Aqui é o autor! Mais uma vez, agradeço pelos votos e pelo apoio, mas muito mais pelos comentários em si.
Penso em usar a parte de termo para cenas mais hot mesmo. Afinal, não há analogia melhor. Rs.
Sim, gosto muito de mitologia grega. Na verdade, todas as mitologias são super interessantes, mas a que conheço mais ou menos é só a grega mesmo, rs.
E nomes de heróis e deuses dão um aspecto de força ao personagem, não? Gosto disso.
É isso, Boa leitura, pessoal!
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NEWTON VS. HOOKE
Para quem não sabe, Isaac Newton, um dos maiores gênios da história da humanidade, era um cuzão.
Com isso, quero dizer que ele era antipático, orgulhoso e anti-social. Seu maior inimigo era Hooke, outro físico, que todo aluno de ensino médio conhece (ou deveria conhecer) através do estudo de molas. A rivalidade é algo realmente interessante: ao mesmo tempo que é bom por gerar novas conquistas pela competição, é considerado ruim por envolver um sentimento de natureza má entre as partes.
Eu, particularmente, nunca senti interesse pela competição. Não que eu seja comparável à genialidade de Newton, mas sempre fui o melhor no que diz respeito às ciências básicas nos locais onde estudei (química, biologia e, claro, física). Vendo por esse lado, muitas pessoas já tiveram como meta ultrapassar-me. Apesar de não competir, tenho uma boa visão sobre a rivalidade, vendo-a como um estímulo.
Bom... eu não esperava esse tipo de coisa acontecendo fora da faculdade, mas eu descobriria que estava sendo ingênuo.
***
_Ai, Kevin, você tem que fazer isso agora? - minha mãe perguntou com um tom repressor.
Levantei meu rosto para ela, minha mão esquerda com uma colher com a qual eu comia cereal matinal e a mão direita com uma caneta com a qual eu corrigia as provas do terceiro ano.
_Quero terminar de corrigir essas provas logo.
_Por que essa escola tem provas tão cedo? Não faz nem três semanas que as aulas começaram. - minha mãe parecia revoltada.
Eu também achei estranho, mas até que era um bom sistema. As provas eram menores, com conteúdos mais compactos. A primeira prova que eu havia aplicado era de escalas termométricas e dilatação. Os alunos estavam indo muito bem. Nada menos do que o esperado dos alunos do Ômega (embora houvesse aqueles que ainda fossem um tanto desligados).
_Você devia tentar procrastinar um pouco, Kevin. - disse meu pai do outro lado da mesa com um sorriso zombeteiro.
Eu ri. Típico do meu pai. Eu herdei os olhos verdes e o cabelo castanho-escuros dele. Minha altura, porém, veio de algum lugar desconhecido, visto que ambos pai e mãe não eram baixos. Meu pai começara a dar uma engordada nos últimos tempos, mas para um homem de quarenta anos, tinha uma aparência muito saudável. Tinha mais de 1,80 de altura, pele branca como a minha. Minha mãe também tinha a pele bem branca, tinha mais ou menos 1,75 de altura, o rosto anguloso que herdei e só contribuía para as piadinhas sobre minha aparência relativamente frágil. Minha mãe era dona de casa e meu pai tinha uma clínica de cardiologia, o que nos rendia uma vida boa. Eu queria adicionar meu salário relativamente alto ao orçamento da família, mas meu pai se recusou, de modo que decidi usar o dinheiro que ganharia para pagar minhas próprias despezas e não deixá-los gastar comigo. No entanto, ainda moraria com eles, eu gostava de tê-los por perto, ainda mais porque passei quatro anos vendo-os raras vezes.
_Gosto de deixar tudo pronto rápido. - eu disse - E vocês sabem disso.
Minha vida corria muito bem. Sem problemas, sem grandes intrigas, sem rivalidades...
***
Cheguei na escola, desliguei o carro, peguei minha pilha de provas e saí.
Passei por vários funcionários, cumprimentando-os. Alunos também faziam sinais de longe, aos quais eu dirigia um sorriso. Entrei na sala dos professores, vários colegas estavam ali já sentados e conversando, esperando a hora de entrar em sala. Fui até meu armário, abri-o para colocar lá as provas. Senti uma mão agarrando pelo ombro esquerdo e fazendo-me virar bruscamente. Minhas provas caíram no chão.
_Quem você pensa que é para se intrometer no meu trabalho?
Era Henrique, o também novato não tão gentil. Tinha um rosto que emanava raiva, suas veias do braço estavam sobressaltadas.
_O que foi que aconteceu? - perguntei de forma defensiva.
_Aconteceu que agora você acha que é professor de biologia e resolveu ensinar aos meus alunos a minha matéria. - ele disse com um tom irônico e agressivo ao mesmo tempo.
Só então eu entendi. No dia anterior, eu havia feito uma pequena revisão de fisiologia com os alunos do terceiro ano D. Nem havia pensado na possibilidade de o professor ser o Henrique.
_Achei que não teria problema, os alunos pediram e eu...
_Achou errado, pirralho. - disse Henrique, aumentando a força do aperto no ombro.
Augusto surgiu ao nosso lado e segurou o braço de Henrique com uma mão. Eu podia ver que ele também aplicava força no punho de Henrique.
_Larga ele, cara. - disse Augusto com calma e raiva mescladas.
Henrique o olhou de forma descrente. Eu também estava surpreso.
_Larga logo, antes que eu... - Augusto começou a dizer quando Aquiles entrou na sala e o interrompeu sem olhar para nós.
_Quero os três longes um do outro. Faltam dois minutos para as sete. Andem logo. - Aquiles disse de forma fria e autoritária.
Vendo-o agora, eu pude perceber que o diretor do mal era realmente uma figura respeitosa. Seu cabelo era preto com alguns tons de grisalho, cuidadosamente penteado para o lado, curto e sem sinais de calvície. Ele tinha o corpo parecido com o de meu pai, com aquela típica fisionomia de pessoas acima dos quarenta anos(embora ele parecesse ter mais de 50), com uma barriga que causava uma leve protuberância na camisa social. Usava calças sociais pretas que lhe caíam muito bem e sapatos sociais pretos.
Desvencilei-me do aperto de Henrique, que não ofereceu resistência. Agachei-me para pegar as provas, Augusto me ajudou, assim como Alice, uma professora de Língua Portuguesa com a qual eu me dava bem.
_Tudo bem com você, Kevin? - ela perguntou com sua voz fina.
_Tudo, obrigado, Alice. E obrigado também, Augusto. - eu disse.
_Por nada, criança. - disse ele com o rosto sério.
Eu acabara de fazê-lo ir contra seu próprio colega, era óbvio que teria consequência. De repente senti-me inútil.
Talvez rivalidades sejam coisas que não dependem de nós. Acho que julguei Newton e Hooke erroneamente.
***
A manhã passou sem acontecer nada muito interessante. Dei aulas em terceiros e cursinhos, vi Apolo no recreio, ele conversava com alguns alunos, talvez amigos. Eu queria falar com ele e pedir desculpas, coisa que não pude fazer no dia anterior quando me encontrei com ele e seu pai, o terrível Aquiles. No entanto, eu o encontraria naquela tarde para explicar as matérias de eletrostática que ele havia perdido, podendo, então, dizer o que eu queria.
Janos marcou uma reunião na sala dos professores na manhã seguinte, seis e meia da manhã. Primeiro achei que teria relação com o que ocorrera entre mim e Henrique, mas a verdadeira razão, segundo o bom diretor, era discussão de cronograma e horários, que haviam apresentado problemas.
Almocei em casa, como tinha combinado com minha mãe. Falei sobre o que havia ocorrido.
_Esse Henrique é estourado demais. Só precisava de uma conversa, simples assim.
_Eu que o diga. - concordei.
_Mas, filho, você deveria entender o lado dele também. Imagina um professor de outra matéria ensinando seus alunos a sua matéria só porque os alunos não gostaram do seu jeito de explicar. Ainda mais quando esse professor explica ainda melhor.
Eu já havia pensado naquilo. Posso ter realmente cometido um erro, embora não tivesse visto isso na hora certa. Sorri para minha mãe.
_Eu nunca disse que eu explico a matéria melhor que ele, mãe.
_Nem vem, Kevin! É óbvio que você é o melhor. Você sempre foi. - ela disse com uma irritação carinhosa.
E eu queria que isso não me trouxesse problemas como estava trazendo.
***
Voltei para o colégio e encontrei Apolo esperando em frente ao prédio, com um caderno e um estojo. Estava encostado na parede sem se incomodar com os raios solares que atingiam diretamente sua pele que parecia esculpida em mármore.
_É meio perigoso se expor ao sol dessa forma. - eu disse.
Apolo olhou para mim parecendo ignorar minha tentativa de começar uma conversa, que convenhamos, foi ridícula. Eu nunca reparara em sua altura, mas agora via que ele tinha por volta de 1,80. Uma dúzia de centímetros a mais que eu.
_Boa tarde. - ele disse.
Ele entrou na escola e eu fui atrás. Segui-o até uma sala que ele mesmo parecia ter arranjado. Era uma sala de aula comum, mas estávamos só os dois ali.
_Bom... você prefere que eu explique no quadro ou no seu caderno? - perguntei enquanto ele se dirigia para uma carteira qualquer.
_Pode ser no caderno. - ele repondeu com um tom desinteressado.
Fiquei um pouco desanimado. Achei que talvez ele iria querer aprender, mas o que tínhamos ali era um professor mais novo que se mete onde não é chamado e o aluno desinteressado que não tinha uma boa primeira impressão do mestre.
Sentei lado de Apolo. Ele usava um perfume amadeirado e a essência adentrou minhas narinas. Sua mandíbula da uma forma perfeita e máscula ao seu rosto. A proximidade ali era maior do que eu imaginara que seria. Mas tudo bem, eu era capaz de superar aquele tipo de coisa... eu tinha que ser.
_Apolo... - eu disse um pouco baixo.
Ele olhou para mim.
_Quero pedir desculpas pelo primeiro dia de aula. Quando eu tento descobrir padrões, códigos e coisas do tipo eu me empolgo. Eu não queria ter dito aquilo em voz alta... o título do seu poema.
Seu rosto mudou. Por um momento mostrou algo que parecia surpresa ou como se eu tivesse tocado em um ponto frágil. Mas aquilo durou menos de um segundo, e no instante seguinte ele já tinha uma expressão séria novamente.
_Tudo bem.
E foi só o que ele disse. Esperei algo mais, mas nada veio. Então era hora de começar. Suspirei e passei a mão no rosto para ver se despertava.
_Certo, vamos começar pelas duas leis básicas da eletrostática...
Com uma folha em minhas mãos, eu desenhava e escrevia palavras-chave enquanto explicava. Apolo prestava atenção e assentia com a cabeça de tempos em tempos para sinalizar entendimento. Uma dificuldade veio quando eu explicava a fórmula de força elétrica:
_Aqui você pode ver que o módulo da força é inversamente proporcional ao quadrado da distância.
Apolo fez uma cara que eu conhecia bem. A cara de "eu não entendi, mas prossiga". Bom, eu não seguiria em frente com um aluno que não aprendeu o básico.
_Quer que eu explique novamente? - perguntei.
_Não precisa. - ele respondeu.
_Então se eu dobrar a distância, o que ocorre com a força?
Apolo ficou em silêncio enquanto pensava. Seus olhos negros fitavam o papel, mas não pareciam achar uma solução.
_Se quiser, eu explico de...
_Não adianta. - ele me interrompeu.
Fitei-o enquanto ele passava as duas mãos no rosto e no cabelo, como se estivesse cansado.
_Você desiste fácil. - eu disse.
_Não é essa a questão.
_Então qual é a questão?
Apolo olhou-me nos olhos antes de reponder. Seu olhar lembrava-me o de seu pai. Profundo e hipnotizante.
_Não consigo entender matemática. Sou melhor com palavras.
Pensei um pouco. Aquilo era bastante comum, alunos que se enquadravam em certas categorias. Apolo parecia ser de humanas e parecia gostar de escrever. Alunos de exatas muitas vezes tinham dificuldades para encaixar palavras no papel ou interpretar questões mais subjetivas. O melhor era ser um aluno balanceado.
_Não é problema. Posso explicar matemática básica nas partes que você travar. - eu disse com um sorriso encorajador.
_Acho que não vai adiantar... - Apolo não retribuiu o sorriso.
_Você nem me deixou tentar.
Expliquei o que era proporcionalidade, mostrei casos diferentes de inversamente e diretamente proporcionais, fiz exemplos.
_E então, entendeu? - perguntei.
_Acho que sim... mas não deixa de ser meio confuso. - Apolo disse parecendo meio envergonhado.
_Espera um instante.
Fechei os olhos e pensei em uma forma de tornar aquilo mais claro. Tive uma ideia. Criei uma pequena estrofe em minha mente e a declamei para Apolo:
_Inversamente se encaixa
Se um aumenta e outro abaixa.
Diretamente é chamado
Se o par vai pro mesmo lado.
Apolo olhou-me com uma cara realmente surpresa, mudando depois para um riso. Era a primeira vez que o via sorrir e, ainda mais, rir. Não pude conter um sorriso. Ele ficava ainda mais bonito alegre.
_Pelo menos eu tentei, ué! - eu disse rindo.
_Ficou bom... acho que depois dessa eu não esqueço mais. - ele disse ainda com um sorriso no rosto.
_Então eu cheguei aonde eu queria. Voltando à fórmula, se eu dobrar a distância, o que acontece com a força elétrica? Lembre-se que a força é inversa ao quadrado da distância.
Apolo pensou um pouco e respondeu:
_Diminui quatro vezes?
_Isso! - eu exclamei.
_Ah, até que não é tão difícil. - ele disse.
***
Passei mais uma hora e meia explicando a matéria que ele havia perdido, parando de vez em quando para explicar coisas mais básicas. Apolo aprendia bem, mas continuava com grande dificuldade com cálculos.
_Bom... eu só cheguei até aqui com a turma. Podemos parar agora. - eu disse.
_Como você decifrou meu poema tão rápido daquela vez? - perguntou Apolo subitamente, fazendo-me lembrar de nosso primeiro e terrível contato.
_Eu só inverti umas sílabas, trocando algumas palavras de lugar também e tirando algumas letras que você usou para enganar. - eu disse lembrando-me do método.
_Só? Tenho que admitir que aquilo foi incrível. Eu mesmo demoro para conseguir decodificar, e você fez olhando o texto de cabeça para baixo.
_Para quê tanto trabalho para esconder? - perguntei.
Ele demorou um pouco para responder.
_Alguns poemas são muito pessoais.
_Sei... bom, não se preocupe. Só consegui ler o título daquela vez. - olhei o horário em meu celular - Acho que já vou indo.
_Ok. - ele disse permanecendo sentado.
Levantei e estendi a mão para ele.
_Até a próxima aula. - eu disse.
Ele apertou minha mão.
_Até a próxima aula.
Virei-me e fui até a porta.
_Ei! - Apolo chamou.
Olhei para ele.
_Valeu... professor.
Acho que corei naquele instante. Por alguma razão, era estranho vê-lo me chamar de professor.
_Por nada. - disse eu, virando-me rapidamente para disfarçar meu embaraçamento.
***
No dia seguinte, às 6:30 da manhã eu estava na grande mesa da sala dos professores. A maior parte dos docentes se encontrava ali. Janos e Aquiles também estavam presentes. Discutiram sobre possíveis mudanças no horário, alguns professores apresentando suas restrições e pedindo mudanças. Eu não tinha nenhuma reclamação, mas muitos professores ali trabalhavam em mais de um local.
A reunião chegou ao fim.
_Então é isso. Faremos alguns ajustes e avisaremos sobre todas as mudanças. - falou Janos - Alguém quer dizer mais alguma coisa?
Levantei a mão. Todos os presentes olharam para mim.
_Eu quero.
_Pode dizer, Kevin. - disse Janos.
Eu havia pensado na questão "Henrique" e cheguei à conclusão de que eu não estava errado. Minha intenção havia sido ajudar meus alunos, e para isso eu ofereci a eles mais conhecimento, o que não era condenável.
Mas mais importante que isso era o que aconteceria mais para frente se eu deixasse tudo como estava. Algumas vezes é preciso fazer sacrifícios, colocar-se no lugar dos outros e tentar, nem que seja um pouco, ver as coisas através da pessoa em questão.
_Quero pedir desculpas ao Henrique. Reconheço que me meti onde não devia.
Augusto parecia revoltado.
_Por que você está se desculpando?! - ele perguntou.
Não respondi. Aquiles olhava-me sério, parecendo analisar o que eu estava fazendo.
_E então, Henrique? - Aquiles instigou.
_Desculpas aceitas. - disse Henrique, levantando-se e indo para o banheiro logo depois.
Os professores começaram a levantar e ir cada um para seu canto, alguns indo pegar um copo de café. Augusto permaneceu com o olhar inquisidor sobre mim.
_Você não fez nada errado, criança. - ele disse.
"Eu sei" pensei. Mas as coisas não funcionavam daquela forma. Olhei para ele e dei um sorriso cansado.
_Tudo bem, Augusto. - eu disse.
No fim das contas, não existe rivalidade se uma das partes não a quer. Não sei dizer como era exatamente a relação entre Newton e Hooke, mas se havia uma batalha intelectual, é porque nenhum deles cedia.
E ceder para mim era fácil. As coisas costumam ser mais fáceis quando você simplesmente aceita uma situação, mesmo que ela seja desfavorável. Newton podia ser orgulhoso o quanto quisesse, afinal, ele era um gênio. Alguém acima.
Mas não eu. Não nós. Porque no final das contas, um dos mais importantes valores de um mero mortal é aquilo que menos queremos mostrar:
Humildade.
-Continua-