Eu não sou uma pessoa fraca, tenho um físico acima da média e não é uma quantidade de força razoável. Em uma situação normal eu teria conseguido reagir e me soltar do Mário, mas haviam duas agravantes contra mim naquela situação. A primeira era que ele estava usando um golpe que qualquer movimento que eu fazia aumentava ainda mais a dor no meu ombro e a segunda era que eu tive um surto de uma espécie de síndrome do pânico e fiquei tão sem reação que só conseguia chorar baixinho, nem mesmo falar conseguia.
Ele me forçou a voltar para o quarto e me atirou na cama. Eu me virei pra ele chorando e tentei pedir piedade. Em algum lugar da minha mente confusa eu me arrependia amargamente de ter cortado o lance que a gente estava tendo daquela forma abrupta, podia ter sido mais gentil, mas não consegui fazer nada, desculpas não saiam da minha boca, um clamor por compaixão muito menos. Ele estava completamente possesso de raiva pelo que fiz, porque uma pessoa normal notaria meu estado, ele apenas se jogou em cima de mim, puxou meu cabelo e me deu vários tapas. Tive uma reação autômatica de me livrar dos tapas tentando segurar as mãos dele, ele segurou minhas duas mãos e me deu uma joelhada nas costelas que me deixou completamente sem ar. Não lembrei de ter levado nenhum golpe mais forte na boca mas senti gosto de sangue saindo abundante de algum corte interno.
Eu gritei com o chute nas costelas e me encolhi todo em posição fetal, chorando muito. Parecia que eu estava em dois locais ao mesmo tempo, enquanto o Mário me batia e tentava tirar minha roupa, meu irmão me segurava no colo dele e me forçava a sexo anal enquanto ameaçava me bater, a dor das agressões físicas misturava-se à lembrança das imensas dores que senti ao ter meu corpo infantil invadido pelo Carlos. Eu via ele e o Mário com um rosto só, uma fera descontrolada que podia por fim a minha vida. Ele me virou de costas e puxou minhas calças, expondo minha bunda, forçou o penis que estava muito duro mais claro que não tinha como me penetrar porque não havia lubrificação nenhuma, ele levanta apressado e segue para a cozinha, acredito que foi atrás de algo para lubrificar.
Nesses breves momentos de ausência dele eu senti como que acordando de um sonho, olhei ao redor e percebi tudo que havia acontecido, quase entrei em pânico de novo mais me controlei. Olhei para os lados com pressa e verifiquei que a janela dele era de vidro e não havia grade. Nem mesmo procurei um trinco ou algo do tipo, simplesmente peguei a TV dele, que era uma de led de 32 pol e joguei contra a janela estilhaçando o vidro. Quando pulei a janela ele estava entrando no quarto e ainda correu para tentar me pegar, eu não pensei, não calculei, mas de alguam forma pulei o muro da casa dele e corri muito pela rua. Minhas roupas amarrotadas e o corpo doendo muito, meu maior terror era ser seguido, ainda bem que a carteira e o celular estavam comigo, dei sorte de topar com um ponto de táxi, entrei em um e dei o endereço do Roney, o taxista perguntou se eu não queria ir numa delegacia e eu disse que não, ainda com o rosto banhado de lágrimas.
Cheguei no prédio do Roney e liguei, ele só havia me visto chorando uma vez, ficou muito assustado e me esperava no corredor do andar, correu até mim e me abraçou.
- Amigo, pelo amor de Deus, o que foi que houve. Eu só chorava e chorava.
Ele me levou para dentro de casa, e a Zelma, mãe dele, estava em casa, como eu disse ela era enfermeira e reconheceu de ponto o que havia acontecido comigo, me sentou no sofá e perguntou:
- Conseguiram fazer algo com você ou só tentaram.
- Só tentaram, falei ainda me controlando, ela foi até a bolsa dela e pegou um comprimido e me entregou junto com um copo de água.
Cinco minutos depois me acalmei e relatei tudo a ela e ao Roney, ela foi um anjo, cuidou dos meus ferimentos e me deu todo tipo de orientação que se dá em hospital para quem é vítima de violência sexual. Me aconselhou a denunciarãa, mas eu disse que não podia porque iria expor minha sexualidade e eu tinha muito medo do meu pai. O Roney estava furioso com o Mário.
- Eu vou matar aquele filho da puta. Como é que é tão imbecil de não conseguir receber um não? Mas eu não entendo amigo, você é forte, porque não deu o troco nele?
- Eu fiquei sem reação cara, não sei, fiquei em estado de choque. Dei uma evasiva porque não queria falar dos meus traumas de infância.
- Basta de perguntas Roney, ele precisa descansar. Melhor ficar aqui por hoje, pela manha as marcas no rosto estarão praticamente desaparecidas, mas esse chute nas costelas vai demorar para sair. Pela manhã você ve o que é melhor fazer.
Não discuti com ela, apenas fui dormir no quarto do Roney, ele dormiu do meu lado me fazendo cafuné, decidimos contar para a Samia só no dia seguinte. Quando ele apagou a luz e deitou novamente ao meu lado, explodi em choro, me senti sufocado com tudo e em meio aos soluços contei a ele que fiquei paralisado porque lembrei do meu irmão abusando sexualmente de mim. Contrariando o estilo do Roney muito falador, ele não deu uma palavra, apenas continuou me fazendo carinho na cabeça até eu pegar no sono.
Colégio naquele dia estava fora de cogitação, a mãe do Roney disse que me conseguiria um atestado até sexta-feira, então o Roney foi sozinho para a escola. A Fi me ligou pela manhã dizendo que meu pai estava preocupado, eu disse que tive uma queda no shopping e fui no médico e estou de licença, que estava na casa do Roney e depois voltava.
Não queria ficar parado dentro de casa, precisava sair e espairecer, resolvi ir a biblioteca do Bnb pela manhã mesmo, almoçar por lá e passar a tarde também. Mandei mensagem ao Roney e a à mãe dele informando e sai. A pior parte de tudo foi escolher uma roupa do Roney que não ficasse muito esquista em mim. Mas acabei pegando uma calça simples e uma camisa igualmente básica. Nada muito chamativo.
Ao chegar na biblioteca, topo de cara com o carinha da outra vez, e isso me faz me lembrar de uma coisa básica. O Roney não me havia falado o nome dele. Eu estava com problemas maiores pela frente e nem me liguei muito nisso. Peguei um livro de história da áfrica e começei a ler. Estava tentando afastar as lembranças ruins e me concentrar na leitura quando ouço meu nome:
- Caio César? Me viro e é o carinha.
- Oi, sabe meu nome? Perguntei fazendo a pergunta mais idiota possível.
- O seu amigo, Roney, me disse. Posso sentar do seu lado?
- Claro. Respondi, ele tinha uma voz bem suave, parecia aquelas vozes serenas de um padre ou monge.
- Desculpa falar assim direto, mas você não parece nada bem.
- Talvez eu melhore se souber seu nome.
- Desculpa a falta de educação, Yohan, muito prazer, pode me chamar de Yoh, se não tiver nenhum problema com nomes que soam como se tivessem saído de um anime. Falou ele rindo.
Achei o nome dele muito bonito, nunca tinha conhecido nenhum Yohan, não sei porque mais aquele nome parecia deixar ele mais misterioso, mais bonito.
- Achei bonito. De verdade. Respondi.
- Obrigado, escuta, esse não é um ambiente bom para conversa e algo em diz que você anda precisando muito conversar, vamos tomar um café aqui próximo?
Não tinha como recusar. Fiquei impressionado com os modos cavalheirescos dele, o vocabulário perfeito, vendo ele estudar parecia um pouco desengonçado e até com um corpo deselegante, mas ele tinha uma finesse na forma de falar, na forma de agir, de mexer as mãos que impunha inconscientemente uma aura de respeito.
Ele me levou até uma lanchonete exatamente em frente ao Bnb, sentamos para comer observando a passagem das pessoas na rua. Então contei a ele sobre quem eu era, e ele contou sobre a vida dele, estava de férias do trabalho, fiquei impressionado porque ele passou no concurso público com menos de 20 anos, já tinha completo um ano lá e estava tirando as primeiras férias, aproveitando para concluir a faculdade de Direito. Realmente tinha passado com 17 anos na Federal e era mesmo muito inteligente. Nosso assunto na padaria não saiu das matéria de história, ele ficou empolgado quando eu disse que ia fazer direito.
- O assunto está bom, Caio, mais você não está falando o que queria conversar, tem algo a ver com essas marcas no seu rosto?
- Yoh, desculpa, mas acabei de te conhecer, isso aqui é algo muito íntimo, não posso falar assim. Respondi tentando ser bem educado.
- Tudo bem, te entendo, intimidade é algo que se conquista, não algo que se fabrica. Estava só querendo te auxiliar.
- Já está ajudando muito estando comigo aqui. Adorei a tua companhia.
- Isso é normal, estranho seria você não gostar de mim.
- Nem é convencido meu filho hein?
- Hum, primeira regra de sobrevivência social em um mundo cão. Todo mundo vai tentar te diminuir, então enalteça a si próprio em todas as oportunidades para compensar.
- Na minha terra a gente chama isso de SEACHISMO. Retruquei rindo.
- Na minha terra também, mas quem disse que só por isso se torna uma coisa errada?
Sabe aqueles momentos em que os dois se olham rindo e depois baixam a cabeça envergonhados por não saberem mais o fazer? Aconteceu isso, aquele momento singelo me fez esquecer por breves instantes os momentos de terror que tive na noite anterior.
Quando demos conta, já era mais de onze da manhã, de café aquilo já tinha chegado em hora de almoço. Eu disse que tinha que ir mas tinha adorado a conversa. Ele disse que o prazer era dele e disse que deixasse a conta com ele, mas fiz questão de pagar. Resolvi voltar para casa do Roney de ônibus mesmo, apesar do corpo machucado, pois a linha que ia para lá era bem tranquila e eu queria tempo para pensar.
Não levou cinco minutos e passou um ônibus bem vazio, suspirei aliviado e subi, quando sento numa janela e olho para fora percebo a tolice que fiz: Não pedi o telefone dele. Me dirijo para a casa do Roney amaldiçoando a mim mesmo, sentindo um misto de raiva com ansiedade de saber o que havia rolado na escola.
Quando chego no Roney ele está só em casa como de costume, pensei que ele ia vir ver se eu tava bem, mas apenas me olhou de forma inquisidora:
- O que tu foi fazer no Bnb? Fiquei surpreso com a pergunta, e também pelo fato de ele não me chamar de Sra. Como de costume. Percebi que falava bem sério.
- Só andar, Ro, precisava refrescar a cabeça.
- Refrescar a cabeça e correr atrás do Yohan né?
- Cara, cuidado com teu jeito de falar. Adverti. - Encontrei ele sim e a gente tomou um café, só isso, ele não tem nada contigo que eu saiba.
- Para seu governo, você sabe de muito pouca coisa, Caio. Esbravejou ele. - Cheio de homem ao redor e não quer deixar nada para ninguém. Quer saber uma coisa, sai da minha casa. Completou apontando a porta.
Continua...