Eu fiquei em estado de choque. Perdi o chão e aliás, quase caí mesmo. Como assim a Paula, pra quem eu tinha acabado de falar que amava aquele pequeno, estava aos beijos com ele? Putz, se fosse qualquer outra menina, tudo bem. Mas uma amiga minha? Que sabia do que eu sentia por ele, ainda por cima? Aquilo foi muito pra mim. Évora percebeu o quanto eu fiquei mal. Ela olhou pra Paula, que nos olhou com um sorriso debochado no rosto e deu um tchauzinho.
Gehardt, sem saber o que eu estava passando, deu uma piscadinha pra mim num gesto malandro, típico entre garotos. Era como se quisesse dizer "viu, amigão, peguei uma mina!"
Mas aquilo só me deixou pior, claro.
Évora me empurrou pra saída, sem demonstrar uma grande reação, pra não dar mais esse gostinho pra safada da Paula. Lá fora ela virou meu rosto e disse:
- Ei, olha pra mim!- ela estava séria- você é uma pessoa muito melhor que essa catiploc varejeira! (catiploc era uma gíria pra piriguete, usada em Belém a uns anos atrás, e varejeira era puta).
- É, mas quem está lá beijando o cara que faz minha cabeça rodar- eu falava sem olhar pra ela- é justamente essa catiploc varejeira! Olha, de qualquer forma, eu não poderia sequer chegar perto dele. Talvez assim seja melhor, eu até acho bom eu ver logo ele com uma mulher, que eu aprendo meu lugar...
- Que teu lugar porra nenhuma! Você tem tanto valor quanto uma mulher!- ela me abraçou- Doni, tu tens que melhorar essa autoestima!
- Quer saber, Silmara, eu vou pro meu curso de inglês que eu ganho mais- eu estudava inglês lá perto, na mesma Avenida, porém dois quarteirões pra baixo- assim eu me distraio um pouco.
- Tá, fica bem- então ela me deu um beijo- e nunca mais me chama de Silmara! É Évora. É-vo-ra! Beijos!
Ai, essa menina e sua implicância com o próprio nome. Tivesse escolhido pelo menos um nome alternativo melhorzinho... Mas enfim, fui pro curso e desci a rua devagar. Esquecer o que vi, esquecer o Guê? Da boca pra fora é fácil, meu bem. Na prática, eu só pensava que deveria ter sido eu ali com meu baixinho, meu pequeno marrento. Se a Paula queria se vingar, ah, ela tinha conseguido. Então só me vinha na cabeça uma vontade enorme de acabar com ela, encher de tapas aquela cara hipermaquiada dela. Ai, se eu pudesse, dava-lhe uma surra que ela ia ficar roxa da cabeça aos pés,ia bater nela com um gato morto até o bichano miar de novo!
Mas não podia. Então, o jeito era dar o troco na classe, sair por cima... Enfim, fui pro curso, não prestei atenção em nada e fui pra casa, onde liguei para o Brunno e relatei o que aconteceu. Ele me deu conselhos, especialmente sobre me acalmar e não fazer nada contra a biscate da Paula, que eu poderia me arrepender depois. Nesse dia não quis muito papo com ele. Desliguei logo e, ao pensar mais uma vez no que vi, ao pensar que no fundo eu não merecia o amor por ser "uma porra de um viado imundo", que eu jamais seria feliz, chorei até dormir.
No outro dia, no café da manhã, quase não comi. Minha mãe estranhou, perguntou se eu estava me sentindo bem. Disse que sim.
- Não minta para a sua mãe, Doni. Você não está bem.- falou meu pai- eu também estou vendo como tu estás estranho. Alguém te fez algum mal na escola?
Não sabia o que responder. Não queria mentir, não tinha esse hábito. Mas em compensação, não poderia falar a a verdade pra eles também. Então, falei que estava triste com a possibilidade da Vânia ir embora, o que não deixava de ser verdade, mas definitivamente não era minha maior preocupação naquele momento.
- Então vai ver sua namorada, meu filho- falou meu pai- seu castigo está suspenso. Pelo menos por enquanto.
-Marcos! Desse jeito esse menino vai achar que pode fazer o que quiser!- falou minha mãe- acaba com a nossa autoridade!
- Não, mãe, eu juro que não vou pensar isso! - levantei e dei um beijo na careca do meu pai. Ele é bem mais baixo que eu, tem cerca de 1,65m e é negro.- te amo pai.
- Também amo você, meu filho!- ele me abraçou pela cintura e me olhou querendo me dizer algo. Eu já sabia o que era. Era pra eu abraçar minha mãe também, ela era super ciumenta- vai lá com sua mãe...
Vem cá, mãe, me dê um abraço!- ela fechou a cara dando uma de durona. Mas sorriu no final. Minha mãe é um pouco mais alta que meu pai, loira de olhos castanhos. Descende de alemães, mas infelizmente nem ela e nem um dos netos puxou os olha azuis do meu avô- eu também te amo muuuiitoo.
Me despedi deles e do meu irmão e fui pra casa da Vânia. Decidi passar antes rapidinho na casa dos meus avós, dei um cheiro neles e fui até a casa da tia da Vânia, que ficava ao lado. Quem atendeu foi irmã dela, Vilma, que sempre me tratou super bem. A tia delas não ia muito com a minha cara, nem com a do meu tio, namorado da Vilma, mas pra minha sorte ela trabalhava o dia todo. Fomos até a sala e ela foi chamar a irmã.
- Meu amor, que saudade!- disse a Vânia quando me viu- vem, vamos conversar lá no meu quarto!
- Claro, vamos sim- eu falei sem entusiasmo- você está linda hoje.
-Você é que é lindo, meu gatão.- eu amava isso na Vânia. Ela sempre levantava minha autoestima- deita aqui na cama comigo, pra gente matar a saudade.
Deitamos, e logo começamos a nos beijar, mas eu me senti mal com aquilo. Eu nunca encostei um dedo no Guê nem em ninguém, mas me sentia traindo a Vânia e a minha consciência pesava muito. Eu estava ali abraçado a ela, mas quem eu queria era ele. Eu nsiava pelo dia que sentiria de pertinho aquele perfume gostoso que ele exalava, que estaria com ele na cama juntinho só conversando sobre o nosso futuro e bobagens e namorando tranquilo. No entanto, era ela que estava ali, era ela que me amava. Aliás, me amava tanto, mas tanto que eu nem sabia o quanto. Ainda.
- O que você tem?- perguntou minha linda namorada- você está estranho comigo e não é de agora.
- Tô muito cansado e tem aqueles problemas na escola- novamente, não menti mas também não disse a verdade- você sabe como eu fico mal com essas coisas...
-Não, mas isso não é de agora, já te disse.- ela provavelmente tinha notado, assim como os colegas da escola, minhas mudanças antes de mim.- eu venho notando a meses que você vem me tratando mais friamente, a não ser naquele dia no motel. Você não fala mais comigo como antes, não me olha como antes. Você nem me beija como antes. Eu não quis falar nada porque quem procura acha, mas eu não vou ser corna, se você está se metendo com alguma vagabunda, me diz logo!
Eu fiquei sem saída. Os olhos dela estavam marejados, ela estava se segurando pra não chorar. Logo eu também estava assim. Ela me olhava de cima, pois eu estava deitado de barriga pra cima e ela estava de lado apoiada em um dos braços, pra ficar acima de mim. Eu olhei para o outro lado, na direção da porta. Ela gentilmente segurou meu rosto e me fez olhar novamente pra ela.
- Eu prefiro saber por você do que de outra maneira- ela me olhava nos olhos. Como era forte, essa menina!- você já disse tudo com essa atitude. Só me diz o nome da menina. Anda.
- Não tem menina nenhuma- falei- esquece isso, por favor.
-Não mente pra mim. Vai ser pior- uma lágrima desceu o rosto dela. Eu quis morrer, por ser o culpado- me fala quem é ela e se você ainda me quer, se ainda me ama.
-Eu te amo, mas estou amando outra pessoa- falei. Era agora ou nunca.-o nome del... O nome dele é Gehardt.
-Dele? Gehardt? Ai, eu não acredito que você me traiu com um menino!- ela começou a chorar muito- você ficou maluco? Porquê fez isso comigo?
-Eu nunca te traí! Nunca!- eu estava desesperado, não queria que ela pensasse que eu fiquei com o Guê- eu me apaixonei por ele, mas é coisa de momento, é uma bobagem, eu nunca trairia você! Ele nem curte, eu nunca fiquei com ele nem ficaria, eu sou fiel!
-Mesmo que não tenha ficado com ele, você está amando esse cara!- isso era demais pra mim, comecei a chorar também- você sabe que traição não é só física! E pra mim essa é justamente a pior, a emocional, sentimental. Você é gay? Você estava me usando de disfarce esse tempo todo?
-Não, claro que não! Eu te amo, também! Isso aconteceu!- eu nem sabia o que dizer, na verdade- eu acho que sou bissexual, porque eu me sinto atraído por você, mas ele me despertou esse sentimento. Me perdoa? Por favor? Não me deixa, eu jamais encostaria um dedo nele ou em ninguém.
- Meu Deus, eu nem sei o que pensar.- ela colocou as mãos na cabeça e fechou os olhos- quer saber, vai embora daqui, me deixa pensar nisso tudo. Por favor me deixa sozinha.
-Tá bem, mas que horas eu te ligo? Não quero simplesmente ir e te deixar nesse estado!
-Só vai. Eu te ligo. Sai logo daqui. Quando eu me sentir melhor te ligo e falo contigo.
Respondi um OK e fui dar um beijo em seu rosto, mas ela me empurrou. Eu saí e quando passei pela sala, a Vilma estava sentada em uma poltrona e me olhou muito feio. Só disse um tchau seco e eu acenei e saí. Será que ela ouviu algo? Não, ela não era disso, pensei. Deve ter brigado de novo com meu tio. Eles viviam brigando. Voltei para a casa da minha avó e almocei por lá. Depois fui ao Colégio.
Logo que desci do ônibus, em uma rua menos movimentada que dava na avenida onde ficava a escola, vi Michel e seus amigos babacas perto de uma lanchonete que ficava bem na esquina. Eu cheguei cedo porque não fui de casa, que era mais longe, então tinha poucas pessoas na rua. Eu fiquei com receio, já que eles estavam com raiva de mim e eu estava só e eles em três. Se fosse um ou dois, ainda vá lá. Mas os três... Mesmo do alto dos meus 1,89 e 90kls, poderia dar merda. Ainda assim resolvi continuar. Eu não iria amarelar na frente daqueles babacas.
Assim que cheguei perto deles, começaram a fazer gracinha, me chamando de viado, baitola, e outras coisas. Decidi passar sem dar bola, eu já não estava olhando pra eles, mesmo. Iria aguentar e passar direto. Mas um deles, chamado Hudson, me chamou de "filho da puta". Cara, me xinga, me pisa, me cospe, me ateia fogo, me faz ouvir o CD inteiro do Justin Bieber, mas não xinga minha mãe nem meu pai! Virei e voltei um pouco e disse:
-Filho da puta é tu, seu filho duma caceteira arrombada!- eu já tava encaralhado com todo o resto, essa foi a gota d'água.-um demente sem educação, semi-analfabeto, sujo, fedido da porra não deve nem ter mãe!
Nessa hora o Hudson veio pra cima de mim, e o outro moleque, acho que era Breno o nome dele, veio logo em seguida. Eu peguei minha mochila e joguei na cara do Hudson, que por instinto agarrou ela. Mas minha mochila estava sempre muito pesada, ele se desequilibrou e caiu. Logo o Breno estava em cima de mim, e me deu um soco na barriga. Eu aguentei a dor, segurei o braço dele e dei um soco de baixo pra cima no queixo dele. Não sou muito forte, mas meu pai treinou boxe na juventude e me ensinou algumas coisas. E eu de vez em quando brigava com meu irmão, então tinha uma noção do que fazia.
Ele cambaleou, mas não caiu. O problema é que eu só vi o Michel vindo pra cima tarde demais. Ele me deu um chute muito forte, eu só não caí por ser maior que ele. Hudson segurou um dos meus braços e logo o Breno veio de novo pra cima. Os três me seguravam e me batiam, na barriga e nas costelas, e voltaram a me xingar.
Algumas pessoas passavam, olhavam horrorizadas mas ficavam com medo e nada faziam. Eu pensei "é hoje que eu morro aqui mesmo".
-Anda, viado, reage, não é tu que não tem medo?- Michel liderava os xingamentos- me dá um soco agora, fresco do caralho!
Eles riam e me batiam. Eu comecei a me sentir zonzo, não sabia se ia aguentar muito tempo.
-Cadê teus amigos, teu namoradinho pra te defender, hein, bichona?- Michel falava- vou te dar uma surra inesquecível!
-O namoradinho dele tá aqui! Filho da puta!- disse alguém atrás de mim- seus covardes, bando de marginais!
Os três me soltaram e se afastaram. Eu me virei e vi Gehardt, Neto, Brunno, Évora e Maria vindo na minha direção! Ai meu Deus, era a minha cavalaria! Eu estava tão zonzo que quase caí na calçada, mas as meninas me seguraram, pra minha sorte. Será que tinha sido ele que falou aquilo? Sobre o "meu namoradinho"?
-Bateu num gay, seu escroto, agora vai apanhar de outro!- disse Brunno, chutando Hudson no saco- Toma!
Neto e Gehardt estavam atracados com Breno e Michel, mas ali era de igual pra igual. Eu fiquei com medo de alguém se machucar sério. Além de mim, é claro. Nesse momento, olhei pra esquina e vi que estava cheia de alunos da escola olhando a briga, mas ninguém chegava perto. Então ouvi o som da sirene de uma viatura da PM. A viatura dobrou a esquina e veio em nossa direção; eu respirei aliviado!
Michel e seus companheiros viram a viatura, pegaram as mochilas no chão e correram pela outra esquina. Logo a viatura parou ao nosso lado e um policial enorme desceu e a viatura continuou com outros dois policiais atrás dos moleques.
-O que está acontecendo aqui? Nós recebemos uma ligação sobre um rapaz sendo espancado por três, mas o que eu tô vendo é uma briga generalizada!- falou ele com a mão sobre a pistola .40.- Vocês são todos de gangue, não é?
-Não senhor! Aqueles três que correram estavam espancando sim o nosso amigo aqui!- falou o Brunno- ele estava quase desmaiando quando nós ouvimos uma pessoa saindo daqui dizendo que um rapaz estava apanhando de outros três e pensamos logo nessa possibilidade!
- Sim, porque eles ameaçaram ele esse mês depois de uma discussão em sala- falou Maria- eu sou moça direita, sou de Jesus! Esse negócio de gangue, está amarrado, em nome de Jesus!
-Quer dizer que vocês vieram defender ele?- o policial tirou a mão da arma e se ajoelhou perto de mim, que estava sentado entre Maria e Évora no meio-fio.-você está bem, moleque?
Eu falei que sim baixinho e gemi. Ele pediu que Évora levantasse minha camisa e então todos ficaram em choque com as marcas enormes na minha barriga e costelas. Gehardt se aproximou e tocou meu ombro.
-Calma amigão, não vou deixar eles encostarem em ti nunca mais- sentir o calor da mão dele na minha pele, o toque de veludo...- estamos todos do teu lado.
Aquilo foi demais pra mim. Eu já não estava bem, aquela energia me subiu pelas costas, eu fiquei tonto de novo e desmaiei.