Valdemar abriu o zíper da jaqueta para tomar ar, desceu a pequena escadaria, foi dar um dedo de prosa com Zeca, o porteiro. Nem bem chegou, logo entrou um de seus fregueses que, muito discreto, nada disse e passou direto. Valdemar cortou a prosa e subiu, rapidamente, os degraus. Parado na porta da plateia encontrou Armando, um quarentão de nariz aquilino, recostado e esperando se acostumar com a pouca luminosidade. Como vai, disse Valdemar, tá chegando tarde hoje. Fiquei numa cerveja com os amigos, respondeu o outro. Entreolharam-se e Valdemar lhe fez um sinal com a cabeça: te espero na última fila.
Armando acomodou a sacola de supermercado que levava na poltrona ao lado, sentou-se junto a Valdemar, esticou os braços por sobre os encostos dos assentos, abriu ligeiramente as pernas. Valdemar aninhou-se em seus ombros, desceu a mão sobre a virilha, apalpando um pau conhecido há tempos, iniciando o discreto romance que mantinham, literalmente, no escuro. Pouco a pouco o pênis de Armando ganhou forma e volume e, igualmente, os lábios ávidos do parceiro. A mamada, compassada e lenta, como ele gostava, durou mais de vinte minutos. Como sempre, curiosos, tarados, desiludidos e abandonados pela sorte, juntaram-se ao redor ou lentamente passavam ao lado para aproveitar o clima erótico, mesmo que as rebarbas.
Valdemar retirou uma camisinha do bolso da jaqueta e colocou-a com a boca no membro ereto. Desabotoou sua calça, desceu a cueca e sentou-se, tragando o cacetão com um único golpe. Apoiado nos braços da poltrona de Armando ou segurando na cadeira da frente, ia e vinha, em movimentos que faziam o outro soltar surdos gemidos de prazer. A mulher de Armando não lhe dava o cu – Valdemar sabia – e por isso ele caprichava, rebolando a bunda murcha porém gulosa, naquela metida que era a tara do parceiro. Armando teve de afastar dois curiosos que teimavam em ali ficar se punhetando, para garantir um mínimo de privacidade a seu prazer. Valdemar se sentia realizado dando o cu, eram poucos que queriam comê-lo. Aquilo chegou ao auge com um ahhhh prolongado. Valdemar se recompôs, Armando fechou sua calça e deu um tapinha na perna do outro: semana que vem tô aí.
Afundado na cadeira, sentindo-se a verdadeira diva do cinemão, Wal respirou fundo sua conquista de prazer. Ele odiava o nome Valdemar, segundo seu pai herdado do avô, achando Wal muito mais sonoro, sexy, chique. Poderia ser Walkíria, Waleska ou até mesmo Waltrud, a rainha da noite, a dona do pedaço, a veterana que sabia das coisas e pegava bofes muito melhores que as periguetes iniciantes. Faro, ela tinha faro. Era uma enviada de outras galáxias para dar prazer aos terráqueos membrudos como Armando. Um negro de caralho imenso socava sem parar o cu de uma loira de cabelo curtinho, gemendo de tesão... bitch... bitch..., isso ele sabia que era vadia. Abriu os olhos antes semicerrados, voltando, em ondas, ao planeta Terra. Ajeitou-se na poltrona, olhou ao redor, boa parte da fauna desaparecera. Devia estar terminando a última sessão, pensou. Na porta do dark room dois baixinhos mal encarados batiam punheta, até as travas tinham ido embora para fazer o calçadão.
Um bocejo de braços esticados lhe restituiu a identidade. Valdemar levantou-se e foi ao banheiro urinar. No mesmo box anterior, novos tênis enroscados indicavam mais foda. Enquanto soltava a urina, notou duas camisinhas boiando no líquido amarelo. Ao lado, mais algumas jogadas. Bem, pelo menos o pessoal tá se cuidando, concluiu, ainda bem. Um sujeito de macacão entrou no outro box vazio para urinar e Valdemar, com a naturalidade de uma criança, ficou olhando. O sujeito lhe agitou o pau murcho e o convidou: mama que sobe. O funcionário público achou que já era demais e, com um sorriso, recusou.
Despediu-se de Zeca, ao passar pela catraca de saída, e ganhou a rua. No caminho até a estação de metrô o joanete voltou a existir. Desceu a escada rolante e reparou no segurança em pé na plataforma, um fortão de bigode e farda preta, um sonho de consumo para qualquer bicha que se preze. Não custa nada, né, tentar..., olhou as botinas, olhou o nariz. Concluiu ali haver um complicado problema de proporção, pois os avaliou pequenos em relação ao corpão do camarada. Camarada que, diga-se, já olhava torto, incomodado com a figura insistente de Valdemar. Ou de Walkíria, ele não sabia distinguir. O trem chegou e o segurança sumiu no túnel veloz.
Omelete de novo?, pensou. Mas estava com fome e fuçou na geladeira alguma coisa para preparar. Fez um miojo e, enquanto a água fervia, deu para montar uma salada de alface e tomate. Ligou a TV para tomar a sopa sentado no sofá. Christiane Pelajo já estava dando boa noite, ele não suportava o Jô Soares, achou um filme já começado, decidiu verificar para onde rumava a história. Os relatórios estavam lá, lembrou-se, enquanto as casas bahia ofereciam um DVD baratinho apenas para o dia seguinte. Desligou o aparelho, ajeitou-se no sofá de veludo, puxou um livro sobre reencarnação. Não passou de duas páginas. O sono fechou-lhe os olhos. O cacete negro entrou forte no cu da loira.
FIM
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