Meu susto foi tão grande que fiz três coisas ao mesmo tempo: pulei, levantei e me virei para ver quem era. Era uma travesti loira bem alta e magra. Tinha as feições super desenhadas, evidenciado que já passara por cirurgia, ela estava acompanhada por outra travesti, que aparentava ser mais jovem e era ruiva. Ela se assustou mais do que eu com a minha reação.
- Por favor, eu não tenho nada. - Falei.
Ela começou a rir e pegou a outra pelo braço.
- Olha menina, o erê acha que a gente quer assaltar ele.
A outra olhou também mas não riu, me fitou, depois encarou sério a amiga e advertiu:
- Vambora amiga, deixa ele aí.
- Calma mulher, vai indo que eu vou só falar com ele.
A outra saiu e me deixou mudo olhando para a travesti mais velha. Ela então me encarou com mais calma.
- Fica calmo meu anjo, só queria saber porque você chorava tanto.
Foi então que notei que eu estava sendo preconceituoso com ela. Ela se preocupou com o meu estado, não tinha vindo me matar ou me assaltar.
- Desculpa, eu to com medo de tudo hoje. - Falei. - Fui expulso de casa. Não tenho pra onde ir.
- Valha minha mãe do céu. - Falou ela parecendo realmente surpresa. - Senta aqui do meu lado e me conta como foi isso. - Completou sentando na parada do ônibus.
Provavelmente foi para compensar meu preconceito inicial. Sentei do lado dela e quando vi estava chorando e contando tudo que tinha acontecido naquele dia. Falei inclusive da situação da minha mãe de morar na casa do meu padrasto e também que estava esperando o resultado do vestibular.
- Menino, teu padrasto é uór. Merece uma coça, mas tu também foi atender o boy no banheiro sem fechar nada hein?
- Foi o tesão da hora. - Não pude deixar de rir. - A gente nem se apresentou, qual o teu nome?
- Nicole. - Respondeu ela. - E o teu?
- Diego.
- Diego é muito grande, vou chamar só de Di.
- Beleza. - Ri.
- Qual tua idade?Falei. - Mas faço 18 em três semanas. - Acrescentei ao ver a cara dela assustada. Provavelmente não era uma boa ficar ali batendo papo com menores.
- Três semanas hein? Deixa eu ver a carteira.
Mostrei. Ela conferiu que ela verdade.
- Tu devia era procurar o conselho tutelar e fazer tua mãe te aceitar. Se tua mãe tivesse onde cair morta, é claro.
- Pois é, tenho que me virar. Pelo menos até fazer os 18 e conseguir me empregar. Mas deixa eu ir, preciso ir pro terminal. Vou ver se passo a noite lá. - Falei apontando o ônibus que permanecia parado um pouco distante.
Sai andando sem esperar a despedida dela. Talvez eu tenha sido um pouco rude, mas nem pensei nisso na hora. Queria muito pegar aquele ônibus porque não sabia se ainda viria outro. Estava há mais de 10 metros dela quando ouço sua voz.
- Di, volta aqui.
Me virei e apontei pro relógio, querendo dar a entender que minha hora chegou.
- Volta aqui menino, eu deixo tu ficar na minha casa.
Aquelas palavras me fizeram congelar, fiquei parado de costas uns cinco segundos pensando naquela oferta. Ela era uma completa estranha. Era garota de programa e ainda era travesti. Mas em meio a tantas tempestades estava ali me estendendo a mão. Voltei.
- Como? - Pedi para ela confirmar quando estávamos frente a frente novamente.
- Deixo você ficar lá em casa até fazer 18, ai você arruma um emprego e se manda. E tem que me ajudar em casa também. Se aceitar já tem onde ficar.
- Aceito. Aceito sim. - Abri um sorrido tão grande que ela acabou por rir também. Eu não acreditava que tinha conseguido um local para ficar.
- Nicole, obrigado mesmo. Você nunca vai se arrepender de ter me ajudado. Deus te pague. Não sei como agradecer.
- Se não sabe então para que tá me envergonhando já. Vamos para ali, você fica quietinho com as colegas e quando acabar o trabalho a gente vai pra casa.
Ela me levou até o ponto em que trabalhava, que ficava a menos de um quarteirão da praça. Lá estava a ruiva de antes e mais duas travestis. Passamos também por um ponto onde haviam três garotos e percebi que eram boys de programa também. A Nicole me apresentou todas, a ruiva era a Talita. As outras duas tinha uma morena bem mais velha até que a Nicole, que se chamava Brenda e uma mais nova da faixa da Talita, que era loira e se chamava Lohana.
- Ni de Deus, mulher. O que tu quer com esse Erê? Isso é um aleijo, se os Aliban passa aqui a gente se ferra.
- Não é Erê não mulher, já é maior de idade. Não precisa ficar atacada. - Ela mentiu porque as outras provavelmente não me aceitariam por perto de soubessem minha idade verdadeira. A Ni aproveitou a deixa e contou que eu ia ficar com ela porque tinha sido expulso de casa.
As outras ficaram neutras quanto a minha presença, mas a Talita passou a noite me encarando feio. Me sentei em uma amurada de um prédio velho que ficava na mesma esquina em que elas trabalhavam. Observei a Nicole e as outras entrarem em carros ou subirem em motos várias vezes até que adormeci ali.
Acordei com alguém me balançando, quando vi, era a Nicole. O dia amanhecia.
- Acorda Di, hora de ir pra casa.
- Nossa, você trabalhou a noite inteira? Perguntei.
- Foi menina, é assim que eu ganho a vida.
Caminhei com ela e as outras até a praça, de onde pegaríamos um ônibus para a casa dela. A noite inteira não foi suficiente para fazer a Talita ir com a minha cara. Pegamos um ônibus relativamente tranquilo. A Nicole morava Próximo do Centro, só teríamos que andar algumas paradas. Só a gente pegou aquele ônibus, as outras pegariam outras linhas. Descemos em uma grande avenida do centro fomos caminhando.
A Nicole morava em um prédio muito antigo. Tinha até elevador, mas não funcionava, e 8 andares, ela morava no 5º. Era tão velho que eu fiquei impressionado de ainda estar de pé. Era um verdadeiro cortiço lá dentro. Cheiro de cigarro e de bebida, cheiro de vômito. Não era exatamente um local dos mais agradáveis. Mas para mim parecia um palácio, muito melhor que ficar sem teto.
Quase morro para subir os cinco andares, a escada era muito estreita. Enfim chegamos. Era um corredor igual a todos os outros, haviam 5 apartamento por andar. Não havia ninguém no nosso corredor. Quando Nicole abriu a porta, verifiquei que o apartamento dela contrastava com o ambiente exterior, era muito arrumado. Simples mas com tudo no lugar.
Era uma espécie de kit net. Sala, quarto e cozinha conjugados e um banheiro. Havia ainda uma pequena área de serviço. Havia um sofá, mesinha de centro, uma cama, guarda roupa e armário na cozinha. Além de fogão, geladeira e microondas.
- Você dorme no sofá. - Ela falou apontando. - Vou fazer um café e depois dormir, quando acordar providencio almoço pra gente. Tá com fome?
- Tô.
- Então espera que logo sai café.
Sentei no sofá e coloquei minha mochila do lado. Verifiquei que havia um jornal de três dias atrás na mesinha de centro. Peguei e comecei a folhar. De repente vi uma manchete que me chamou atenção, havia saído o resultado do vestibular. Eu não tinha grandes esperanças mas abri e verifiquei se meu nome estava na lista de letras. Pulei do sofá quando vi.
- Caralho, Nicole. Puta que pariu. Não acredito.
- O que foi menino? - Berrou ela quase derrubando a vasilha em que coava o café.
- Eu passei no vestibular.
Continua...
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