Em um determinado momento eu acordei e vi apenas escuridão pela janela. Alguém – Jeremiah? - não apenas me cobriu com um cobertor, mas também prendeu as pontas em torno do meu corpo. Eu franzi a testa, certamente ele não estava lá quando eu sentei, e olhei atrás de meu assento para ver Jeremiah dormindo em outro assento próximo... Sua camisa estava abotoada de novo, seu paletó estava colocado em uma poltrona próxima a ele. Ele tomava mais espaço no assento que eu, portanto não poderia estar com o cobertor preso ao seu redor como eu, mas parecia estar confortável em sua poltrona reclinada. O sono tinha suavizado seu rosto, sempre tão duro, ele parecia diferente, mais jovem, mais relaxado dessa maneira. Eu gostaria de poder odiá-lo, eu pensei, mas não havia raiva em meus pensamentos. O homem naquele assento tinha me chantageado para assinar um contrato que permitia a ele quaisquer liberdades que ele quisesse ter, mas apesar de tudo havia momentos de quase ternura. Ele nunca fez nada que eu não quisesse, eu pensei, apertando o cobertor ao meu redor. Eu imagino qual seria o homem real: o CEO duro que me entrevistou enquanto eu estava esparramada em sua mesa, ou o homem que me cobriu com um cobertor. Eu decidi adiar aquela conversa para outro dia, a exaustão fazia meus olhos pesados. Bocejando baixinho, eu puxei o cobertor até o meu queixo, me aconcheguei na poltrona confortável e voltei ao meu sono.
“Você tem que pegar alguma coisa?” Considerando que não fui permitida a trazer nada... “Não.” O homem checou meu passaporte de novo, depois me entregou de volta seguindo para a próxima pessoa enquanto eu passava pela mesa. Letras em negrito em diversas línguas escritas em uma placa me disseram onde estava e eu parei e encarei. Eu realmente estava na França. Jeremiah permaneceu perto e, assim que eu recebi as informações, ele colocou uma mão na parte baixa das minhas costas e me conduziu através das poucas pessoas. Eu vi uma linha de pessoas esperando por recém-chegados enquanto saíamos do terminal principal. Ele me levou para um canto onde havia um homem careca com um cavanhaque loiro encostado na parede. Assim que nos viu, ele se dirigiu a nós, “Lucy este é Ethan meu chefe de segurança. Ele a levará para o hotel”. Nós trocamos um aperto de mãos, mas sua atenção superficial deixou claro que ele tinha outras prioridades. “Celeste ainda está aqui.” A voz de Ethan tinha um leve sotaque do sul, leve, mas dava para notar. “Ela não partirá pelas próximas três horas”. Jeremiah concordou. “Perfeito. Assegure-se que a Srta. Delacourt chegue ao hotel.”
“E você?” eu perguntei enquanto ele começava a se afastar. “Eu tenho que lidar com os oportunistas.” Para Ethan ele adicionou, “Tente não ser vistos.” Eu o vi sair pelas portas de vidro. Era isso? Eu pensei confusa. Estou sendo entregue ao motorista e tenho que sair secretamente daqui? Ocorreu que eu deveria estar feliz por não estar mais na sua presença, mas de repente, sozinha com um estranho, num país estrangeiro, eu percebi que sentia falta do estóico homem. “Ok, vamos lá.” Eu segui Ethan silenciosamente, dando umas olhadas em direção ao meu chefe. Enquanto Jeremiah saia, eu vi uma confusão do lado de fora e diversas pessoas se dirigiram a ele. Flashes de câmeras e os barulhos indistintos de vozes que vieram até mim enquanto saíamos. “Do que se trata isso?” eu perguntei, lutando para acompanhar os passos largos de Ethan. “Paparazzi.” Ethan segurou a porta para mim enquanto saiamos dos terminais, longe da multidão. "Sua participação no baile de gala neste fim de semana é de conhecimento publico, o suficiente para ganhar a cobertura da imprensa.” Baile de Gala? Entrei na parte de trás da SUV que estava a nossa espera na calçada. Outro homem, que deveria estar a nossa espera ao volante, saiu do veiculo para que Ethan pudesse tomar seu lugar e nós seguimos. “Ele ficará bem?” eu perguntei através do espelho retrovisor, para o enxame de
repórteres. Ethan bufou. “Isso não é nada, e ele fez isso para desviar atenção, então poderíamos sair sem ser incomodados. Ele não ficará muito atrás de nós.” De fato, eu vi ele se mover através da multidão enquanto a limusine parava e eu dei um suspiro de alivio. Eu nunca poderia fazer aquilo. Eu pensei agradecida por não ter que passar por ali. O pensamento de todas aquelas câmeras em minha cara, me seguindo por todo o lugar... Eu tremi só de pensar nisso. Um monte de questões surgiram em minha cabeça, mas o homem que dirigia não parecia o tipo de pessoa que falava muito. Eu as mantive para mim mesma, aproveitando minha primeira visão real de Paris. Eu prometi aos meus pais enquanto estava no ensino médio que, quando eu me formasse e me tornasse uma advogada, nós iríamos vir até aqui. Aquele desejo nunca se realizou, suas mortes em meu primeiro ano na faculdade tinham descarrilado minha vida, me forçando a seguir um caminho radicalmente diferente do que eu sempre imaginei - mas o meu amor pela cidade permaneceu. Os brilhos da Torre Eiffel pelos prédios me fizeram sorrir, alguns dos estresses dos últimos dias sendo esquecidos.Quando nós finalmente paramos, um valet do hotel abriu a porta para mim e meu queixo caiu enquanto eu olhava em choque para o hotel. “Nós vamos ficar aqui?” Eu não obtive resposta e francamente eu não esperava por uma, a pergunta era de qualquer forma, retórica. Eu olhei o magnífico Paris Ritz, achando incompreensível que eu dormiria ali. Outro estabelecimento parisiense que eu só vi na internet e em revistas; as fotos não faziam justiça à estrutura. Enquanto não era tão grande quanto eu achava, era muito imponente do jeito que eu sempre imaginei e eu estava me coçando para ver por dentro. Uma ruiva em um fino corte feito para ela, se dirigiu a nós, seus saltos estalando contra o piso de madeira. Ela parecia feliz em ver Ethan, mas parou quando me viu. O grande motorista deu um beijo em sua mão, um gesto romântico que parecia estranho com seu comportamento rude.
“Celeste, esta é Lucy Delacourt, a nova assistente pessoal do Sr. Hamilton.” A confusão em seu rosto havia sido desfeita, mas ela ainda parecia surpresa pela novidade. “Encantada em te conhecer.” Ela disse com um sorriso caloroso, estendendo sua mão para eu cumprimentá-la. “Eu sou Celeste Taylor, a cabeça das operações das Indústrias Hamilton.” Seu aperto de mão foi firme e objetivo, seu sorriso foi um alivio bem-vindo para o estoicismo que eu tinha visto até agora. “Fazia um tempo que Remi não tinha uma assistente pessoal.” Remi? “Sim, bem eu sou nova.” Era difícil dizer o quanto eu poderia falar, então decidi deixar as coisas no nível profissional. “Eu fui contratada ontem à tarde.” As sobrancelhas de Celeste quase alcançaram a linha de seu cabelo. “Bem, certamente ele agiu rápido dessa vez.” Seu olhar se suavizou, “Isso tudo deve ser estranho para você”. Esse pequeno gesto de genuína simpatia quase me fez chorar.
Eu gostaria de agradecê-la, mas consegui me segurar de jogar meus braços ao redor de seus ombros, ao invés disso eu engoli minha gratidão de volta. “Ontem eu era apenas uma funcionária temporária, levando um dia de cada vez. Agora, bem eu” apontei para o hotel ao meu redor. “É um pouco opressivo.”
“Sim, eu imagino.” Ela olhou em direção ao carro. “Você trouxe alguma bagagem?”
“Uh...” Eu não conseguia imaginar como explicar aquele pequeno detalhe. Quem atravessa o oceano sem trazer nenhuma roupa ou bagagem para a viagem? Eu aparentemente, mas não sabia o que dizer sem trazer temas embaraçosos à tona. Celeste virou sua cabeça para o lado diante do meu inconfortável silêncio, estreitando seus olhos.Ela deu um passo para trás, me examinando da cabeça aos pés, depois assentiu. “Ah eu vejo por que,” ela disse com um sorriso conhecedor. Eu dei uma olhada em minhas roupas, não entendendo o que ela queria dizer. Elas ainda estavam limpas, apesar de um pouco amassadas pela viagem e dormir no avião. “Por que, o que tem de errado com o que eu estou vestindo?” Celeste deu uma risada, “Oh, não é com minha opinião que você deve se preocupar,” ela disse, balançando sua cabeça e rindo. “Se Remi não gosta de alguma coisa, ele fará tudo que estiver em seu poder para mudar isso. Ele é um rolo compressor, acostumado a conseguir as coisas do seu jeito. Você não precisa dizer nada, eu já posso ver o que aconteceu com você.” Ela se dirigiu para a porta do hotel. “Venha para dentro, está frio aqui fora.” Eu a segui, enquanto Ethan ficou para fora na calçada, atendendo uma chamada no seu celular.
“Quando você conheceu Sr. Hamilton?” eu perguntei. Celeste me deu um olhar divertido quando usei um jeito formal para tratar o homem. “Nós fomos à faculdade juntos anos atrás, apesar de ter me mudado para o oeste quase imediatamente após a formatura. Divorciei, me mudei de volta para começar tudo de novo, não conseguia achar nada. Quase perdi as esperanças, então Remi me achou.” Ela encolheu os ombros. “Eu comecei como gerente e depois, quando ele reestruturou toda a companhia depois que seu pai morreu, eu tive que fazer uma escolha: ou aceitava a posição de COO ou seria demitida. Como eu disse,” ela acrescentou, rolando seus olhos para mim, “um rolo compressor.” “Soa familiar.” Os empregados do hotel abriam as portas e eu olhei maravilhada ao redor da entrada. “Este lugar é muito melhor do que eu imaginava.”
“Espere até ver as suítes.” Ela olhou seu relógio. “Meu avião vai partir daqui a 3 horas, quer que te mostre as coisas por aqui?” Quando eu sorri para ela, ela pegou meu braço. “Você precisa ver a piscina primeiro. Sempre me deixa sem fôlego.”
O passeio foi rápido, mas completo e me deixou um pouco tonta. O que eu fiz para merecer isso? Eu ficava imaginando, olhando para aquela opulência incrível. Por que eu estou aqui? Isso é compensação do destino depois desses últimos 4 anos horríveis? Será que tudo vai ir embora tão rápido como a minha vida anterior?
“Eu preciso ir. Até mesmo voos privados tem uma agenda para manter.”
Eu mal conhecia a mulher, mas me senti triste em vê-la partir. Eu achei os últimos dois dias agitados e estressantes, e a presença de Celeste era como um bálsamo bem vindo. Estendendo minha mão, eu disse “Tenha um vôo seguro”.
Ela pegou minha mão com um aperto forte, depois se aproximou. “Olha, seja legal com Jeremiah, ok? Ele pode ser um idiota, mas ele tem um grande coração para aqueles com quem ele se preocupa ou decide cuidar.” Suas palavras me assustaram. Seja legal com ele? “Ele é meu chefe,” eu disse formalmente, não muito certa de como sem soar petulante. “Eu devo respeitá-lo.” Ela começou a balançar a cabeça, parou para pensar e então concordou arrependida. “Isso é suficiente o bastante, eu acho.” Se aproximando, Celeste acrescentou em uma voz baixa, “faz dois anos que ele teve uma assistente pessoal; a última humm, saiu em maus termos. Como sua assistente, de qualquer maneira você seguirá ele em funções, e servirá como sua acompanhante. A imprensa está habituada a estes arranjos e deixará você em paz, mas tenha cuidado é inevitável que você receba um pouco de atenção”. Ele trata a todas como eu? Surpreendeu-me quando ela mencionou sua assistente anterior me deixar irritada. Eu me lembrei de repente, da enorme quantidade de paparazzi fora do aeroporto e fiquei gelada. De repente esta é uma ideia muito ruim. Depois de novo, quando eu teria pensado nesta situação toda, apenas um estranho golpe do destino?
“Ah falando no diabo.” Eu me virei e vi a figura alta de Jeremiah entrando no hotel. Ele tinha uma pequena caixa embrulhada embaixo do braço e parou para falar privadamente com Ethan. Eles tinham uma vibração parecida que eu achei interessante, e mencionei isso a Celeste. “Bem, ambos estiveram no exercito juntos, talvez seja isso.” “Exercito?” Eu nunca o imaginei sendo soldado. Parece que eu tinha muito a aprender sobre o homem que agora estava me empregando. Celeste concordou, “eles eram ambos do Exército Rangers até o pai de Remi morrer e deixar ele responsável pelos negócios da família. Negócios complicados, estes. Eu cheguei logo depois e ajudei em campo antes de tudo explodir”. Eu queria perguntar mais, mas os homens estavam vindo em nossa direção e o momento foi perdido. Celeste sorriu e deu um passo a frente, pegando a mão de Jeremiah. “Parece que eu não sou mais necessária nesta pequena reunião hoje à noite.” Jeremiah levantou a mão de Celeste para dar um beijinho antes de deixá-la ir, mas ao lado dele eu vi Ethan recuar para aquele gesto. A ruiva deu um passo para o lado, depois olhou para o homem alto careca ao seu lado. “Pronto para ir, amor?” Eu pisquei surpresa, primeiro pelas suas palavras, depois de novo enquanto eu via a impassível face de Ethan se suavizar com um sorriso.
Celeste me acenou e eles foram embora, a mão do homem grande, nas costas da COO. Só depois eu percebi o anel dourado na mão esquerda de Ethan.
“Eles já estão há quase um ano casados.” Ao meu olhar assustado, Jeremiah levantou uma sobrancelha.
“Sua pergunta estava estampada em seu rosto.” Eu abaixei minha cabeça ao seu tom sarcástico, limpando minha garganta. “E agora?” Eu perguntei dando uma última olhada no casal que estava saindo. O stress retornou enquanto eu não tinha ideia do que ele queria.
“Celeste te mostrou o hotel?”
“Um pouco, sim.” Eu não podia parar o sorriso que surgiu no meu rosto. “Ele é absolutamente incrível, fotos nunca fizeram justiça.” Ele deu uma risada divertida. “Espere até ver os quartos.”