Caminhei silenciosamente da cozinha até a sala, encarei todos e a um gesto do olhar de Ramon, entendi que ele queria que eu fizesse o movimento seguinte.
- Muito bem, espancador. - Dirigi-me à Liana. - Conte-nos sua História.
- Ser mãe é a coisa mais difícil deste universo. - Começou. - Até ser mãe, você pode manter intactos todos os valores que aprendeu na infância, todas as regras de conduta, todas as leis morais. Você prefere destruir a si mesma que passar por cima de certas regras impostas pela sociedade. A partir do momento em que gera uma vida em seu ventre, você perde esses valores, você destroça todas essas leis. Tudo que importa é o bem de seus filhos, por isso você abre mão de tudo que tem algum significado na sua vida. A felicidade do filho vale mais do que a honra da mãe, os valores dela e até sua vida.
Não espero me justificar com nada do que falei, sei também que nem toda mãe é desta forma. Algumas mães são verdadeiros algozes para seu filho, mas não eu. Não Liana, eu era a melhor mãe que um filho poderia esperar ter.
Quando perdi meu marido sofri a segunda maior dor da minha vida, na época pensei que jamais sentiria algo tão ruim. Dois meses depois a vida mostraria que eu estava completamente errada quando descobri ao mesmo tempo que meu filho era gay e estava se drogando. Entrei em total desespero, pedi ajuda desesperada a Yohan, que era filho de um velho amigo da família e foi amigo de infância do Daniel. Ele conversou com Daniel e com seu namorado e provavelmente ficou ofendido com algo que foi dito, pois desistiu de tentar tirar Daniel das drogas e me disse para seguir com meus planos de me mudar para Fortaleza e deixar Daniel em Curitiba. Cada pequena fibra do meu coração clamava para que não atender aquela recomendação, mas eu tinha uma confiança muito grande em Yohan e atendi.
Minha alma se destroçava a cada dia sabendo que meu filho estava mergulhado nas drogas em uma cidade distante de onde eu estava. Ele poderia estar se prostituindo, poderia estar contraindo todo tipo de doença horrível, mas não havia nada que eu pudesse fazer. Quando Yohan veio até mim e me orientou a parar de enviar dinheiro, quase não segui o conselho, mas ele me prometeu que se eu fizesse aquilo ele conseguiria tirar meu filho das drogas. Fiz. Chorando de dor, mas fiz. O resultado foi Daniel sumir completamente de vista em Curitiba, nenhum conhecido em comum sabia dele e ele deixou o apartamento em que ficou completamente vazio.
Foi o momento em que explodi, fui até Yohan desesperada e pedi ajuda, se ele nada fizesse eu mesma me lançaria ao mundo e faria de tudo para arrancar meu filho de onde estivesse. Até hoje não sei porque ele demorou tanto, mas tão logo aceitou ir atrás do Daniel por mim ele retornou à Fortaleza com meu filho surpreendentemente dócil e o internou em uma clínica de recuperação.
Foram meses redentores, logo meu filho retornou ao colégio para terminar o último ano e até voltou a jogar basquete com empolgação. Meu sonho estaria completo se ele se apaixonasse por uma moça boa e começasse um relacionamento normal. Ilusão minha. Ele mentia para mim e talvez até para si mesmo. Mas no fundo, não é bissexual, é completamente gay e isso não é algo que se possa curar. Restava a mim como mãe, aceitar sua condição, continuar amando como sempre amei e torcer para que encontrasse, não uma mulher, mas um rapaz bom, que fosse apaixonado por ele, que o amasse e o fizesse feliz.
Isso aconteceu bem antes do que eu imaginava. Ele se apaixonou por um garoto do colégio. Me contou tudo aos prantos, pensando que eu ficaria brava com ele. Fui investigar. O garoto que ele gostava era uma família poderosa e tradicional no estado, muito educado e com um futuro promissor, vi ali um excelente genro, talvez até aprendesse a ter orgulho de apresentá-lo como membro da família. Porém, a revelação logo se mostrou traiçoeira. Quem iria imaginar que o Yohan ia inventar de adotar como brinquedinho sexual novo exatamente o garoto que meu filho gostava.
Eu nunca o havia perdoado por ter demorado tanto para trazer o Daniel de volta das drogas, se quando tentou conseguiu com tanta facilidade. Ele poderia ter feito aquilo pelo amigo de infância muito tempo antes, mas o deixou se desgraçar um ano e meio às drogas. Quem sabe se ele tivesse vindo logo comigo para Fortaleza, não estivesse namorando o Caio ha um bom tempo já.
Pensar essas coisas me fez ter um rancor do Yohan. Eu sabia que ele tinha passado num concurso para Delegado, que ele faria o curso de formação apenas para aprender algumas coisas. Ele era um doente, que usava a inteligência que tinha para conseguir coisas que outros dariam a vida para conseguir mas ele apenas conseguia e descartava fora. Era difícil entendê-lo. Imaginei que quando ele fosse fazer o curso, o Daniel conquistaria o Caio, mas ele me informou que não mais o faria, que estava gostando muito do Caio e iria ficar para ver no que aquilo ia dar. Tomei uma atitude.
Cobrei dele todo meu rancor por sua demora em socorrer meu filho. Passei na cara dele o ano e meio da vida do Daniel que ele devia. Disse que eu o odiaria para sempre se ele não desse a chance do meu filho viver o amor que estava sentindo. Fui irracional? Fui, mas não exija racionalidade de uma mãe que vê o filho sofrendo por amor e tem medo de que nesse sofrimento ele sucumba novamente às drogas.
Ele ficou impactado com o que eu disse. Ele não sabia aquele rancor que eu mantinha guardado. Por mais que se acha acima dos mortais, Yohan não é alguém que sabe de tudo. Ele prometeu dar o tempo do curso de formação ao Daniel, se ele não conquistasse o Caio, ele então investiria sério. Eu confio no meu filho. Seria mais do que suficiente.
Porém, Yohan viajou e o maldito garoto Caio não se deixava conquistar pelo Daniel, ele pensava no Yohan o tempo todo, era o que eu entendia pelo que meu filho me falava. Eu fiquei desesperada, Daniel nunca foi de lutar batalhas perdidas, se ele se convencesse completamente de que Caio estava amando Yohan, ele desistiria. Nunca iria prejudicar o amigo, ele jogava limpo. Eu não. Eu ia garantir que ele vivesse aquele relacionamento, nunca mais perderia meu filho para as trevas.
Eu sabia tudo pelo que Caio tinha passado e conhecia algumas pessoas perigosas em Curitiba. Eu sabia que não poderia contratar ninguém de Fortaleza porque esse era o território de Yohan e mesmo sem ele aqui seu irmão era uma presença mais incômoda ainda. Ramon não tem o defeito de confiar demais nas pessoas, que sempre foi o grande ponto fraco de Yohan.
Dei o endereço, investi dinheiro e ordenei que o irmão do Caio fosse assaltado e estuprado. Meu objetivo era que o Caio achasse que Yohan estava fazendo atrocidades contra quem o agrediu e o Yohan achasse que era o Caio quem estava fazendo, usando seus novos recursos. Assim um se voltaria contra o outro e era o fim da harmonia do casal. O primeiro ataque foi apenas para criar um precedente, o terror se instalou quando mandei espancarem e estuprarem o rapaz que havia transado com Caio e vendido as fotos que tirara ao irmão mais velho deste.
Eu tinha consciência de que Caio não sabia o que Yohan fazia da vida. Pensava que ele era um dócil funcionário público. Ledo engano. Diante das desconfianças de Caio sobre Yohan, convenci Daniel a jogar uma pá de cal e contar a ele quem Yohan era de verdade. Ele concordou. Mas não sei o que aconteceu realmente, pois meu filho pôs os pés contra as mãos e a conversa acabou com ele não revelando nada e tendo uma briga com caio.
Resolvi enviar a ameaça sobre o último garoto, o que tentara estuprar Caio. Queria instigá-lo de forma que Yohan faria. Queria que ele se sentisse desafiado e queria testar ao mesmo tempo se ele era bonzinho ou se era um lobo. Ao invés de avisar à ultima vítima o que a esperava, ele foi a Curitiba encontrar Yohan. Deu tudo certo, sua desconfiança sobre Yohan o fez atravessar o país para verificar se ele estava mesmo onde afirmou estar.
Eu dei pulos de alegria quando Yohan me ligou dizendo que Caio descobrira sobre ele. Ele estava arrasado. Foi uma das raras vezes em que ele falou comigo para desabafar, ele é alguém que parece que nunca abre o coração, nunca revela seus medos e anseios para secretos. Caio voltou sabendo quem era Yohan e com certeza mais certo do que nunca de que ele era o culpado. Yohan retornou desconfiando que Caio estivesse realizando uma vingança pessoal. Em meio a esse turbilhão, o útil juntou-se ao agradável por Ramon descobrir que policiais conhecidos do pai de Caio investigavam Daniel. Ele precisou forjar desinteresse por Caio e um relacionamento com o amigo deste, Roney. Aquilo provocou ciúmes no Caio e foi a gota d'agua, ele iniciou um namoro com meu filho. Mandar surrar o terceiro garoto foi apenas o exaurimento do plano inicial, mas peguei mais leve com ele.
Meus planos estavam dando certo. Eu nem acreditava que estava conseguindo manipular o poderoso Yohan, seu irmão irritante, meu próprio filho e o Caio, que segundo notei, era até inteligente. Mas eu precisava do golpe final. Precisava criar uma cisão definitiva entre Caio e Yohan. E faria isso através do amiguinho que o havia revelado para a escola como gay.
Mandei o bilhete ameaçador. Através de um dos meus comandados importados de Curitiba. Não esperava que Yohan visse para colocar uma segurança forte em torno do garoto. Vi que seria impraticável começar uma guerra com alguém como ele para capturar o jovenzinho afeminado. Mas o destino sorriu para mim. Sorriu de uma forma que me convenci de que havia alguém lá em cima querendo que meu plano desse certo.
Eu estava encerrando um plantão no hospital, quando vejo o garoto afeminado entrando no hospital. Ele não me conhecia, apesar de ter sido um pretenso namorado do meu filho. Eu resolvi agir rápido. Coloquei uma máscara e disse que a mãe dele o mandou esperar na minha sala. Ele nem verificou nada. Apenas entrou e sentou. Dai para aplicar-lhe uma injeção calmante e dar-lhe inúmeros remédios para deixá-lo em estado de retardo foi fácil. Sabendo que o Yohan o interrogaria e entendendo o básico de hipnose, passei o tempo inteiro falando: CHEFE CAIO, CHEFE CAIO, CHEFE CAIO. Ele certamente lembraria daquela frase. E os remédios o impediria de reconstiruir os fatos de forma a fazerem sentido.
Com medo de alguém entrar pelo hospital e procurá-lo. Peguei uma cadeira de rodas e coloquei uma roupa de doente por cima da roupa dele. Coloquei-lhe uma máscara e o levei até o subsolo. Ele ficou horas no meu carro. Quando achei que era o suficiente, apenas o larguei e fui para casa.
Estava apenas assistindo o circo pegar fogo agora. Paguei generosamente meus amigos de espancamentos e eles voltaram para o Paraná. Fiquei impressionada quando o Daniel me disse que Ramon havia ligado e dito que Caio foi atacado pelo verdadeiro espancador. Eu era o espancador. E Caio era o falso espancador que eu criei para fazer Yohan correr atrás de uma sombra. Desconfiei que Ramon havia feito algo com Caio, mas era só uma teoria, eu tinha que vir ver e aproveitei a notícia de Caio ferido e o fato de ser médica como desculpa para estar presente.
Eu cheguei aqui e não entendi nada. E quando Ramon afirmou ter matado Caio, eu acreditei que aquilo podia ser verdade, mesmo sabendo que ele não era o verdadeiro espancador. Ele me fez aos poucos entrar em pânico e quando apontou a arma para meu filho, notei que sabia a verdade. Notei que era um jogo e que ele mataria meu filho para ganhar. Eu só não entendo, como. Como você descobriu que fui eu? - Concluiu ela dirigindo-se à Ramon.
Continua.