Doutor Eisenschwanz sentou-se na cadeira ao lado da cabeceira da cama de Antonín, olhando profundamente dentro dos olhos azul-acinzentados do jovem endemoniado.
"Por que tu me perturbas, padre?", indagou o espírito maligno em latim, com sua combinação macabra de vozes.
"Não sou padre, sou um médico", respondeu Herr Doktor.
"Não mintas, padre, teu Deus não aprova. Sinto em tua alma que já mandaste irmãos meus de volta para Hades", retrucou o demônio.
"Estudei a ciência do exorcismo sob a tutela dos monges da ordem de Sankt Benedikt von Nursia, mas nunca fui ordenado sacerdote", o clínico começava a perder a paciência: "Mas já basta, servo do Inimigo, não estou aqui para falar de mim. Quem és tu?".
"Femina sum - sou mulher", disse orgulhosamente a entidade diabólica dentro do corpo de Antonín. "Apenas mais uma de tantas que manipulam este mundo através da luxúria".
"E o que tu queres?"
"Quero a semente de um homem, para dar à luz um filho das trevas".
Visivelmente irritado, o doutor começou a esbravejar: "Imbecil! Como pretendes dar à luz, se possuis um corpo de homem?! Néscio filho da serpente!"
"O quê? Não me tentes enganar, padre! Sinto a força feminina da alma com que divido este corpo. Sinto seu amor pelos homens e seu desejo contido, prestes a transbordar. Esta moça muito em breve conceberá um servo de Lúcifer!" - o ente respondeu indignado.
"Não vou mais suportar tua estupidez, sucubus! O corpo que tu transgrides é de um homem, não de uma moça. Este que te fala é um médico, não um padre. Fosse eu um padre, já te haveria removido sem nem ouvir tuas palavras corrompidas. E é isto mesmo que providenciarei neste exato instante!" - vociferou Herr Doktor em uma mistura enrolada e raivosa de latim e alemão antigo, enquanto sacudia seu punho no ar.
O doutor era um homem altruísta, generoso e cheio de compaixão, mas quando se irritava, fervia em seu sangue teutônico a ira de toda sua longa linhagem de antepassados guerreiros. Naquele momento, seu sotaque ríspido soava tão intimidador, que o diabo no corpo de Antonín calou-se.
Alzbeta e Pavel, que estavam dentro da casa, não compreendiam palavra alguma que ali havia sido proferida, mas percebiam os tons de voz que cresciam, e com eles a tensão.
Subitamente, Václav, que estava do lado de fora, foi surpreendido pelo Doutor, que marchava em sua direção com passo resoluto, o olhar fixo e os punhos cerrados. Herr Doktor ordenou em língua boêmia: "Dá-me minhas relíquias, velho! Exorcizarei o ser imundo!". Atrapalhado e temeroso, o pobre ferreiro demorou a recuperar os artefatos dos seus bolsos. Impaciente, o médico deixou novamente transparecer a sua fúria alemã: "Rápido, velho! Aber schnell!".
Já com a cruz de São Pedro e a medalha de Nossa Senhora em mãos, Herr Doktor marchou de volta, com a mesma determinação, rumo à cama de Antonín. O demônio percebeu que não haveria mais delongas nem conversa. Ao sentir aproximar-se o calor proveniente da prata consagrada do crucifixo, Antonín arregalou os olhos e saltou da cama, exclamando: "CRUX! CRUX!".
Doktor Eisenschwanz agarrou o rapaz em meio a sua trajetória de fuga, arremessando-o de volta sobre o leito. Frustrado, o diabo xingou: "DAMNATIO AD INFERNUM!". O médico subiu com um dos joelhos sobre a cama, e o outro sobre o ventre de Antonín, para não deixá-lo escapar. Com sua mão direita, pressionou a medalha de Nossa Senhora contra a testa do jovem, e com a mão esquerda, a cruz de São Pedro no centro do tórax. Naquele momento, Antonín começou a debater-se e sua boca a espumar.
O médico iniciou o ritual:
"Eu te ordeno, espírito imundo, sejas quem fores, junto com todos os teus servos que agora atacam este servo de Deus, pelos mistérios da encarnação, paixão, ressurreição, e ascensão de Nosso Senhor Jesus Cristo, pela descida do Espírito Santo, pela vinda do Nosso Senhor para julgamento, que tu me digas, por algum sinal, o teu nome, e o dia e hora da tua partida. Eu te ordeno, ainda, que me obedeças plenamente, eu que sou um ministro de Deus, a despeito de não ser merecedor; tampouco sentir-te-ás encorajado a ferir de maneira alguma esta criatura de Deus, nem os expectadores, nem mesmo seus bens".
Então, principiou a recitar, em voz lenta e retumbante, a fórmula composta de palavras bem conhecidas nos dias atuais, mas que pouquíssimos tinham ouvido naquela época, em pleno século XIV:
"CRUX SANCTA SIT MIHI LUX
NON DRACO SIT MIHI DUX
VADE RETRO SATANA
NUMQUAM SUADE MIHI VANA
SUNT MALA QUÆ LIBAS
IPSE VENENA BIBAS!"
Quando terminou de ser pronunciado o último verso do Vade Retro, cessaram as convulsões de Antonín. O Doutor, orgulhoso de seu trabalho, ficou de pé ao lado da cama enquanto cingia em torno de seu pescoço a corrente do crucifixo e recobrava a calma.
Antonín abriu lentamente os olhos, e, fitando o médico, abriu um sorriso. Este sorriu em retorno, com um misto de satisfação e altivez. Mas eis que os lábios do jovem ganharam contornos maliciosos, e, apertando-os, este cuspiu no rosto do doutor.
"O que tu pensavas, escravo do Deus Crucificado? Que eu abandonaria minha missão? Disse-te que estou aqui para receber em meu ventre a semente de um homem, e aqui permanecerei até ter atendido ao meu dever!", falou o súcubo através da boca de Antonín. E prosseguiu: "Tu podes castigar-me com teus encantamentos cristãos o quanto quiseres, mas asseguro-te que eu simultaneamente torturo a alma que comigo divide este corpo. Queres arriscar que ela fique insana, só para me expulsares? Pois bem, padre, vejamos quem resiste mais!".
Herr Doktor percebeu o sangue subir-lhe à cabeça. Ele começou a sentir um ódio irrefreável, que parecia estar prestes a explodir em um rompante gutural de palavras germânicas. Mas ao invés disso, ele inspirou profundamente, e fez um esforço sobre-humano para engolir a raiva, pois ele sabia que o demônio havia dito algo de verdadeiro. Não era raro que, uma vez falhado o exorcismo, o ministro do ritual perseverasse tentando expelir o diabo à força, enquanto este submetia a suplício a alma do hospedeiro. Tanta era a agonia, que o espírito parasita voltava para o inferno, mas causava loucura irreversível ao infeliz que tinha sido possuído.
"Pois bem, sucubus, venceste, por agora. Já expliquei o porquê de estar fadada ao fracasso tua missão, mas és estúpida e não me compreendes. Pouco importa. Retiro-me desta casa se deixares que o rapaz descanse", disse o médico, oferecendo um armistício.
"Deixarei a donzela dormir, padre", prometeu a entidade, ressaltando sensualmente a palavra PUELLA - "donzela".