.
Ele alternava um olhar de raiva com medo. Dei um copo de água a ele, para tentar amenizar seu choro e ele continuou:
- Foi tudo rápido e quando tomei conta da situação já estava chupando o pau dele.
Seu choro foi ficando mais alto e eu o abracei. Foi um impulso, que poderia custar até minha relação com ele, mas via muito de mim naquele garoto. Seu arrependimento de ter estado com alguém era algo que me tocava. Era certo que eu precisava desabafar com alguém sobre isso, minha terapeuta. Mas aquele momento me fez lembrar essa situação e eu não conseguia me manter na posição de psicólogo.
- Se alguém descobrir eu to perdido. Pior que isso é só o nojo que eu to sentindo de mim mesmo.
- Olha só. Liga pra sua mãe e avisa que vai dormir na casa de um amigo. A gente vai conversar melhor e depois você decide o que fazer.
Tomei essa decisão por medo da decisão dele. Apesar de ser um bom garoto, suas mudanças de comportamento me davam certo medo.
Rapidamente ele ligou para sua mãe e quando arrumava a cama no outro quarto para meu “hóspede” o interfone foi tocado e pedi a Lucas que atendesse.
Maldita escolha.
Ouvi passos fortes na sala e ouvi os gritos:
- Que merda que esse garoto tá fazendo aqui uma hora dessas?
CONTINUA...