RECAPITULANDO: Nas duas partes anteriores, Zé do Fole foi levado ao inferno pelo Gostosão Garboso. Lá, Zé tocou sanfona na festa do capeta e foi estuprado pelas sádicas ninfomaníacas hermafroditas das profundezas do inferno. Depois de implorar por socorro invocando o nome de sua santa, Zé do Fole foi dispensado pelo bonitão garboso, que lhe deu um bisaco cheio de diamantes e o levou de volta para o mundo dos vivos. O bonitão garboso então orientou Zé para não mais clamar à santa, senão sua riqueza desapareceria e ele voltaria à miséria, só que dez vezes mais miserável que antes.
Dando prosseguimento, então...
Quando Zé fez menção de dizer algo, só ouviu quando o bonitão garboso gritou "Fui!", e desapareceu num vento redemoinhado que o arrastou juntamente com seu cavalo preto para as profundezas dos paraísos infernais.
Zé ficou pensativo. Pôs o bisaco pesadíssimo nos lombos do jeguinho magricelo e voltou para sua casa, onde a família o esperava.
Vendo-o todo sujo de porra, o filho caçula disse:
- Vixe, mainha! O paim tá todo sujo de mingau! Tamém trôxe pranóis, paim?
E a filharada cercou o pai, feliz pela sua volta. Zé tirou o bisaco de cima do jumento e levou a pesada carga de diamante para
dentro de casa onde mostrou todo o tesouro para a família deslumbrada. E então Zé contou tudo que havia acontecido, chegando
por fim ao que aconteceria se ele viesse a pronunciar novamente o nome de sua santa.
- Vixe mãe di Deus, Zé! Ó u qui tu arranjô pra nóis, hômi! E agora, se tu num falar mais o nome da santa, a gente vai
ficá pôdre de rico... Mais si tu falá o nome da santa, nóis vai ficá mais pobre do qui é hôji... Mió morrê logo intão. Oxent, U qui fazemo, pelo amô di Deus?
Zé pensou, pensou e repensou, enquanto observava a família. Os filhos barrigudinhos e desnutridos, a olhá-lo com os
olhinhos esfomeados. A esposa, o olhar muito profundo e o rosto cadavérico de tanto sofrer.
Zé raciocinou:
"Inté hôji só cunhici pobreza e fome. I inda ansim, sempre fui fiel à minha santinha. E u qui ela mi deu? Nada, nadica di nada. Nem um pratim de arroiz. Chuva qui é bom, nunca cai. Qué sabê di uma coisa? Santo mermo é nóis qui vive abandonado i ainda tem qui rezá prum monte di pau e barro infeitado qui dizem sê santo. Di agora im diante, minha santinha, eu quero é qui a sinhora vá lambê sabão. Infi sua língua nu priquito e vá prus quinto dus inferno chupá o pau du capeta."
Zé então tomou uma decisão
definitiva e sem pestanejar! naquela mesma noite juntou as trouxas e partiu daquela terra seca e sem-futuro rumo à cidade,
onde na madrugada seguinte embarcou com a família num pau-de-arara rumo a São Paulo. Em São Paulo, mesmo com um bisaco
cheio de diamantes, ficaram morando por alguns dias debaixo de um viaduto qualquer junto com um bando de mendigos fedorentos.
Mas assim que recebeu uma orientação piedosa de uma alma bondosa (em troca de cinco pedronas de diamantes), Zé deu os
primeiros passos para uma nova vida, quando pagou com duas pedronas de diamantes um caminhoneiro de boa alma para que
levasse sua família para a região de Campinas. E foi ali, numa cidade não muito longe de Campinas, que Zé do Fole comprou
uma fazendona de dar gosto, das maiores de toda aquela rica região. Toda a filharada de Zé do Fole foi estudar e um por um,
todo mundo virou foi doutor. Com o tempo, uns foram pra Europa, outros pros States, mas Zé do Fole e Dolores nunca saíram
de sua fazendona, onde ambos vieram a falecer com mais de noventa anos de idade, já bem recentemente, ele em 2000 e ela em
2001.
E é isto. Mas, segundo as más línguas, Zé do Fole nunca se esqueceu mesmo foi da demônia que o desvirginara mais de
sessenta anos antes. Volta e meia era pego suspirando e sussurrando: "Ai, ai, que lembrança deliciosa..."
É, meus amigos, como disse o tal gostosão garboso lá dos infernos:
"UMA VEZ PROVADO O GOSTO DO DIABO,
MACHO OBSTINADO QUE FALA GROSSO, PASSA A FALAR FINO IGUAL MULHER
E QUANDO MENOS ESPERA JÁ É MANSO IGUAL VIADO E TUDO QUE QUER É DAR O RABO!"
