Parte 01 – A Deusa do Outro Lado do Corredor
Fernanda realmente se sentia incomodada. Oras, em seu lugar, quem não se sentiria? Não podia mais sair para o trabalho sem se deparar com... bem, com aquela cena em frente à porta de seu apartamento. Aquela era a única saída (a não ser que ela considerasse sair voando pela janela do sexto andar... o que não era nem de longe uma possibilidade), então não havia como fugir.
Respirando profundamente, ela abriu a porta de seu apartamento. Estava na hora.
Como sempre, Fernanda apoiou a bolsa à tiracolo enquanto trancava a porta; pra isso, ela não gastava mais do que dez segundos (às vezes, a fechadura gostava de emperrar, aumentando assim seu tormento). Mas era tempo o bastante.
Lá estava aquele som. A chave girando na fechadura, o ranger de leve que a maçaneta fazia ao girar em torno de si mesma... a porta que se abria às suas costas.
Era ela. Fernanda sabia. Sua vizinha abrira a porta para apanhar o jornal, que jazia na soleira de sua porta.
O coração de Fernanda galopava em seu peito, pois ele já sabia o que ela veria. Ele já sabia que Fernanda não resistiria a dar pelo menos uma olhadinha.
Mas nunca era uma olhadinha. Os olhos de Fernanda pareciam atraídos por uma força invisível todas as vezes nas quais ela se virava afim de afastar-se de sua porta, seguindo até o elevador no fim do corredor. Era inútil resistir à tamanha tentação.
E ela estava lá. Descalça, usando apenas uma regata branca e uma calcinha vermelha. Uma minúscula calcinha vermelha. Era evidente que sua vizinha fazia uso dos hábitos higiênicos comuns, então era mais do que óbvio que ela não usava a mesma roupa todos os dias pela manhã.
Ela só gostava de lingerie vermelha. E de usar regatas brancas de algodão sem ter a decência de usar um sutiã por baixo.
Absurdamente gostosa.
Assim como todos os dias, Fernanda encolheu seus ombros, engoliu em seco e resmungou um quase inaudível “bom dia” ao passar por sua adorável – e quase desconhecida – vizinha. A mulher, por sua vez, ergueu seus olhos escuros e mirou-a por um momento, a sombra de um sorriso em seus lábios.
Não respondeu ao seu cumprimento. Ela nunca respondia. O encontro de ambas limitava-se aqueles segundos, todos os dias pela manhã; Fernanda saía, fechava a sua porta, ouvindo a vizinha abrir a sua. Então, quando se virava, a mulher já se levantava com o jornal em mãos, movendo-se pra voltar ao interior de seu apartamento.
Era tudo o que Fernanda podia ter daquela adorável quase estranha. Dela, Fernanda nada sabia além de que se mudara praquele endereço há dois meses. E que ela tinha um corpo espetacular, claro. E cabelos longos, quase dourados, ondulados. Olhos escuros.
Uma tentação.
Fernanda era lésbica não assumida há treze anos. Desde seus oito anos de idade, quando ela roubara um beijo de uma de suas primas, Fernanda sabia que seu coração sempre aceleraria diante de uma mulher bonita. Em contrapartida, ele nem mesmo se dignaria a fingir sentir algo pelos mais belos espécimes do sexo masculino.
Ela sentia tesão por mulheres. Apaixonava-se por mulheres. Isso nunca lhe fora segredo.
Mas, ainda assim, nunca tivera coragem de falar em público sobre sua orientação sexual. Mantinha-se distante da família afim de evitar perguntas indiscretas. Também não tinha amigos próximos. Repelia qualquer aproximação masculina, especialmente as com segundas, terceiras e quartas intenções.
As femininas eram afastadas ainda mais depressa. Tinha medo do que seria capaz de fazer caso se aproximasse demais; se envolvesse demais.
Sim, era uma pessoa solitária. Apesar de ser aquilo que os homens denominavam como “deliciosa”, Fernanda se mantinha distante de tudo e todos; ela era diferente e tinha medo de tal diferença. Não queria que as pessoas a amassem (podia viver sem isso), mas não conseguiria conviver com o ódio infundado de estranhos contra si durante todos os dias de sua vida.
Então o melhor meio de sobreviver era se escondendo.
Isso até que aquela gostosa loira decidira mudar-se para o apartamento em frente ao seu.
Nas madrugadas solitárias, Fernanda fantasiava com ela. Não era como se ela pudesse resistir à essa vontade. Porra, todos os dias, pela manhã, ela se deparava com aquela tentação semidespida! Como não fantasiar com aquela deusa?
A primeira vez que Fernanda permitiu-se fantasiar com sua vizinha foi depois do segundo encontro consecutivo naquele pequeno corredor. Tentando não pensar nela, Fernanda separara três latas de cerveja e se sentara em sua escrivaninha, tentando se concentrar em seu laptop. De início, ela se dedicara aos seus poemas (aqueles que ninguém nunca leria), mas depois...
Ela nem se dera conta. Quando percebera, já digitava freneticamente a fantasia que girava em sua mente. Enlouquecendo-a aos poucos.
Como uma criminosa pega no ato do crime, ela parara de forma abrupta. Desnorteada, se levantara e praticamente correra até seu quarto.
Mas a vizinha ainda estava em sua mente. Ela ainda dominava seu pensamento.
Fernanda ainda a desejava.
Com o passar dos dias, o peso da culpa suavizara em seus ombros. O desejo, apenas intensificara. E as fantasias... ah, as fantasias... elas não a deixavam dormir.
De início, Fernanda dedicou-se aos seus escritos eróticos. Ela e a vizinha (da qual nem mesmo sabia o nome) fazendo coisas que a deixavam absurdamente molhada enquanto as digitava. Queria tanto ocupar seus dedos com coisas mais interessantes... mais excitantes...
Porém, não era ousada o bastante. Fernanda nem mesmo era ousada de forma alguma.
Assim, eram apenas as fantasias na tela de seu laptop. Depois, em sua cama, os gemidos e ofegos abafados enquanto ela dava prazer a si mesma, pensando na vizinha. Enquanto seus dedos escorregavam em seu sexo, que pulsava, faminto, ela pensava naqueles cabelos dourados. Naquela pele macia. Naqueles seios arredondados, tão adoráveis contra o fino tecido da regata. Do monte de Vênus oculto pela minúscula calcinha. Pelas pernas longas e perfeitas, desnudas, que a provocavam todas as manhãs.
E então Fernanda gozava. Explodia em seu orgasmo solitário, encarando as sombras no teto enquanto sua respiração normalizava.
Ela queria aquela mulher, mas não a podia ter. Queria fugir dela, mas não conseguia. Tinha que vê-la todas as manhãs. Tinha que ser tentada por ela. Tinha que desejá-la, mesmo que em segredo. Tinha... tinha... tinha...
Precisava disso.
Poderia perguntar ao síndico o nome daquela quase estranha. Podia perguntar-lhe sua ocupação, tentando saber mais sobre sua vida. Porém, Fernanda não era próxima do síndico a esse ponto (na verdade, ela não era próxima a ninguém). Ele certamente desconfiaria se ela, de repente, se mostrasse interessada na vida de alguém que não fosse a sua própria vida.
Poderia fazer uma reclamação por escrito e deixar, discretamente, na caixa de sugestões que ficava no térreo; assim, a vizinha seria proibida de sair à porta vestida com tão pouca roupa.
Mas... cadê coragem? Como Fernanda viveria sem aquelas rápidas olhadelas nos atributos físicos de sua maravilhosa vizinha?
Por isso, sair de casa mais cedo estava fora de cogitação.
Então, ela continuava indo para o trabalho (que era uma livraria, não muito longe dali) no mesmo horário. Encontrando-se com a mesma pessoa, nas mesmas condições.
Excitando-se para depois satisfazer-se sozinha.
Aquele seria um dia como qualquer outro se algo quase impossível não acontecesse. Ao menos, parecera impossível à Fernanda. Até que bateram à sua porta, surpreendendo-a.
Ela chegara à pouco do trabalho, tomara banho e colocara uma camiseta de dormir e meias; por baixo, vestia uma confortável cueca feminina. E só. Com os cabelos escuros ainda úmidos do banho, ela os deixara soltos, caindo por suas costas. Estava diante de seu laptop, decidida a começar a escrever mais um trecho de suas eróticas fantasias, quando as batidas na porta soaram no silêncio de seu apartamento.
Fernanda se sobressaltara, acreditando que ouvia coisas. Se ela estivesse ao menos tomando alguma bebida alcoólica... mas não estava! Tinha cortado tais bebidas de sua lista de compras, já que estas a deixava ainda mais incontrolável. Se era possível, aumentavam ainda mais seu tesão pela tal vizinha.
Mas as batidas ecoaram novamente, fazendo com que ela se levantasse de um salto e corresse até a porta. Nem mesmo se lembrara de que nunca aparecia em trajes tão... bem, tão pouco formais diante de estranhos. Diante de ninguém, na verdade.
Quando se deu conta disso, já abrira a porta. E se deparava com um sorriso lindo, intensos olhos escuros fixos no seu enquanto o perfume feminino a envolvia de imediato.
- Olá, vizinha. – a atriz principal de todas as suas fantasias mais quentes lhe dizia, ainda sorrindo, enquanto ela permanecia estática, provavelmente com cara de idiota. – Espero que não esteja lhe incomodando.
Á Fernanda, não ocorria nenhum pensamento coerente. Apenas uma pergunta martelava em sua cabeça nos poucos segundos que se passaram enquanto ela encarava sua vizinha, sem saber o que dizer; sem ter capacidade pra dizer qualquer coisa, na verdade.
O que aquela mulher estava fazendo diante de sua porta, dirigindo-lhe a palavra depois de dois meses do mais completo silêncio?
Nota: Se você gosto do conto, quer ler a próxima parte, mas não quer esperar, acesse meu site: http://lunavasquezblog.wix.com/menina-e-menina
Lá, você encontrará muitas coisinhas deliciosas. =)
Beijinhos molhados. :*